Sui Generis

By Anormalmentee

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"Os crentes do efêmero dizem que tudo muda, que nada é para sempre. Mas se a mudança é algo constante então o... More

Apresentações
I - unus
II - duo
III - tres
IV - quattuor
V - quinque
VI - sex
VII - septem
IX - novem
X - decem
XI - undecim / Parte I
XI - undecim / Parte II
XII - duodecim / Parte I
XII - duodecim / Parte II
XIII - tredecim
XIV - quattuordecim
XV - quindecim / Parte I
XV - quindecim / Parte II
XVI - sedecim
XVII - septendecim
XVIII - duodeiginti
XIX - undeviginti / Parte I
XIX - undeviginti / Parte II
XX - viginti / Parte I
XX - viginti / Parte II
XXI - viginti unum / Parte I
XXI - viginti unum / Parte II
XXII - viginti duo / Parte I
XXII - viginti duo / Parte II
XXIII - viginti tres
XXIV - viginti quattour
XXV - viginti quinque

VIII - octo

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By Anormalmentee

   intus sanatos

Harry

Ao contrário do que se podiam pensar, o consultório não é inundado pela brancura cintilante. Os móveis em madeira escura, os pontos de cor mesmo que suaves na decoração e os pequenos arranjos de plantas que enfeitavam os cantos da sala davam um ar descontraído, porém, mesmo com todos os adereços para tornar o lugar agradável, Harry não podia evitar o desconforto por ter ciência de que está sendo analisado.

— Olá, eu sou o Andrew.O médico se introduz gentilmente, indicando a cadeira a sua frente para o cacheado sentar. Você pode ficar à vontade...

As últimas palavras de Andrew pareceram acordar o de cachos de um transe, percebendo que seu corpo estava tenso e que continuava de pé. Lentamente, o de olhos verdes acena com a cabeça e senta-se no local indicado.

Geralmente tratamos de coisas básicas na primeira consulta, trate apenas como uma conversa, tudo bem? Ele continua, os olhos negros desviando da ficha em suas mãos para focar em Harry, que assente em resposta. Pois bem, você gostaria de um chá enquanto fala um pouco sobre você?

Sim, por favor. – Harry aceita a bebida, observando a habilidade do médico em servir as xícaras, e após questionar se ele gostaria de açúcar, o homem acena com a cabeça como se fosse um incentivo para o cacheado começar a falar. — Hm... Meu nome é Harry e eu tenho dezenove anos...

— Como o príncipe Harry? – Andrew diz com um tom suave, estendendo para o mais novo a bebida quente, o qual ele aceita e assente com um sorriso. — Então, Harry, o que você gosta de fazer? Alguma ocupação?

— Sim, eu estou estudando para entrar na faculdade. Além disso, eu trabalho em um pub como bartender e como voluntário no aquário... – As palavras deixam os lábios quentes pelo chá em um tom baixo, um pouco incerto, ainda que a menção do aquário traga um sorriso pequeno ao seu rosto, o que não passa despercebido pelo psicólogo.

— Ah, isso é ótimo. Vejo que é muito atarefado então, já sabe para qual curso quer prestar o SAT? – Ele questiona educado, e se Harry não tivesse noção do que aquilo se tratava poderia mesmo achar que não passava de uma simples conversa, o que ele agradece internamente, já que agora está mais confortável do que quando entrou.

— Sim, biologia. – O mais novo responde, com mesmo sorriso de quando mencionou o aquário. Estava claro que o de cachos realmente gostaria de trabalhar com aquilo.

— Parece que combina com você. – Andrew comenta e o sorriso do mais novo se alarga, porém, perde a intensidade quando o médico deposita a xícara na mesa e assume uma posição mais séria. — Não precisa ficar tenso, eu só vou perguntar o que te traz aqui e o que tem passado pela sua cabeça. – Adiciona rapidamente ao notar a tensão.

— Hm... eu fiz um acordo com um amigo. – Harry limita-se a responder, colocando sua xícara já vazia na mesa.

— De vir ao psicólogo? – Andrew questiona neutro, embora sua atenção esteja voltada para o de cachos.

— Sim, ele acha que vocês... Bem, você, pode me ajudar. – Harry explica.

— E você acha que podemos? – O homem devolve, ainda que mantivesse a neutralidade na voz.

— Não sei...

— Não acha que precisa de um terapeuta? – Ele volta a questionar.

— Eu só não acho que meu problema possa ser resolvido por um. – Harry murmura, encolhendo os ombros.

— E qual o seu problema?

— Eu não gosto que os outros me toquem. – O cacheado responde, e a naturalidade com que o faz leva o médico a franzir o cenho, logo voltando a expressão neutra.

— Por que?

— Eu me sinto desconfortável...

— Você sempre se sentiu assim ou desenvolveu essa condição? – Andrew indaga, transferindo os olhos negros para o papel que tomava notas em sua mão.

— Desenvolvi. – O de cachos responde simples, tendo que fechar os olhos por um segundo a fim de bloquear a sensação ruim em seu peito.

— Sabe me dizer quando começou? – O homem para de escrever, notando a expressão tensa tomar o mais novo, que assente devagar. — Você poderia me contar?

— Eu... eu não acho que consiga. – Harry quase sussurra, a voz meio tremula.

— Tudo bem, não há pressa. Podemos tomar outro caminho, continue respirando. Isso, devagar: inspirando pelo nariz e soltando pela boca. – O médico o instrui, lidando com a quase crise de maneira profissional e tranquila. — Melhor? – Pergunta ao que nota a respiração do outro voltando ao normal. — Harry, entendo sua ressalva em entrar em detalhes sobre o assunto agora, mas saiba que estamos sob confidência de paciente para com médico, então não se preocupe quanto a isso. Sendo assim, pode me contar há quanto tempo não gosta de toques?

Harry assente, ainda meio atordoado pela quase crise, mas após um longo suspiro, responde: — Faz três anos. Mas eu queria entender como falar sobre como começou poderia ajudar em algo... Eu não estou aqui para ser ajudado com a coisa do toque?

