New Dorp Beach

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Um ano antes, 18:44 da tarde 
Clínica de Recuperação, Nova Jersey

Havia estado internado pelos últimos dois meses.

Foi tudo um grande mal-entendido, é claro, ele faria questão de frisar. Nunca foi verdadeiramente viciado. Jamais havia tido uma overdose. Mas, de qualquer forma, havia acontecido. Por mais que fosse apenas um acidente. Mesmo que tivesse motivos e explicações. Extrapolara. E, fora de si, cometera um crime.

Incêndio culposo, declarou o juiz. Por sorte, ninguém se machucou. Tinha só dezessete anos. No último dia de julgamento lhe foi dada uma alternativa. Dois meses em reabilitação, mais quatro com acompanhamento de um agente da condicional.

Não conseguiria um acordo melhor, alertou o advogado do Estado. Mas Jake não se importava. Se soubessem o que ele fez... Era tudo o que pensava, com os punhos fechados escondidos dentro do paletó enquanto observava o Doutor York que, sentado no banco das testemunhas, declarava-se uma vítima.

E, apesar de tudo, dois meses depois... Lá estava Jake - esperando à porta da clínica.

A Sra. Sullivan parou sua Big Dooley, uma velha picape vermelha, bem na entrada. E começou a buzinar para que ele entrasse. Para sua surpresa, quando abriu a porta, ela parecia animada. Daniel, que também estava lá, exclamou agitado do banco de trás. Iriam à praia. Sentia-se moído e cansado, mas preferiu não falar nada.

Era algo sem precedentes. Sra. Sullivan dirigia com os ombros leves e a serenidade no olhar de quem vê apenas férias pela frente. Era a primeira vez, pensava Jake, que ela os levava para qualquer lugar que não fosse para casa. E não apenas isso. Era a primeira vez de Daniel na praia.

Chegando lá, assustou-se. Era como se acordasse de um sonho em um pulo. Fosse lembrança ou devaneio - era tão, mas tão distante, que não se recordara sequer de ter dormido. Conhecia aquela praia. De algum lugar. Não lembrava onde. Mas a reconhecia.

O mar se estendia pelo horizonte. Jake desceu do carro e subiu a calçada que, como uma infindável serpente de cimento, acompanhava a praia deserta. À poucos passos, lia-se a placa de Bem-Vindos A New Dorp Beach. Havia estado ali antes, mas não se lembrava quando ou por quê.

Daniel correu em direção à margem sem se preocupar em fechar a porta da picape. Exclamava como uma criança. Vê-lo assim, tão eufórico e... Saudável, principalmente... Colocava tudo em perspectiva. Jake sorriu, quase que sem perceber. Aquele dia, não lhe interessava – o corpo que lhe implorava por um descanso, a paranoia das lembranças que havia esquecido, a porta aberta da picape, o que fosse... Nada lhe interessava. Jogou os calçados para o alto e foi se divertir com seu irmão mais novo.

O sol não dava uma trégua. Nadaram, correram e pularam até não conseguirem mais andar. Estenderam as toalhas na areia e ali mesmo deitaram, satisfeitos, entre risos e provocações familiares.

— Hm, eu tenho uma. Olha só. Você tá tão magro — começou Jake. — Mas tão magro, que se não cortar logo essa cabeleira... Vão acabar te confundindo com uma vassoura.

— Há! Vamos ver. Então... Você tá tão branco — Daniel replicava, ignorando as risadas do irmão. — Que é capaz de te chamarem pra ser um zumbi em The Walking Dead.

— E vocês são tão burros — Sra. Sullivan apareceu sobre eles, fazendo sombra sobre seus corpos estirados na areia. — Mas tão burros, que se eu deixar... Viram pó com esse sol! Venham, vamos, levantem essas bundas daí. Vamos pegar umas conchas.

Sem questionar, Daniel se pôs a levantar. E a mãe adotiva reprimiu Jake com o olhar.

— Você não vem?

— Olha, eu adoraria ir, mas... Prefiro ficar aqui — confessou, sorrindo amarelo. Enrolava a toalha do irmão para fazê-la de travesseiro. — Quer saber, acho que vou ouvir o Danny e tomar um banho de sol. Talvez assim eu pegue alguns papéis.

— Ou talvez pegue câncer de pele — Sra. Sullivan respondeu com um tom de voz que sugeria muito mais plausibilidade. — Me escutar ninguém quer, né?

Ela puxava Daniel pelo braço e ele ia.

— De qualquer forma, use protetor solar — falava ao se distanciar do mais velho. — Não sou eu que vou voltar para catar as suas cinzas, garoto!

Jake não sabia, mas essa seria a última coisa que a ouviria dizer. Acabou dormindo antes que pudesse se dar por conta. Mais uma vez, ele pensava sobre praias misteriosas e memórias perdidas. Era possível que fosse assim mesmo, tão ferrado da cabeça? Sonhou com gigantes serpentes de cimento.

E acordou ao vê-la. 

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