Nubladamente

By gabicassini

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Escrever é a arma de quem sente e vê tudo. Por Gabriela, todos os direitos reservados © More

Eu mentiroso
Andrômeda
Carta da Mamãe
Amarodiamar
O que elas trazem
Radioativo, quem?
Sobre eles
Lado Belo pt. I
Nósduas
Como eu vejo você
Simplesmente
Eu vivo porque você não vive.

Eu

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By gabicassini


A poesia mais difícil que um dia eu escrevi


Ela é tudo aquilo que você não pensa.

Ela é tudo aquilo que você não vê.

Alguém não está pronto?


Seus pés são como trovoadas silenciosas.

Seus passos ferem o concreto.

(Mas isso, só eu que vejo)

São firmes e confiantes,

Mas medrosos e vacilantes.

O ambiente pulsa quando ela o percebe:

É como um estrondo

(Mas isso, só eu que ouço)

E a vibração da Terra ascende do núcleo para a superfície, como lava armazenada num vulcão prestes a entrar em erupção.

Ela pode eclodir.

Pode sentir vida emanar do planeta,

E tristeza,

Desespero,

Gritos,

Choros,

Desespero,

Desespero

E a morte.

Toda vez é um veneno diferente.

Toda vez é isso.

Toda vez.


Responda: alguém não está pronto?


Suas pernas falam por si só,

São papelão

Madeira,

Ferro,

Aço resistente.

Elas a guiam para onde são ordenadas pelo corpo.

Atravessam paradigmas.

Quebram expectativas.

Elas correm.

(Mas ninguém vê ainda)

São suportes para seus pés reluzentes.

Elas estão envolvidas por cipós, ramos de espinhos e veias pulsantes que saem deles.

Tudo isso se enrosca em suas pernas e penetra seus músculos com agilidade, mas temo que ela não sinta dor.

(Talvez os outros sintam. Ela não.)

Arde,

Vive,

Queima sua pele.

Ela sabe o que está acontecendo.


Eu te pergunto: alguém não está pronto?


Sua barriga é revestida por uma armadura,

Que esconde um estômago fraco,

Envenenado,

Propício

E vazio.

Ela come as impurezas do mundo

E vomita esgoto.

Ela sente suas entranhas se enroscarem entre si.

E é isso que acontece:

Elas se embolam,

Se prendem,

Se esmagam,

E se sentem.

É por este motivo que ela reage tanto.

Todo tempo isso machuca,

Lampeja, queima, enjoa.

Incha, incomoda.

Todo tempo é isso que acontece.

Todo tempo.

Ela sabe que é um depósito radioativo.

Ela sabe que é um tanque contaminado.


E aí: alguém não está pronto?


Seu peito retém ar.

Ar impuro, que esfaqueia seus pulmões frágeis.

E ela sopra agulhas que perfuram.

Escondido ali, eu sei, tem um coração pulsante.

Ele vive e está embebido de vermelho assassino, pois todos os dias os humanos matam alguma coisa.

Cada batida é revestida de cólera – ele grita silenciosamente.

Se revolta,

Grita de novo.

Observa,

E se agita.

Mas também está envenenado, morre aos poucos: todos os dias uma artéria se rompe, e o sangue vaza.

Vaza tanto que a cor carmesim mancha seu peito.

(As pessoas não veem isso. Eu não vejo isso).

E ela tosse. Tosse podre.

Também sente angústia e uma vontade sufocante de mudar o mundo – então, tenta fazer com que as pessoas entendam sua língua.

(Mas ninguém entende seus sentimentos. Eu sinto pena)

E ela se asfixia sozinha, se afogando nela mesma.


Alguém pode me responder se não está pronto?


Porém, seu peito inflado tem algum descanso em suas mãos – elas escrevem o que sente, o que vê.

Seus dedos coçam ansiosos para eliminar tudo o que a contamina, tudo o que guarda como veneno dentro de si.

Suas mãos são como cientistas. Elas criam algo inimaginável, sensível, forte, impactante e mortal, que com um pouco de ajuda da cabeça, se transforma em uma grande flor radioativa.

Essa flor é uma bomba.

E ela explode silenciosamente.

Ela estremece o chão,

Faz prédios desabarem,

Pessoas acordarem.

(E dessa vez, alguém percebe)

A flor é sorrateira, ardilosa, cínica.