— Está? – Andrew devolve, recebendo o silêncio por parte do paciente, ele continua: — Harry, estou aqui para conversar sobre o que você quiser e estiver confortável em compartilhar. Você contou que está aqui porque não gosta de ser tocados, eu só estou tentando entender onde isso começou.

— Essa é sua primeira frase que não é uma pergunta... – O cacheado escolhe por comentar.

— Não gosta de perguntas?

— Não.

— Certo, então porque não fazemos uma lista? Sabe, das coisas que precisam ser mantidas em espera, que precisam de tempo até chegarmos lá... – O mais velho sugere. — Podemos conversar sobre o que você quiser em seguida.

— Ashley. – Harry atira antes mesmo do homem terminar de falar direito.

— Certo, considere ela na lista de coisas que precisam de mais tempo para serem trabalhadas... Contudo, você pode me dizer o que ela tem a ver com a história? Digo, o que ela é sua, só para deixar claro na sua ficha.

— Era. Ela é minha ex-namorada... – O cacheado o corrige e esclarece, vendo o mais velho assentir e anotar algo. — E minha mãe, você pode colocar ela aí também.

— Anotado. Tem algo a mais que acha que eu precise saber?

— Bom... Eu acho que você deveria saber que eu fui uma menina por um tempo. – Harry fala com um suspiro, as mãos inquietas sobre o próprio colo.

— O que você quer dizer com isso?

— Eu fui criado como uma menina até os doze anos, quando oficialmente fui diagnosticado com hermafroditismo feminino. Isso quer dizer, que mesmo tendo os órgãos sexuais femininos, eu me entendo como homem. Desde então eu tenho sido tratado da maneira certa, mas acho que de certa forma isso mexeu com minha cabeça...

— Entendo, isso é algo que queira mudar? Ou seja, uma insegurança com relação a envolvimento mais íntimo com outras pessoas?

— Não, quer dizer... É parte de quem eu sou, estou bem com isso. Quanto outras pessoas... Eu não... não sei realmente, a minha ex foi a única pessoa que eu me envolvi. – O cacheado conta, mal se dando conta que entrou no assunto "Ashley" por conta própria. — Eu nunca nem tinha olhado para meninas e tentado ver o potencial para algo além de amigas...

— Em um mundo ideal, onde você pudesse ser tocado, acha que voltaria a se envolver com mulheres?

— Eu nunca projetei um mundo ideal.

O suspiro de Andrew sugere que aquilo ainda seria muito trabalhado.

Caminhar pelas ruas cheias é chato, mas não mais um incômodo. Multidões continuavam a não ser seu local favorito no mundo, porém o medo não o assombrava mais como crianças que tem medo do escuro.

Harry nunca achou que conversar com uma pessoa pudesse ter tantos benefícios, principalmente físicos. Tudo bem que Andrew e ele não apenas conversavam, muitas das vezes a sessão era dada caminhando no parque, ocasionalmente sentados na grama. O psicólogo até mesmo já passou uma tarde com Harry em um curso de chá e outra jogando tênis de mesa. Andrew defendia uma terapia diferenciada, que a sessão precisava acontecer no mundo, não dentro de uma sala.

Mas a sala dele, ainda assim, acolheu várias sessões, principalmente as primeiras e sobretudo quando trabalhavam algum item da lista pois sabia que o assunto faria Harry ficar tenso, optando por tê-las em particular, longe de olhos curiosos. No início, Harry acreditou que aquilo parecia uma tortura, falar sobre si mesmo, contar seus maiores temores e seus momentos mais constrangedores, agora ele já quer contar cada minuto de seu dia para Andrew e sempre se pega pensando: "O que ele vai achar disso quando eu contar?".

O psicólogo se provou ser realmente diferenciado, quando Harry visitou psicólogos quando era mais novo, ele os achou chatos e intrometidos, querendo saber qual era a opinião do garoto para cada coisa. Andrew já parecia ser uma voz que fazia as perguntas certas, levando sempre Harry a entender que todas as respostas para as grandes perguntas que estavam dentro de si.

O cacheado lembra que em uma sessão falou sobre achar que crianças não o afetam e na sessão seguinte eles foram até uma creche comunitária onde Harry passou horas em meio a vários pequenos. Enquanto as crianças mexiam em seus cabelos, sentavam em suas pernas e o tocavam o tempo inteiro, a única coisa que ele sentiu foi a cabeça doer como resultado de uma menina loira que tinha as mãos muito pesadas enquanto mexia em seus cachos. Ele lembra de Andrew falando que agora não precisava mais achar que crianças não o incomodavam, que ele poderia ter certeza.

E todas as cinco semanas em que teve a companhia do homem negro e com pinta de surfista na casa dos quarenta anos levaram o cacheado a notar que seus grandes problemas podiam ser solucionados apenas com longas conversas e compreensão sobre o que sentia, por mais que não fosse fácil se abrir, ainda mais com relação ao seu passado com a Ashley e sua mãe, o conforto que passou a ter durante as consultas e a vontade de querer superar aquilo tudo, eventualmente venceram. As sessões que começaram sendo três vezes por semanas, agora eram apenas duas e em algum tempo se tornaria uma, isso foi estipulado por Andrew, ele dizia que o mais novo tinha muita coisa acumulada dentro de si que precisava ser colocado para fora, e rápido.

Porém, mesmo após tudo isso, Harry permanecia intocável, não que ele se afastasse velozmente como fazia antes ou ficava sempre atento ao movimento de cada pessoa e calculando se o tocariam. É só que ele ainda não estava reabilitado, é difícil convencer a própria cabeça que aquilo não irá machucar. Em metáfora é como se Harry sempre tivesse se afogado em uma piscina e agora ele aprendeu a nadar, mas não tem coragem de ir para o fundo.

