– Afinal quem é este gajo?
Rachel não sabia como lidar com o desejo de acordar novamente o agressor de seu amigo e bater nele até que perdesse a consciência outra vez. Afinal, ele tinha arruinado uma sala de estar que nem era sua, sujado a cozinha e quase quebrado a porta da geladeira. E mais importante, ele tinha magoado Jake, e ninguém fazia mal às pessoas de quem gostava.
Ao se aproximar do homem para tentar reconhecê-lo, foi surpreendida por uma ordem incomum:
– Não lhe toques! – David não se tinha afastado do irmão, mas debatia-se com os mesmos pensamentos que Rachel.
Ela obedeceu e cruzou os braços, franzindo o nariz ao ver sangue na máscara que cobria a boca do homem. Ajoelhou-se e sua expressão mudou automaticamente ao reconhecê-lo.
– Sr. Connors?
– Conhece-lo?
Rachel não tinha notado a presença do namorado ao seu lado.
– Claro que conheço! – aceitou a ajuda dele para se levantar e voltou à sala, ainda perplexa. – O homem é meu vizinho. Como é que ele foi capaz de fazer isto?
Jake tentou sorrir e conter um gemido ao sentir fortes pontadas nas costelas.
– Bem, aconselho-te a mudar de bairro, Rach, porque não é comum os vizinhos se receberem com um murro na cara – conseguiu dizer.
– Um?
– Parece que foi uma receção efusiva – concordou, tossindo.
David abanou a cabeça, ainda desorientado e assustado. O homem não deveria acordar na sua presença, se quisesse preservar a sua vida. Com a raiva que sentia, ele tinha certeza de que não teria cuidado nenhum em deixá-lo bem. Não era algo que gostasse de sentir com frequência, mas alguém tinha agredido o seu irmão sem motivo aparente. Ele sabia que Jake faria o mesmo por ele.
Rachel já tinha voltado à sua calma natural, pensando com lucidez. Pela primeira vez, notou a presença de Kim, que se resguardava à parte, como se não tivesse autorização para assistir àquele momento.
– Tu estás bem? – perguntou Rachel, percebendo-a atemorizada.
Kim limitou-se a acenar afirmativamente, pois se falasse, a sua voz sairia insegura e diria mais do que gostaria. Ela não conseguia entender se tinha feito bem ou não em agredir o homem daquela maneira para ajudar Jake, e não sabia até que ponto Rachel ficaria zangada por ter quebrado a estatueta ou por não ter impedido a luta antes. Antes de tudo se partir, antes de alguém se magoar. No entanto, Kim tinha sentido apenas medo; não conseguiu pensar em nada coerente e simplesmente agiu ao ver o rapaz ferido.
– Como é que ele entrou aqui? – tornou a perguntar a loira.
– Pela porta – respondeu Jake, pegando na luva gelada que o irmão tinha trazido e lhe oferecia. – Não estava à espera de levar um murro assim que abri a porta, ok? Além disso, pensei que fosse o Aidan... – desculpou-se e levou a luva ao lábio ferido.
– Eu não consigo entender... – disse Rachel, ainda perplexa com o motivo de tanta violência. – Os Connors nunca fizeram mal a ninguém.
– Ele parecia louco quando entrou. Além de me ter confundido com um saco de pancada, revirou tudo como se estivesse à procura de algo que não sabia o que era.
– Estará doente? – David sugeriu, sem ver nenhuma razão lógica para um homem aparentemente inofensivo agir com tanta violência.
– A minha cara diz-te que ele está bem de saúde – discordou Jake, encostando a cabeça ao sofá e fechando os olhos. – Cabrão. Foi preciso vir à América para um irlandês estúpido me deixar neste estado. – riu sarcasticamente. Estaria doente? Não o homem, mas ele? Como é que não tinha conseguido se defender?
– Temos de ter mais cuidado. – David não parecia gostar das piadas do irmão. – Desta vez foste tu. Imagina se quem tivesse aberto a porta fosse a Rachel... ou a Kim.
Jake olhou de soslaio para Kim e discordou automaticamente do irmão. Talvez ela se saísse melhor do que todos pensavam. Afinal, ela ajudara-o.
