Nas letras miúdas

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16 de agosto de 2015, na manhã seguinte 

Casa de Penhores e Antiquário Vassoura Velha, Cidade de Ravena

A última coisa que ela esperava, ao descer as escadas tentando não fazer muito barulho, era sentir o cheiro convidativo do café da manhã. A omelete parecia deliciosa e recém servida sobre o balcão.

— Com fome? — O garoto sorriu com gentileza, jogando uma toalha de cozinha sobre o ombro. Servia mais uma porção. — Não sei do quê são os ovos... E, sinceramente, acho que não quero saber... Mas até que presta. Me diz o que acha?

— Eu não deveria... — Começou relutante, colocando a mão sobre o balcão. Falava baixo. — Griffin não gosta quando acorda e ainda estamos aqui.

O uso do plural em sua frase preocupou Jake, mas ele resolveu insistir:

— Só uma prova! Até que não tá horrível, juro... As aparências enganam — ele já ia levando os pratos à mesa.

A mulher negava com a cabeça.

— Poxa, então... Me faz companhia? Passei a noite inteira conversando com um robô — ele apontava com a cabeça para Dante, que repousava em sua estação de carregamento, próximo à porta do porão.

— Okay. Mas só porque eu sei como ele pode ser...

Ainda um pouco relutante, ela se sentou ao lado de Jake. Sorria enquanto o garoto se empanturrava, sem encostar no prato servido para ela.

— Que foi? — Ele parou ao notar o olhar. Falava de boca cheia. — Tem algo na minha cara?

— Nada, é só... — A mulher desviava o olhar, seus olhos negros como a pele miravam a omelete. Tinha feições belas. E sofridas. — Cinco anos no ramo e nunca fui convidada à mesa por um cliente. Muito menos para dividir um café da manhã.

Ele sorriu.

— Sabe, eu costumava trabalhar como garçom. E é por isso que digo: fodam-se os clientes! Coma um pouco — o soar do palavrão pareceu convencê-la, finalmente arriscando uma primeira mordida.

Ela assentia com a cabeça, dando um gemidinho de aprovação.

— Até que presta... Qual é o seu nome?

Jake percebia que, caso tivesse nascido na Terra, era provável que a certidão de nascimento dela exibisse um nome masculino. Mas não importava.

Apresentou-se e devolveu a pergunta, para o que ela respondeu:

— Roselynn. Mas pode me chamar de Rose.

Rose. É claro — ele reforçou o sorriso, preparando mais uma garfada de sua omelete. — Meu nome favorito.... Aceita um café?

Ela aceitou. 


A perna metálica de Brum fazia barulho ao descer as escadas, alertando o par de sua chegada. Rose estava quase terminando, mas fez questão de se levantar rapidamente, distanciando-se da mesa e da comida. O garoto colocou o prato sobre o seu, já vazio, de cara fechada para o homem. Mas o anfitrião não prestava muita atenção neles. Distribuía olhares curiosos sobre a loja e sua vitrine, permitindo que a mulher se aproximasse de Jake e dissesse em seu ouvido:

— Você mesmo disse: as aparências enganam. Ele é um bom homem, Jake — ela beijava sua bochecha em despedida. — Obrigada pela omelete.

— Obrigado você, pela companhia — sorriu até que ela sumisse do seu campo de visão.

Portões da MorteWhere stories live. Discover now