O cacheado sabia que deixaria alguém tocá-lo em algum momento, só não sabia quando. Andrew dizia que ele não deveria se preocupar com isso e nem ficar simulando situações hipotéticas em que isso acontece. Também o alertou que ele não deveria tentar tudo de uma vez, que deveria ir aos poucos. Ninguém que acabou de aprender a nadar se joga em alto mar para medir suas habilidades, é preciso primeiro molhar os pés, e que tudo bem permanecer onde os pés alcançam o fundo por um tempo.

— Harry! – O chamado de seu nome é acompanhado por algo batendo em suas pernas. Uma bolinha de papel. Ele olha para o dono da voz. Louis. — Eu estou te chamando faz quarenta minutos. – Protesta de sua cadeira e o cacheado revira os olhos para o drama de Louis.

— Tem minha atenção agora. – Murmura ao que o mais velho não explica o que quer.

— Eu perguntei se eu realmente tenho que escrever dez linhas sobre um poema que tem dezesseis.

— Você parece uma criança preguiçosa do primário. Dez linhas, Louis. – Reafirma com convicção, voltando a sua posição relaxada no sofá e ouve resmungos baixos vindo do outro.

Paralelo ao projeto psicólogo, o projeto Louis também corria bem. Harry descobriu logo no início que o de olhos azuis sabia muita coisa, ele apenas, como já era suspeito, havia desacostumado a ler. Foram longas horas na sala do mais velho o ensinando, melhor, o relembrando de todas as regras. Não foi difícil tirar a confissão de Tomlinson do porquê de ele ter se desacostumado: o de olhos azuis chantageou seu professor para tal ato, o fazendo ensinar a maioria das coisas por oralidade. O mais velho também confessou que se dedicou mais às matérias que o interessava, como história, geografia, política e artes. Se por um lado Louis tinha dificuldade em ler, por outro ele sabia todas as datas de fatos históricos, até mesmo sabia o nome de cada herdeiro da coroa até o vigésimo oitavo. Além de executar cálculos matemáticos bem mais rápido que Harry, eles até disputaram uma vez e o de olhos azuis ganhou por uma diferença impressionante.

No início Harry teve que pesquisar bastante sobre o assunto, seus conhecimentos em dislexia eram básicos. Agora o cacheado até parecia um bom professor, embora suspeitasse que seu sucesso vinha do fato de Louis já ter tido todo aquele aprendizado antes.

Após os primeiros momentos que ele teve que ensinar novamente Louis aprender a ler e escrever, foi simples descobrir o grande problema do chefe: Compreender o que ele lia. Então, as últimas aulas constituem em Harry levando poemas ou pequenos contos para Louis ler e escrever uma resenha. O cacheado sempre fazia Louis ler os poemas quando eles estavam juntos e deixava os contos para o outro fazer quando tivesse tempo, já que os poemas costumavam ter palavras mais complexas e exigia um nível de compreensão maior e ele preferia estar ao lado de Louis para isso, uma vez que tinha medo do outro desanimar por não entender algo.

Contudo, uma coisa que realmente incomodava Harry era o fato de Louis se recusar a ler em voz alta. O cacheado insistia dizendo que era importante, mas Louis teimoso como era rebatia que faria aquilo em casa, mas que não faria na frente de Harry por vergonha, argumentando que lia muito devagar e tropeçava muito nas palavras. Ao menos Harry conseguiu o convencer que ele deveria escrever os textos manualmente, já que o teimoso insistia que preferia digitar, mas o de olhos verdes tratou de argumentar que ele apenas iria decorar o local de cada letra.

E foi assim que eles deram início a uma amizade, as horas que passavam todas as quintas e sábados, e todas as caronas até em casa, as quais rendiam conversas curtas, foram base para isso. Louis até mesmo colocou um sofá em sua sala apenas para Harry ficar jogado enquanto ele fazia alguma atividade, já que o cacheado reclamou vezes demais sobre a cadeira de visitante ser desconfortável.

O móvel de camurça bege levou um ar mais receptivo e acolhedor para a única parede livre do pequeno escritório, que ficava bem de frente para a porta. Nas horas em que Harry estava entediado jogado de qualquer jeito sobre ele, seus olhos atentos por distração tinham dois focos: Os quadros brancos com flores perto da mesa de Louis, os quais o cacheado considerava bonitos, mas o olhar melancólico que Louis às vezes dirigia a eles fazia com que o mais novo sentisse que não eram simples pinturas. Todavia, ele ainda não teve a audácia de perguntar porque pinturas tão singulares estavam ali, já que nada mais na sala condizia com a pintura suave. E a outra coisa que ganhava seu interesse, mesmo que não quisesse, era o carpete novo de Louis, este mais escuro que o anterior. Seu olhar se encaminhava bem para onde, outra hora, estava a mancha do sangue do seu chefe, e era inevitável que o sentimento frio, o qual sempre se fazia presente ao pensar naquela noite, se alojasse em si. Styles ainda é incapaz de responder como conseguiu tirar Louis do local dentre todas as adversidades.

O trauma daquela noite o levou a ter pesadelos nos primeiros dias que deram sequência àquele, o que só veio a passar quando o policial encarregado informou que havia conseguido identificar os ladrões, os quais eram conhecidos por crimes similares. E felizmente, mesmo os delinquentes sendo experientes em apagar seus rastros, no último assalto acabaram cometendo o deslize que levou a captura. A notícia deixou todo mundo aliviado, principalmente Troy que agora vivia ligando preocupado com o filho. Harry presenciou muitas chamadas após o homem ir embora, dias depois do ocorrido, sempre procurando saber se o mais velho andava comendo bem, não fazendo esforço demais e dando uma pausa do trabalho. Louis o contou que o pai chegou até a fazer uma vídeo chamada no dia em que ele tirou os pontos pois queria ver como o corte havia ficado, como se de alguma maneira fosse voltar a sangrar.

Styles não viu a cicatriz no corpo do outro, mas vez ou outra se perguntava como havia ficado, porque Louis, mesmo com o acordo, continuava impossível. Fazendo coisa que alguém com um corte grande não deveria. Harry chamou sua atenção várias vezes e chegou perto de gritar com o chefe quando o viu fazer careta ao dirigir na primeira noite que o pai dele havia ido embora, mesmo que tentasse usar apenas o braço do lado que o corte não estava, ainda assim doía. O mais novo nunca entendeu como os pontos nunca abriram ou ao menos sangraram. O menor parecia ser constituído de teimosia.

