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Verena

A princesa mal havia dormido naquela noite. O casamento aconteceria em oito horas exatamente, seus olhos se abriam e fechavam procurando o brilho claro do raiar de um horizonte que definiria seu destino. Infelizmente em momentos de agonia o tempo parecia passar mais devagar e a noite ainda mantinha a escuridão da madrugada.

Verena suspirou pesadamente levantando-se da cama em que tentava por horas a fio adormecer. Se desvencilhou dos lençóis, dedilhando com os pés descalços o chão fresco. Olhou para o fundo do aposento amplo, para a silhueta de um monstro escondido entre as sombras. Aproximou-se, estreitando os olhos e a brisa refrescante de primavera sacudiu as cortinas dos vitrais, raios de luz da lua adentraram o quarto e ela viu.

− Talvez um monstro fosse melhor. −suspirou para si mesma, enquanto observava os baús empilhados com todos os seus pertences prontos para partir ao norte assim que o casamento fosse consumado.

Atravessou a sacada ampla do quarto, observando a cidade que crescia morro abaixo. A essa altura tudo já estava preparado para os festejos. Flores encantavam as ruas principais, todas as casas haviam sido pintadas com as cores da primavera, mesmo aquelas dos distritos mais pobres. Fios haviam sido estirados do topo das casas e pelas ruas, fitas coloridas foram penduradas com as mesmas cores. Quem olhasse de baixo, nas calçadas, veria apenas um céu colorido.

O castelo de Florenscia estava lotado com famílias nobres. Todos os líderes da cidades livres compareceram, todas as grandes famílias nortenhas. Verena se sentia incomodada com tantas pessoas, tantos olhos nos corredores, tantos ouvidos atentos a qualquer deslize seu. Ela sabia que qualquer erro cometido acabaria com tudo, que seus passos não ditariam apenas o seu destino, mas o futuro de um império.

Desistiu abdicar de sua mente sufocante, envolveu o corpo em um robe perolado que ressaltava sua pele marrom de seda. Abriu a porta com cuidado, torcendo para não ser reconhecida por fofoqueiros a espreita e desceu aos jardins, precisava tomar um pouco de ar fresco.

É apenas política, pensou enquanto os pés percorriam o caminho das escadas. O pai havia feito aquilo, Gennady havia feito aquilo para salvar a cidade. O cerco de Westia havia sido uma demonstração de sua grandeza, os dobradores não tiveram chance alguma contra eles. Não depois do que foi mostrado.

Se Jarnstäd podia fazer aquilo com dobradores, sua força contra os humanos de Inone seria apocalíptica. Extinção pura e completa.

Verena avançou pelos corredores, descendo escadas curvadas até o térreo, percorrendo o chão de mármore frio com seus pés descalços. Seus olhos alcançaram a porta de vidro decorada com arabescos no final do corredor e o corpo seguiu seu caminho, irrompendo para o ar puro da noite.

Não há o que pensar, não há o que reclamar. Seu papel é um só, case-se e faça o que deve ser feito. Garanta que todos sobrevivam da melhor forma possível. 'Uma rainha não segue seus sonhos, ela faz o que deve ser feito', sua mãe provavelmente a repreenderia com essa frase, se estivesse viva.

A princesa suspirou profundamente a brisa fria, sentindo o frescor lhe invadir o corpo, aliviando aos poucos a ansiedade que a consumia. A jovem desceu para os jardins sentindo a grama fofa e recém-aparada sobre seus pés. Ela estava molhada com orvalho e era refrescante.

Verena avançou um pouco pelo jardim, adentrando um labirinto pequeno e não muito complicado de arbustos um pouco maiores do que ela. Queria que sua mente se calasse por um instante mas não conseguia deixar de se perguntar porque o príncipe havia se dado o trabalho de trazer a si e sua corte tão para o sul? Eles eram obviamente superiores, possuíam um império crescente e Verena só podia oferecer a cidade de Florenscia. Sua família comandava o país de Inone, mas isso só duraria um ano ou dois, até que o contrato acabasse e outra grande família de uma das cidades- livres assumisse o reinado da União. Os nortenhos tinham gelo nas veias, , uma tecnologia nunca antes vista e guerreiros, já Florenscia tinha... flores e o controle das rotas fluviais que avançavam por todo o sul de Zonya.

Coração ValenteOnde as histórias ganham vida. Descobre agora