2.5 PRIMEIRA REUNIÃO

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 Eu não podia acreditar na minha sorte. Depois de encontrar o investigador no elevador, ele me acompanhou até o carro, onde eu lhe expliquei o projeto e ele aceitou, prontamente, arranhando um forte sotaque gaúcho. Ele prometeu me encontrar no almoço do dia seguinte para discutirmos como deveríamos fazer todo o resto.

Então eu fui para casa. Podia apostar meus dentes que qualquer pesquisa que eu fizesse não iria ficar nem perto do que esse tal de melhor investigador da cidade faria em cinco minutos.

Era melhor dormir.

Mas quem disse que eu dormi? Fiquei rolando na cama, cozinhando em ansiedade até dar uma hora aceitável para me levantar e ir ao trabalho. Quando cheguei, meio bagunçada porque não tinha cabeça para me arrumar, havia um post-it em meu computador.

"Fiquei sabendo que conversou com o investigador. Negociei os termos com ele e é todo seu. — ZS"

Quase fiz uma dancinha da chuva, mas mesmo que não houvesse ninguém por ali, eu sabia que as pessoas por trás das câmeras de segurança teriam visto e aquilo era demais para minha dignidade.

Preferi ir fazer um lanchinho e fiquei um tempo assistindo o canal da Esfera, nossa matriz, da TV da cozinha, concentrada nas quase nunca importantes notícias matinais. As gêmeas apareceram por lá quase uma hora depois e Mirzan me deu uma olhada maligna por causa das minhas olheiras, mas não disse nada, o que era bem incomum.

Com isso, achei que gastar meu tempo na cozinha era inútil e voltei ouvindo as novidades de Adhara até a minha mesa, onde me pus a ler os comentários mais recentes da coluna online.

O que eu fiz pelo resto da manhã? Apontei meu lápis. Fiz estrelinhas em post-its usados. Apontei meu lápis outra vez. Comi uma barrinha de cereal. Fiquei meia hora na cozinha, de novo, vendo o programa da Fátima. Fui ver se tinham mais lápis e apontadores no estoque.

Quando faltava meia hora para o horário combinado com... Tive que ler o cartão outra vez para me lembrar que se chamava Henrique, peguei minhas coisas e saí, avisando que tinha uma reunião no almoço.

— Safada! — Victor gritou.

— Me leva! — Mirzan implorou.

— Come verdura! — Adhara exigiu.

Achei que ouvi um "Já vai tarde" do canto obscuro da redação, mas resolvi ignorar e segui meu caminho.

Irremediavelmente em ponto, eu estava no restaurante combinado e lendo as opções executivas, olhando para o relógio de cinco segundos, esperando Henrique chegar. Pedi uma taça de vinho tinto para ver se o álcool me acalmava, mas passado vinte minutos do horário, o vinho só me deixou mais irada.

Quando Henrique chegou, quase meia hora atrasado, eu estava soltando fogo pelas ventas.

— Que tipo de profissional você...? — a pergunta nunca terminou de ser feita e a ofensa não foi proferida.

Henrique jogou uma pasta parda à minha frente e eu a abri curiosa, arregalando os olhos ao reconhecer a foto recente do primeiro da minha lista. Como ele sabia quem procurar, eu não fazia ideia, mas ali estavam todas as informações que eu precisava e muitas mais. Emprego, endereços, email, CPF, locais que frequentava, horários da sua rotina... Tudo. Eu estava impressionada.

— Estou de mudança para a tua redação essa semana. — sentou-se à minha frente como quem não quer nada e acenou para o garçom. — Lasanha bolonhesa e uma taça de vinho. Para a boneca, uns alfaces. — disse de forma cômica.

— Bife acebolado com fritas — pedi, lançando-lhe um olhar raivoso. — Sem alfaces.

Henrique estava rindo quando o garçom se foi e eu, irritada, preferi continuar lendo a ficha de Evan com cuidado para não perder nenhuma informação.

— Voltando — Henrique me trouxe à realidade. — Estarei na tua redação. O que mais tu precisares do rapaz, fale comigo. A primeira regra de trabalhar comigo é não tentar fazer o meu trabalho. Eu vou fazer melhor e com mais segurança, não importa o quanto tu tentes. Entendido?

Que prepotente! Mas acabei concordando com a cabeça, sabendo que ele não poderia ser o melhor investigador na cidade de São Paulo com pouca coisa.

— Ótimo. Se seguires essa regra, já vais ficar longe de um monte de problemas. — pegou o guardanapo de pano em cima da mesa e o levou para as pernas.

Henrique continuou falando enquanto esperávamos a comida chegar. Acertamos sobre a cadência de entrega das pastas, onde basicamente ele me daria uma a cada semana, para que eu pudesse estar munida para meus textos.

Até aí, tudo bem.

Foi quando ele começou a falar que achava melhor partir dele a decisão de como eu me encontraria com cada alvo que eu fui ficando irritada. Ele não parecia me achar capaz de ler aquele material e tomar caminhos inteligentes sobre o que fazer. Disse que podia ser perigoso e que eu não parecia a pessoa mais sensata do universo, de um jeito educado, mas que não disfarçava bem as entrelinhas.

Quando nossos pratos chegaram, eu decidi que não gostava dele. Resolvi comer o mais rápido possível e ele começou a falar algumas informações desconexas sobre Evan.

— Esse não deve ser um problema. O rapaz é escritor de livros infantis, vive disso, de algumas participações em roteiros de desenhos para televisão e da creche da qual é presidente — relatou.

Gostei das informações. Um cara que gostava de crianças sempre tinha tudo para dar certo e ser doce. Diferente do meu falecido produtor de pornô.

Henrique continuou o monólogo me informando o local que eu poderia encontrá-lo no dia seguinte, já que hoje, normalmente, ele ficava em casa escrevendo. Disse que, se eu quisesse, ele poderia averiguar antes se estava tudo certo para o encontro forjado, e por preguiça de rebatê-lo eu acatei.

— Mas, antes disso, dê uma passada em um salão e tente vestir algo... mais comportado — sugeriu, enquanto eu dava a última garfada na minha comida. Se não estivesse com a boca cheia, eu teria lhe dito umas ofensas. — Estás com cara de quem não dormiu, e com esse decote o querido escritor de livros infantis conservador vai te descartar em dois segundos.

— Você podia tentar ser menos babaca, sabia? — reclamei, apesar de saber que ele estava certo. Eu de fato não tinha dormido direito e não pretendia usar uma roupa ousada no dia seguinte.

Antes que ele pudesse responder, porém, levantei-me e saí marchando do restaurante. Não me arrependi. Se ele se sentia no direito de falar aquelas coisas ridículas, que pagasse a conta.

Amor&SexoWhere stories live. Discover now