UPRISING

By martafz

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Num futuro não muito distante, uma nova estirpe viral ameaça exterminar a espécie humana da Terra. O estado m... More

Uprising
0. Prólogo
1. América
2. É bom ter-vos de volta
3. HCC K42
4. Virgem outra vez
5. Achas que ela respira?
6. Kim
7. Sobrevivência
8. Quem és tu?
9. Voltar para casa
10. Lasanha vegetariana
11. Porque raio te injetas?
12. Dói-me a barriga
13. Porrada de um velho gordo
14. Gémea?
15. Não me podes proteger disto
16. Despe-te
17. Dói-me só a cabeça
18. Invictus
19. Impotência
20. Eu não quero que chores
21. Não queria que te doesse
22. Eu não sei mentir
23. Vamos embora
24. Não saltes!
25. Com a Kim seria esquisito
26. A melhor pessoa que eu conheço
27. Parece que viste um morto
28. Eu prefiro dormir no carro
29. Deixa-me ficar contigo
30. Eu estou a sangrar!
31. Pedi-lhe tanto para não me tocar
32. Ela estava a gostar!
33. Memórias
34. Faz-me esquecer, por favor
35. Temos que sair daqui!
36. Eu prometi, lembras-te?
37. O que é que eu fui fazer?
39. Irmã
40. Canadá
41. Só por uma noite
42. Diz-me se vai doer
43. Quero-te
44. És tão giro
45. Afinal que merda és tu?
46. Vocês vão todos morrer
47. Tu... gostas dela?
48. Nós somos a tua família
49. Conspiração
50. Defectus
51. Não deixes de gostar de mim
52. Eu estou bem
53. Eu cumpro as promessas que faço
54. Não quero ser uma necessidade para ti
55. Plano B
56. Gráim thú
57. Vai correr tudo bem
58. Duvida quando te parecer óbvio
59. Berra, deficiente
60. Por um bem maior
61. Nem sempre os heróis têm um final feliz
62. Homo invictus
A Up ganhou um Watty!
63. Humana
64. Eles já não aguentam mais
65. David Brody
66. Amanhã será mais fácil
67. Onde tu estiveres
68. Casa
Notas finais

38. Aidan Nolan

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By martafz

Jake tinha de reagir. Tinha de começar a pensar finalmente com alguma coerência. Não permitiria que Aidan morresse daquela maneira. Não sabia como conviver com isso para o resto da vida. Caiu de joelhos perto do loiro e rasgou-lhe a t-shirt ensanguentada. Aidan percebeu-lhe o gesto e virou o rosto para ele, enquanto fazia um esforço sobre-humano para tentar respirar.

Numa asfixia crescente, Jake não sabia se lhe deveria desobstruir a traqueia para poder respirar livremente ou se lhe estancava a hemorragia. Com uma rapidez surpreendente, tirou a t-shirt que vestia e pressionou-a contra o peito baleado. Quase em simultâneo tirou-lhe a máscara ensanguentada do rosto para lhe facilitar a respiração e sentiu o pânico invadi-lo novamente.

- Tu não vais morrer, puto. TU NÃO VAIS! - As mãos tremiam-lhe enquanto lhe pressionavam o tecido, depressa ensopado, contra o grave ferimento. A respiração de Aidan saia aos borbotões, misturando-se com o próprio sangue que lhe assomava à boca. Jake tateou o chão à procura de algo afiado que lhe permitisse perfurar a garganta do amigo e o deixasse respirar, mas o loiro impediu-o. Aidan agarrou-lhe o braço com uma força ténue e apertou-lho o mais que pôde.

Jake sentiu as lágrimas de frustração e raiva queimarem-lhe a garganta e engoliu-as com esforço. Levou a mão à do amigo, no pedido de desculpa e de lamento mais sincero do Mundo. Quando deixou de sentir pressão sobre o braço permitiu-se finalmente chorar como não fazia há muitos anos.

