A Grande Questão

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15 de agosto de 2015, 06:43 da manhã 
Enfermaria, Academia Altair

Parado próximo da janela, Daniel tocava o vidro com a mão que lhe restara. O membro enfaixado terminava na metade do antebraço, e no momento encontrava-se suspenso ao lado do corpo. O garoto cumprimentava os sóis de um novo dia, admirando-se com a visão do céu altariano.

— Danny — o mais velho ofegou com alívio. Levantava-se mais uma vez, checando seus arredores. Precisava se certificar de que o aquário não estava vazando sangue, que não havia um pelotão de pássaros cometendo suicídio coletivo ou ainda que Zane não apareceria para amaldiçoá-lo.

O caçula virou o pescoço na direção de Jake. Havia indícios de choro em sua expressão, rodeados por um grande vazio de atonicidade. Sem precisar falar uma palavra, o outro o tomou em seus braços com cuidado. Deixou que repousasse a cabeça em seu ombro e escondesse o rosto no abraço. Logo desvencilharam-se.

— Falcon acabou de sair — disse Daniel, sua voz mais saudável do que Jake esperava. Expôs que passara a última hora conversando com o psiquiatra. — Ele disse que era melhor não te acordar.

Por um tempo, conversaram. Sentados sobre o leito de Daniel, os dois irmãos compartilharam suas perplexidades e inseguranças. Era demais para aguentarem calados.

Em pouco tempo, o caçula estava a par de tudo. Metamorfos, pioneiros e Guardiões. O Cavaleiro da Morte. A fascinante tecnologia andrômeda. Suas habilidades amedrontadoras. A realidade cruel de sua situação.

— Se não olho pro céu, não acredito. É como se estivéssemos em uma HQ, Jake — confessou, uma hora. — Se bem que... Nos quadrinhos, eu aposto que ainda teria os dois braços.

E estranhou a naturalidade com que conseguiu dizê-lo. O irmão franziu o cenho, incerto sobre o que dizer. Sentia muito, mas sabia que não faria diferença. O que pensava ou sentia era o menor de seus problemas. Era Daniel quem precisava falar.

O caçula fez um barulho descontente com a boca. Balançava as pernas que ainda não tocavam o chão, queixando-se:

— Ainda sinto os meus dedos — ele encarava o espaço no ar em que o quinteto deveria estar. — É idiota, mas não consigo parar de tentar mexê-los. Como se pudesse voltar o olhar em algum momento e tudo estivesse em seu lugar mais uma vez.

— Não é idiota, só precisa de um tempo para se acostumar — encarou Daniel com seriedade. Procurava dizer algo que pudesse animá-lo. — E você não é ambidestro?

— Sou canhoto, Jake. — Não funcionou. Ele imediatamente fechou a cara. — Todo mundo se gaba dizendo que é ambidestro, sabe disso.

— Bom, então... Agora é uma ótima oportunidade para aprender — Jake deu um de seus sorrisos amarelos.

— Como é que eu vou... Porra — O caçula parecia envergonhado. — Tem coisas... Coisas que não consigo fazer com a minha mão direita, tá?

Por alguns segundos, houve um silêncio constrangedor. Então, divertido, o mais velho tomou uma posição altiva. Gesticulava, já sabendo o que dizer.

— Okay, dois pontos. Primeiro: já tem quinze anos. Logo terá idade o suficiente para que alguém faça isso por você. Segundo: está, agora, mais perto do que nunca de se tornar um Skywalker. Vai dizer que isso não é importante?

— É claro que eu pensei nisso — irônico, Daniel não se aguentou e deixou escapar uma risada, por baixo da cara fechada. Empurrava o irmão com o ombro. — Você é doido.

— Se isso te ajudar, sim — ele o empurrava de volta, com seu melhor sorriso. Pausadamente, pronunciava cada sílaba. — Sou maluco.

Os risos de ambos foram interrompidos por uma notificação em seus Sistemas Socius. O perfil oficial da Academia Altair os convidava à prestigiar sua aula inaugural na praça aberta da instituição. Deveriam encontrar o professor Levi Günter antes que o sol subisse mais 15 graus, ou seja, imediatamente. E não parecia haver a possibilidade de se negar o convite.

Portões da MorteWhere stories live. Discover now