Eu vivo porque você não vive.

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Enquanto você é o sol, meu caro


Eu serei sempre


O eclipse.



Eu vejo tudo. Perscruto cada célula do seu corpo.


Vejo quando o receio se apodera de você, quando a adrenalina invade seu ser.


Sinto quando precisam de mim: me chamam com ruídos e palavras mal acabadas;


Me chamam pelo cheiro, pelo pulsar incessante do coração, pelo correr do sangue em suas veias.



E sim, eu sinto odores.


Sinto diversas vezes o suor, e nele, o perigo.


Eu consigo tocar o cheiro e, através dele, me contamino com algo: é um querer absoluto, uma ardência que afoga.



Afoga diversas vezes minha existência que eu preciso de tempo para me recuperar, e tempo é algo que eu não possuo.


Preciso sempre esvaziar o que eu tenho em mim, e com tanta rapidez, que quase de instantâneo surge alguém capaz de me ajudar.


É como se eu precisasse do ser humano


E o ser humano precisasse de mim.



A culpa não é minha que eu vivo


Eu vivo por culpa deles


Dos medrosos


Vivo em função de algo que é impossível


Do receio do futuro


Do receio do agora.



Vivo porque tem gente que não sabe viver


Respiro porque existe pelo menos alguém que não confia em si mesmo


Porque


Tem


Medo.



Eu sou tudo.


Eu sou o início de tudo.


Porque primeiro, temos o medo, e depois temos o depois.



Eu vejo seus olhos se arregalarem, consigo sentir você, meu caro.


Consigo ver através de sua carne o que sua alma grita em silêncio.


Eu existo por causa do pavor.


Existo porque você me cria em você. E eu sou fragmentado: existem pedaços de mim em todo aquele que respira.



Eu sou infinito.


Sou profundo, mas quase um ser esquecido.


Sou um buraco negro, tudo sai de mim


E tudo volta pra mim.



Com minhas pernas, eu ando a procura de novos seres propícios. E com minhas mãos eu os toco e influencio suas ações.


Mas não pense que eu odeio os seres humanos. Na verdade, eu os amo.


Eu amo quando eles paralisam, quando não sabem o que fazer, e aí, a pulsação começa a ficar rápida e a respiração, entrecortada.


Meu corpo inicia um estado de frenesi quase abissal enquanto eles me chamam. Eles me chamam quando alegam que não conseguem mais. Me chamam quando não veem solução para seus problemas.


E eu vou.


Toco neles.


E aí, é uma epifania.


Eles sugam de mim todo o medo que eu lhes ofereço, e eu sugo deles o otimismo, a ambição, a paz. Suas almas depois disso não serão as mesmas. E eu também não serei.


Toda vez é uma experiência nova.


Toda vez.

E eu incrivelmente não me sinto mal por isso. Na realidade, me sinto bem vivo. Até porque, assim eu nasci.


O Amor me disse que não repudia minha existência, até porque sabe que o medo é algo inevitável na humanidade. Todos sentem medo. Porém, é como eles lidam com isso que é o interessante.


E eu vejo muitas pessoas tentando lidar comigo de várias formas. É engraçado e eu não me canso de olhar.


Alguns superam, outros desejam minha morte.

Eu também desejaria.


Contudo, meu caro, saiba


Sou eterno.


Sou um universo de milhões de estrelas, e cada uma delas é um medo diferente.


Eu estive no passado, estou no presente e continuarei respirando no futuro. Eu existo antes do ser humano


Ser
Humano.

Eu vou ouvir você, confie em mim. Sugarei tudo o que você tem. Tocarei em suas veias e elas responderão em vibrações contínuas.



Eu sou o Medo.


Sou inevitável.


E estou disposto a lhe atender sempre que solicitado.

NubladamenteOnde as histórias ganham vida. Descobre agora