Capítulo 5

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"Agora você acredita em mim?" - eu disse encarando os olhos de Mandy.

Ela gargalhou enquanto tirava o pó das mesas e eu recolhia o lixo.

"Nunca duvidei de você. Mas, se esse Oliver realmente existe, é nosso patrão, certo?" - eu concordei com a cabeça - "Então, deveríamos respeitá-lo e manter a distância."

Suspirei e tentei disfarçar o quão furiosa eu estava. Sim, era exatamente o que eu precisava escutar. Mas não, não era o que eu queria escutar naquele momento.

"E se esse cara for perigoso? e se ele decidir que o bar a partir de hoje será um prostíbulo e nós seremos suas prostitutas?" - eu a confrontei - "Se ele realmente me sequestrou para garantir minha lealdade, o que o impede de fazer algo pior?"

"J, não é nosso problema. Você acha mesmo que um cara branco, rico e influente, será impedido de fazer algo nessa cidade?" - meu silêncio foi a resposta.

"Pois é. Termine de limpar as mesas e feche o bar. Você me deve por aquele dia!" ela sorriu.

"Ok. Boa noite, Mandy."

"Esquece isso, J. Vai por mim. Ninguém gosta de forasteiros por aqui, muito menos forasteiros curiosos."

* *

Adaptar a minha vida à possibilidade de nunca mais ver Oliver estava se tornando uma dificuldade. Entretanto, eventualmente eu o esqueci. Pelo menos enquanto eu estava ocupada demais servindo mesas ou me concentrando nos parágrafos de um livro bom.

Não havia mais nada para fazer naquela cidade e eu aceitei sem reclamar. Qualquer universo paralelo a tudo que passei em meio a prédios e luzes demais estava mais que suficiente.

Meu único problema era a pensão. A convivência com a dona Leila estava me enlouquecendo. Ela fazia perguntas demais, perguntas que a Janeiro não poderia responder, perguntas que não deveriam ser feitas.

Eu frequentemente desviava dos assuntos. Perguntava do marido ou sobre sua vizinha. Ela sempre tinha algo para contar, o que aliviava um pouco as situações.

"Você vai pro festival, querida?"

"Que festival?"

"A nossa cidade faz um festival todo ano no mês de agosto. É tradição. Teremos música ao vivo, doces locais e diversas atrações" - ela parecia estar fazendo propaganda demais, ou seja, esse festival não deve ser nem um pouco interessante.

"Todos as pessoas da cidade vão. Somos poucos, eu sei" - ela gargalhou, como se conversasse sozinha - "Mas esse é o momento em que realmente podemos nos conhecer e interagir de verdade."

"A senhora disse que todos vão para esse festival?" perguntei curiosa.

"Sim, querida. Todos".

Todos. Oliver.

Fiz minhas pesquisas entre os livros da biblioteca e as fortes opiniões de Mandy. Parecia que aquele festival realmente era o evento do ano.

Dona Leila estava encarregada das barracas de comida e, por gentileza ou interesse, reservou para mim um trabalho remunerado em uma delas. Agora, mesmo que eu não quisesse, teria que ir ao festival.

Porém, eu queria ir. Ambos samemos disso. Você, meu caro leitor, já sabe demais. Já sabe o suficiente para entender que, sendo Janeiro ou não, a mulher curiosa que habita meu corpo não nos deixaria em paz.

No fim, as coisas aconteceram de uma forma melhor do que eu esperava. Consegui com que dona Leila contratasse Mandy para trabalhar na mesma barraca. Estávamos encarregadas das bebidas, para variar. No entanto, pela primeira vez nem todas eram feitas de álcool.

Nossos clientes também não eram os mesmos. Pelo contrário, até os rostos conhecidos fingiam não nos reconhecer. As esposas e seus maridos andavam de mãos dadas. Elas fingiam não saber. Eu sabia, mas não era o meu problema.

A cidade estava linda. Devo confessar: muito linda. Haviam bandeiras coloridas presas aos postes e até o asfalto da rua parecia sorrir para os carros.

Todos estavam realmente ali. Era incrível saber que atrás das infinitas portas de cada casinha existiam rostos. Histórias e rostos. Manias e amores. Tudo que deixei para trás. Tudo que eu não teria. Mas Janeiro poderia ter, não é? Algo me diz que não.

As crianças corriam soltas pelas ruas e competiam entre si nas barracas de jogos. Mesmo que eu não as conhecesse, agradeci mentalmente ao universo por garantir uma infância boa para elas.

Eu não tive isso. Mas não questiono o universo, seu temperamento é inconstante demais para eu me arriscar. Então apenas aceito.

O sol estava judiando de todos ali, mas eles pareciam não se importar. Agradeci mentalmente também pela barraca que cobria o meu corpo.

Em consequência do calor, a fila para comprar na nossa barraca estava gigante e em seu ápice, Mandy precisava ir ao banheiro, ou seja, eu estava muito ocupada. Enquanto isso, procurei por ele em todos os rostos, mas nenhum chegava perto de seus notáveis traços. Talvez Oliver realmente fosse um invento da minha cabeça.

Será que eu enlouqueci de vez? Será que dona Leila também enlouqueceu junto? Ou o óbvio: existe mais de um Oliver na cidade.

Ao fim do dia, estávamos ambas exaustas. Mandy, agradecida por minha indicação, ficou com a responsabilidade de desmontar a barraca e levá-la até a pensão.

Sentei em um dos bancos do parque e observei o movimento lentamente diminuir. Agora estava de noite e o silêncio tomava conta da cidade. Seriam assim os próximos dias, pelo menos até o mês de agosto chegar novamente. Nada acontecia por ali, e eu encontrava paz nisso.

"É solitário, não é?" uma voz familiar se dirigiu a mim.

Tornar-se Janeiro (em pausa)Where stories live. Discover now