O segredo de Ethan

By Amyu-Chan

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Novos segredos, novos aliados e um antigo e cruel inimigo. Ao lado de seus dois companheiros lobisomens, Etha... More

Capítulo 2 - Vancouver
Capítulo 3 - Meu pai
Capítulo 4 - Sentimentos
Capítulo 5 - Aliado?
Capítulo 6 - A ceia devastada
Capítulo 7 - Amigo?
Capítulo 8 - A intriga entre Connor e Dante
Capítulo 9 - A primeira consulta
Capítulo 10 - Negação
Capítulo 11 - Terror
Capítulo 12 - Lobo livre
Capítulo 13 - Primeiros males
Capítulo 14 - Descobertas chocantes
Capítulo 15 - Confronto interno
Capítulo 16 - A acusação
Capítulo 17 - As três histórias
Capítulo 18 - O rapto
Capítulo 19 - Sacrifício por amor
Capítulo Extra - Um pedaço do passado de Yvan
Capítulo 20 - De mal a pior
Capítulo 21 - Traidores e aliados (Parte 1)
Capítulo 21 - Traidores e aliados (Parte 2)
Capítulo 22 - Cobras no ninho (Parte 1)
Capítulo 22 - Cobras no ninho (Parte 2)

Capítulo 1 - Juntos

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By Amyu-Chan


Por mais divertido que possa parecer, cavalgar nas costas de um lobo gigante durante uma forte tempestade não é uma tarefa fácil, principalmente tendo que carregar uma criança pequena e semiconsciente no colo.

O pelo curto e liso do animal também não colaborava muito, sendo quase impossível não escorregar perigosamente sobre ele. Meus dedos já não aguentavam mais tamanha pressão, eu estava apertando tanto os fios, que a sensação que eu estava sentindo era a de que minhas articulações estavam queimando.

Para piorar tudo, eu não conseguia parar de tremer violentamente, o vento e a velocidade em que estamos só aumentam a terrível sensação de congelamento.

Minha única fonte de calor no momento era o corpo em movimento abaixo de mim, então manter-me deitado sobre ele era quase que vital, tanto para mim quanto para Yvan, que estava entre nós.

Dante, mesmo ainda ferido, se esforçava para me carregar em suas costas. Suas longas e robustas patas lhe permitiam ganhar rapidamente o terreno, porém o peso extra, a grossa camada de neve sobre o solo, e o ferimento recente em seus membros claramente estavam o atrasando.

Já Dylan, agora totalmente recuperado, ia à frente, guiando e protegendo o irmão mais velho e a sua carga por entre a floreta congelada.

A forma lupina de Dylan era ligeiramente menor que a de Dante, suas patas eram curtas se comparadas com as do irmão mais velho, isso dificultava a sua luta contra a neve profunda, o que o atrasava e o tornava inapto para carregar peso no momento, por isso era Dante quem estava lidando com esse fardo.

Até agora não havíamos sofrido nenhum tipo de ataque, seja dos Bandos Canadenses ou de algum aliado oculto de Loker, no entanto estávamos prontos para isso. Dylan iria nos defender, mesmo com os meus protestos, dando a Dante a chance de nos tirar do calor da batalha.

Por mais que eu não desejasse ser atacado novamente, eu tinha que concordar com Dante sobre um ponto.

O fato dos Bandos Canadenses terem sumido logo após a nossa entrada na floresta era muito estranho. Eles não deixariam os membros desgarrados de um Bando criminoso fugir assim tão facilmente, mesmo com uma forte tempestade caindo sobre eles. Havia algo de muito errado nisso tudo.

Contudo, no momento todo o que eu podia fazer era rezar para não sermos atacados novamente, a luta contra Loker já havia sido tenebrosa o suficiente para uma vida inteira. Tudo o que eu queria era chegar a um lugar seguro e quente logo, com o resto eu lidaria depois.

.

.

.

Pareceu levar uma eternidade, teve momentos que cheguei a me questionar se estávamos perdidos, ou até correndo em círculos, porém finalmente algo mudou no horizonte embranquecido que se estendia à nossa frente.

Ao longe era possível ver inúmeras luzinhas coloridas, elas piscavam loucamente, com cores que se alteravam entre vermelho, verde, azul e branco, parecia uma festa, o que me fez questionar a minha sanidade.

