Capítulo 39 - Revista

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– Eu vou dar dois dias para que o culpado tenha pelo menos a decência de assumir a culpa. – diz a diretora – Caso contrário, tomarei medidas mais drásticas. Lembrem-se: apenas dois dias. – e sai.

Fernanda está perplexa, assim como eu e todo o resto da turma. Não, não pode ser verdade. Eu não consigo imaginar nenhum dos meus colegas de classe vendendo drogas por aí. Só pode ter algo errado. E se essa denúncia não for verdadeira? Sempre há a possibilidade. Pode ser alguém fazendo alguma brincadeira de mau gosto. Mas quem seria capaz? Se isso for verdade, só pode ser alguém de outra turma. Ou não?

Há um aluno vendendo drogas aqui, dentro da escola. As palavras ecoam na minha mente. É um menino, penso. Só pode ser. Meus olhos passeiam pela sala de aula, observando os garotos. Há alguns com quem eu quase nunca falei, apesar de estudarmos juntos. Porque aqui cada um tem a sua “panelinha”, e eu costumo ficar apenas com o Gui e a Fê. O nerd e a doidinha, como alguns dizem.

Tem o Murilo. Um garoto rechonchudo e muito reservado. Fernanda me disse uma vez que ele mora com os avós, porque sua mãe morreu durante o parto e seu pai sumiu no mundo depois disso. Ela disse que ele “afoga as mágoas na comida”. Seriam as drogas sua outra maneira de se refugiar?

Também tem o Gabriel. Ele faz estilo rockeiro e também não é lá muito fã de socializar. Nunca soube muita coisa sobre ele, na verdade. Só que os seus pais são tatuadores e possuem mais tatuagens no corpo do que os livros que eu tenho na minha estante. E não são poucos. Mas... Seria ele?

E se for algum dos amigos do Rafa?

Tem o Lucas. Não, o Lucas não. Ele é do tipo que faz piadas sobre fumar um “baseado”, não alguém que realmente fuma um. Ou vende.

Mas também tem o Vinícius. Vinícius, o garoto avoado que passa metade das aulas desenhando. Se você pudesse abrir o seu caderno, com certeza veria mais desenhos do que atividades ou assuntos escolares. Não, também ele não.

E o Daniel? Antes do Felipe e do Henrique, era ele quem mais fazia sucesso entra as garotas da turma, perdendo apenas para o Rafa. A diferença é que ele sempre gostou da atenção que recebia, arrancando suspiros das garotas ao passar pelo corredor, mais preocupado em saber se o seu cabelo estava bem penteado do que com o resto do mundo a sua volta. E, com certeza, se o mundo estivesse acabando, a última coisa que ele iria querer consigo seria um pente. Ou gel, talvez. Mas acho que ele não. Se drogar seria extremamente prejudicial para a sua beleza.

Tem o Felipe. Mas eu duvido muito. Ele chegou há tão pouco tempo... Não seria capaz. Além do mais, ele é tão simpático com todos, tão comunicativo. Não que eu seja expert em perfis-de-pessoas-que-vendem-drogas, mas ele parece inofensivo.

Ainda tem o Henrique. Oh meu Deus. Ele é um completo idiota, mas acho que não a esse ponto. Será?

O toque do sinal me tira do meu transe.

Joana recolhe suas coisas e sai da sala, sem dar o seu “Tchau, meus amores!” de sempre. Todos estão se entreolhando de maneira desconfiada enquanto arrumam suas mochilas, como se dissessem: “Foi você? Será?”

Quando já estamos na rua, Fernanda enfim quebra o silêncio.

– Isso é... Muito louco.

– Muito. – diz Guilherme

– Muito. – eu repito

– Quem vocês acham que pode ter sido? – ela pergunta

– Eu não faço a mínima ideia. Tantos anos assistindo CSI pra nada. Pensei que isso fosse servir algum dia, talvez. Mas eu realmente não faço ideia. – o Gui responde

Fernanda revira os olhos, depois eles olham para mim, esperando uma resposta.

Penso na minha pequena investigação mental, mas eu especulei tanto e acabei não chegando a lugar algum, no fim. Então apenas digo o que estou pensando.

– Sinceramente? Também não faço ideia.

Quando chego em casa, encontro um pai largado no sofá, tirando os sapatos e os jogando para o alto, enquanto a Irene reclama que, “Meu Deus, um homem dessa idade consegue ser mais desorganizado que os meus filhos adolescentes!”

A Irene tem filhos? Penso.

– Eu amo a medicina, mas esse trabalho acaba comigo ás vezes. Hey, filha. Como foi a escola hoje?

Nada demais, a gente só descobriu que tem alguém lá da minha turma que vende umas ervas. Legal, né? Deve dar um bom dinheiro.

Sorrio com o meu próprio pensamento. Seria cômico se não fosse trágico.

– Normal. – respondo, enfim

– Ah, esses jovens evasivos...

– Ah, esses patrões bagunceiros... – Irene resmunga, fazendo-nos rir.

Depois eu apenas vou para o meu quarto, para passar o resto do meu dia na companhia dos meus livros.

❃  ❃  ❃  

[...]

Dois dias. O tempo que a diretora Carmen tina nos dado. Esse tempo passou e ninguém apareceu. Estamos todos apreensivos e curiosos. Nossa última aula, a de Geografia, foi reservada para uma “conversa” que a diretora provavelmente terá conosco. Mas eu tenho a leve impressão de que não será apenas isso. Ela disse que tomaria medidas mais drásticas. O que será que ela vai fazer?

Antes que eu pudesse listas as minhas opções mentalmente, ela entra na sala, acompanhada pelo porteiro, o Jorge.

– Bom dia.

– Bom dia. – respondemos, meio amedrontados.

– Eu tinha dado o prazo de dois dias para que o culpado aparecesse, vocês sabem. E o tempo acabou. Eu não posso deixar isso tomar proporções inaceitáveis. Por isso hoje nós vamos fazer uma revista nas mochilas de vocês. É claro que isso não garante nada, na verdade. Caso não encontremos nada, o que é bem provável, tratarei de fazer uma reunião com os pais de vocês. Uma hora a pessoa terá que aparecer.

Fernanda levanta a mão.

– Se a senhora sabe que não vai encontrar nada, porque nos revistar? Isso é invasão de privacidade.

Qualquer dia desses eu vou precisar costurar a boca dessa garota. Sério.

A diretora levanta uma sobrancelha.

– Seu nome é...?

– Fernanda.

– Ah, sim. Não é necessariamente uma invasão, Fernanda. E você por acaso tem algo a esconder?

– Claro que não.

– Pois bem. E não custa nada tentar, só para ter certeza.

Então ela vira para falar algo com Jorge, e Fernanda cochicha para mim:

– Meu Deus, me sinto uma espécie de criminosa!

– Coloquem suas mochilas em cima das suas mesas, por favor. – Carmen diz

Todos obedecem.

Aos poucos, Jorge vai abrindo e vasculhando as mochilas de cada um. É visível que ele não se sente confortável fazendo isso. Mas ordens são ordens.

Ele já está no Rafael, e até agora não encontrou nada, como o esperado. Não sei pra quê insistir nisso. Como se a pessoa fosse burra o suficiente para trazer a prova do crime no dia do interrogatório. Pelo menos é assim que o Gui fala.

Mas então, do nada, ele para. Sua mão ainda dentro da mochila do Rafa enquanto ele olha desacreditado.

– Oh – diz ele, hesitante – Acho que encontrei alguma coisa.

Páginas da Minha Vida [Completo]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora