Capítulo 25

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   Entre as poucas roupas que separei para guardar em uma mala, eu traçava um plano, mesmo que com os olhos cheios e a acidez das minhas lágrimas queimando a pele do meu rosto. De todos os recomeços, aquele seria o fim mais difícil.

   Auto sabotagem ou não, o momento havia chegado. Primeiro, o amor que fizemos por toda aquela casa cheia de histórias para contar.
Histórias que nunca fui parte e eu também nunca entenderia. Histórias por trás de um par de olhos verdes que tinham o poder de passar medo ou muita paixão e posso afirmar, com convicção, que eu senti os dois lados dessa moeda.

   Segundo, um nome de mês andante que vaga por uma cidade que desconhece qualquer passado que eu possa revelar. As luzes do bar, o vestido vermelho, o sexo na varanda. A necessidade das peles juntas e do pertencer que ela tanto procurou. Um lar, ela parecia finalmente ter. Mas não, a escuridão do jogo foi maior naquele instante e talvez sempre fosse.

   Desde o começo, ela estava vivendo os movimentos de cada jogador sem nem mesmo saber e estava mergulhando sem checar se no fundo haveriam pedras. Haviam. Haviam tantas que, no quase final, Janeiro percebeu que algumas daquelas pedras eram frutos que ela mesma plantou. Por que, de forma involuntária, ela havia colocado uma por uma em cima de todas que já existiam com a família Madraga.

   Auto sabotagem ou não, a escolha foi feita e não foi por falta de avisos internos. Era melhor nem ter o conhecido? Talvez. Mas eu sabia mesmo assim que morreria sem poder repetir o seu nome diversas vezes, mesmo que sozinha, mesmo que baixinho, mesmo que longe dele.

   Então, sim, ela havia encontrado uma espécie de lar que funcionaria de um jeito torto bonito, mas não, ela não conseguia nem dizer o que sentia.

   A verdade além dos fatores: Janeiro sou eu e Janeiro fui eu. Ambas tortas e feias, não merecedoras de ninguém. Sozinhas porque sim e solitárias por opção. Talvez realmente não houvesse outro cenário além desse, então o que restava era agradecer por aqueles que mostraram a possibilidade do contrário. Agradecer pelo sonho em que ela viveu por alguns meses.

Obrigada pelo lar, Oliver.

   Também desejava pedir desculpas, claro que sim. Mas Oliver não me escutaria, não naquele instante. O que doía mais nem era saber que eu estraguei tudo, porque eventualmente eu faria, mas o que doía mais era saber que Oliver havia encontrado, de alguma forma, um lar em mim. Um lar no nosso sempre. Por isso, insisti em substituir minhas desculpas por um perdão e decidi que sairia daquela cidade o quanto antes, colocando tudo aquilo no meu esquecimento.

   O melhor de todos os meus esquecimentos.

Pedi um táxi e como uma covarde sai pelas portas do fundo. No caminho, recordei um dos meus poucos diálogos com a dona Ruth.

   "Ninguém que vive aqui realmente pertence, querida" ela disse sobre a casa. Talvez ela estivesse correta.

   Talvez Oliver e eu fôssemos um sempre fadado a chegar ao seu final. Eu não pertencia na parede laranja tanto quanto ele não pertencia a essa cidade. Porque, mesmo que depois de tanto tempo, ele ainda merecia ser feliz. E que felicidade existiria com alguém como eu?

   Outra coisa: que felicidade poderia existir em um relacionamento em que alguém se entrega mais? Alguém que mesmo tão forte e tão duro consigo mesmo e com os outros, pode ser doce e gentil. Alguém que merecia ser feliz com uma pessoa normal, uma pessoa que ele poderia realmente se abrir e receber o mesmo tratamento.

   Oliver merecia uma reciprocidade que eu não sei se conseguiria oferecer. Foi difícil concluir isso. Mas já era tarde demais, não era?

Era tarde para afastá-lo quando tudo que eu queria era um toque seu. Era tarde também para pedir que ele me tratasse com a raiva de antes. Não a que descobri quando ele me confrontou sobre o episódio do hospital psiquiátrico, mas a raiva silenciosa e sem ameaças. A raiva que gritava de dor e ao invés de ferir, apenas pedia distância. Uma distância que acabou comigo.

Tornar-se Janeiro (em pausa)Where stories live. Discover now