Os dois lobos negros aumentaram a velocidade das passadas, provando que eu não era o único que estava vendo aquilo. As respirações arfantes deles se tronaram ainda mais afoitas e desesperadas. Não demorou muito para finalmente chegarmos à beira da cidade onde vivi por tanto tempo.

Eu estava exausto, na verdade estava quase me deixando cair na escuridão acolhedora da inconsciência. Meu corpo clamava por um descanso, minhas pálpebras teimavam em se fechar, entretanto eu não podia deixar de abri-las completamente para captar por inteiro a linda paisagem diante de nós.

A cidade estava inteiramente enfeitada e cheia de vida, apesar de não haver ninguém acordado há essa hora. Milhares de luzinhas pisca-pisca decoravam os contornos das casas e das árvores, renas e trenos adornavam os telhados, imagens de um velhinho de barba branca sorriam para mim aqui e ali. Tudo isso era uma lembrança gritante da época do ano em que estávamos.

Pra mim foi um choque ver a cidade iluminada e feliz desse jeito. Eu nem lembrava que o fim do ano estava tão próximo assim, eu estava tão absorto no meu novo relacionamento com Dante e Dylan, que nem mesmo a neve me fez ligar os pontos.

Era dezembro, talvez estivéssemos próximos à semana de véspera de Natal.

Perceber isso causou um terrível aperto no meu peito e me fez imaginar como teria sido o meu primeiro Natal dentro do Bando de Lobisomens. Com certeza seria como ter uma grande família feliz, algo que eu desejava há muito tempo.

— Dante... Temos que tira-los dessa tempestade agora! — Tomei um susto quando ouvi a voz de Dylan bem ao meu lado. Eu nem cheguei a notar quando ele retomou a sua forma humana.

— Eles estão com uma cor azulada, estão congelando! — Dylan parecia aflito ao vir me tirar de cima do lombo de Dante. Só reparei que ele estava nu, quando seu peito quente queimou a minha pele.

Quis protestar e ordenar a ele que colocasse alguma roupa, mas meu corpo estava estranhamente letárgico, eu nem conseguia esticar ou encolher um membro, sendo assim o pequeno Yvan seguia fortemente apertado em meus braços.

— Fique aqui — Dante ordenou ao também tomar a sua forma humana — Vou procurar um lugar quente para eles. — Ao dizer isso, ele rapidamente voltou a se transformar em um lobo negro, para então começar a farejar o ar e o solo.

— Espera! — Dylan tocou o ombro animalesco do irmão mais velho antes deste sumir.

— N-não nos deixe — Dylan pediu com um olhar angustiado — Por favor, eu não saberei lidar com isso sozinho, então não nos abandone, por favor. — O tom desesperado que ele usou para implorar ao Dante foi preocupante.

Porque Dylan estava com tanto medo de ficar sozinho comigo? Porque ele estava implorando desse jeito?

Dante apenas acenou com sua enorme cabeça antes de nos dar as costas e sair à procura de algo. Temi por ele, mas por sorte ainda era noite e as pessoas dormiam tranquilamente em suas camas quentinhas, então provavelmente ninguém atiraria no enorme lobo negro que estava rondando por entre as casas do bairro familiar.

— Ethan... Não durma, por favor, fique comigo. — Dylan implorava ao me apertar contra seu peito, esmagando Yvan junto.

Eu queria obedecer a ele, queria mesmo, afinal Dylan parecia tão assustado, como uma criança com medo de ficar sozinha no quarto escuro, mas eu estava tão cansando e meu corpo estava começando a queimar, e isso era estranho. Eu sabia que estava no meio da neve, mas a sensação era a de estar no meio das labaredas de um fogo brando.

Não sei se pisquei ou dormir, só sei que de repente Dante estava de volta, já transformado em humano novamente.

— Está maluco? — A voz afoita de Dylan subiu alguns tons, mas permaneceu baixa o suficiente para não acordar ninguém. Sua urgência me fez analisar o nosso redor, queria ter certeza de que não estávamos sendo atacados ou algo do tipo, mas aparentemente estávamos na varanda de uma casinha bonita.

— Vamos invadir uma casa? O que vamos fazer com os donos? E se eles chamarem a polícia? — Dylan não parava de questionar com um ar desesperado, isso fez com que eu me concentrasse um pouco mais no que ocorria ao meu redor, para então entender o que estava acontecendo.

