Capítulo 27.

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Tom deixou a xícara sobre a mesa de centro e o livro de lado quando, após longas horas ouvindo, a melodia cessara. O silêncio percorreu a sala, não era desconfortável ou sufocante. Era só silêncio. Chato e esquisito e silencioso. Tom preferia a melodia automática e impessoal do que o silêncio que parecia acompanhá-los nos últimos dias, como uma sombra infernal. Um lembrete. Um lembrete de... Do que... Harry voltou a tocar, o silêncio sendo expulso pela sequência de notas breves. Os dedos do alfa deslizavam sobre as teclas, uma depois da outra. Nota após nota. Uma distração.

Tom retomou o livro, a xícara flutuando até suas mãos outra vez enquanto, tão improvável quanto possível, o simples do alfa tocar já o confortava o suficiente para que continuasse, no automático. Assim como nos últimos dias. Assim desde que havia sido tolo o suficiente para abusar da sorte. Assim desde que... Desde o... O livro parecia menos desinteressante a cada segundos, páginas lidas no mesmo ritmo que o adolescente tocava suas melodia de falsa melancolia. Uma falsa leitura para um falso concerto.

Tudo falso. Falso para não deixar explodir. Falso para encobrir. Falso porque no fundo eles estavam afundando e afundando e afundando. Harry parou de tocar outra vez. A tampa que cobria as teclas do piano fora fechada com um baque surdo, o banco de madeira escura com uma almofada de veludo negro fora empurrado para baixo do piano. Passos ecoaram cada segundo mais perto. Profundos e automáticos. Mais perto e mais perto e mais perto. Harry estava, agora, na sua frente em branco e vazio. Encoberto e impessoal e afundando.

Tom deixou a xícara e o livro de lado, erguendo a borda da coberta de lã quentinha que o cobria o suficiente para que o alfa pudesse se juntar a ele no sofá, se quisesse. O fogo crepitava na lareira, o silêncio estranho pesava entre ambos enquanto o olhar do alfa caía outra vez sobre a sua barriga. Segundos longos e torturantes, silenciosos e impessoais. Harry caiu de joelhos em sua frente, uma lágrima escorreu pela curva da bochecha bronzeada enquanto deitava a cabeça em sua barriga, os braços o rodeando como se tivessem medo que fosse desaparecer.

Harry havia afundado e afundado e afundado demais e não havia para onde ir depois de chegar no fim, só haviam duas opções se afogar ou emergir. Harry não parecia tentado a se afogar, sua luta durante os dias parecia ter dado resultado. As tatuagens não brilhavam mas a dor parecia arrebatá-lo como uma enxurrada devastadora, arremessando-o contra realidade sem dó ou piedade. Tom levou os dedos até o cabelo negro do alfa, tentando confortá-lo. Que grande piada, ele próprio estava afundando.

— Eu achei que o perderia.— o sussurro quebrado cortou o silêncio, havia toda a emoção que não acompanhara a melodia, carregando toda a melancolia que as horas ouvindo o adolescente tocar não trouxeram.— Eu vi o sangue e senti sua dor... Eu tentei, tentei de salvar mas você desmaiou... O sangue não parava, a dor não parava e eu estava sozinho... Eu achei...— Harry continuou, a voz embargada soava dolorosa aos seus ouvidos e as mãos trêmulas rodeando seu corpo em outro tempo fora reconfortante.— Achei que perderia os dois.

Tom não soube o que fazer, não soube o que dizer enquanto as palavras sussurradas do alfa traçavam caminho por seus próprios pensamentos conflituosos, abrindo passagem pela dor e culpa, e emergindo e emergindo e emergindo. Eles haviam perdido, mas Harry ainda estava ali. Harry ainda estava puxando-o, emergindo-o, cuindando. Harry que chorava sobre sua barriga, ajoelhado ao seu lado, segurando-o com toda a força que tinha. Harry que achou que o perderia. Harry que achou que sofreria por duas pernas, mais perdas.

— Eu estou aqui, Harry. Você me salvou, estou bem.— sussurrou, Tom, envolvendo as mãos do alfa com as suas e puxando-o para cima, até que ambos estivessem sobre o sofá.— Veja... Eu estou bem, estou aqui. Eu não vou a lugar nenhum, você não vai me perder...— continuou sussurrando, guiando as mãos do alfa até seu peito, deixando com que o adolescente sentisse sua pulsação, as batidas de seu coração cintra o seu tórax, bombeando o sangue pelo seu corpo. Bombeando a vida. Vida que Harry salvara.

DOMINATE MEOnde as histórias ganham vida. Descobre agora