Jake fechou a porta do quarto que ocupara durante a noite e procurou pelo irmão e por Rachel. Ele não sabia ao certo quantos quartos havia na mansão, nem porque duas raparigas tão jovens viviam numa casa centenária e tão imensa.
Por momentos, enquanto abria uma porta ao acaso, a sua mente confusa forçou-o a procurar por Aidan, como se ele estivesse vivo e aparecesse a qualquer momento com a boa disposição matinal estampada no rosto, algo que sempre irritou Jake de morte. Ele esboçou um sorriso fraco e nostálgico por perceber que o amigo também o procuraria em primeiro lugar, talvez para comentar a beleza das gémeas ou qualquer coisa corriqueira que fazia dele a pessoa mais divertida na sua vida.
Ele não reparou que tinha estacado no corredor imenso, absorto nas memórias que lhe faziam arder os olhos, e acabou por bater noutra porta. Não obteve resposta e resolveu entrar. Provavelmente Rachel e David ainda dormiam e cabia-lhe a ele acordá-los e relembrá-los dos seus objetivos naquela viagem atribulada.
No entanto, a surpresa que sentiu ao abrir a porta não se devia ao facto de ter o irmão naquele quarto. Muito menos Rachel. Depois de tudo o que vivenciara no último mês, nada o surpreendia mais do que a visão de um homem nu amarrado à grande cama de dossel.
Jake ainda pensou estar a interromper um fetiche sexual de uma das loiras, talvez de ambas, até o homem se aperceber da sua presença e esbugalhar os olhos vermelhos e inchados. Ele gritou contra o tecido que lhe cobria a boca ensanguentada, puxou os pulsos magoados sob as algemas improvisadas que o confinavam àquela condição tortuosa de não se conseguir mover.
Jake aproximou-se da cama para observar de mais perto os rasgões que alguém lhe infligira no tronco. A pele do homem estava marcada por dezenas de golpes superficiais. A disposição dos riscos ensanguentados fazia prever que se tratava de uma contagem, principalmente por alguns deles já estarem quase cicatrizados, outros ainda com pequenos pontos de sangue coagulado por entre as feridas.
– O que pensas que estás a fazer? – a voz feminina não chegou para sobressaltá-lo. Não quando ele engolia em seco e tentava perceber que espécie de fetiche sexual levava àquele ponto de sadismo. Acabou por olhar para a dona da voz sensual de soslaio, que não parecia surpreendida por vê-lo.
– Eu não faço ideia de qual das duas és, mas tens problemas – disse ele, apontando para o pobre homem que agora chorava e respirava aos borbotões sob o tecido ensanguentado, enquanto ignorava a figura loira que voltara para o atormentar. – Isto é simplesmente doentio!
Ela cruzou os braços nus e semicerrou os olhos num reflexo que durou apenas breves segundos. Apesar de ela tentar omitir a surpresa com a sua pose elegante e serena, a sua voz trémula denunciou-a.
– Tem cuidado como falas, querido – avisou, aproximando-se de Jake em passos lânguidos e adotando uma expressão mais crua – Estás na minha casa. Eu só estava a ajudá-lo a sair daqui. Nem sei o que faz ali amarrado.
Quando ele achou que ela se aproximara o suficiente ao ponto de sentir nojo, agarrou-a num impulso que a fez conter a respiração e cerrar os maxilares em desafio. Jake estudou-lhe as nuances de incerteza que lhe corrompiam a expressão no rosto perfeito. Ela sorria, curvando os lábios femininos o suficiente para que qualquer homem achasse a sua inocência sensual. Os olhos fixavam-no, vazios de emoção. Então ele apertou-lhe o braço com mais força, para forçá-la a sentir algo mais do que aquele desprezo doentio.
– Quem és tu?
– Estás a magoar-me o braço, seu brutamontes virgem! – guinchou a rapariga quando os dedos dele se tornaram brancos contra a pele sensível. Jake torceu-lhe o braço o suficiente para lhe olhar o pulso. Tal como em Kim, tal como sentira na noite anterior numa das gémeas, que ele continuava sem saber qual era, conseguia distinguir uma sigla seguida de algarismos que não lhe davam alguma pista quanto ao cariz daquela tatuagem. Ele conseguia ler HCC-A21 com total clareza por entre os rebordos da queimadura já cicatrizada. A pele em torno dos dígitos tornara-se esbranquiçada, ao contrário do que vira em Kim.
– Mas afinal que merda és tu?
April puxou o braço com um safanão, cobrindo o pulso que ele segurara com força suficiente para a fazer sentir dor. Não era algo que ela gostasse de sentir, no entanto enfrentou-o, movendo-se para mais perto dele, a expressão intocável de regresso ao rosto bonito.
– Eu já te disse, querido, sou quem tu quiseres que eu seja.
– Sou quem tu quiseres – uma voz cândida e sensual murmurou ao seu ouvido, tocando-o com os lábios suaves. – Seremos rápidos.