— Fica quieto e relaxe — Dante rebateu ao quebrar a maçaneta da porta de madeira branca — Não há rastros e nem odores de humanos aqui dentro, esta casa está vazia há pelo menos uma semana, acho que os donos foram viajar. — Dante resmungou ao escancarar a porta para Dylan entrar comigo e com Yvan.

Dylan pareceu suspirar, talvez não concordasse com o irmão na questão da invasão, mas no fundo ele sabia que não conseguiríamos nada melhor do que isso. Então ele logo adentrou na pequena casa de dois andares.

Fui cuidadosamente colocado sobre o que me pareceu ser um sofá muito confortável. Yvan seguia nos meus braços, mas eu já nem podia confirmar essa informação, afinal meu corpo estava dormente e travado demais para perceber tal coisa.

— Vou procurar roupas limpas lá em cima — Dante anunciou sem mais — Você acenda a lareira e mantenha as luzes apagadas e as cortinas fechadas, não queremos que um vizinho intrometido desconfie de algo e acabe chamando a polícia. — O tom dele era de alerta e parecia frio e distante... Parece que o Dante irritadinho voltou com tudo.

— Certo — Dylan concordou e eu pude ouvir o som dos passos dos dois. As escadas de madeira rangeram incomodamente quando Dante subiu ao segundo andar.

Não demorou muito para uma luz fraca e bruxuleante tomar conta do ambiente, assim como um calor incomodo que me fez tremer por alguma razão, mesmo estando com a pele queimando.

— C-c-calor — Reclamei com olhos fechados e com os dentes batendo loucamente. Pude sentir que algo quente tocou na minha testa logo em seguida. Quis me afastar do toque, mas estava cansado e dolorido demais para isso.

— Dante! — Dylan chamou com um tom carregado de desespero, ele quase gritou para o segundo andar, mas se conteve.

— Estou aqui, não grite!... O que foi? — A escada rangeu novamente e os sons pesados dos passos dele vieram até mais perto de onde estávamos.

— Ele disse que está com calor. — Dylan choramingou para o outro.

— Calor? — Dante questionou parecendo levemente preocupado.

— É... — Dylan engoliu em seco, pude ouvir perfeitamente — Ai, meu Deus, não me diga que ele está entrando no cio?! Com aquele Detetive foi assim que aconteceu. — Minhas tripas afundaram com o questionamento de Dylan, cheguei até a recuperar as forças para abrir os olhos e encarar os dois.

— Não diga besteiras, idiota! — Dante resmungou para o irmão antes de largar ao meu lado uma pilha de roupas limpas e alguns cobertores macios.

— O que é então? — Dylan rebateu quase sem paciência.

— Ele está com hipotermia... Yvan pode estar em estado pior — Dante respondeu ao tocar em minha testa — Temos que esquenta-los aos poucos... Venha e me ajude aqui a... — A partir desse ponto não ouvi mais nada, só sei que fiquei indo e vindo da inconsciência sem parar.

Durante o pouco tempo que fiquei consciente nesse período, eu me vi prensado, junto com Yvan, entre Dante e Dylan no pequeno sofá de dois lugares que fora arrastado para perto da lareira acesa.

Minhas roupas molhadas e geladas foram retiradas, permitindo contato pele com pele com os três embaixo do cobertor macio e aconchegante, fazendo uma troca de calor que oscilava entre agradável e extremamente desconfortável.

Não tive a oportunidade de sentir vergonha, pois assim que minha mente conseguia digerir a informação, logo a inconsciência retornava.

E assim a noite passou tão lenta que pareceu levar uma semana inteira. Quando finalmente a tempestade passou e a luz do dia irradiou através das cortinas da janela, eu acordei.

Deparei-me deitado sozinho sobre o sofá de dois lugares, com pelo menos uns três cobertores pesados em cima de mim. A lenha na lareira ainda queimava um pouco, mas já não havia mais fogo.

A paz e o silêncio reinavam em absoluto, o ambiente estava tão claro e calmo, que cogitei a possibilidade de ter morrido sem perceber durante a noite.

Onde estavam os outros?

Com um leve movimento de cabeça, eu me permiti analisar o lugar onde estava.

Aparentemente eu estava em uma casa comum, ela era aconchegante e muito bem decorada, apesar de pequena, talvez até mediana. Provavelmente era uma casa de família, não, ela de fato era uma casa familiar.

As fotografias da família, dona da casa, me julgavam de seus porta-retratos perfeitamente alinhados sobre a lareira de cerâmica branca. Um pai, uma mãe e três filhos com idades aparentemente entre três, seis e dez anos.

