Flores e Fúrias

By tiagomb82

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O mundo pode ser um lugar extremamente problemático. Principalmente quando esse mundo existe dentro da mente... More

Prólogo
Primeiro Capítulo: No qual Renato e Virgínia se conhecem
Segundo Capítulo: Herói da vida real
Terceiro Capítulo: Um assassino à solta
Quarto Capítulo: Renato é sufocado pelo sublime
Quinto capítulo: Conflitos se estabelecem
Sexto Capítulo: Renato inicia uma investigação paralela
Sétimo Capítulo: Inimigos à vista
Oitavo Capítulo : Virgínia esclarece algumas coisas
Nono Capítulo : Suavidade implacável de Virgínia
Décimo Capítulo: Renato busca refúgio no templo das aflições
Décimo primeiro capítulo: Confronto de gigantes
Último Capítulo: O canto do cisne
Epílogo

Novo Epílogo Alternativo

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By tiagomb82

Curitiba morava dentro dela, mas ela não morava em Curitiba

Ela estava saindo do banho, envolta apenas numa toalha. Passou em frente ao espelho do seu quarto, com os cabelos loiros molhados. Enquanto um disco de música clássica tocava sua afetuosa sinfonia no aparelho de som, ela procurava um secador de cabelos na gaveta. Seus pés ainda estavam molhados sobre o carpete. Uma rosa vermelha, que ela mesma havia colhido de um quintal qualquer, repousava dentro de um copo de água sobre a cômoda. Ligou o secador em frente ao espelho, enquanto seus olhos verdes refletiam na superfície fria.
Pouco tempo depois, sua mala já estava pronta; estava bem vestida, aguardando com ansiedade a chegada do táxi que a levaria até a rodoviária. Parecia estar escrevendo em um diário pessoal quando bateram na porta.
Já chegou? Diz pra esperar mais cinco minutos...
Calma. Ainda não - sua mãe respondeu. - Posso entrar?
Tudo bem - respondeu Sheilla. - Entra...
Eduarda entrou secando as mãos numa toalha de cozinha. Sentou na cama de sua filha e perguntou:
Tem certeza que não quer almoçar?
Não dá tempo - Sheilla disse, voltando para a frente do espelho, enquanto passava o batom.
Está com pressa?
Você sabe que meu ônibus sai às 13h.
Sim... Mas pensei que... Deixa pra lá - lamentou Eduarda, balançando a cabeça e levantando. - Está levando roupas o suficiente? Sabe como faz frio no inverno em Curitiba. - ponderou.
Sim. Pode deixar, já sou adulta.
Está bem. Espero que Felipe trate você bem.
Felipe sabe cuidar da gente, mãe. Só você não vê...
Eduarda saiu do quarto, aborrecida, enquanto Sheilla ficou de pé em silêncio, apenas vendo sua mãe fechar a porta. Depois, a enteada de Felipe K. Dignoli abriu seu armário, de onde tirou uma pequena caixa com cadeado. Dentro dela havia uma carta, que foi lida em voz baixa, como numa oração. Após a leitura, concordou consigo mesma, balançando a cabeça positivamente e suspirando.


***

...sentada no banco traseiro da Caravan preta. Estávamos bem aquecidos pelo ar quente. Pedi ao Bispo Auxiliar, que estava sentado no banco do motorista, que colocasse a fita de Vivaldi para tocar, exatamente no ponto onde inicia o movimento de inverno. A sinfonia fez sua mágica. A neve caiu. Depois, o veículo começou a movimentar-se devagar. Pelo vidro traseiro, pude ver Renato sentado sozinho na escadaria da UFPR.
Renato foi seduzido, Maria Sheilla? - Dom Albino perguntou, enquanto dirigia a Caravan.
Sim - respondi, virando o rosto para a frente. - Acho que mordeu a isca.
O Bispo Auxiliar continuou dirigindo, sério. Voltei a olhar para trás, para Renato, que estava ficando pequeno, vagarosamente, diminuindo aos poucos na paisagem, enquanto o carro seguia em direção ao Teatro Guaíra. Várias pessoas na praça Santos Andrade estavam felizes, faziam pequenos bonecos de neve. Mas ele, ao contrário, parecia tão terrivelmente triste.
Tão só...

***

Lembro-me agora do dia em que cheguei em casa e recebi, próxima ao portão, ainda na calçada, a mensagem das mãos de um estranho, que deixou o envelope comigo e saiu rapidamente, sem dizer palavra alguma. Mais tarde quando o abri, trancada em meu quarto, compreendi do que se tratava. Era claro que um dia isso iria acontecer. Felipe andava metido em rolos na UFPR há muitos anos, eu sabia disso. Eduarda também não fazia questão de esconder.
Renato apaixonou-se por Virgínia de forma muito mais avassaladora do que eu esperava. Acho que nem mesmo o próprio Dom Albino imaginava que toda a estratégia das Forças Armadas daria tão certo. Bons pais costumam ir muito longe para proteger os filhos. Mas manipular o filho de Teo e trazê-lo para dançar conforme nossa música não seria problema. O fato de seu pai estar em Quatro Barras não poderia lhe ajudar a fugir disso, tampouco apagaria o foco que deveríamos ter agora sobre Renato.
Essa é minha missão.
O que Felipe faria se descobrisse que estou envolvida nisso?
Será que, algum dia, Renato notará que Virgínia tinha olhos verdes e cabelos loiros?

