Harry Styles não tinha uma opinião formada sobre seu curso. Aliás, ele não formava opiniões sobre muitas coisas, apenas existia e aproveitava as comodidades que sua boa posição social oferecia. Suas decisões dificilmente eram realmente suas, mas sim feitas por seus pais para manter a ordem e os bons costumes da família Styles e atrair olhares positivos da alta sociedade.
Seu modo de vida se assemelhava ao século XVIII e com certeza períodos anteriores, mas ele era simplesmente um rapaz nascido na segunda metade do século XX, prestes a entrar no novo milênio. Foi pensando nisso que em janeiro de 1985, ele foi transferido para cursar o terceiro período de Economia na Universidade de Londres. Seus pais acreditavam que a instituição em que estudava antes tinham muitos alunos conectados ao proletariado e de pensamentos não tradicionais.
O jovem Styles respirou fundo quando seu motorista parou na frente do campus. Ele apanhou sua bolsa de couro de marca cara e saiu da BMW, um dos carros de luxo da época e das décadas seguintes. Sorriu para o motorista e fechou seu casaco ao redor do corpo magro, caminhando para dentro dos portões da universidade. Notou olhares de alguns alunos e andou mais rápido, temendo ser motivo de chacota.
Pegou sua grade de estudos na secretaria e mordeu o lábio ao ver que uma porcentagem de estudantes usavam jaquetas vermelhas, enquanto a maioria usava azul. Indagou-se porque a universidade não padronizou a cor dos uniformes. Ele optou por só comprar as camisetas, preferia usar e combinar suas roupas, o que muitas vezes não era possível com o uniforme.
Respirou fundo ao entrar na classe de Microeconomia e deu um sorriso pequeno aos estudantes que já estavam ali. Ainda era inverno e as salas de aula eram mais quentes que os corredores e pátio, tornando-as um refúgio para os mais friorentos. Ele se acomodou perto da janela e olhou para fora, franzindo o cenho ao ver um grupo de alunos de jaqueta vermelha conversando e rindo no pátio gélido.
Um em especial lhe chamou a atenção. Tinha os cabelos lisos cobertos por uma touca. Usava um blusão cinza de capuz por baixo da jaqueta universitária e abraçava seus joelhos cobertos pela calça preta. Ele ria de algo e Harry sorriu com a beleza de seu sorriso singelo. Não conseguia ver mais detalhes por estar longe, mas tinha achado o outro muito bonito.
Foi pêgo pelo susto quando o sinal de início das aulas bateu. Respirou fundo, seu corpo já mergulhando no tédio. Ele gostava de cursar Economia, não era um curso ruim. Conseguia fazer todas as tarefas e realizar os cálculos com exatidão, porém não era algo que realmente o agradava. Seu pai havia o aconselhado a fazer Economia porque no futuro seria um ponto importante na hora de escolher o sucessor do CEO da Styles Jewellery & Co.
Sua irmã mais velha, Gemma, daria uma ótima presidente, mas não exercia sua profissão. Por conveniência, havia se casado cedo com um empresário riquíssimo e optou por ser dona de casa e cuidar de seus dois filhos gêmeos, Phillip e Robert, de apenas sete meses de vida. Talvez o rapaz seguisse pelo mesmo caminho. Seu pai sempre o tratou como uma garotinha quando soube que ele fazia parte da parcela de homens que poderiam engravidar. Ele não gostava do tratamento especial, não achava necessário. Sentia-se uma anomalia dentro de sua própria casa, o que favorecia para que o rapaz saísse de manhã e só voltasse no início da noite, mesmo que suas aulas ocupassem apenas metade de seu dia.
Sua ponderação referente aos seus incômodos pessoais foi interrompida quando o professor entrou na sala. Harry abriu o caderno e anotou o que era explicado, copiando os esquemas da lousa.
Após o sinal da saída bater, Styles caminhava pelo campus à procura da biblioteca. Seus professores tinham passado uma lista de livros para ler, além de pedir o resumo de alguns capítulos. Encolhido pelo frio, encontrou o que procurava e entrou no local aquecido e aconchegante. Sorriu para bibliotecária e ela indicou-lhe a seção de Economia. Harry pegou os livros grossos e pesados que deveria ler e arregalou os olhos ao ver todas as mesas ocupadas.
Perto da janela, uma mesa de quatro lugares tinha apenas uma pessoa e respirou aliviado. Aproximou-se discretamente, o que não surtiu muito efeito devido ao salto de suas botas que batiam no chão. Suas bochechas coraram pelos olhares tortos que recebeu e olhou para o jovem que estava na mesa de seu interesse. Engoliu em seco ao perceber que era o mesmo rapaz que havia observado minutos antes do início da aula de Microeconomia.
O desconhecido não percebeu sua presença de imediato, não ouvira o barulho de suas botas por estar com fones de ouvido ao ler seu livro. O toca-fitas estava sobre a mesa e ele balançava a cabeça vez ou outra. Harry pigarreou e não foi notado. Caminhou até estar em sua frente e o outro finalmente ergueu o olhar, observando o novo aluno.