Uma família feliz e perfeita, um dos meus maiores sonhos de infância. Sonho esse que jamais realizarei, bem... Pelo menos não do jeito convencional e tradicional.

— Você finalmente acordou! — Dante veio até mim vestindo uma roupa limpa, provavelmente afanada do patriarca da família desta casa. As roupas pareciam apertadas nele, mas pelo menos ele não estava nu, apesar de ser estranho vê-lo usando moletons e cores claras.

Dante sentou-se no braço do sofá próximo à minha cabeça e alisou meus cabelos. Me senti incomodado com o carinho, pois os fios pareciam oleosos e pegajosos demais para serem expostos a um dos meus companheiros.

— Cad... — Tive de pigarrear para tornar minha voz audível — Cadê o Dylan? — Questionei por fim.

— Ele saiu de manhã cedo para conseguir comida — Dante suspirou com um ar cansado — Provavelmente ele vá demorar, pois fugimos sem levar documentos, dinheiro ou cartão de crédito no bolso. Fora que ele terá que se esgueirar pela cidade com cuidado, não sabemos se ainda estão nos caçando por aí. — O olhar dele ficou distante e pensativo.

— Isso é perigoso! Não deveria deixa-lo fazer isso sozinho. — Reclamei tentando me sentar no sofá, porém meu corpo seguia um pouco duro demais para mover-se. Dormi no sofá colaborou para essa rigidez.

— Eu sei, mas ele tem que crescer e aprender a se virar sozinho, não vou estar aqui pra semp... — Dante calou-se abruptamente e sua fala cortada me despertou um pouco mais da letargia.

— Cadê o Yvan? — Dei uma chance a ele e deixei a conversa seguir outro rumo. Eu não estava pronto para lidar com nada tenso agora, eu havia acabado de acordar de um inferno.

— Dormindo ali no outro sofá — Ele apontou com a cabeça — Eu tive que mexer no braço dele hoje mais cedo e imobiliza-lo. — Dante fez uma careta ao contar isso.

Dei uma rápida olhada em Yvan, ele dormia tranquilamente sobre o sofá de três lugares, seu pequeno corpinho estava bem coberto por vários cobertores. Já seu rosto expressava claramente o cansaço e a dor que ele estava sentindo, seu braço ferido estava amarrado ao pé de uma cadeira de madeira que aparentemente fora quebrada para virar um apoio.

— Você que imobilizou o braço dele? — Arregalei os olhos para Dante — Não sei se isso é algo indicado, ele precisa de um médico de verdade, sem ofensas. — Senti vergonha por jogar isso na cara de Dante, assim parecia que eu não confiava nas habilidades dele.

— Concordo, ele precisa ser examinado por um profissional, eu não sou qualificado para tratar isso, apesar de ter aprendido um monte de coisas com Lucca no passado, mas... — Ele suspirou profundamente antes de prosseguir — Não é como se pudéssemos entrar em um hospital com uma criança nesse estado e ainda por cima sem documento algum, isso seria muito suspeito... Acabaríamos sendo presos. — Ele me encarou com seriedade.

— Eu sei que seria arriscado, mas... Temos escolha? — Indaguei.

— Não, não temos. — Ele suspirou novamente — Yvan pode ficar muito doente, afinal ele pode até ser filho de um Lobisomem, porém seus poderes de cura só irão se manifestar quando ele completar a maior idade, ou seja... por enquanto ele não passa de uma criança comum como qualquer outra. — O olhar preocupado dele recaiu sobre o garoto adormecido.

— Droga! Seria melhor se Lucca estivesse aqui para examina-lo. — Suspirei ao finalmente conseguir me sentar. Meu corpo reclamou, mas ignorei, um pouco de exercício era o que ele precisava para melhorar essa imobilidade.

— Mas não está... Então devemos agir como responsáveis e cuidar dele da melhor maneira possível. — Dante ergueu-se do sofá abruptamente e me deu as costas.

Não pude deixar de notar que ele estava agindo estranho, parecia distante e deprimido.

— Tem razão — Suspirei novamente.

— Vê se toma um banho quente, você ainda está muito gelado para o meu gosto. — Ele resmungou sem me olhar, na verdade ele parecia mais interessado em encarar as fotografias sobre a lareira.