***
CONFIDENCIAL
Serviço Nacional de Informações
Operação Condor
Aos cuidados de Maria Sheilla Souza Kairos Dignoli

Prezada Senhorita,

...no intuito de colaborar... Felipe é atualmente um dos terroristas mais vigiados pelo SNI... em troca de sua aderência à Operação Escaravelho, sob o guarda-chuva da Operação Condor, na qual... a insurgência armada financiada pela KGB... Felipe K. Dignoli continua sob vigilância, enquanto o agente duplo Teodoro Serafim terá seus passos seguidos... conhecimento de sua rota de fuga para a Suécia é importante para... relações diplomáticas permanecem fortes também com a Romênia, país que busca independência em relação aos soviéticos e está atuando informalmente com os países do Cone Sul... inimigo interno... subversivos vermelhos... apoio de valiosos setores do Vaticano... sua proteção... Bispo Auxiliar de Curitiba... ao mesmo tempo... seu contato na capital paranaense... testar um fármaco sintético potente... Renato Serafim... acreditar... carta fora do baralho... não... atrapalhar... cerco... fechando... seus poderes... ame-o... ou deixe-o.

***
Uma brincadeira de mau gosto?

***

Profundos olhos verdes...

***

Você é o contato? M.S.?
Sim - respondeu Maria Sheilla, de forma seca e assustada.
Tudo bem. Vem comigo. Vou mostrar a casa e seu quarto para esta noite.
Como sabem que ele virá aqui esta noite?
Todos sabem disso, é evidente.
Maria ficou em silêncio e seguiu os passos da gerente da boate. Parecia um pouco assustada. Mas estava decidida a salvar seu padrasto das garras dos militares. Bastava ajudá-los a testar os efeitos de uma nova droga sobre Renato... Filho do subversivo Teodoro Serafim. Uma presa fácil, um pichador de rua. Era um produto viável em humanos? Apresentaria os mesmos resultados dos testes feitos em animais escravizados em laboratório?
Se funcionasse, o mundo inteiro tornaria-se um imenso laboratório, o qual manteria Renato preso lá dentro por séculos. E a Linha Dura estava jogando pesado. Jogando para ganhar; para permanecer no poder por mais mil anos.
Será que estavam falando a verdade sobre Teodoro, sobre Renato, sobre tudo? Dane-se a ética; não me importa nada neste momento, pensou Sheilla.
Só quero salvar Felipe.

***

Maria, quanto tempo! - exclamou Felipe K. Dignoli, abrindo o portão de sua casa no bairro São Francisco.
Felipe... Tudo bem? - disse Sheilla, que abriu os braços.
Os dois abraçaram-se e foram para dentro de casa. Felipe carregou a mala, enquanto Maria entrou com sua mochila pendurada no ombro. Seus cabelos loiros balançavam ao vento de junho, e seu rosto estava gelado de frio.
Lee Falk, o cão labrador, acompanhou Felipe e sua enteada para dentro, balançando o rabo. Atrás deles, na rua Paulo Graeser Sobrinho, um automóvel preto passou devagar pelo asfalto.
Alguns minutos depois, Felipe levou os pertences de Maria Sheilla para o quarto de hóspedes e acendeu o fogo da lareira. Ela tomou banho e, depois de voltar à sala, o ambiente já estava aquecido e o jantar servido.
Que mesa linda! O cheiro está ótimo...
Obrigado, Maria. Espero que goste. - Felipe passou a mão por sua barba branca e a convidou a sentar-se. - E Eduarda, como vai?
Está bem. Como está seu livro? - perguntou Maria Sheilla, enchendo o prato.
Parado. Quer dizer... Está guardado em meu escritório. Falta revisar e editar mais. Ainda está cru.
Aposto que já está muito bom e você está com medo de procurar uma editora. Sabe que terá respaldo, não sabe? É um grande escritor.
Na verdade, não sei. E você, ainda pretende seguir na área de Literatura?
Vamos ver como as coisas se encaminham. Acho que sim.
Essas crianças - comentou Felipe, sorrindo. - Vamos ver, então. Quem sabe eu ainda tenho tempo para te convencer do contrário...
Sheilla sorriu.
Ironicamente...

***

Será que posso confiar neles? Não tenho alternativa... Vou para Curitiba, a nova Jerusalém, daqui a poucos minutos, e tudo que posso fazer é fechar meus olhos e seguir em frente. Conhecereis a verdade e ela vos libertará...

