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Katarina

O cheiro de carne queimada irritou seu nariz. Katarina olhou para os resquícios de pele derretida, os ossos tinham sido reduzidos a pó e a armadura jazia caída como um molde sem corpo. Seus braços ainda estavam parados em frente ao rosto, uma tentativa fútil de se defender do golpe que acabaria com a sua vida.

Arfando, em choque, mexeu os braços trazendo-os para si e esse mero movimento arrancou um suspiro assustado da multidão. Katarina arregalou os olhos, acuada como uma criatura selvagem prestes a ser morta.

Colocou-se de pé lentamente. Seus olhos castanhos se ergueram, o mundo estava em silêncio. As pessoas em um raio de cinco metros dela estavam caídas no chão, atordoadas, algumas inconscientes, haviam partes queimadas e muitas pareciam cegas. A maioria dos guardas próximos estavam caídos e isso incluía a general. O restante da multidão não se mexeu, eles a encaravam incrédulos, sem dizer uma palavra, com medo demais de serem atingidos caso fizessem movimentos bruscos.

O sangue de Katarina fervia nas veias e apesar do medo constante ela sentiu que conseguia respirar melhor pela primeira vez nos seis meses que se passaram desde sua chegada em Florenscia. Era como uma pressão que comprimia os pulmões, aquela dor de cabeça latente, tivesse de certa forma se dissipado.

Voltou sua atenção para as mãos que formigavam e viu eletricidade pura fluindo pelas veias da pele branca, como se fosse seu próprio sangue, iluminando com um tom azulado o antebraço, as mãos e ziguezagueando pelos dedos até as pontas onde raios de energia escapavam, tilintando contra sua pele.

A dobradora sentiu a respiração parar, olhos arregalados fixos nos raios que lhe escapavam pelas mãos. Ela só queria que aquilo sumisse, que tudo parasse. Tentou desesperadamente esfregar uma mão na outra, lavar a magia ou que fosse aquilo, como se pudesse arrancar os raios com um toque. Ao invés disso raios foram disparados em direções aleatórias e pessoas foram atingidas.

Gritos de desespero explodiram e o mundo pareceu parar.

Lágrimas escorreram pelos olhos e em questões de segundos ela pôde ouvir uma voz masculina forte e estranhamente familiar emanando:

− Peguem-na!

Passos pesados de centenas de soldados começaram a descer o morro em sua direção e Katarina viu o momento exato em que o príncipe soltou as amarras da besta amarela.

Ela girou nos calcanhares e disparou rua abaixo se esgueirando pelos becos e vielas, o mais rápido que suas pernas sedentárias podiam. Katarina arfou enquanto as lágrimas e a saliva escorriam pelo corpo e ela lutava contra as pernas bambas e à vontade incontrolável de desabar sob os próprios pés.

O barulho dos gritos da população e dos militares era a única coisa passível de se ouvir. Katarina desceu por uma rua, atravessando uma pequena ponte que cruzava o córrego onde barcos lotavam com comerciantes. A sapatilha de pano velha se desgastou com a corrida, enroscando-se em um dos pedregulhos da estrada, ela tropeçou e caiu no chão.

A sapatilha se perdeu e Katarina rolou o resto da descida da ponte, batendo a cabeça, os joelhos e os antebraços. A dobradora mal teve tempo de sentir o ardor dos ferimentos antes que um zumbido se aproximasse rapidamente e a ponta de uma flecha acertasse sua bochecha de raspão arrancando um filete de sangue antes de se fincar no chão a sua frente.

Cambaleando se ergueu e continuou a correr, mesmo que um tanto manca. Sabia que a matariam se continuasse em um terreno tão aberto e fez um desvio rápido por uma passagem entre duas construções estreitas, rezou para que o pequeno espaço atrasasse a passagem dos militares e das flechas.

Coração ValenteOnde as histórias ganham vida. Descobre agora