— Seria bom... Você vem comigo? — Por algum motivo eu estava com medo de deixa-lo sozinho. Talvez fosse pelo modo como o vi se desmanchar em choro após a nossa vitória sobre Loker.

Dante não respondeu, ele apenas seguiu encarando os retratos sobre a lareira com um ar tão devastado, que meu coração gelou em alerta.

— Dante... — O chamei com certa urgência.

— Sim? — Ele me olhou por sobre o ombro, mas foi um olhar duro, frio e distante. Um novo alerta soou pelo meu corpo, meu coração acelerou.

— Vamos tomar um banho juntos, que tal? — O convidei novamente, dessa vez com mais suavidade e afeto, mas ele nem se mexeu, parecia ser um belíssimo manequim.

— Dante... — Insisti — Vem comigo, por favor. — O puxei pela mão, entretanto ele seguiu sem mover um músculo sequer. Ele nem ao menos se virou para me encarar devidamente.

— Você está cheirando muito mal, sabia? — Tentei levar a situação para um lado mais leve e brincalhão, tentei mexer com ele, mas isso pareceu piorar as coisas.

— Estou cheirando a sangue e suor, como guerreiro, assim como meu pai deseja. — O tom sombrio dele foi a última gota d'água. Isso confirmou os meus piores medos e atiçou os sentimentos ruins que eu estava sentindo com relação ao modo que ele estava agindo.

— Dante! — Puxei seu braço e o fiz virar para mim.

— A vida é uma merda mesmo... — Ele choramingou — Quando você pensa que tudo vai dar certo... — Ele baixou a cabeça e encarou os próprios pés.

Esse não era o Dante que eu conhecia, não mesmo. Eu não queria vê-lo assim, tão acabado, tão sem esperança e forças.

— Dante, pare com isso, vamos! — O segurei pelos ombros e o sacodi.

— Eu deveria apenas me entregar a ele — Ele voltou a choramingar — Assim ele os deixaria em paz. — O tom dele ficou engasgado no final, mas ele não derramou uma lágrima sequer.

— Pare de falar essas coisas! — O repreendi — Acha mesmo que nós vamos deixar você se entregar para aquele crápula assim? — Questionei com raiva, isso me esquentou, o que foi bom.

Ele me ignorou e seguiu apenas encarando os próprios pés como uma alma derrotada.

— Dante, olha pra mim. — Ordenei ao puxar seu queixo, seus olhos vieram de encontro aos meus, mas o que eles transmitiram a mim foi algo que eu não gostei nenhum pouco.

— Porque está me olhando como se fosse a última vez? — Indaguei com um nó na garganta.

Ele suspirou e apenas desviou o olhar.

— Dante... nós já conversamos sobre isso — Resmunguei irritado — Você não vai se entregar a ele. — Bati o pé como uma criança birrenta, na verdade eu não me importaria de fazer um escândalo digno de uma criança mimada.

— E vamos fazer o que então? — Ele rebateu irritado — Vamos esperar ele vir nos capturar e usar você e o Dylan para me ferir? — Seu olhar, sua expressão, sua fala, tudo, tudo isso transmitia perfeitamente o quanto ele temia isso mais do que tudo no mundo, tanto que ele estava simplesmente desistindo de tudo.

— Não... isso não vai acontecer. — Neguei veemente. Eu não deixaria isso acontecer, nunca!

— Como você sabe? Acorda Ethan! Ele nunca vai desisti, nem que eu passe milhares de anos escondido embaixo da terra. — Dante quase rugiu — É melhor apenas desistir — Novamente ele virou as costas para mim.

— Não vou deixar isso acontecer, de jeito nenhum. — O contornei para ficar frente a frente com ele novamente, porém Dante apenas desviou o olhar.

— Dante, olha pra mim... Vamos, olha pra mim. — Quase implorei de joelhos. Merda! O que eu tinha que dizer para fazê-lo mudar de ideia?

Ele suspirou profundamente antes de voltar seu olhar para o meu.

— Se você desaparecer... — Falei ao olhar firmemente no fundo das pupilas deles — Como você acha que Dylan e eu vamos ficar? Você acha mesmo que iremos conseguir viver com esse peso na consciência? — Indaguei duramente, meu tom chegou a ser ácido.

Ele não desviou o olhar, então prossegui.