— Pronto! – Louis exclamou erguendo-se da cadeira e indo na direção do de cachos, que senta-se no sofá para dar espaço para o mais velho.

— Rápido. – Harry comenta ao que Louis o entrega a folha com a caligrafia relapsa.

No início da página podia se encontrar o nome do poema e do autor: A Broken Appointment por Thomas Hardy e depois a opinião forte sobre a coisa toda descrita nas linhas escritas por Louis. Harry passa os olhos pelo texto, já riscando com uma caneta verde todos os erros de ortografia, já que Louis diz que vermelho é opressivo demais. Ele não demora muito para chegar no final, contudo, precisa reler para entender o que o mais velho queria dizer.

— Você é do tipo romântico, Harry? – A pergunta deixa os lábios de Louis com naturalidade.

— Por que? – O mais novo franze o cenho levemente.

— Você sempre me traz Hardy, Byron, Keats para ler... Nunca me trouxe um poema que não fosse, de alguma maneira, sobre o amor.

— Existe algum autor que tenha preferência? Eu apenas trouxe os que eu conhecia, mas se tem algo nesse mesmo nível que prefira ler, eu posso arranjar. – Harry une os olhos com os de Louis, que estão o observando de perto.

— Não, é apenas uma curiosidade sobre você.

Às vezes Louis fazia isso, começava assuntos aleatórios sem nenhum objetivo. Uma vez ele insistiu em saber qual era a cor preferida do mais novo e só sossegou quando a palavra vermelho escuro deixou os seus lábios.

— Você quer saber se gosto de romance na literatura ou como pessoa? – O cacheado atira com genuína dúvida, meio incerto sobre onde o outro quer chegar.

— Tem diferença? – Louis rebate, alguma coisa no brilho dos seus olhos quase parece desafiar o mais novo, que sorri diante da pergunta.

— Eu costumo gostar de romances para ler. Para a vida eu acho que prefiro me manter longe de qualquer coisa que possa ser relacionada a esta palavra. – O de cachos comenta com um encolher de ombros, os olhos azuis do outro ainda sobre si.

— Deixe-me adivinhar, teve azar na vida amorosa? – Louis chuta, embora bem convicto de seu palpite, como se fosse algo óbvio.

— Minha vida amorosa é algo curto e traumático, então não sei se isso pode ter algo relacionado a não querer romance na forma real. – Decide ser sincero.

Louis concorda com a cabeça lentamente, como se entendesse o garoto. Prende seus olhos mais uma vez nos de Harry, dessa vez mais decididos a manter o mais novo ali. O azul parece procurar algo nos olhos do outro, investigando as orbes calmas.

— Foi traumático por que você não gosta de ser tocado? - Louis sempre parece uma criança quando pergunta coisas desse tipo, nunca parece haver maldade por trás de suas perguntas. Apenas curiosidade.

Se por um lado Harry estava tendo plena ciência de toda a extensão do problema de Louis, onde começava e terminava, pelo o outro, Louis era totalmente oposto. O mais velho jamais fez qualquer pergunta sobre o assunto, sempre deixando o maior livre para comentar, ou não, aquilo, embora provavelmente saiba que Harry continuava a frequentar as sessões já que era o mesmo que pagava por elas.

— Foi onde meus problemas com toque começou. – Fala a frase sem uma explicação adicional, deixando Louis entender por ele mesmo o que quiser, até mesmo que projete uma história em sua mente que a justifique.

Como se fosse neblina, o silêncio constrangedor paira pelo ambiente, preenchendo a mente dos dois: a de Louis com histórias absurdas e a de Harry com a satisfação de poder falar um pouco de si sem que aquilo se torne algo maçante.

Harry toma uma respiração, pretendendo voltar para atividade inicial e acabar com os olhares de compreensão de Louis, mas o mesmo é mais rápido em expressar seus pensamentos, que parecem ter ido por um caminho desconhecido pelo cacheado.

— Eu sei que odeia ser tocado, mas e quanto a tocar? Também sente... repulsa? – A palavra soa duvidosa, mas Harry nunca realmente explicou o que sentia.

— Não sei. – O de cachos suspira, decidindo deixar Louis saber um pouco da evolução que teve. — Antes de toda a terapia eu nunca tentei tocar em ninguém, não sei se eu sentia... repulsa antes, só lembro de pensar que odiaria qualquer contato. Não que agora eu saiba, mas é diferente... Eu quero tentar, mas o medo que me toquem de volta é grande e não sei se estou preparado para isso ainda. E como eu sei que tocar em alguém implica que eu permita que me toquem, eu estou vivendo na ignorância.

Louis acompanha tudo concordando com a cabeça, como se realmente entendesse tudo o que o outro quer dizer.

— Você quer tentar? – O mais velho indaga rápido, como se tivesse medo de desistir de proferir tais palavras se não as dissesse em um único fôlego. — Se isso não for desconfortável para você, claro. Mas eu deixo você me tocar sem que eu ache que possa te tocar de volta.

Harry encara Louis por alguns segundos antes de tomar uma respiração pesada, nunca cogitou essa hipótese, tocar alguém que estaria plenamente ciente do fato de não poder tocá-lo de volta. Um frio começa a aparecer em seu estômago.

O cacheado não saberia dizer se estava pronto para aquilo, para finalmente dar o primeiro passo e molhar os pés naquela imensidão. Sobretudo, ele não saberia dizer se queria realmente dar esse passo com ajuda de Louis. Seu chefe. Seu "aluno". O financiador do seu tratamento. Seu amigo. A dúvida sobre se aquilo quebraria ou ergueria uma barreira entre eles aflige o mais novo.

O ar nos pulmões não parecer ser o suficiente para relaxar Harry, que começa a achar sua posição desconfortável.