Kim? Jake abriu os olhos repentinamente e agarrou no braço da rapariga com mais força do que queria enquanto ela forçava os seus lábios com beijos lascivos que os levariam a um único fim.
Ela ousou tocar-lhe o queixo, descendo as mãos pelo peito definido enquanto o sorriso se alargava. Jake deixou-a tocá-lo, deixou-a aproximar-se até não haver mais espaço entre ambos, até o homem amordaçado tornar a soltar gritos abafados.
Depois, ele também sorriu. Tocou-lhe a cintura delgada coberta pelo pequeno top do pijama diminuto e viu a surpresa refletir-se no rosto perverso. Então, quando ela aproximou os lábios entreabertos em busca dos dele para um beijo faminto, a mão livre de Jake apertou-lhe o ombro com força. Pressionou o músculo que lhe comprimia a carótida tempo suficiente para ela perder o alento para se suster em pé e cair sobre ele.
Jake pousou o corpo inconsciente no chão com delicadeza, apesar de querer ameaçá-la com recurso à força de uma forma que o começava a assustar. Ainda olhou para o pulso da rapariga novamente e uma nova enxurrada de perguntas sem resposta lhe ocupou a mente desgovernada. Ele simplesmente não conseguia perceber o que havia de comum entre Kim e a gémea.
O homem berrou novamente, captando a atenção de Jake, e ele finalmente decidiu soltá-lo do tormento doloroso. Tirou-lhe a mordaça suja, sentindo a pele do homem abrir-se em novas feridas quando retirou o pano.
– Obrigada. – o homem tentou agradecer, sentindo a língua demasiado seca para conseguir articular as palavras. – Não tem simplesmente noção... Obrigada.
Jake soltou-lhe as amarras dos pulsos suspensos, e procurou por roupa masculina na divisão enquanto o desconhecido massajava os membros entorpecidos. Finalmente encontrou uma camisa e uns jeans que sem dúvida não pertenciam à loira.
– Consegue andar? – perguntou, auxiliando-o a colocar-se em pé e dando-lhe as roupas para vestir.
– Sim, sim. Temos só que sair desta casa imediatamente – murmurou o outro, vestindo-se com alguma dificuldade. – Ela é louca. Completamente louca.
Enquanto o homem se debatia com a roupa, Jake procurou no armário por algum tecido feminino que lhe permitisse amarrá-la e imobilizá-la pelo tempo que precisasse. Ele simplesmente tinha tantas coisas para lhe perguntar que temia não conseguir fazê-lo se ela insistisse com aquela sedução ridícula.
– Ouviu o que eu disse? – anunciou o homem, apressado para sair daquele quarto. A boca quase se abriu de espanto quando viu Jake amarrar os pulsos da ninfomaníaca que o raptara durante largas semanas e pegá-la ao colo. – Está louco?!
– Eu sei o que estou a fazer – rosnou Jake, num claro esforço de manter o corpo inerte no colo. – Viu a outra irmã por aqui?
– Sim, mas ela nunca aqui entrou. – o homem começou por apertar os botões da camisa, mas depressa desistiu quando o tecido lhe fez arder os ferimentos recentes. – Eu estava doente e elas trataram de mim – ele foi dizendo enquanto Jake se encaminhava para fora do quarto. – Curaram-me quando eu pensei que ia morrer. Mas depois uma delas começou a falar na ideia de ter filhos – apontou para a loira desmaiada nos braços de Jake. – Meu Deus, eu sou casado e nunca a vi na vida. Não é uma coisa que se oiça todos os dias.
Filhos. Jake quase a largou nas escadas quando ouviu a palavra. Simplesmente pensara que ela tinha uma psicose perversa qualquer, que a ninfomania conseguia proporcionar ações sádicas como aquela que presenciara no quarto dela, como o assédio de que fora alvo na noite anterior. Como é que uma parafilia tão comum como aquela levava à ilusão da promessa de uma família?
– Ela marcou-me de todas as vezes que me fodia e que não conseguia engravidar. – confessou o homem, adquirindo uma postura que se distanciava ao máximo da do homem assustado que encontrara amarrado. – Como é que não tem simplesmente vontade de a estrangular depois do que ela fez?!
– Porque se fosse comigo eu estrangulá-la-ia primeiro. Nunca depois – rematou, colocando a loira ao ombro, sem a mínima delicadeza. A única que ela merecia.
***
NOTA DE AUTORA
Digam olá à nova personagem, já agora, e ao lado mais sério e prático do Jake. Eu sempre o fiz interagir muito com a Kim e com a Rachel, as mulheres da vida (atual) dele, mostrei o seu lado divertido com o Aidan no início, mas raras vezes o levei a extremos (mentira, levei e ele matou uma pessoa nesse dia...). Não sei se se lembram, mas ele tinha mau feitio no início. Quase meteu a Kim fora de casa a pontapé, por isso notem que o Jake não é o príncipe encantado. Ele é só um homem.
Espero que tenham percebido o que tentei descrever neste capítulo, é muito importante para os próximos.