▕ B l a i r▕
A escuridão do quarto cega os meus iludidos olhos assim que acordo. O calor não era muito mas fora eu que propusera esta solução. As minhas mãos mornas agarram as beiras do meu cobertor para me aconchegar melhor.
No dia em que implorara a minha mãe para vir uns dias para casa dos meus avós, ela mostrou-se incompreendida e posso até afirmar que se mostrou ligeiramente preocupada. Eu não referi na altura o que Zayn me fizera pois, contrariamente ao que qualquer pessoa no meu lugar o faria, eu não o quero por em jogo. Não é fácil prejudicar alguém de quem se gosta verdadeiramente, por isso, a minha posição não é algo compreensível, inversamente ao que muitos possam pensar.
A minha mãe mudara um pouco a sua postura para comigo, ligando-me agora diversas vezes ao dia. Eu, honestamente, dispenso a sua atenção em momentos como estes pois sinto que tudo o que necessito é de espaço e tempo. Quero pensar com clareza sobre todos os sucedidos nestes últimos dois meses e meio. Quero pensar com clareza sobre todas as minhas atitudes, refletir se todas elas foram corretas e quero igualmente pensar onde é que eu errara.
É quase impossível não carregar com o peso do arrependimento sobre os meus ombros. O peso é realmente excessivo chegando quase a desequilibrar-me e a humilhar-me perante uma multidão de críticos que esperam sempre o melhor de mim. Metaforicamente falando, claro.
Eu própria esperava mais de mim. Eu sei que tenho uma personalidade muito despreocupada e extrovertida (muitas das vezes derivada do défice de atenção) mas gostava de mudar. Eu não gosto de quem sou.
Existem aquelas pessoas que no ano novo se mentalizam que o ano seguinte irá ser melhor porque a passagem de ano é um incentivo para mudanças. Perante todas as minhas experiências posso afirmar que a passagem de ano é apenas para celebrar o período de translação da Terra. Nós, humanos, não mudamos. Pelo menos não temos mudanças radicais como aquelas que nós desejamos nos nossos pensamentos mais remotos. Nada em nós muda completamente e seria um choque se, de um dia para o outro, isso acontecesse. Assim como por exemplo, eu não posso simplesmente chegar à escola com outro estilo de roupa, com outra forma de falar, com outra personalidade porque isto é quem eu sou realmente e, por mais que eu tente, não posso alterar nada.
"Oh, já estás acordada."
O meu avô comenta quando abre ligeiramente a porta do meu quarto. A luz que habitava o corredor logo tentou alcançar o mais que podia do chão do meu quarto, quase alcançando a minha cama. Felizmente, o meu corpo continuava escondido pela imensa sombra.
"Já..."
"Vamos comer. A avó fez o teu prato favorito."
"Eu não tenho fome mas obrigada, avô."
Nisto, o homem de certa idade, por quem eu tenho uma grande admiração e consideração, abre ligeiramente mais a porta e caminha até mim. Mordo o meu lábio com receio que ele visse o estado lastimável em que ainda me encontro, mas esforço-me por lhe mostrar um sorriso.
Estou aqui há três dias e é muito raro sair da cama. Uso diversos pretextos para me manter aqui sozinha e o mais usual é a indisposição. O meu avô senta-se na beira da minha cama e leva as suas mãos rígidas e rugosas até à minha bochecha onde a acaricia de forma natural e carinhosa.
"Pareces-te tanto com a tua mãe, Blair."
"Sim, nós somos parecidas."
É um facto que toda a gente afirma observar parecenças entre mim e a minha mãe e é normal que sejamos parecidas visto que ela é a minha progenitora. Contrariamente ao que muitos dizem, eu não concordo. Tirando o pormenor do cabelo, negro em ambas, e os nossos lábios não consigo notar mais nenhumas semelhanças.
"Estou a falar de personalidade, querida." O meu avô corrige-me. "Eu sei que a opinião de um velho como eu não conta em nada mas acho que não devias ficar tão afetada por causa de um rapaz."
Podia jurar que tudo em mim parou quando feita a alusão de Zayn. Assinto com a cabeça, planeando ao mesmo tempo algo para dizer. Eu não posso confirmar ao meu avó que isso se trata realmente da verdade porque nem eu, nem a minha teimosia, permitem que isso aconteça.
"Não se trata de nenhum rapaz."
"Oh, meu docinho, estas rugas e estes cabelos brancos são a prova de muita experiência de vida e ninguém, no seu perfeito juízo, faltaria a algo tão importante como as frequências, por algo tão banal, insignificante. Tem que haver um motivo forte para estares a fazer isto."