— Harry, eu só ofereci porque acreditei que isso iria te ajudar de alguma forma. Não precisa aceitar. Está tudo bem não estar pronto ainda.

— Não é isso... – Trata de falar, mas não explica o motivo.

E se ele tivesse uma crise de ansiedade ao tocar Louis?

— E o que é então? – O tom paciente de Louis se torna presente.

— E se eu não estiver pronto? Isso pode me fazer ter uma crise... – Harry quase sussurra, as bochechas ganham um tom avermelhado.

— Eu não vou te segurar ou qualquer coisa semelhante. Você poderá parar quando quiser. E caso, mesmo assim, você tenha uma crise, nós faremos algo para ela passar. – Louis argumenta gentil, todavia os olhos parecem ser tomados pela apreensão quando ele continua: — Algo que não envolva te tocar, obviamente.

— Tudo bem, eu quero. – O de cachos enche o peito de ar antes de soltar a frase, as palavras soando quase que para si mesmo.

— Lembre-se que você pode parar quando quiser. – Louis o assegura ao que afasta a manga longa da blusa de linho azul escuro a qual veste. — Eu tentarei manter minha mão parada, mas caso ela se mexa saiba que não é para tocar em você.

Oferece a mão, o braço voltado para cima, o qual Harry descobre ser coberto por tatuagens. Obviamente, ele já tinha notado algumas pelas bordas das blusas de manga longa que o mais velho sempre parecia usar, mas nunca havia de fato visto alguma completa além do 28.

E são os desenhos feitos com tinta na pele do mais velho que ganham a atenção do cacheado de imediato, observando que conseguem ser aleatórias ao mesmo tempo que formam um conjunto de algo. Até onde a manga está erguida, o mais novo consegue ver metade de um boneco de palito, e apesar de curioso para saber sobre os demais desenhos que se estendem por todo caminho acima, ele não pede para o menor subir mais a manga.

Harry então para de se distrair com o braço, para focar seus olhos na mão de Louis que está apoiada na própria perna. A palma de Louis conseguia ser considerada pálida se fosse comparada a pele sempre carregada por um bronzeado, os dedos eram esguios embora fossem claramente menores que os seus. O cacheado leva seus dedos lentamente até próximo dos de Louis, estava perto de tocá-los quando se detém, seu coração disparando em nervosismo. Ele pode sentir o calor vindo do corpo do outro, pode sentir o pequeno ar quente que circula entre os dedos. Aguarda alguns instantes, esperando que sua mente note que ele trocará em uma pessoa, mas os sinais de alerta não surgem.

A mão de Louis ainda o aguarda, completamente relaxada. A ponta dos dedos de Harry toca primeiramente o final dos dedos esguios e vai subindo lentamente até a ponta dos dedos do chefe. O toque é tão sutil e leve que Harry mal pode senti-lo, tendo apenas a sensação de algo em sua pele. Ele arrasta os dedos até o fim e toma uma respiração quando nota que não sentiu qualquer desconforto, então volta a tocar em Louis, com mais coragem dessa vez.

Ele sente a pele lisa da palma do mais velho contra as pontas dos seus dedos. E de alguma forma, algo dentro dele ainda lhe diz que aquilo é errado. A falta de costume o faz estranhar as peles juntas. A textura. Há um medo dentro dele que sussurra com a voz doce que aquilo dará errado, que ele terá uma crise, que Louis irá segurar sua mão a qualquer momento. Todavia, a crise não vem e a mão de Louis continua na mesma posição relaxada. E com esses fatos, se torna simples para Harry ignorar a voz recorrente com um tom doce em seus pensamentos.

Por ficar mais tranquilo e acabar abaixando mais a mão, Harry sente as pontas dos dedos do outro encostar em sua palma, o toque é leve e a única reação do cacheado é repetir o movimento de passar seus dedos pelos de Louis, agora com o auxílio do polegar, como se os segurasse levemente. Quando os dedos ficam ponta a ponta, Harry os pressiona como teclas de um piano, a força com a qual Louis responde é tão ilusória que ele estranha.

Ele leva as pontinhas dos dedos para a palma, traçando as linhas das mãos de Louis com cuidado. O coração ainda parece acelerado, mas não o incomoda. O nervosismo de Louis o tocar de volta ainda está lá, mas ele confia que o outro não fará isso. O tempo que conviveu com Louis o ensinou que o mais velho levava a sério seu problema, às vezes até mais que o próprio Styles, já que ele nem oferecia um aperto de mão e se mantinha a uma distância respeitável, agora mesmo eles estão a quase um metro de distância no sofá. O local mais perto que eles ficavam era no carro, e Louis nunca nem movimentava o braço esquerdo.

Os olhos verdes se vão para a tinta preta que forma o desenho de uma corda que aparenta ter sofrido ruptura, nas pontas onde ela arrebentou há aspas. Harry não entende o que aquilo significa, mas quer tocá-la. Sentir a textura da tinta na pele. E por mais que o medo ainda o ronde, a curiosidade é maior. Sendo assim, o cacheado leva as pontas dos dedos frios até onde eles coçam para estar, traçando com cuidado o desenho e sentindo a diferença de relevo. Seus olhos acompanham o caminho que seus dedos fazem para o desenho do primeiro pássaro, o qual é apenas uma linha curva.

A pele nesse local parece menos lisa, porém mais quente e mais macia. Até a tinta desse ponto aparentava ter menos relevo, e a noção daquele fato faz o maior seguir para o próximo, depois o seguinte e o outro, em busca da variação leve entre uma e outra. Harry tocou normalmente nas pessoas até seus dezesseis anos, contudo não saberia dizer por que isso parecia tão diferente agora. O porquê após tanto tempo sem contato, a ação agora meio que o estava fascinando.

Depois do bando de pássaros, seus dedos se interessam pela bússola. A pele bem mais quente do que a palma, sendo até mesmo capaz de esquentar os dedos do menino cacheado que contornava o perímetro do objeto, quando ele estava na parte de cima do desenho, perto de um desenho de um avião de papel, ele desce o braço e as pontas do dedo de Louis tocam seu antebraço. Harry se afasta precipitado, desculpas sendo ditas ao mesmo tempo.