- Sim? - indagou após tirar um dos fones de ouvido. Styles ficou envergonhado ao ser o centro de sua atenção por breves segundos e desviou o olhar.
- Este lugar está ocupado? - questionou.
- Não, fique à vontade. - ofereceu e esboçou um sorriso, logo colocando o fone e se concentrando em seu trabalho.
Harry sentou-se diante dele e abriu um dos livros, procurando o capítulo que deveria ler e fazer um resumo. Começou o primeiro parágrafo, mas seu foco foi desviado para a lembrança de belos olhos azuis, que estavam a poucos centímetros de distância, compenetrados na leitura. O desconhecido estava de cabeça baixa, fazendo breves anotações em seu caderno, a letra garranchada tornava impossível que Styles lesse.
Aparentemente a fita do rapaz havia atingido seu limite máximo de reprodução. Ele interrompeu o que fazia e Harry abaixou a cabeça, não queria que ele percebesse seu olhar curioso para suas notas. O estranho tirou a fita do aparelho e guardou-a na mochila jeans velha e esfarrapada. Fez o mesmo com o toca-fitas e continuou sua leitura em silêncio.
- Hm... O que está estudando? - Styles murmurou com timidez, temendo ser ignorado pelo ouro. Ele tinha uma aura dominante e autoritária que fazia Harry se sentir um coelhinho perto de uma raposa.
- A Revolução Russa. - ergueu o olhar e fitou o outro. - E você? É um calouro, não?
- Sim, creio eu, Hoje é o meu primeiro dia aqui, mas estou no terceiro período. - suas bochechas coraram, nervoso por ter um diálogo com o rapaz que achou bonito.
- Está fazendo qual curso? - quis saber, curioso. Já havia reparado que ele era de família abastada, usava roupas da moda e bolsa de grife. Tinha feições doces e até mesmo angelicais, escondendo sua personalidade de menino mimado. Era isso que achava.
- Economia.
- Que curso de burguês! - resmungou tão baixo que Harry quase não ouviu. Ele fez uma careta, não gostava de ser chamado daquela forma.
- E você? - ignorou seu comentário anterior.
- Geografia. - respondeu, mordendo a tampa de sua caneta azul. Encostou-se na cadeira e cerrou os olhos. - Qual é o seu nome?
- Harry. Harry Styles. - colocou um cacho atrás de sua orelha. - Como se chama?
- Louis Tomlinson. - deixou a caneta no meio do livro e se inclinou para a frente. Apoiou seu rosto na mão e apanhou um lápis, rabiscando alguma coisa em seu caderno.
A conversa foi breve, nenhum dos dois disse qualquer coisa após saberem o nome um do outro. Louis não era de ferro, havia reparado na beleza do calouro assim que ele desceu de uma BMW na frente da universidade e praticamente desfilou para dentro dos portões. Dizer que ele babou não seria um eufemismo, havia apreciado assistir Harry caminhar até a secretaria, notando como suas pernas longas e esguias se cruzavam a cada passo.
E os cabelos... Tomlinson queria agarrar os cachos brilhosos e macios durante um beijo ardente. Os lábios carnudos e rosados eram como um convite de promessas obscenas e proibidas. Óbvio que ele havia reparado no aluno novo e secado o recém-chegado de todas as formas. Contudo, sabia que ele era inalcançável. Não que estivesse realmente interessado, mas sabia como aquele tipo de gente reagia quando um garoto de condição social desfavorecida se aproximava com o intuito de conseguir um beijo ou apenas o número de telefone. Eram tratados como ratos e ele não estava disposto a ser humilhado por um almofadinha.
Louis suspirou e continuou seu relatório sobre a Revolução Russa, concentrado. Cometeu um erro e arregalou os olhos. Observou seus poucos materiais. Uma caneta azul, uma vermelha, um lápis pequeno e um marca-texto falho. Não tinha nem mesmo um estojo, havia sido furtado por uma de suas irmãs. Precisava de uma borracha.
Assistiu Harry escrever rapidamente em seu caderno. O rapaz mordia sua língua enquanto anotava, compenetrado. Tomlinson viu o estojo azul-bebê recheado de canetas coloridas e materiais diversos. Respirou fundo, tinha que pedir emprestado.
- Hm, você pode... pode me emprestar sua borracha? - disse baixinho e Styles o olhou. Sorriu e assentiu, tirando o material do estojo e o entregando. - Obrigado. - agradeceu depois de colocar com cuidado no estojo.
- De nada.
Sorriram um para o outro e continuaram seus deveres. Pouco antes de o sol se pôr e das aulas do período noturno começarem, Harry guardou seus materiais e se ergueu. Deixou sua bolsa na mesa e foi até a prateleira devolver os livros que pegou. Havia adiantado boa parte de seus estudos e infelizmente não poderia levar os exemplares para casa, alguns livros não eram permitidos serem emprestados.