As lágrimas fustigaram-lhe a face transpirada, inundaram-lhe os olhos azuis até ele deixar de ver com clareza. No entanto, continuou a pressionar o peito do amigo até os dedos ficarem brancos. Ignorando a dura realidade, iniciou uma massagem cardíaca que provavelmente lhe partiria o externo, mas o que tentava verdadeiramente ignorar era que o coração de Aidan parara para nunca mais bater. Jake não queria perceber isso e continuou, resoluto, até não conter mais os soluços da raiva mal contida. Até esmurrar o peito do amigo e soltar um grito excruciante.

Aidan.

Durante alguns minutos, que pareceram dias sob o calor intenso, Jake entrou num torpor doentio em que visualizava todas as suas ações anteriores e o que deveria ter feito para não ter conduzido o amigo àquele fim. Se ele não tentasse ser o melhor não teria que ceder ao apelo da criança doente e Aidan nunca teria sido ferido pelo pai desgovernado.

Morto.

Ele também pensou em tudo o que vivenciara com o loiro. O que era mais doloroso, para além da culpa que o asfixiava, era perceber que os últimos anos foram feitos essencialmente de Rachel, David e Aidan. Aidan estava presente em todas as suas memórias, nas boas e nas más. Nunca lhe dissera, mas ele era o irmão mais irresponsável e trapalhão que nunca quisera ter. Nunca lhe dissera o que era realmente importante, mas fora capaz de o agredir na noite anterior por causa de Kim. Dissera-lhe coisas de que se arrependera quase de imediato, e foram as últimas coisas que lhe tinha dito.

Inspirando o ar saturado da máscara que o protegia de tudo menos da dor, limpou as lágrimas que lhe escorriam pelo queixo e cerrou o maxilar para não gritar novamente. Depois de vinte anos, aquela não era a despedida certa. E nunca se conformaria. Nunca.

A decisão de sair de perto do corpo de Aidan foi demorada. Ele não soube quando tempo se tinha passado, mas na última vez que tocou no amigo para a despedida possível, o calor já o tinha abandonado. Subjugado por um novo instinto de sobrevivência, que se interpunha à dor e à culpa, arrastou-se para perto do homem que agredira até à inconsciência. Tocou-lhe o pulso e soube que não existia vida naquele corpo. Matara-o. A sua precipitação e raiva levaram-no a matar um ser humano e não conseguia sentir nada em relação a isso.

Ignorando o cenário de morte, pegou na arma que ele disparara e desarmou-a, vasculhou os bolsos dianteiros da camisa do homem, dos calções largos, com uma nova expressão carregada no rosto. Assim que encontrou um telemóvel, debruçou-se sobre a hipótese de ligar ao irmão para o vir ajudar, então pensou em Rachel e os olhos tornaram-se aguados novamente.

Limpou o suor que lhe escorria pelas têmporas, sujando a pele de sangue, e percebeu que tinha que ser autossuficiente. Por ele, por Aidan, pelo irmão e pela melhor amiga. Até por Kim.

Alheio a tudo o resto, caminhou mecanicamente até à casa onde o cão ainda latia sem parar. Eles tinham um carro no jardim e Jake precisava dele. Ele ainda olhou para trás, para as três pessoas estendidas no chão, e tudo o que conseguiu fazer foi continuar a olhar.

A criança morreria. A criança morreria ao lado do pai e o pobre animal agoniaria perto deles, provando a sua lealdade, mas Aidan não merecia aquele fim. Nunca mais conseguiria encarar os pais dele e Rachel se o deixasse na estrada, se não fosse sequer capaz de honrar a morte do melhor amigo.

Jake revolveu a casa do carrasco de Aidan e da criança, abasteceu o carro com tudo o que lhes permitisse sobreviver, e então fez o que tinha de ser feito.

***

Rachel e Kim estavam na sala de convívio do pequeno hotel há algumas horas. A morena parecia apática desde que Aidan e Jake saíram, e Rachel insistiu para que ela se abrisse, lhe contasse o que a atormentava. Kim não podia falar nas injeções que tomava regularmente para poder sobreviver, não podia falar que fora aquilo que a salvara, e por isso a conversa acabou por seguir o caminho natural: Jake.

Lá fora, o sol brilhava em tons dourados, anunciando a tarde que não demorava. E Rachel tinha fome. Não havia nada naquele hotel que lhes permitisse fazer um almoço decente, por isso ela foi-se valendo das bebidas do bar. Foi quando se preparava para ir buscar uma lata de iced-tea, que ouviu o som de pneus sobre a gravilha. Depois veio o silêncio, e então Jake entrou.

Kim foi a primeira a vê-lo, e o alívio estampou-se de imediato na sua expressão. Queria muito dizer-lhe que não vomitara o sumo, mas a loira adiantou-se.

- Finalmente, Jake! - Rachel aproximou-se do amigo e finalmente o assombro tomou conta dela. - Oh meu Deus... - ela observou-o atentamente e levou as mãos para cobrir a boca boquiaberta quando sentiu uma enxurrada de perguntas tropeçar-lhe na língua. - O que é que aconteceu?

Jake respirava fundo e olhava para ela. Simplesmente olhava, porque ela era a melhor pessoa a lê-lo. Rachel também olhava para ele, para as suas mãos e braços nus cobertos de sangue e poeira, para o seu peito igualmente sujo e despido. O suor escorria-lhe pelo pescoço e misturava-se com a pasta avermelhada que lhe cobria a pele. Só depois ela o olhou nos olhos e percebeu.

- Jake... - Ela tentou sorrir para ignorar os pensamentos que a tomaram de assalto ao vê-lo de olhos raiados de sangue. A dor que viu neles foi o suficiente para se aproximar do amigo, apesar da confusão.

- Não me toques - balbuciou ele, com uma rouquidão que não lhe era inerente - Por favor. - Ele não queria que ela lhe tocasse, não era justo para ela ter que tocar-lhe no corpo imundo, manchado com o sangue do próprio irmão. E também não era justo ele ter de carregar um fardo tão pesado, porque não queria sentir tanto e porque Rachel não merecia. Acima de qualquer coisa, ela não merecia.

- Onde é que está o Aidan?

O tom de voz da loira denunciava-lhe o pânico crescente e ele não lhe conseguiu responder. Finalmente fechou a porta atrás de si quando sentiu novas lágrimas se formarem. Ele engoliu-as e acenou negativamente com tanto pesar no semblante que Rachel copiou-lhe o humor.

- Eu... Lamento, Rachel.

Ele ainda a viu cair sobre o sofá, adotando uma expressão de apatia debilitante. Queria muito confortá-la, dizer-lhe que lamentava e explicar-lhe em detalhes o que vitimara o irmão. No entanto não o poderia fazer. Não quando a culpa o dilacerava por dentro, quando a raiva ainda borbulhava em doses desmedidas, fazendo-o desejar mais do que nunca voltar atrás no tempo e impedir que Aidan se fosse. Ainda não conseguia admitir para si que o melhor amigo se tinha ido para sempre, muito menos conseguiria forçar Rachel a aceitá-lo.

E foi por isso que se arrastou, com passos vagarosos, até à casa de banho para o segundo banho do dia. Porque apesar de não conseguir arrancar aquele dia da sua mente tinha que tirá-lo do seu corpo.

***

Kim podia não ter percebido porque Jake regressara sozinho, despido e ensanguentado, mas vira a dor nos olhos dele e prometeu a si mesma que era a última vez que o via. Ela ainda se debateu entre confortar Rachel, que entrara num estado de apatia que ela não conseguia compreender, mas David facilitou-lhe a escolha. Quando ele chegou, a loira finalmente cedeu e explodiu em violentas lágrimas. Kim achou que o lugar dela era perto de Jake, e que aquele momento na sala de estar era demasiado íntimo para que ela o perturbasse.

Ela procurou-o na suíte onde dormira com os rapazes, onde Aidan a forçara a carícias que ela desprezara mais do que tudo, e encontrou-o na casa de banho. A porta não estava fechada e por isso ela viu-o. Jake entrara na banheira e colocara-se sob o chuveiro sem mesmo tirar o resto das roupas sujas.

Kim entrou na divisão com alguma cautela porque nunca o tinha visto assim e não sabia como agir. Ele era sempre tão forte, porque é que havia dor naqueles olhos azuis?

- Jake - chamou-o num tom de voz quase inaudível, abafado pelo som da água corrente.

O rapaz só a olhou passado algum tempo, como se tivesse sonhado com a sua presença e, cerrando os maxilares com força, avisou:

- Eu não quero falar agora, Kim. Vai-te embora.

Kim abanou a cabeça em discordância e tomou coragem para finalmente se aproximar. Descalçou as sandálias que Rachel lhe emprestara e imitou-o, entrando na banheira ainda vestida. A surpresa refletiu-se no seu rosto apenas por breves instantes ao perceber que Jake se colocara sob água fria.

A água escorria-lhe pelo corpo, misturava-se com a sujidade impregnada na sua pele e ele parecia não notar. Apenas pareceu notar quando a rapariga levou os dedos esguios até às suas costas despidas e enregeladas. Contraiu os músculos com a carícia, presenteando Kim com toda a sua posse viril, que naquele momento servia apenas para cobrir um homem que sofria.

Ela dissera em tempos que ele nunca fora bonito, mas finalmente começava a perceber que mentira. Afinal, ela acabava de descobrir que poderia ficar horas a acariciar as costas dele, apenas para apreciar as contrações involuntárias que o percorriam de cada vez que passava os dedos, lânguidos e preguiçosos, sobre a pele escorregadia.

- Kim...

Ele finalmente virou-se para ela, desnorteado com o carinho que ela lhe dedicava. Kim ignorou-o e abraçou-o com força. Trémula de frio, enlaçou-o pela cintura e escondeu o rosto molhado na curva perfeita do seu pescoço.

- Deixa-me ajudar-te - murmurou a morena, num resquício de voz. - Eu só quero ficar contigo até deixar de existir dor nos teus olhos. Porque agora é a minha vez.

Ela lembrou-se do que sentiu quando Rachel adoecera. Jake fora a única pessoa a perceber que ela sentia demasiado com a doença da amiga, e tentou reconfortá-la da melhor maneira que se lembrava. Com o carinho que lhe era intrínseco, apenas a fechara num abraço apertado. E fora o primeiro de muitos.

Kim também se lembrou que o sorriso dele era o seu bálsamo e então deslizou os dedos sobre os lábios gretados e puxou-lhos para cima, para que ele pudesse sorrir. Jake apenas fechou os olhos e beijou-lhe os lábios, numa simples carícia de gratidão.

E eles ficaram ali. Ficaram até Kim tremer tanto contra o corpo dele que o forçou a finalmente temperar a água. E então ficaram um pouco mais, ela parou de tremer e serenou. Mas ao contrário de Kim, ele não conseguia serenar porque não esquecia. E nunca esqueceria.

***

NOTA DE AUTORA

Não me chamem já nomes feios. Custou-me imenso escrever isto, mas era necessário que acontecesse. Confesso que fui às lágrimas enquanto descrevia a reação do Jake e este é o único problema de mortes de personagens: lidar com o assunto do ponto de vista de quem fica.

Sim, não é justo ele ter morrido mas eu tive que jogar com as probabilidades realistas disto. Estão a morrer milhares de pessoas, a sociedade está destruída e é raro aquele que se safa. De um grupo tão grande há sempre alguém que se vai... Eu já salvei a Rachel uma vez. Terminou a clemência porque isto ainda é a Uprising. E porque até ao final nenhum deles está a salvo.

Gostava que me dessem a vossa opinião e prometo que não vou tornar os próximos capítulos demasiado fúnebres. O próximo já é importante.

PS: Bem-vindos à minha escrita de 2014. É provável que vão notar diferenças em relação aos capítulos anteriores. Apenas no final da história irei editar e uniformizar tudo.

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