Ela chega devagar,

Se instala como um parasita na alma dos escolhidos, e embaralha suas mentes.

Suga sua filosofia, desmonta suas teses e afeta sua cognição.

Algumas pessoas sentem medo, ignoram.

Sentem medo, retaliam.

São mãos pequenas e gordinhas, mas que carregam um peso dolorosamente prazeroso naqueles que entendem sua mensagem subliminar.

Ela faz isso como respira.

Ela faz isso como pisca.

E sabe que pode fazer o que quiser.

Sabe que pode afundar o mundo num apocalipse, e espalhar o vírus do discernimento para fazer as mentes robotizadas pensarem.

Quem quiser, que ouça.

Quem quiser, que entenda.

Ela sabe que não vai parar.

Isso não vai ter fim.

Nunca vai ter fim.

Nunca.


Me responda, desatento: Você sabe de alguém que não está pronto?

Minha paciência está se esgotando.


Suportando sua cabeça, há seu pescoço, que esconde uma garganta ferida.

Há machucados espalhados por todos os cantos de seu interior, mas ela fala como se nada doesse.

(E eu não sei se dói mesmo)

Já gritou muito, esperneou como uma criança

Chorou como se fosse inundar um planeta.

(Ninguém notou isso).

Hoje, a garganta tem um sabor único de palavras emudecidas. O líquido é amargo, mas ela tenta retê-lo de todas as formas que pode.

Sabe que não vai sufocar com ele.

Porém, os atentos veem vazando dos cantos de sua boca a vontade intrínseca de questionar, de saber, de pesquisar.

Ela faz tudo o que pode para soar bem, mas novamente aqueles – sim, os atentos – sabem a verdade que ela tenta tanto esconder para não gerar conflitos.

Ela sabe que as pessoas se machucam com palavras vazadas.

Mas as palavras dela teimam em sair.

São revoltas

Independentes,

Tremulam

E esvoaçam quando querem.

Esse é seu conflito.


ACORDA!

Eu estou esperando uma resposta sua: alguém não está pronto?


Seu rosto é vívido, simétrico.

Sua boca, nariz, ouvido e olhos trabalham juntos como sensores de justiça: cada palavra percebida por esses quatro órgãos tem o poder de fazer uma ideia surgir.

Ela pode captar a violência, o descaso, o preconceito e a inferiorização de quem quer que seja.

Eles a ajudam em seu processo crítico.

Querem que ela traga à tona assuntos que não são falados, comentados, discutidos.

Com seus olhos, pode ver além do que as pessoas veem.

Pode ver gigantes levantando de montanhas e lhe sorrindo.

Pode ver pessoas virarem cogumelos.

E pode ver o sangue jorrar de corpos inocentes, e as almas sucumbirem aos poucos a morte.

Seus ouvidos estão atentos o tempo inteiro às ideias das mentes que se dizem brilhantes.

Seu nariz sente cheiros podres vindos da humanidade, mas ela já se acostumou com isso.

E sua boca sorri, quando a vontade é de despejar.

Mas ela sabe que os atentos ainda continuam atentos.

Ela sabe o que está acontecendo.

Ela sabe de tudo.


Você! Me responda agora!

Alguém não está pronto?


E por fim, sua mente.

Ah, sua mente...

É onde tudo começa e termina.

Início e o fim.

Ela é o depósito de ideias.

Ela brilha num monte de cristais vindo de todas as partes de seu corpo. São assuntos, percepções, visões.

É como quando o sol faz o metal reluzir, como quando purpurinas são espalhadas.

Tudo trabalha incessantemente. Busca, de forma minuciosa, compreender fatos.

Compreender subjetividades.

(Mas ninguém sabe disso. Eu sei.)

Ela só anda quando o corpo anda.

Dá ordenanças para todas as partes.

Recebe informações dos órgãos sensoriais, acalma a garganta, organiza as ideias para as mãos usufruírem, é amiga do coração – tende a deixar o resto do corpo equilibrado entre razão e emoção, alivia os enjoos do estômago e todas as entranhas, direciona as pernas e faz o ambiente vibrar apenas com os pés.

A mente é brilhante.

(Até agora poucas pessoas notaram. Eu começo a notar.)

É independente em seus comandos, sabe o que tem que fazer.

E ela vê tudo desabando enquanto sua mente pisca como um vaga-lume que tudo vai correr bem.