Apanhou sua bolsa e viu que Louis tinha guardado o caderno em sua mochila e os poucos materiais. Deixou o livro na seção de História e Geografia e saíram juntos da biblioteca, ainda sem trocar palavras. Harry reparou que ele tirou chaves do carro do bolso da calça e olhou para o estacionamento, tentando adivinhar qual seria o seu veículo. Certamente não era a Kombi azul-calcinha e totalmente indiscreta que havia ali.
- Hm, você quer uma carona? - Louis indagou por educação, não esperando que ele aceitasse.
- Não, obrigado. - sorriu pequeno, vendo seu motorista se aproximar na BMW vermelha. - Hm, meu... meu motorista chegou.
Tomlinson apenas assentiu e o viu partir, entrando no carro luxuoso. Suspirou e caminhou para o estacionamento. Parou ao lado da Kombi azul-calcinha e destravou o veículo, subindo no banco do motorista e dirigindo para sua casa.
~~
Alguns dias depois, Harry já tinha feito um amigo. Niall Horan, também aluno de Economia. Ele era irlandês, mas viera para Londres ainda criança. Seus pais eram donos de duas lojas de roupas, o que fazia dele rico também. Era um rapaz doce e compreensivo, contava boas piadas e fazia Styles rir na maioria de seus encontros.
O recém-chegado ainda estava curioso quanto ao uniforme azul e vermelho. Começava a desconfiar que não eram cores escolhidas por preferência. Notou que havia uma inimizade e às vezes brigas entre membros dos dois grupos e queria saber o porquê.
No intervalo, Harry e Niall haviam tomado coragem para ir ao pátio comer seus respectivos lanches. Sentaram-se em um dos bancos de cimento e olharam ao redor. Com o clima um pouco mais ameno, os estudantes não ficavam presos no prédio, grande parte saía para lanchar sob a luz do sol, mesmo que o vento estivesse frio.
Styles olhou ao redor. Perto do estacionamento e do jardim, a aglomeração de pessoas com jaquetas vermelhas era maior e dificilmente se misturavam. Percebeu que em sua maioria eram de classes sociais mais baixas, às vezes sem condições de comprar até mesmo um lanche na cantina.
Os de azul, no entanto, eram claramente ricos. Grande parte chegava em carros de luxo e usavam roupas de grife, assim como Harry. Esbanjavam dinheiro até com uma simples caneta.
- Niall, é impressão minha ou tem uma Guerra Fria dentro da universidade? - questionou em um sussurro.
- Ah, tem. Achei que já tivesse percebido. - deu um gole em sua Coca-Cola. - Os azuis são apoiadores do capitalismo e os de vermelho estão do lado comunista. - deu de ombros. Ele mesmo não gostava daquilo e evitava usar a jaqueta da faculdade, seja azul ou vermelha. - Mas não ache que todo mundo do lado vermelho faz parte do Partido Comunista. Só alguns.
- Oh, não sabia. - disse.
- Todos que tem pensamentos mais voltados para a melhoria das condições populares são enquadrados como vermelhos. - balançou a cabeça, desaprovando a classificação. - Às vezes o cara nem sabe quem foi Marx ou Lenin, mas os azuis colocam o fulano no grupo vermelho. Não é errado querer melhorias para a população, é?
- Não. - deu uma mordida em seu lanche. - E você sabe qual deles é comunista raíz? Digo, que realmente faz parte do Partido?
- Zayn Malik, Liam Payne... - deu de ombros. - E muitos outros, mas eles andam em um grupinho fechado. Dez pessoas, no máximo.
- Mas tem cerca de cem pessoas de vermelho!
- Lembre-se do que eu falei, nem todos fazem parte do Partido. - cerrou os olhos, fitando o grupo mais adiante. - E alguns não apoiam o comunismo, só pensam em melhorias para o povo e se vestem de vermelho só para provocar os capitalistas. - sorriu pequeno. - Que de donos de capital não tem nada, já que a maioria é sustentada pelos pais, que são os verdadeiros donos do dinheiro.
- E quem não se veste de azul ou vermelho?
- Eles tentam te puxar. - riu. - Os dois lados. Tome cuidado, nenhum presta. - seus olhos se fixaram em Louis, que estava ao longe, em um grupo de amigos. - Aquele é o pior deles. Ele é um comunista convicto, faz parte do Partido e tudo.
- Quem? O Louis? - arregalou os olhos. - Por quê?
- Você não vai querer debater com ele. O cara é um demônio. - fez uma careta de desgosto.
- O que ele fez?
- Ele é odioso. - Harry percebeu como seu mais novo amigo odiava Louis. - Tenha cuidado, não mexa com ele.
Harry bufou, aquele aviso não serviu de muita coisa. Estava atraído por Tomlinson, embora tivesse uma ideologia completamente diferente da sua. Além disso, ele havia sido gentil nas poucas vezes que conversaram, Styles não tinha motivos para odiá-lo.
O aviso de Niall só o deixou mais curioso para saber porque Louis era chamado de demônio.