***

As luzes da boate piscavam como olhos de dragões, furiosos na escuridão da caverna. Renato estava apático, parecia até mesmo arrependido de ter entrado ali. A gerente do estabelecimento caminhou pelo corredor entre as mesas e o cumprimentou. Em seguida, inclinou o tronco suavemente e cochichou algo no ouvido da garota loira que estava sentada na frente dele.
O barulho da música dos Beatles era muito alto e Renato não conseguiu ouvir o que elas estavam falando. No palco, Cíntia Belle dançava, fazia seu espetáculo habitual de sensualidade e fascínio coletivo. Alguns homens gritavam elogios, outros assobiavam. No fundo de sua alma, Renato gargalhava de tédio, como o vilão Risada. Mas ninguém do mundo da caverna conseguiria ver isso.
A gerente terminou de falar com a garota loira, despediu-se do cliente e seguiu seu caminho. Que belo par de...
(Olhos verdes)
Qual é o seu nome mesmo? - perguntou Renato para a ninfa de bochechas rosadas, que balançava as coxas cruzadas, mascava chiclete e olhava para o bar, demonstrando certa impaciência. Ela usava delicados óculos de grau e tinha aparelho nos dentes
Maria Sheilla - respondeu a loira em sua cadeira, com um sorriso curto e seco.
Ah, sim. Claro que é - disse o cliente, sarcástico.
Olha só: me paga uma bebida?
Estou meio sem grana.
Entendi. - Sheilla torceu o pescoço e começou a olhar para novos clientes que estavam entrando na casa. - Tudo bem então. A gente se fa...
Espera! - exclamou Renato, pegando na mão da garota, que estava levantando. - Pode pedir - disse em seguida.
Ela sorriu e chamou o garçom. Depois, virou-se para Renato, inclinou seu corpo para perto dele, deixando o decote à mostra, e colocou uma das mãos sobre sua coxa.
E você, vai beber?
Hum. Um uísque.
Após alguns instantes em que começaram a conversar com mais intensidade e proximidade, o funcionário trouxe os pedidos. Logo depois, Renato viu Cíntia lhe acenar, próxima a entrada do banheiro. Ele pediu licença à Maria Sheilla e foi até lá. Segundos depois, quando o alvo estava de costas, Sheilla tirou uma pequena ampola de seu bolso e derramou alguns pingos sobre a bebida de Renato.
Assim que...

***

fLOR. Noite. Luz. Loira. Sombra. Gelada. Quente. Fim. Início. fÚRIA.

***

CTBA

***

Uma Caravan preta aguardava, estacionada na Rodoferroviária de Curitiba, a chegada do ônibus de Maria Sheilla. Felipe K. Dignoli não poderia suspeitar de nada. Sua enteada estava ciente dessa importante ressalva. Chegou pouco depois, carregando uma mala. Acenou para o carro, que já estava ligado. Apenas...
Instantes mais tarde, após uma troca de informações breves, a apresentação de documentos, e a voz grave do Coronel...
Não.
Senhor?
Sim. Assim está perfeito.
Só mais uma pergunta.

***

Sexta-feira, 27 de junho de 1975.

Pouco a pouco, Renato levantou-se, ainda meio tonto. Embrulhou-se no cobertor, que carregava sobre seu corpo como se fosse um velho sobretudo, quente e escuro. Bocejou com lentidão. Finalmente, quase se arrastando, chegou até a janela, cheia de pequenas gotículas de água, embaçada. Pelo lado de fora, lá embaixo na calçada, uma garota estranha observou sua testa encostada no vidro. Lá dentro do apartamento, observou o resto de neblina já praticamente imperceptível. Pareceu ouvir um ruidoso estrondo, que não sabia se era fora ou dentro de si. Pensava com dificuldade, de maneira vaga e imprecisa.

***

Quinta-feira, 17 de julho de 1975.

A Caravan preta passou pelo Teatro Guaíra enquanto Maria Sheilla ainda olhava para trás, sentada no banco traseiro. A neve que caía sobre Curitiba era singela e harmônica. Vivaldi fluía no toca-fitas. O limpador de pára-brisas tentava dispersar os flocos que caíam sobre o vidro. Dom Albino olhou pelo retrovisor. Observou Maria virando seu delicado rosto para a frente.
Missão cumprida? - questionou o Bispo Auxiliar, que vestia trajes de passeio e um par de óculos escuros, do tipo aviador.
Sim - ela respondeu, olhando para o nada e derramando uma lágrima sutil. - Missão cumprida.
Ótimo - Dom Albino respondeu. - Podemos ir?
Em seguida, a imagem do Bispo sumiu. Maria pensou que ninguém dirigia o carro. Era como se uma alma invisível estivesse controlando o volante e o acelerador. Através do espelho interno, viu o semblante do General Skeldak sorrir enquanto dirigia.
Para onde vamos agora? - Sheilla perguntou, assustada, enquanto ouvia gargalhadas abissais no fundo da alma.
Ela já sabia a resposta.
LOWUREAM...

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Oiê gente sou nova aqui, espero que gostem das minhas histórias. imagines da minha autoria.🦋~