— Louis, eu sinto muito. – Harry recolhe sua mão para si e os olhos verdes focam no chefe, procurando sinais que causou algum desconforto nele. — Eu não sei porque eu...

Ele não consegue se explicar, não acha as palavras certas. Dizer que não achou certo o tocar parecia algo simples demais para descrever o que ele sente que fez. Agora desperto do transe no qual se encontrava, sentia que de alguma maneira havia tirado proveito do outro.

— Está tudo bem, Harry. – Um sorriso brinca nos lábios do mais velho. — Não foi um incômodo ter seus dedos dançando pelo meu braço, eles apenas me fizeram... cócegas.

O comentário faz as bochechas de Harry ficarem rubras de imediato, ele não pode evitar que o calor tome seu rosto. O cacheado pisca algumas vezes, sem saber porque está tendo aquela reação.

Louis o deixou tocar e pareceu bem com todo o processo. Porque Harry está incomodado? Por que ele sente que foi mais que aquilo? Como se houvesse algo por trás de seus próprios toques que pudesse ser considerado ruim. Mas aquilo era um equívoco de sua mente, ele jamais tocaria em alguém dessa maneira, ele jamais tocaria em Louis com uma segunda intenção. Eles eram amigos e ele não queria machucar o outro. Nunca.

O coração de Harry volta a disparar e ele não entende o porquê. Pela primeira vez não parece ser por algo com sua fobia ou seus medos, mas também não era algo reconfortante para se sentir.

— Eu... – Sua voz está tão fraca que ele precisa de um momento para poder dizer a frase com mais segurança. — Eu tenho que ir ver uma coisa no bar. Mas gostei do seu texto. No sábado nós fazemos ditado ou soletração de todas as palavras que você errou. – Levanta-se do sofá ainda com a folha de Louis, pegando a mochila que estava no chão ao seu lado.

— Harry, eu fiz algo errado? Você está bem? – Louis levanta-se para acompanhar o menino que ergue os braços para impedi-lo.

— Está tudo bem. – Ele dá passos para trás em direção a porta. — Eu tô bem. Obrigado por ter me ajudado com o negócio do toque. Nos vemos mais tarde.

Harry finalmente abre a porta atrás de si e sai por ela cortando qualquer coisa que Louis iria dizer. O cacheado não quer ouvir o menor agora, quer apenas sair do mesmo local que o de olhos azuis está. O ar do corredor parece ser mais fácil de respirar, seus batimentos e o frio no estômago começam diminuir. O problema parecia realmente estar vindo da sala do mais velho.

Louis

O braço de Louis parecia que não sairia daquele estado nunca. Quando Harry passou as pontas dos dedos pela sua pele, ele sentia como se o maior tivesse algum tipo de bálsamo na ponta dos dedos, levando uma sensação de alívio e dormência por onde passava. Acalmando a pele de Louis que ele nunca soube estar em algum tormento, mas o toque do outro fez isso com ele, trouxe algo frenético a superfície apenas para acalmá-la.

Entretanto isso nem era o pior efeito colateral ao toque do garoto de belos olhos verdes, esse mérito a ereção de Louis levava o nome. O mais velho não sabia dizer como o outro fez aquilo apenas com o toque leve, tinha até vergonha de admitir que ficou excitado com tão pouco. Mas aconteceu. Ter os dedos de Harry sobre si fez seu sistema nervoso ter uma pequena pane.

Contudo, Louis sacode a cabeça e se dirige até sua mesa, recusando-se a tomar qualquer atitude sobre a situação dentro de sua calça. Ele culpa as circunstâncias pelo ocorrido, sua mente doente provavelmente achou excitante ser tocado por alguém que não gostava de toque, como se experimentasse algo proibido e altamente restrito.

E uma parte dele sentia que isso era errado. Harry sempre fora carregado de inocência e ter algum pensamento impuro sobre o mesmo parecia algum tipo de pecado capital. Não que o mais velho pudesse evitar fazer aquilo, principalmente quando se passava tanto tempo na companhia do outro. Então a situação de Louis não é bem uma novidade, apenas lhe pareceu muito errada já que ele estava ajudando o menino em algo tão particular.

— Merda! – A indignação com si próprio é tão grande que é necessário verbalizar.

Harry confiou em Louis com algo tão singelo. Ele nunca tocava em alguém, bastava tirar um tempo para observá-lo de longe que notaria os movimentos do maior em relação ao mundo. Harry era um imã com polaridade igual ao de qualquer pessoa, que a qualquer movimento fazia Harry mexer se repelindo. E quando decide dar um passo em direção a isso, o qual Louis sabe que foi um longo caminho já que tinha visto o menino vir para o pub após as sessões e o rosto com marcas de choro, o que o mais velho faz? Leva tudo para o lado sexual da coisa enquanto maior o tocava com inocência. Essa hora Louis teve certeza que se existisse um inferno ele teria passe VIP para ele.

E ainda havia o fato de Harry ser hétero, ao menos ele se declarava assim, não que tivesse assumido isso em palavras explícitas, porém tinha a típica mania deles de achar que todo mundo tem a mesma sexualidade até que se prove o contrário. Até mesmo já insinuou que Louis era hétero quando o mesmo disse que declarações de amor são superestimada, respondendo com "Apenas consulte a opinião de sua namorada sobre isso." E Tomlinson, pela primeira vez na vida, não corrigiu alguém que insinuava que ele era algo diferente de gay.

Não que tivesse qualquer vergonha ou reserva quanto o assunto, pois tinha ciência que omitir aquela parte de si é errado, afinal levou muito tempo para chegar onde está para agora dar um passo para trás, mas ele o fez por Harry. Porque ele sabia que tinha algo escondido na sexualidade de Harry e não queria nunca entrar no assunto com o maior porque tinha medo que isso pudesse fazer Harry mudar. E ele perderia possivelmente uma das melhores visões que tinha, Harry o encarando de um jeito nada hétero.