– Isso não vai acontecer outra vez. – tranquilizou Jake, sem tirar os olhos de Kim. Ela não era tão frágil quanto parecia. Ainda não tinha certeza se queria conhecê-la, entender o que se passava na sua mente desorientada e convencer Rachel de que ela merecia ajuda, mas após o que ela fez, não conseguia ignorá-la. Na verdade, ele tinha que lhe agradecer por não ter as costelas quebradas. Ou pior.
– Vocês não estão bem a ver o que aconteceu... Oh. – Aidan entrou apressado e visivelmente entusiasmado. Em frações de segundos, ao ver a confusão na sala de estar e os amigos em torno de Jake, o assombro substituiu a expressão habitual e ele soltou um assobio para enfatizar a sua surpresa. – Passou um furacão por aqui? – Apesar do desentendimento, ele arrependeu-se instantaneamente do que disse, ao olhar para Rachel. Ele avançou até ao sofá e examinou o rosto magoado de Jake e a pele roxa ao redor das costelas. – O que aconteceu aqui?
Jake fechou os olhos e com um sorriso sarcástico, murmurou, sem calor:
– Tive um caso proibido com uma porta.
Aidan franziu o cenho e com uma careta dirigiu-se à irmã, que ainda demonstrava nervosismo.
– Fomos assaltados? – perguntou, esbracejando. – Estás bem? – baixou o tom e tocou no braço de Rachel, temendo que alguém a tivesse ferido na sua ausência. Rachel respondeu à preocupação do irmão com um sorriso fraco e explicou o que aconteceu.
– Isto não pode voltar a acontecer – assegurou Aidan, ainda incrédulo pelo modo ridículo de como havia acontecido tudo.
– Quando me for embora... – começou David.
– Se... – corrigiu Jake, levando a luva ao lábio ferido.
– Quando me for embora – repetiu, com afinco. – e ficares sozinha... – suspirou fundo e não terminou a frase. Como é que ela podia ficar sozinha nos Estados Unidos, quando tudo era incerto e a qualquer momento um deles poderia adoecer? – Vem para casa, Rachel – pediu, sem pensar. Não era justo pedir-lhe aquilo, mas ela iria compreender porque o fazia. – Continuas a trabalhar na Irlanda, volta connosco.
– Calma, David. Só mais uns meses. Não tarda estou em casa.
– Mas pode...
– Discutimos isto depois – interrompeu Rachel num tom extremamente calmo mas firme, denunciando que não queria discutir. Não queria de todo. Tudo o que queria era ver Jake bem, tirar o homem da sua cozinha e voltar à sua vida normal. Um assalto de um vizinho perturbado não a assustaria.
O ambiente ficou pesado de repente, com os namorados trocando olhares intensos, e Aidan decidiu intervir.
– Então e como é que te safaste?
Jake voltou a olhar para Kim e colocou a luva gelada sobre o peito.
– A Kim chegou a tempo. – Ele sabia que seria motivo de piada por parte de Aidan depois que tudo passasse.
– Parece que sim. – Aidan olhou para Kim e cruzou os braços, sentindo-se perplexo. Ela não vestia a mesma roupa e despachara o homem depressa. Isto tudo se tivesse sido realmente ela. – Kim, saíste hoje?
– Não... – respondeu a rapariga, estranhando que ele se tivesse dirigido a si num tom sério.
– Pergunta um pouco fora de contexto, não? – David defendeu, revirando os olhos.
– Não – insistiu Aidan, sério, o que não era habitual. – A não ser que ela tenha uma irmã gémea, não é descabida.
– Gémea? – ela repetiu a palavra. Conhecia o termo, mas não conseguia identificar ao que se referia.
– Vi uma rapariga igual a ti. Igual em tudo. Até a voz era a mesma.
Jake franziu os sobrolhos e desviou a atenção para a rapariga igualmente surpresa.
– Tens uma gémea?
Como é que lhe haveria de responder se estava tão surpresa quanto ele?
– Será que é? Tens família em LA, Kim! – disse Rachel, entusiasmada com a ideia.
– Ou não...
– Ou sim – combateu o pessimismo do namorado. – Seja o que for, é bom pensar que sim. Só temos que procurar as pessoas certas.
– Depois do que vi aqui hoje já acredito em tudo. – murmurou David, inexpressivo.
– E agora? – interveio Aidan. – O que é que estão a pensar fazer com ele?
***
NOTA DE AUTORA
Terá a Kim família em Los Angeles?
Não tenho mais nada a dizer, excepto que podem comentar e votar, queridos leitores. Eu não mordo e até agradeço :)