— Você acha que vamos apenas apagar você de nossas memórias e... — Tomei um pouco de fôlego, pois já estava engasgando com um caroço na garganta — Você acha que vamos conseguir viver com isso? Acha que vamos ser felizes? Que vamos morar num chalé à beira de um rio calmo como se estivéssemos no final de um filme romântico e clichê? — Quase soquei seu abdômen para dar mais ênfase ao que eu estava sentindo.

Ele revirou os olhos como se o que eu estava dizendo fosse uma idiotice sem tamanho.

— É assim? Então você conseguiria? — Suavizei minha voz e dei um passo atrás como se estivesse desistindo. Eu não estava entregando os pontos, mas queria fazê-lo entender.

— O quê? — Ele questionou sem entender.

— Se o Dylan sumisse, se ele fosse parar nas garras de alguém como Dmitry, você conseguiria seguir em frente com sua vida? Conseguiria ficar comigo sabendo que ele estaria sofrendo em algum lugar? Conseguiria? — Agora as lágrimas transbordavam dos meus olhos, malditas!

— Não, é claro que não! — Ele respondeu de forma abrupta e dura, claramente ficou irritado com a minha pergunta.

— Que bom! Isso significa que você pode entender como nós ficaríamos se você sumisse para se entregar a um louco — Resmunguei — Cada dia de nossas vidas seria um inferno cheio de dor e preocupação... Então pare com isso e vamos apenas continuar juntos. — Voltei a bater o pé teimosamente.

— E fazer o quê? — Agora ele quase gritou de verdade comigo, Yvan chegou a se remexer embaixo das cobertas.

— Fazer o quê? — Repeti seu questionamento — Bem... Primeiro podemos ir até o endereço que você nos deu. Vamos encontrar os nossos amigos lá e... depois a gente pensar no próximo passo. — Minhas próprias palavras me encheram de esperança, esse plano me agrada e muito.

— Eles não vão chegar, Ethan — Dante bufou com desdém — Eles estão todos mortos. — Seu tom foi áspero e frio.

— Não, eles não estão. — Agora era eu quem quase gritava com ele.

Yvan se remexeu incomodamente no sofá como se estivesse preste a acordar, mas não liguei.

— Pare de sonhar, Ethan, a vida não é um conto de fadas. — Ele rosnou — Sobrevivemos por sorte, mas os outros... — O interrompi antes que ele falasse mais dessas merdas.

— Para! — O empurrei com força, mas só consegui fazer com que ele desse um passo atrás.

— Não, não paro... Você tem que entender que o que está acontecendo não é... — Novamente o interrompi, entretanto dessa vez levei as mãos aos ouvidos, praticamente imitando uma criança.

— Cala a boca! Não quero ouvir isso, não quero! — Agachei-me no chão e apenas deixei o choro e os soluços virem.

— Ethan... — Dante soou surpreso e arrependido, ele logo se ajoelhou na minha frente e veio segurar os meus pulsos.

— Eles estão vivos, eu sei que estão! — Rebati aos soluços.

— Ethan, você não tem o meu olfato, você não sentiu o cheiro do sangue deles, você... — Ele baixou o tom de sua voz, mas seguiu firme.

— Porque está sendo tão cruel? — O encarei sem vergonha alguma de mostrar o quanto ele estava me machucando naquele momento.

Os olhos dele arregalaram-se momentaneamente, porém ele nada disse.

— Eu já não perdi o suficiente? — Indaguei baixinho.

— Ethan... — A voz dele tremeu levemente.

— Você não vê? Eles são minha família — Sussurrei ao fungar levemente — Lucca, Josh, Eric, Steven, David e Scott... Eles me acolheram e me protegeram quando eu cheguei ao ponto de pensar que não tinha mais ninguém neste mundo. Aí veio Richard, Lorenzo, Giovanni, Hayato, Nikolai e Yvan... Eles se tornaram a minha nova família, e agora você vem e... — Não deu pra segurar, chorei pra valer.

— Ethan... — Ele me puxou para um abraço, mas eu relutei.

— Você vem e... — Solucei — E da forma mais cruel e fria me diz que eles se foram... Você é um monstro! — Soquei seu peito como pude, mas logo fui imobilizado por seu forte abraço.

— Pronto, pronto, desculpa, eu fui um insensível, desculpa... — Ele sussurrou levemente ao me embalar — Eu só estava com a cabeça quente e acabei falando merda. — Ele suavizou completamente a sua voz e o seu toque, então me deixei desmanchar completamente em seus braços.