"Os rapazes para mim são insignificantes. Eu nunca faltaria às aulas por um desgosto de amor." Eu minto, unicamente para defender a minha posição. Honestamente, eu pensava que nunca iria fazer isto mas, ao que parece a vida dá muitas voltas.
"Achas que a pessoa que pode ter a oportunidade de ficar contigo para sempre é algo insignificante? Oh, querida, não és assim tão pequenina para não conseguires compreender que o amor é o que nos faz viver."
"A minha mãe e o meu pai são a prova do contrário. Eles estão divorciados."
"Eles não resultaram mas isso não signifique que tu não resultes. O teu pai e a tua mãe viviam grande parte do tempo separado devido ao trabalho, tu sabes. As conversas também começavam a ser desinteressantes, sem tema... Tudo se foi perdendo aos poucos."
"Isso também pode acontecer comigo."
"Também, é verdade, mas se estiveres sempre com receio não irás aproveitar a vida nem seres feliz."
Assinto com a cabeça sem saber o que dizer mais. O meu avô não compreendia que o problema não estava em eu ter medo mas sim no facto de não ser a única. Se eu já antes me encontrava receosa, agora ainda mais insegura de sinto. Não me sinto suficientemente boa para Zayn pois irão haver sempre outras raparigas melhores que eu e que que chamar-lhe-ão mais à atenção.
O meu avô pousa o meu telemóvel, que segurava na outra mão, nos lençóis desmazelados da minha cama. Pego no mesmo e, uma vez que desbloqueado, noto a quantidade de chamas perdidas e de mensagens que tinha. Contudo, nenhuma de Zayn.
As pessoas mais próximas de mim, como Sam, Louis, Elaine entre outros, haviam-me tentado contactar nestes últimos três dias. Não havia falado com mais ninguém à exceção da minha mãe e isto porque ela insistia em ligar para o telefone fixo de casa dos meus avós ao invés de me ligar para o telemóvel.
"A tua mãe disse-me que estás a faltar às frequências mais importantes."
A universidade funciona de forma diferente das escolas. Enquanto as escolhas temos duas avaliações por período, as universidades baseiam-se em trabalhos e relatórios. As tão temidas frequências, das quais vem matéria até dizer chega, começam no final do primeiro período ou então no início do segundo. Visto que estamos quase a chegar às férias de Natal, as frequências iniciaram-se esta semana e imaginem qual fora a primeira? Exatamente, Biologia.
"Ainda só faltei a uma." Informo o meu avô.
"Sabes que isso não está correto."
"É só até ao final desta semana, eu prometo."
"Eu apenas te estou a avisar porque eu quero o teu bem, meu amor."
Assinto com a cabeça e volto a desbloquear o meu telemóvel. Após ver o nome de todas as pessoas que me tentaram ligar decido ir ver quem é que me mandara todas estas infinitas mensagens.
"Blair, o que aconteceu?"
Salamandra – Tue. 01:21
"Blair? Estás acordada?"
Elaine – Thu. 02:23
"Está tudo bem?"
Salamandra – Tue. 09:03
"Foi alguma coisa com o teu namorado?"
Salamandra – Tue. 13:25
"A tua mãe disse-me que estavas mal, foi o teu namorado?"
Elaine – Tue. 15:22
"Blair?"
Salamandra – Wed. 10:44
"Onde andas, Blair? Estou preocupado por não te ver aqui."
Louis – Wed. 11:18
"Blair, posso-te ligar?"
Elaine – Wed. 14:54
"Espero que estejas bem, beijinhos."
Louis – Wed. 19:10
Estas eram algumas das mensagens que abrira. Harry e outros amigos, não muito próximos de mim, também me haviam mandado mensagem. Não tinha, de todo, intenção de deixar tantas pessoas preocupadas com o meu desaparecimento. Claro que me deixa satisfeita saber que os meus amigos notaram a minha falta mas agora sinto-me mal por lhes estar a causar tanta inquietação.
Tenho apenas mais três dias para me manter distante do sofrimento e do arrependimento. Segunda já irei voltar à minha rotina e não sei como irei suportar estar na mesma sala de aula de Zayn. Neste momento não há nada que eu possa fazer para mudar isso. Tenho que aceitar o meu erro.
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Nota: O nome Salamandra usado nas mensagens é um trocadilho para Samantha, não é erro
Nota 2: Para quem acreditou, amigas, a Blair estava só a brincar quando disse que estava grávida! Oui?