Foram incontáveis vezes que os olhos verdes do menino se detiveram sobre Louis, sempre quando achava que o maior estava ocupado demais para notar, mas seja lendo ou escrevendo, Louis sempre notava. E aqueles olhos curiosos já se deleitaram com todos os detalhes dele. Louis já o flagrou encarando as mais diversas partes de si, como um artista olha para uma imagem, tentando absorver os detalhes, tentando decorar cada pequena coisa. Não o surpreenderia se Harry tivesse um caderno cheios de retratos seus, principalmente de suas mãos, a parte preferida do garoto. Contudo, o mais velho tinha certeza que o outro não percebia isso, não tinha ciência do que fazia e muito menos da expressão em seus olhos. E esse era o grande motivo de Louis nunca ter se assumido gay, tinha medo de entrar no assunto sexualidade com Harry e isso despertar alguma coisa nele, porque poderia ser que que o mais novo colocasse a própria sexualidade em dúvida, mas havia um risco de com isso o cacheado erguer um enorme muro no assunto e colocar fim a todos os olhares, e Louis não se perdoaria ser o motivo da perda disso.

Ele estava tão ferrado em sentir atração por um cara hétero, um cara hétero que não suportava toques e parecia inocente demais para o sexo.

Com muito esforço Louis para de pensar em seu funcionário e volta atenção para o trabalho, este que tem ficado cada dia mais fácil. Antes ele levava dias para alterar os pedidos e agora fazia isso em questão de horas, e várias outras tarefas estavam sendo executadas com muito mais eficiência. Até mesmo Malik havia notado a diferença, elogiando quando Louis não levou dias para fazer algo que o moreno tivesse pedido. E tudo isso graças ao garoto de cachos, que tinha uma paciência enorme para ensinar e explicar tudo um milhão de vezes se fosse preciso.

E mais uma vez seus pensamentos foram para Harry.

Ele precisa urgentemente de sexo com alguém, precisava tirar os olhos verdes de sua cabeça porque aquilo não daria em nada. Ele já teve atração por caras héteros antes e tudo resultou em um enorme campo de frustrações.

E também mesmo que Harry fosse gay, Louis não teria coragem de tocá-lo, ele sabe que não tem a delicadeza que o outro precisa. Pelas palavras de Harry é claro que ele já foi tocado de um jeito errado, no mínimo, e Louis não se sentia capaz de ser a pessoa que tocaria nele do jeito certo, não tinha qualificações para isso. A pele de Harry era algo sagrado e ele não era nem um pouco santo. Harry demanda cuidado, carinho e paciência. E Louis tem certeza que se tivesse dez minutos de carta branca com o maior, essas três palavras estariam bem longe dos planos dele. Que constituía em dobrar Harry sobre sua mesa...

O celular dele toca o arrancando de mais uma de suas fantasias. Charlotte.

— Oi. – Atende de mau humor.

— Liguei em um péssimo momento? – A voz da irmã soa apreensiva, o que o faz mudar sua postura.

— Não, desculpa. – Respira fundo antes de continuar: — Está tudo bem? Como estão as meninas?

— Tudo bem. Daisy quer saber se você vem mesmo no sábado à noite e se passará o domingo aqui, ela está fazendo planos que envolvem vocês dois e apenas vocês dois. – Há um tom de falso ciúmes no tom da irmã que faz Louis sorrir.

Louis tem tentado passar o máximo de tempo com as irmãs, mas isso sempre implica em Zayn ter que ficar responsável pelo pub e ele sabe que não pode abusar.

— Sim, claro. Mas tenta convencer ela a incluir Phoebe nos planos. – Lembra da outra irmã que está cada dia mais reclusa.

— Já tentei. Mas a garota disse que fazer acampamento dentro de casa é algo ofensivo e infantil, que ela se recusava a fazer parte. Eu sinceramente não sei mais o que fazer, Lou. Ela parece achar o mundo entediante e eu estou ficando cansada de tentar provar o contrário.

O suspiro de Charlotte é acompanhado pelo de Louis. Eles sentem que a cada dia perdem um pedaço de Phoebe e não podem fazer qualquer coisa para mudar isso.

— Mas não é sobre isso que eu quero falar com você... Me ligaram da clínica da mamãe hoje. – A voz da irmã se torna mais baixa e nervosa. — Ela volta em uma semana.

— Isso é bom, certo? – Sonda pelo tom estranho da irmã.

— Aham, sempre é bom quando ela volta. Daisy parece que perde aquela tristeza nos olhos e Phoebe para de agir como a maior vítima da sociedade moderna. – Faz uma pausa. — Meu grande problema é quando ela se vai, as coisas pioram exponencialmente quando isso acontece.

— Tentaremos evitar isso dessa vez, tá bom? – Tenta tranquilizar a irmã. — Eu achei um terapeuta em Donny que me parece ser muito bom. Eu vou te mandar os contatos e tentamos marcar as sessões para assim que ela voltar.

— Você acha que vai dar certo? – Charlotte indaga, seu tom não esconde a esperança.

— Sinceramente não sei, Lottie... A única coisa que podemos fazer é apoiar e estar lá por ela. – O mais velho diz suave em forma de conforto.

— Eu sei, eu apenas quero fazer com que as coisas deem certo dessa vez. As meninas merecem ter algo melhor que uma família em pedaços.

— Se tudo der errado, nós dois estaremos lá por elas.

— Sim, estaremos. Eu tenho que ir agora. – A irmã confirma, em seguida se despedem e Louis desliga a chamada

Johannah é um assunto em branco com potencial para virar uma grande pintura de terror. Louis sente falta da mãe com personalidade semelhante a um girassol, sente falta dos abraços quentes, das palavras doces e do amor incondicional. Mas ele tem plena ciência de que a mulher de suas lembranças não existe mais e que se apegar a essa versão antiga da mulher é apenas um caminho para decepções.

E isso torna o medo de vê-la mais real, ele não quer substituir as lembranças da última vez que a viu, pois essas era com Johannah com lágrimas nos olhos e tomada por uma tristeza profunda e ele levou quase uma década para superar. Ele estava pronto para ganhar outra visão difícil?