— Me perdoe Ethan — Ele sussurrou — Eu sinto muito mesmo, eu não queria dizer essas coisas, eu só... — Ele tornou a suspirar — Eu acho que esse é o meu jeito de lidar com toda essa merda, entende? Eu me sinto tremendamente culpado pelo o que aconteceu. Se alguém do nosso Bando realmente morreu... — Ele engasgou levemente e eu não pude deixar de notar que ele disse nosso Bando.

— Tantas pessoas já morreram por causa dessa obsessão do Dmitry por mim — Novamente a voz dele engasgou — Esse ataque do Loker... essa armação que ele fez pra cima dos Bandos Canadenses... tudo isso é culpa minha. — Ele soluçou.

Tentei erguer a cabeça para encara-lo, mas ele segurou meu crânio firmemente contra seu peito, impedindo qualquer movimento da minha parte.

— Por isso estou com medo... Tenho medo que isso possa se repetir até que não sobre mais ninguém. — Os braços dele quase me esmagaram nesse momento.

— Eles estão bem, eu sei que estão e nós vamos conseguir impedir isso de acontecer novamente. — Falei com toda a esperança que ainda havia dentro de mim, mas ele não respondeu. Seu silêncio cético me fez retornar ao choro.

— Eu só queria estar perto deles agora — Solucei — Logo será Natal e eu não poderei nem mesmo ver meu pai e minha irmãzinha. — Tal lembrança causou um ataque histérico de choro em mim.

Dante se remexeu incomodamente, mas me apertou ainda mais em seus braços, algo que estava se tornando realmente doloroso pra mim.

— E... e... e... logo partiremos para os Estados Unidos e... e... e... — Fazia tempo que eu não chorava ao ponto de me dar um ataque de tosse e gagueira assim.

— Pronto, pronto... Já passou, já passou. — Dante voltou a tentar me acalmar, mas dessa vez ele parecia mais preocupado e incomodado. Ele realmente não gostava de lidar com sentimentos, talvez porque vivesse ignorando os próprios.

— Talvez nunca mais possamos voltar ao Canadá... Talvez eu nunca mais veja a minha família humana. — Pronto! Agora ninguém me fará parar de chorar.

— Ah, merda! Dylan cadê você? — Dante soou desesperado, eu riria dele se não estivesse desidratando pelos olhos.

Agarrei-me no moletom dele e chorei até fazer uma mancha enorme de lágrimas ali.

— Ethan, escuta... — Ele tentou afastar-me de si, mas não conseguiu. Ele então apenas prosseguiu falando — E se a gente for, sei lá, visitar o... seu pai. — Essa última frase saiu lenta, quase que sílaba por sílaba. Ele parecia estar pensando ou calculando o que dizer.

— V-visitar? — Ergui a cabeça para encara-lo, o choro cessou na mesma hora.

— É... — Ele pareceu perdido por um momento — Tipo... Podemos passar as festas de fim de ano com ele antes de seguir viagem. — Novamente ele soou como se estivesse pensando cuidadosamente no que iria dizer.

— V-você quer ir? — Acho que meus olhos brilharam para ele como se eu fosse um personagem de anime.

— Claro! — Ele soou nervoso agora — Adoraria conhecer meu sogro. — Ele claramente tentou forçar um sorriso animado, mas acabou parecendo mais uma careta assustada e preocupada.

— O que está acontecendo aqui? — Dylan questionou ao entrar na casa trazendo consigo inúmeras sacolas nas mãos.

As roupas dele estavam salpicadas de neve, porém sua expressão chocada era a melhor parte. Ele nos fitava sem entender, mas também pudera, Dante e eu estávamos sentados no chão, com os rostos manchados de lágrimas.

— Vamos visitar o meu pai! — Contei animado.

Dylan lançou a Dante um olhar indagador. Dante por sua vez só pode dar de ombros como se dissesse: Eu não tive escolha.

Não pude deixar de me sentir animado. Nosso futuro era incerto, não tínhamos nem mesmo um plano, mas ao menos estávamos juntos e era assim que iriamos ficar.


.....................................................................

Notas finais do capítulo:

As coisas não estão fáceis para esses quatro, e claramente muita coisa ainda está por vir antes que eles possam chegar ao seu destino final, os Estados Unidos, porém Ethan mantem suas esperanças.

Será que eles terão ao menos um final de ano tranquilo ao visitar o pai de Ethan?

Não percam no próximo capítulo.

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