Sete

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(12 de janeiro de 1694)

 

A cabana estava silenciosa e sombria. O vento soprava irritado, arrastando folhas secas pelo chão imundo, enquanto Leon decidia se ia em frente ou não. Deu alguns passos em direção à cabana, mas hesitou diante da porta. Aquela altura, ele ainda não havia decidido o que era mais importante: se descobrir a verdade, ou seguir os princípios que seu pai e a igreja lhe haviam ensinado desde cedo.

A decisão foi tomada, não por ele, e sim pela porta que se abriu vagarosamente e da voz que veio lá de dentro:

— Eu estava esperando por ti, caçador.

Agora era tarde demais pra recuar. Leon Hawthorne podia ser tudo, menos covarde. Decidido, abriu caminho até o interior da pequena cabana. Não se surpreendeu ao encontrar uma mulher com os cabelos cor de fogo sentada junto a uma mesa, organizando o que parecia ser um tabuleiro. Ao seu lado, agarrada às saias dela, estava uma pequena menina com os cabelos da mesma cor acobreada, com os olhos verdes arregalados de medo.

— Como sabia que eu viria? — ele perguntou, a voz grave ecoando nas paredes frágeis da cabana.

— Eu sei de muitas coisas, caçador. — ela afirmou, lhe dirigindo um sorriso amplo. — Sei principalmente que não está aqui pra me matar, e sim em busca de minha ajuda.

— Como pode ter tanta certeza? — ele usou um tom ameaçador.

— Suas mãos não estão manchadas com sangue fresco. Quanto tempo faz desde que deixou de caçar? — ela o desafiou. — Desde que a perdeu?

— Não sei sobre quem está falando — Leon cerrou a mandíbula, reprimindo o impulso de enviar uma bala diretamente no coração daquela mulher atrevida.

— Sabe, sim — ela voltou sua atenção ao tabuleiro sobre a mesa. — Qual era o nome dela?

— Basta — seu grunhido de raiva pareceu fazer as paredes tremerem, e a menina se encolheu mais ainda de medo. — Irá me ajudar?

— Não tema, pequena Mildred — a mulher se voltou para sua filha, ignorando a presença do sombrio caçador. — Pegue as velas brancas para a mamãe, sim?

A menina assentiu e desapareceu pelo interior escuro da cabana, enquanto Leon observava a mulher dos cabelos vermelhos com fúria.

— Irá me ajudar? — ele repetiu a pergunta, tentando suavizar a voz.

— Tentarei. — a mulher o olhou diretamente nos olhos, e ele estremeceu.

— Não tem medo que eu vá te matar depois que conseguir sua ajuda? — ele questionou curioso.

— Tu és um homem honrado, Leon Hawthorne — ela respondeu. — Poupará minha vida se eu ajudá-lo.

Leon não pôde contestar. Ele realmente prezava muito sua honra, a única coisa que parecia lhe ter restado no fim.

Naquele momento a pequena Mildred voltou com um punhado de velas brancas nas diminutas mãos e as entregou à mãe. Apesar de se encolher de medo a cada olhar que Leon lhe lançava, quando ele não estava prestando atenção nela, Mildred parecia curiosa quanto ao estranho visitante.

A mulher organizou cuidadosamente quatro velas brancas ao redor de um círculo desenhado no centro do tabuleiro.

— Me dê suas mãos — a mulher comandou, estendendo ambas as mãos, dispostas cada uma de um lado do tabuleiro.

Leon hesitou. Ele não estava certo se deveria confiar em uma delas. Estava desesperado por respostas. Mas o modo de conseguir essas respostas ia contra tudo o que ele acreditava. Ou costumava a acreditar. Suspirou e se acomodou na cadeira vazia em frente à feiticeira. No tabuleiro, ele observou enquanto dava as mãos à mulher, estava desenhado um pentagrama circunscrito, e vários símbolos estranhos em volta. Ele se pegou imaginando se algum daqueles símbolos seria o mesmo que ele havia visto dois anos atrás.

A feiticeira exalou um suspiro e ele levantou seus olhos para ela.

— Você foi tocado pelo mal, caçador — ela disse.

— Tocado pelo mal? — Leon a olhou sem entender.

— Tocado pelo mal em sua pior forma — ela complementou. — Fostes amaldiçoado por magia das trevas.

Leon franziu o cenho, percebendo, pela primeira vez, que as mãos da feiticeira sob as suas desprendiam um calor que formigava suas palmas. Como se ela estivesse exercendo sua magia com apenas um toque. O que provavelmente era o que estava acontecendo.

— Isso não foi difícil adivinhar — ele resmungou.

Até ali, ela não tinha dito nenhuma novidade. Ele mesmo havia descoberto, da pior maneira possível, que era vítima de uma maldição. As palavras ditas naquela noite ainda ecoavam em sua mente, mesmo tendo se passado tanto tempo desde o ocorrido.

— O que queres saber é se há algum modo de reverter a maldição, estou certa? — a ruiva inquiriu.

— Precisamente — ele respondeu, os lábios alinhados em uma linha dura.

— Bem — a feiticeira começou. — Irá alegrá-lo saber que qualquer maldição pode ser quebrada.

— Mesmo? — ele perguntou, esperançoso.

A mulher acenou positivamente com a cabeça.

— Mas nem sempre é fácil — ela explicou. — Somente o sangue daquela que te amaldiçoou pode libertá-lo — ela lhe dirigiu um olhar solidário. — Mas ela está morta, não está? — sentindo suas esperanças serem esmagadas como cascalhos ao chão, ele puxou suas mãos pra longe. — Um feitiço escuro requer um sacrifício muito grande. Ela sacrificou sua alma para amaldiçoar a sua. Mas ainda há esperança.

— Acabastes de dizer que somente ela poderia me libertar — ele murmurou.

— Errado, caçador — a mulher corrigiu. — Eu disse que apenas o sangue dela pode ajudar. Mas seus descendentes também são portadores desse sangue.

— Então... — ele começou a falar, mas sua mente começou a trabalhar rapidamente, a esperança crescendo em seu interior.

— As filhas dela, ou as filhas de suas filhas são aquelas a quem tu procuras. — ela sorriu amavelmente pra ele.

— E se todos os descendentes dela houverem morrido? — Leon se lembrou de Jonathan Montgomery, o qual ele mesmo tinha dado fim.

— Ela não faria o feitiço sem antes se certificar de que sua linhagem sobreviveria, feiticeiras são muito orgulhosas — a mulher ruiva disse, olhando para sua própria filha encolhida num canto e sorrindo para acalmá-la.

— Tem algum modo de encontrar esses descendentes? — Leon perguntou depois de um tempo.

— Sim. Posso ajudá-lo nisso, também. — ela estendeu as mãos novamente.

— Por que está me ajudando? — ele quis saber, antes de se arriscar uma segunda vez.

A mulher o olhou intensamente, e um pequeno sorriso irônico fez seus lábios se curvarem.

— Porque eu não tenho medo de ti — ela respondeu.

Leon não sabia se gostava ou não daquela resposta, mas aprovou a coragem daquela feiticeira ardilosa. Colocou as mãos sobre as dela uma vez mais, e não se surpreendeu quando as velas se acenderam sozinhas um segundo depois.

Ele sorriu, grato. Finalmente encontrara um modo. Depois de tanto procurar, havia esperança, afinal.

Supplicium [Completo]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora