Tornar-se Janeiro (em pausa)

By bexxxm

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Recomeços sempre foram complicados para mim. Geralmente eles são consequências de dois possíveis cenários: al... More

Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32

Capítulo 29

41 19 14
By bexxxm

"Janeiro,

   As palavras ditas voam, mas as escritas permanecem. Por isso, e por maiores urgências, decidi escrever essa carta, ou recado, para você.
   Eu fui educado em casa, não tive muitos amigos ou aprendi a conviver com outros seres humanos além da minha irmã e, logo depois, do Alexandre. Meu pai, Otto Madraga, costumava participar de algumas aulas e, sempre interrompendo o nosso tutor, fazia questão de repetir o mesmo ditado em Latim.
Verba volant, scripta manent.
   Realmente passei a acreditar no poder da palavra escrita. Muitas vezes, fugindo do ambiente de discórdia entre nossos pais, Helena e eu nos escondíamos em baixo de uma árvore, pegávamos uma folha em branco e escrevíamos nossos desejos para o futuro.
   Quando Otto nos encontrava, amassava a folha e deixava ali, apodrecendo na terra do jardim. No fim, aprendemos que estávamos presos naquele terreno, nossos futuros não iriam além do que ele almejava e, assim como as folhas amassadas, apodreceríamos com o tempo e nos tornaríamos parte da cidade para sempre.
   Eventualmente, o Alexandre apareceu e mostrou para nós o mundo lá fora, chegou agradando até um homem que dificilmente se comovia com a pobreza alheia. Um dia, já adolescentes, ensinamos nosso pequeno ritual para ele e nos surpreendemos com os seus desejos para o futuro.
   No auge da adolescência, já sentíamos o poder da invencibilidade, mas ainda estávamos presos por paredes laranjas e um ditador. De qualquer forma, ninguém ali poderia criticar um ao outro.
   Os três queriam liberdade, entretanto, de jeitos diferentes.
   Quando revelei para você que eu não sabia exatamente o que eu estava fazendo, era verdade. Porque durante toda minha vida eu tomei decisões por terceiros e a única por vontade própria foi convidar uma garota com nome de mês para entrar na minha vida. Então talvez tudo não seja em vão, mesmo que te amar também não tenha sido uma escolha.
   Confesso que te ver desmaiada e deitada na sua antiga cama, na nossa casa, fez com que eu desejasse te prender ali para sempre. Mas eu não pude, pois eu não posso ser quem você deseja que eu seja.
   Eu ainda procuro a terceira parte da minha infância que foi queimada no fogo, nas chamas de uma fatalidade que, sim, foi em parte minha culpa. Porém, isso você nunca poderá completamente entender.
   Mas nada disso importa agora. Eu não sei por onde você esteve e o que tem feito, só espero que esteja cuidando de si. Peço perdão por te envolver em uma situação que eu deveria ter consertado há muitos anos, e eu irei.
   Nesse mesmo envelope você encontrará o seu último salário do Bar 21 e uma quantia a mais de dinheiro. Por favor, não se ofenda com isso, eu só quero o seu melhor.
   Sei que não deseja escolher isso e que te pedi para ficar, no entanto, eu te imploro, vá embora da cidade e não olhe para trás. Eu comecei isso e eu irei terminar.
   Realmente me senti invencível por grande parte da vida, principalmente após quase todas as paredes voltarem ao pó. Mas saiba, mesmo em pouco tempo, nunca me senti tão invencível quanto ao seu lado.
   Espero que isso baste.

   Sempre, Oliver Madraga."

* *

Eu sempre admirei os beijos cinematográficos na chuva. Sempre admirei o fato de que o casal nunca ficava doente depois, talvez porque o amor fora mais urgente que as gotas geladas que caíam do céu, em uma tarde fria de segunda-feira, que não os impedia de se esquentarem com o toque um do outro.

Ou talvez por ser apenas ficção.

Mas ainda assim, era admirável pensar na possível existência de um amor que fazia você viver mais fora do corpo do que dentro. Porque, estar ali, grudado em outra pessoa, mostrava que seus sentimentos eram capazes de transcender qualquer universo paralelo que tentasse impedir os lábios colados e as peles que formavam uma costura sem etiqueta, algo que não deveria existir, jamais, pois vocês sempre se encaixariam sem rótulos e com uma perfeição claramente imperfeita.

Uma perfeição em que algumas linhas sairiam da costura, mas isso não os desanimaria, mesmo quando o sol retornasse e o casaco fosse com urgência retirado e deixado de lado, vocês sempre acabariam nus em uma cama, produzindo suor e fazendo juras de um amor que transcenderia também as estações do ano.

De uma certa forma, abrir o envelope e encontrar o seu conteúdo, sabendo quem era o remetente, fazia eu me encontrar em um desses dias chuvosos.

A diferença: a mim cabia apenas viajar nas memórias de um guarda-roupa que acumulei com todos os momentos bons que vivi ao lado do homem que eu, naquele momento, amava.
Sempre.

Eu não estava mais sozinha, talvez. Eu sempre seria acompanhada das memórias do que vivemos, algo que não aconteceria novamente, não da mesma forma, não depois de tudo que eu já sabia.

A vidraça havia quebrado e os vitrais coloridos caíram ao chão. Não havia eterno retorno que resolvesse isso ou pudesse transcender os problemas do universo em que eu me encontrava.

Então eu abri a carta e li o seu conteúdo, segurando as lágrimas que todas aquelas palavras criaram nos meus olhos. Oliver e eu éramos mais parecidos do que eu imaginava, mas isso não significava que poderíamos ficar juntos, mesmo com tanto amor, e ele sabia disso.

Oliver parecia saber exatamente em qual situação eu estava, mesmo que provavelmente não soubesse que meu futuro inimigo deveria ser ele. Nesse instante, o meu maior arrependimento foi não ter dito que eu o amava.

E eu não teria outra oportunidade como a que tive, não do jeito certo. Seríamos errados até nisso e nenhuma vilania da parte dele poderia justificar a Janeiro inocente que não sabia retribuir o amor de alguém, mesmo um amor tão desejado e procurado.

Investigando o interior daquele envelope, eu encontrei não somente a carta escrita à mão pelo Oliver, mas uma quantia grande de dinheiro. Balançando mais um pouco, uma pequena chave caiu do envelope diretamente em minhas mãos.

Eu não sabia exatamente o que aquilo significava. Eu não sabia se era uma confissão escrita ou um pedido de perdão, mas a única certeza que eu tinha era a de que algo iria acontecer, algo tão pesado que Oliver precisava que eu saísse da cidade, ou seja, ele queria garantir a minha segurança. "Eu comecei isso e eu irei terminar", ele escreveu.

Naquela noite eu não consegui dormir. O papel amarelado tinha o cheiro da sua colônia e o perfume cítrico dela me recordava da minha pele colada na dele e minhas mãos fincadas em suas costas.

Eu tinha minha chance de fugir. Eu tinha o dinheiro, a oportunidade, o silêncio e a madrugada como minha aliada. Porém, tudo que fiz foi encarar o teto desgastado daquele quarto da pensão e imaginar como eu estava me sentindo num universo paralelo e parecia não conseguir transcendê-lo, não sozinha.

Um universo em que eu ainda estava ao lado do Oliver na cama, bagunçando os lençóis e esquecendo as paranóias ou o mundo ao nosso redor. Deixando para trás os traumas e decisões do passado. Deixando para trás toda bagunça que fomos e nos transformando numa nova bagunça.

Uma bagunça diferente, nossa, em que poderíamos decidir por um futuro melhor e decidir que, sim, pertenceríamos um ao outro.

Eu nunca poderia ser a Helena ou o Alexandre, nunca poderia ser exatamente o passado que ele sentia falta, nunca seria parte dos Três Mosqueteiros, mas, mesmo depois de tudo, eu ainda considerava lutar ao seu lado.

Não foi só naquela noite que eu não consegui dormir, mas também nas seguintes.

Pequenas vozes na minha cabeça me guiavam pelo mundo que nunca pude chamar de gentil. Na primeira noite, eu pensei e refleti sobre a situação. Na segunda, chorei até não conseguir mais respirar e por alguns segundos quase morri. Quer dizer, em todas aquelas noites eu morria e renascia na manhã seguinte, somente para viver aquela tortura diária e depois novamente morrer.

Na terceira noite, eu já não estava mais no limbo tão conhecido por mim, era um diferente, pior, como um purgatório em que você tem a certeza que a qualquer momento alguém chegará para te colher e te levar ao tão merecido inferno.

Em greve de fome e dando gritos abafados no travesseiro, acordei na sexta noite com a dona Leila colocando um pano gelado sobre a minha cabeça. A febre havia chegado e nada mais fazia sentido, pouco lembro desses momentos.

Quando me recuperei e voltei a comer, também retornei ao velho hábito de desprezar a dona Leila e não sair da posição em que eu estava na cama. Hoje, relembrando esses dias, tudo parecia ser uma alucinação, até mesmo a ajuda daquela mulher.

Depois de duas semanas sem o telefone tocar ou as palavras escritas na carta não voarem, a chave ainda estava na mesma posição, em cima do criado-mudo e me torturando, aguardando por uma decisão.

Então escutei um barulho ao fundo dos meus devaneios, era o celular.

"Alô?" - uma voz familiar disse - "Você está me escutando?"

Coragem, Janeiro. Eu repeti baixinho.

"Oi, pode falar Alexandre."

"Chegou o momento, Janeiro." - ele disse - "A sua participação no plano começará."

* *

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