6. Protegere muros

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        A noite caía no castelo e Namjoon já estava adormecido há algumas horas, sem sinais de que acordaria muito cedo. Jin estava sentado em uma cadeira ao lado da cama, analisando o grande corpo da figura ao seu lado, que, por mais imponente que fora, encontrava-se demasiadamente frágil. Vez ou outra, encostava o dorso da mão em sua testa para verificar a febre, que nunca abaixava. Orava para que a Deusa Aurora trouxesse saúde junto do amanhecer, renovando a pele desfigurada do tronco e curando suas feridas. A vontade de acariciar seu cabelo tomava forma e Seokjin arrastava seus dedos por seus fios pretos e ressecados. Normalmente, a falta de corte lhe incomodaria, mas dessa vez ,devia assumir que seus fios compridos davam um ar de rebeldia interessante.

        Rebeldia: essa palavra nunca precisou ser colocada no vocabulário de Seokjin, desde pequeno, teve tudo do bom e do melhor e jamais precisou enfrentar guardas raivosos ou chicotadas ardidas de um carrasco sem coração. Não importava qual fosse seu desejo, teria-o atendido imediatamente por servos que trabalhavam incansavelmente apenas para satisfazer as vontades mais frívolas de sua família. "Família", por mais estranho que fosse, esses fonemas nunca caíram bem na boca do ômega nobre, sua mãe veio a falecer quando lhe deu a luz, então fora criado por empregadas que lhe davam de comer, vestiam-no, penteavam seus cabelos a noite e contavam fantasias de ninar a luz do luar. Tinha alguém para chamar de pai, mas aquele homem nunca havia dirigido a ele palavras de amor e carinho, apenas princípios que deveriam ser seguidos à risca e orientações para a tão aguardada posse do Império. Seokjin sempre tinha algo para aprender e aperfeiçoar, estudava as obras de Platão, conseguia entrar em debates políticos cirúrgicos, tinha um talento excepcional para artes plásticas e se alimentava da mais refinada literatura na biblioteca Imperial diariamente. O garoto, já com tão pouca idade, impressionava os membros da alta corte em jantares e ocasiões especiais por seus modos e tremenda eloquência, tornando-se alvo de admiração popular, mesmo não tendo nascido como um alfa-lúpus, os típicos herdeiros dos maiores Impérios. No fundo, perto de todos aqueles homens importantes, a única aprovação que Jin procurava era do Imperador, que nunca pareceu satisfeito, não conseguia se lembrar da última vez que recebeu elogios genuínos, que não carregassem algum tipo de expectativa, ou melhor, cobrança. Nunca era suficiente.

        Apesar de estar no quarto observando o alfa, os pensamentos de Jin viajavam para outro lugar. O ômega tentava raciocinar e organizar todos os últimos acontecimentos de sua vida, porém não obtinha sucesso. Perto do rapaz desacordado, Seokjin ficava protetor e ciumento, chegando até a ser carinhoso, de um jeito fora do costume, ele não conseguia se controlar, seu lobo simplesmente tomava o controle e agia irracionalmente. Era óbvio que o nobre sentia algo a mais do que apenas uma leve pena da situação de Namjoon, ele sabia que o escravo era seu companheiro, porém tentava negar aquilo a si mesmo. O filho do Imperador se enganava com o argumento de que o alfa não era seu predestinado, uma vez que nem ao menos demonstrou qualquer sentimento ou reação para com o ômega, que era seu soulmate. Será que ele não queria ou não conseguia perceber que Jin era seu ômega? Em meio a todas essas reflexões, sem perceber, posicionou sua mão entre o rosto e o pescoço quente de Namjoon, recuando imediatamente, não podia tocar no alfa desacordado e ignorar seus limites, não queria invadi-lo. Tomado pelo cansaço daquele dia intenso, rendeu-se ao sono sentado na cadeira e a vela que acendera apagou-se com o vento que suspirava pela janela aberta.


                                                             ***


       Era por volta da uma da madrugada quando Namjoon voltou a consciência, abriu seus olhos lentamente e deparou-se com a penumbra estonteante que vivera por tantos dias, não podia acreditar que ainda estava naquele calabouço. Por que não havia morrido e acabado logo com a dor? Muita angústia o aguardava e o consumia até aquele momento e isso o causava imensos calafrios. Já conseguia sentir sua respiração descompassada e o escuro tornando-se palco para tragédias agridoces novamente, acompanhadas de berros, comida com sal, sede e chicotadas, era um ciclo sem fim. Sentia seu corpo imovel e não conseguia reagir, tornando-o um refém de suas próprias alucinações. Ao perceber a movimentação ao seu lado, Jin despertou freneticamente e acendeu a vela, vendo os profundos olhos de Namjoon implorando por ajuda.  A figura alheia o surpreendeu, fazendo com que erguesse seu tronco de modo abrupto, tentando levantar para fugir da escuridão, com os olhos cheios de lágrimas. De que servia o orgulho sem ninguém para prová-lo? Era a morte olhando em seus olhos, preparando-o para levá-lo? Seus pensamentos travaram quando a dor de mil agulhas perfurou suas costelas, provocando um gemido de dor. Jin aproximou-se imediatamente do alfa recém acordado, deitando-o de volta na cama:

