12} Cecília

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   Com o celular de Renato já podendo receber ligações e mensagens, o nosso negócio foi um estouro. Recebemos textos e áudios de diversas pessoas interessadas nos nossos doces e salgados. Os cartazes e panfletos estavam realmente muito bonitos.

O menino vizinho que carregava o celular de Renato, nos ofereceu um carregador em troca de alguns chuketes. Ninguém foi contra a ideia e agora tínhamos um carregador em casa.

Felizmente os clientes eram pessoas mais da região próxima, o que facilitava muito na hora de fazer as entregas. Guilherme e Guto revezavam essa função, enquanto Mel, Renato e eu revezávamos às idas nas ruas e o atendimento em casa. Foi sensacional. Recebemos mais dinheiro em duas semanas do que em toda a nossa jornada nas vendas das balas.

Num domingo, quando Guilherme e eu "recebemos" uma folga, decidimos sair para passear um pouco. O dia estava nublado e o clima maravilhoso. Ainda assim, tomamos sorvete e relaxamos no alto do prédio velho que eu havia apresentado a ele. Lá, quebrando um pouco o silêncio, Guilherme disse:

— Cecília? Se lembra da mulher do carro vermelho que conversou comigo há umas semanas?

Eu nem precisei pensar. Obviamente eu lembrava.

— Claro.

— Pois... Naquele primeiro dia ela estava me dizendo que eu não deveria está perdendo meu tempo fazendo isso. Que eu era jovem, que poderia seguir carreira. – ele olhou para as mãos que estavam sobre as pernas estiradas. Foi mais cuidadoso ao continuar — E isso me fez lembrar que eu tinha sonhos, Cecília. – e então olhou para mim. Seus olhos pareciam tristes. — Eu queria fazer faculdade, me formar... ser policial, delegado, juíz...

Eu respirei devagar. Então ele queria ser um delegado ou um juíz... nunca poderia imaginar. Fiquei encantada.
E passei meio minuto olhando em seus olhos, enquanto digeria sua revelação. Balancei a cabeça, desviando o olhar por apenas poucos segundos.

— Entendi. E por que você decidiu me contar isso agora?

— Há uns três dias eu liguei para ela, já que a mesma me passou seu contato e disse para ligá-la caso eu quisesse que ela comprasse nossas coisas. Ela não me atendeu. Mas ontem ela me ligou de volta. Disse que viu um dos nossos cartazes e até já pensava em me ligar há alguns dias, mas nunca tinha tempo...

Eu não disse nem expressei nada, apenas esperei ele continuar:

— Aquela encomenda gorda de ontem era dela... mas não foi só para isso que ela me ligou, foi para me dá conselhos também... — eu assenti — Ela me incentivou, mais uma vez, a deixar isso de lado um pouco e ir atrás do que eu realmente queria. Ela até já tinha me oferecido um emprego, mas eu não cheguei a responder nem que sim nem que não.

Estranhei. Por que ele não me contou isso antes? E se essa mulher tivesse razão ao dizer aquelas coisas?

— Por quê? E que emprego?

Gotas finíssimas de chuva começaram a cair sobre nós. Gui me olhou meio receoso, seu olhar ainda mais encantador por trás daquele chuvisco.

— De modelo. – ele respondeu devagar — Ela disse que eu tenho o porte... Mas eu não respondi nada porque não tenho certeza de nada. Tenho... um pouco de medo... Principalmente de, por causa disso, eu acabar voltando para o orfanato. Só tem uma coisa que eu quero fazer lá de novo, que é pegar o Ravi.

Balancei a cabeça de novo e abaixei os olhos. Sempre que ele me falava do Ravi eu sentia uma pequena fisgada no peito, como se eu conhecesse o menino e sentisse a falta dele. De certa forma, ele faz falta aqui entre nós. Nem o conheço e já gosto dele. Porém não sabia se era uma boa ideia ele voltar naquele orfanato para pegar o Ravi, os dois poderiam ser pegos e ficar pra lá... ou pior, serem castigados.

Ao Acaso | ConcluídoWhere stories live. Discover now