Afasta sua mente de suposições e tenta voltar ao trabalho. Pensar na mãe só o tornará melancólico.

[...]

Louis sabe que é Harry quem bate em sua porta e interrompe a leitura de um contrato apenas pela maneira que as batidas soam, o que o leva a suspirar antes de autorizar o maior a entrar na sala.

Não é nenhuma surpresa quando o lindo garoto de olhos verdes passa pela porta da sala e caminha até sua mesa com o relatório e os típicos envelopes transparentes de dinheiro. E uma atitude mais reservada que o normal.

— Desculpa por interromper. Eu sei que isso atrapalha sua compreensão, mas eu vou embora com o Zayn, então eu tinha que te trazer isso. – Coloca o envelope e o relatório sobre a mesa, que Louis logo puxa para poder assinar sem ler.

— Eu posso te deixar em casa, se preferir. Não é nenhum incômodo, você sabe. – Dita a fala de sempre. Ele gosta da companhia de Harry e das conversas aleatórias no carro, mesmo que isso custe chegar mais tarde em casa.

— Não, tudo bem. – Harry dispensa. — E deveria parar de assinar as coisas sem ler.

Louis sorri para o tom leve de repreensão.

— Eu confio em você.

Pisca para Harry como se estivesse brincando sobre o assunto, como se estivesse dando uma desculpa para justificar sua preguiça, mas não é. Ele realmente confia no menino.

— Eu deveria te fazer ler em voz alta como castigo pela preguiça. – O de cachos brinca. — Boa noite, Louis.

Começa a deixar a sala quando Louis lembra-se do acontecido de mais cedo, não que ele pudesse esquecer, mas Harry sempre o distrai com facilidade.

— Harry, eu queria pedir desculpa, você sabe, por mais cedo. – A frase faz o cacheado se virar. — Eu sinto que ultrapassei algum limite com você apesar de não saber qual. Talvez tenha se sentido pressionado a fazer aquilo e eu sinto muito.

O rosto de Harry começa a ganhar uma coloração rosa que Louis acha adorável, como se já não tivesse uma coleção de coisas adoráveis para achar no menino.

— Não tem que se desculpar, tá tudo bem. Foi apenas eu que me distraí e acabei me perdendo por um momento. – Fala com calma, mas seu rosto deixa claro que aquilo não é uma coisa simples. — Na verdade eu queria agradecer por ter sido cobaia e não precisa se preocupar, eu não me senti pressionado. Te toquei porque eu quis.

A frase tem um impacto que Louis não sabe dizer onde, mas definitivamente o sente agir diretamente no local dele que tem uma atraçãozinha pelo garoto, a fazendo se expandir. Ele é doente, ele sabe disso.

— Parece que estamos bem, então. – Sorri antes de acrescentar com a voz mais séria. — Você me ajudou muito nos últimos tempos e eu gostaria de fazer o mesmo.

— Você já paga o Andrew e essa é a maior ajuda que alguém já me deu nesse assunto. Ajuda essa que eu nem sabia que precisava. – Apesar da timidez o maior deixa claro o que Louis está fazendo por ele.

— Fico feliz em saber, mas mesmo assim eu gostaria de fazer algo a mais. Porque isso apenas me custa dinheiro, Harry, e me perdoa se vou parecer uma pessoa soberba, mas dinheiro não é algo que me falte e pagar as suas consultas não está me custando nada. – Faz uma pausa para analisar os olhos de Harry que estão interessados nele. — Eu vejo você sempre se esforçando para me ensinar as coisas, o trabalho pessoal que tem com tudo isso e eu simplesmente devolvo todo o seu esforço com dinheiro. Isso faz com que eu me sinta um pouco presunçoso.

Harry põe para trás uma mecha que se soltou do seu coque e encara o chão antes de fitar Louis.

— O dinheiro é o motivo do mundo estar sendo destruído, mas também é a salvação dele. No momento o seu dinheiro está me salvando, não o desmereça apenas por ter muito.

— Não há mais nada que eu possa fazer por você? – Persiste.

— Não no momento. – Há um sorriso tímido em seus lábios. — Mas eu te ligo se precisar. Eu tenho que ir agora, o Zayn já me tortura o suficiente por não saber o que tanto fazemos em sua sala a tarde, não preciso que ele tenha mais provas contra mim.

Louis sorri. Zayn vem sendo algo para se lidar nos últimos tempos, ele já havia flagrados Harry e Louis na sala do mais velho diversas vezes e sempre estranhava, principalmente pelos dois amigos dele não estarem fazendo nada. Harry sempre estava jogando em algum canto, seja mexendo no celular ou estudando e Louis sempre tinha apenas uma folha nas mãos a um enorme distância do maior e isto estava colando coisas na cabeça de Zayn. Que tinha um interesse enorme pelo o assunto, dizendo sempre que iria descobrir o que estava acontecendo.

Harry não dizia nada, falava para Malik perguntar a Louis, e o mesmo dizia que aquilo não era negócios que Zayn deveria tomar ciência. E isso enfurecia o moreno, que estava a um passo de acusá-los de estarem tendo um caso, mas ele não tinha qualquer prova para tal. Harry continuava "hétero" e ele nunca viu Louis a menos de um metro do cacheado. No final, o moreno tinha um monte de nada que ele desconfiava ser alguma coisa.

— Eu vou aguardar sua ligação. – Louis devolve com um sorriso.

— Boa noite, Louis. – É o que o maior se limita a responder, embora tenha um fundo de diversão em seu tom.

— Boa noite, Harry.

O maior deixa a sala e um Louis mais intrigado para trás. Que sente a pele voltar a ficar frenética, precisando de algo para ser acalmada, algo que tem na ponta dos dedos de Harry.

Que merda esse garoto está fazendo comigo? A frase parece estar em uma placa de neon na cabeça de Louis. 

N/A: Peguem a pipoca e o suquinho porque é mais saudável que refri, o filme já vai começar :)

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