        -Não faça movimentos bruscos, você está com algumas costelas quebradas, precisa de repouso total. - Jin sentenciou segundos antes de seu lobo liberar feromônios, buscando acalmar e passar segurança para o alfa agitado. Aos poucos, Namjoon lembrou-se do rosto delicado do ômega que o observava na Mina.

        -Onde estou?- perguntou com a voz rouca, seguida de tosse.

        -No meu quarto, tiramos você da prisão há algumas horas. Um médico veio e cuidou de suas feridas, seu corpo estava muito fraco.- ao ouvir a resposta de Jin, alfa quase não acreditou que fora salvo por um milagre e agora estava em um quarto de verdade, deitado e uma cama.- Não há mais pelo que temer, vou cuidar de você- secou as lágrimas que molhavam a pele  de Nam.

        -Para onde levaram Taehyung?- a preocupação que parecia ter sumido invadiu-o imediatamente.

        -Ele está aqui no castelo também. Há alguns dias, seguro. Não há porque se preocupar, tente descansar um pouco. Está tarde, amanhã o chamaremos- Namjoon  voltou a tossir logo que Seokjin terminou sua fala. - Gostaria de água?- Não esperou por uma resposta e logo buscou um pouco, aproximando o recipiente de sua boca. Sutilmente, posicionou sua outra mão atrás da cabeça do alfa, auxiliando-o a beber o líquido. A sensação de garganta seca cessou rapidamente, dando brecha para que o mais novo tentasse falar.

        -Por que me trouxe para sua casa?- Jin olha para os cantos tentando arrumar alguma desculpa para dar ao escravo, alguma que não envolvesse seu lobo ou um laço repentino.

        -Quando me deparei com o seu estado na prisão, a única alternativa que veio à mente foi trazê-lo para o castelo, para que fosse tratado.- Namjoon se sentiu agradecido, mas não sabia o que aquele nobre faria com qualquer demonstração de agradecimento, pois este este era facilmente confundido com a submissão.

        -Ah, então finalmente alguém da nobreza sentiu pena dos animais da Mina?! Que adorável, o garoto do berço de ouro percebeu que nem tudo são flores, no campo?- depois de seu momento de coragem, Namjoon percebeu sua tamanha irreverência e arrependeu-se, afinal, ainda era o filho do Imperador a quem estava se referindo. Do mesmo jeito que tirou-o do calabouço, poderia colocá-lo novamente.

        Seokjin ficou sem reação, uma vez que sempre fora tratado com milhões de reverências, elogios, sorrisos e nomes difíceis e a pessoa que era seu companheiro agira de modo completamente diferente de como era acostumado. Além disso, o ômega sabia que o que o alfa havia dito era verdade, fazia pouco tempo que percebeu que o seu mínimo era o luxo para alguns. No fundo, não conhecia nada de Namjoon e todas as impressões que tivera dele até agora eram acompanhadas pelo sentimento inevitável da pena, visivelmente repudiado pelo alfa derrotado, ao seu lado. Apesar de tudo, não podia julgá-lo, pois só assistira uma parte da última semana da vida de Namjoon, o melhor era colocá-lo para dormir para que não se sobrecarregasse.

        -Não fale mais, se não acordará de manhã sem voz.- em um ato involuntário, Jin levantou sua mão, aproximando-se de Namjoon para tirar seus cabelos da testa quente, mas surpreendeu-se ao ver o alfa, que há poucos instantes mostrou-se tão insensível, recuar assustado, apertando os olhos, como se esperasse por alguma punição vinda das mãos do ômega. Seokjin, então, aborrecido pela expectativa do alfa, quebrou a tensão passando a mão pelo rosto de Namjoon, depois por seus cabelos, acariciando-os suavemente. O alfa, percebendo que estava apenas recebendo afeto, baixou a guarda e aproveitou o carinho que recebia. Após algum tempo, o escravo adormeceu sendo acariciado pelo nobre.

        -Boa noite, durma bem.- beijou a ponta do nariz do alfa, completamente rendido ao sono.

       Foi ali, naquela noite, que Jin percebeu o tamanho das paredes que Namjoon construira sobre si mesmo para sobreviver àquele ninho de cobras. Todas as palavras frias, os olhares atravessados e sorrisos interrompidos pelo orgulho, escondiam alguém profundamente traumatizado.

Imperius- NamjinWhere stories live. Discover now