01/11/2014 - 00:01

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Um outro lugar, um outro tempo... 

Um som que parecia o badalar de um relógio martelava minha têmpora. Ergui a cabeça e fitei o chão de madeira corrida. Lembranças confusas faziam minha mente rodopiar.
Fogo. Lucian. Sacerdote. Dukian.

Eu só me recordava das chamas. E eu entre elas. Com as mãos espalmadas a frente, sem reconhecer uma palavra do que dizia.
Por que eu fiquei parada no meio do fogo? Como fiz isso sem me queimar? E por que estou deitada no chão?

Dukian. Sacerdote. Fogo. Lucian.
Repeti as palavras mentalmente, a memória parecia estar com preguiça de me mostrar o que havia acontecido.
- Lucian!
Ergui os braços. Levantei o corpo como se pesasse uma tonelada e procurei por ele. Eram quase meia noite chegamos à casa do Sacerdote. Abracei meu tronco e cerrei os olhos. A memória voltou e vi o rosto de Lucian contorcido de dor. O corpo dele sofrendo de espasmos. O fogo. Os olhos dele, dominados pelas chamas... Meu estômago se retorceu de agonia.

- Lucian! – gritei de novo, inutilmente.
Olhei a cama atrás de mim e cobri a boca.

Aquilo não! De novo não!
Toquei a parte de trás da cabeça e senti meu cabelo preso em um coque. Olhei para os pés e vi o vestido volumoso.

-      Eu preciso voltar!

 - Lucian! Lucian!

Fechei os olhos e pensei nele com toda a força que havia dentro de mim. Não adiantou. Quando abri os olhos, continuava sentada no chão de madeira corrida.

De novo esse quarto. Outra vez voltei ao passado.

Levantei trôpega e me apoiei no espaldar da cama de dossel.

Se eu consegui voltar ali, também conseguiria sair.

Respirei fundo uma dúzia de vezes e comecei a vasculhar o ambiente. Se minha mente me levou ali, talvez eu encontrasse alguma resposta para dar um fim a essa noite macabra.

Tateei a penteadeira e encontrei aquele espelho de mão com aspecto antigo. Da outra vez que estive ali, eu o derrubei e uma chave saiu de dentro do cabo.

Seria isso?

Olhei em volta mas não localizei nenhuma fechadura onde eu pudesse inseri-la. E a chave podia estar perdida. Agachei e espiei por debaixo da cama. Com a fraca luz das lamparinas, não consegui enxergar quase nada. Esfreguei as mãos no chão de madeira corrida, com a esperança de esbarrar em algo. Não aconteceu.

Arrastei o corpo e entrei debaixo da cama. Talvez eu estivesse maluca, mas algo dizia que se eu encontraria qualquer coisa, seria ali.

Ouvi passos se arrastando no piso e parei de me mover. Apurei os ouvidos.

-       Hugo, você precisa ir embora. Por favor, não posso perder você também, meu amor!

-       Não Cordélia. Eu vou contar a verdade à Acássia. Direi a ela que amo você e tudo vai ficar bem. Você vai ver.

Cobri a boca com as duas mãos para abafar minha surpresa. Eu estava ouvindo meus pais! Um século antes!

-      Não Hugo, não faça isso! O que nós fizemos foi errado. Ela jamais me perdoará. Eu sou uma desgraça para o Coven. Sempre fui a mais fraca de nós e agora... Agora talvez ela até já saiba... Talvez saiba que não só a traímos, como mentimos por um ano. Por que eu fiz isso? Ah, Hugo, se eu pudesse voltar no tempo.

Minha mãe era do Coven? Quis sair de debaixo da cama e enche-la de perguntas mas me contive. Como ela pôde esconder isso de mim?

-        Acalme-se Cordélia. Vamos seguir com o combinado. Hoje, você volta ao Coven e explica que está curada da doença. Mal dá para notar sua barriga. Elas não desconfiarão que você estava grávida

Olhar de FogoWhere stories live. Discover now