Meu Querido, FODA-SE

Capítulo 22

Peça a um grande pintor descrever o porque de um quadro ser uma obra prima, provavelmente ele citará os pequenos e minuciosos detalhes que são tão discretos que praticamente passam despercebidos ao olho nú... Engraçado, quando me perguntam como se constrói um amor eu digo apenas "detalhes"... pequenos... Uma porção deles.

Fernanda Rezende

O ar quente forma uma onda de mormaço que bate no asfalto e me cozinha de baixo pra cima, deixando minhas bochechas vermelhas e queimadas. Puxo o ar pela boca tentando melhorar minha respiração, enquanto me abano involuntariamente com a mão livre, já que a outra fielmente segura a guia duplamente revestida de tecido e metal da minha bebê de quatro patas.

E falando nela, meus olhos permitem admirar sua postura de rainha do mundo. Um sorriso fino se forma em meus lábios ao concluir que enquanto derreto em pleno sol escaldante do meio da tarde, ela anda como uma deusa numa marcha fina e elegante, encarando atentamente todos os detalhes a sua volta, desde os enormes prédios que cobrem grande parte do território e as imensas lojas de comércio que nos rodeiam, aos postes de iluminação cheios de anúncios aleatórios. Nada escapa dos seus olhos castanhos atentos, em formato de bolinha de gude.

Ergo mais minha postura e deixo um olhar firme e confiante me guiar pelas pessoas na calçada, me divertindo internamente ao notar que as pessoas abrem espaço para que eu passe tranquilamente por elas, pela simples presença da Rottweiler ao meu lado.

Andar com ela me da uma sensação doce e agradável de poder e força, é adorável. Estufo o peito e me imagino em uma filme de ação, fingindo indiferença a tudo e todos ao meu redor, deixando apenas o ar abafado entrar e sair dos meus pulmões tranquilamente,  aproveitando  de toda glória que Tati me proporciona.

Caminho mais algumas quadras com ela guiando nosso ritmo, que variava de acordo com sua curiosidade e interesse em relação às coisas a nossa volta.

Estava tão imersa e feliz com minha caminhada, que mal acreditei quando meus olhos observaram que já era possível ver no final do quarteirão, a forma da grande imitação da estátua da liberdade. Indicando que nosso destino havia sido alcançado.

Chegamos na grande loja que praticamente era um shopping. O que mais me encanta é a bela e bem planejada estrutura, com as enormes paredes de grafiato branco refletindo elegância, e as inúmeras iluminações bem colocadas que me fazem sentir dentro de um cenário de filme. É por esse motivo que sempre venho aqui, me sinto rica! mesmo saindo daqui sempre pobre! É uma burguesia que meu salário ainda não suporta bem.

Quando passei pelas imensas portas de vidro automáticas imediatamente percebi um leve erro intelectual, observando que na minha vida Tati já era quase que membro da família, mas pras outras pessoas ela ainda era um cão grande e cheio de dentes afiados. E isso fez que em segundos os representantes da loja viessem até mim com um sorriso amarelo e falso de gentileza. Pelo que entendi aparentemente os vendedores não se sentiram seguros em me deixar entrar com a minha garotona como acompanhante e me pediram de forma gentil, para deixá-la com uma vendedora alta de olhos amendoados, dona de uma nítida face de pânico.

Espero que ela ganhe pra isso... lanço um sorriso acolhedor, sabendo que ela está me xingando mentalmente dos piores nomes, enquanto deixo a guia de Tati em suas mãos.

Deveria ter dito que dei o comando para grandona ficar sentadinha me esperando igual Theo me ensinou em russo. Mas preferi deixar isso em segredo...

Me despedi com um carinho na cabeça de Tati e um um sutil "Duda já volta meu amor" que foi recebido com o que eu diria quase que um "okay volte logo" enquanto ela se esfregava no meu braço. Em seguida ficando estática, olhando tudo com atenção, como a boa garota que é!