Tenta achar saídas, soluções.

É ativa.

Com sua mente, ela pode fazer o mundo se reduzir às cinzas, virar pó. Pode fazer mares sacolejarem e as terras tremerem.

Com ela, pode criar um universo, inventar pessoas, espaços, entender o outro. Pode tocar corações, vísceras e compartilhar os mesmo sentimento com outros seres.

Pode, principalmente, tocar outras mentes.

E é por isso que ela sabe de tudo: tem plena consciência do que é capaz de fazer.

Reconhece o looping infinito.

Ela usa todos os artifícios do seu corpo com um único objetivo de lutar.


NÃO VOU PARAR DE GRITAR:

Alguém não está pronto?!


E ela luta todos os dias.

Um leão todos os dias.

Um urso todos os dias.

Todos os animais todos os dias, porque só ela parece ser racional nesse mar de pessoas afetadas.

Seu corpo é uma máquina que funciona constantemente, sem paradas, sem descansos. Ele é um conjunto de engrenagens que vivem umas pelas outras.

É naturalmente crítico, profundo e tentador.

Seu corpo trepida, é brasa efervescente e frio consumidor.

Ele é o estopim, a última bala, a última gota para transbordar. E ele transborda o tempo todo.

Faz escorrer um líquido amargamente doce e um aroma de vida depois de ter conhecido a morte.

Ela toda é vívida, incessante, paralela à uma granada que explode sem cerimônia, matando as mentes padronizadas, levando as almas escravas consigo e aliviando suas dores.


EU CANSEI: OU VOCÊ RESPONDE, OU PODE CAIR FORA!

Alguém não está pronto?!


Mas sim, isso mesmo:

Ninguém percebe;

Ninguém nota;

(Agora eu percebo. Eu noto.)

Ela ri, e é como se o mundo virasse o melhor lugar para se estar.

Exteriormente é calmaria, mar sereno, música clássica, chuva de inverno, café quente e um livro à lareira. É um olhar atraente, bochechas rosadas e um ar jovial que prende sua atenção. Ela é chá de camomila, rio raso e fácil risada.

Você pode sentir seu perfume, e se embebedar de sua presença. Pode acompanhar suas estranhezas, e rir como se nada fosse.

Porém, seu interior é como uma profusão de explosões para todos os lados. É uma eclosão de vários pontos de energia se chocando todos entre si, irradiando ansiedade e desejo aonde quer que esteja. Interiormente é como um carro de corrida, que a cada hora aumenta sua velocidade

100 quilômetros por hora.

200 quilômetros por hora.

300 quilômetros por hora.

Dentro, seus órgãos queimam e se ascendem à uma temperatura de oitocentos graus. Ela é calor, chama viva e alma inquietante.

Mas sim, isso mesmo:

Ninguém vê;

Ninguém sente;

Ela esconde bem para os desatentos.

(Acho que consigo ver, e sentir)

Porém, os que ainda são sensíveis, notam tudo vazando de seu corpo.

Notam as brechas e a ambição para os assuntos marginalizados.


Alguém não está pronto?

Nunca ninguém estará pronto para ela.

O mundo nunca estará pronto.

As pessoas tem medo do que é profundo.

Têm medo do que é novo, daquilo que não reconhecem – muitos podem até compreender as palavras dela, mas não se manifestam.

Por isso ela não se mostra completamente.

(Sim, eu vejo seu sorriso bonito)

Ninguém conseguirá recebe-la sem tomar um pouco da bebida que ela oferece, provar, para ver se é bom também ter seu corpo queimando a mais de setecentos graus.

Ela sabe do seu potencial e procura pessoas que atendem à todas suas particularidades: críticas, afetivas, justas – elas lutam pelas minorias, são compreensivas, tentam aprender.

Ela sabe que agora, para não assustar os desatentos, precisa chegar como a flor: sorrateira, delicada e cínica, para só depois mostrar seus espinhos mais pontiagudos.

Ela sabe de tudo isso e mais: que a pergunta a ser feita para aqueles que querem ver além de sua carapaça, não é essa.


Alguém está pronto?

E a todos que responderem sim à essa pergunta, mesmo estando com medo, eu também participarei deste jogo:

Demorei a encaixar todas as peças, mas agora eu sei a verdade. Eu sei a resposta:

É só procurar.

É o título desta poesia.


Alguém está pronto?

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