Caindo.
Caindo e despedaçando-me.
Uma queda livre.
Assustadora.
Chega a doer os ossos por sob a pele.
Uma dor que só um sonhador pode sentir.
Olhei em seus olhos desafiadores e soube na mesma hora: meu coração estava sendo testado.
"Por que você quer tanto isso?", a Frustração não me deixava pensar. "Desista, desista agora, antes que o caminho se torne ainda mais íngreme e a queda cause danos permanentes", sentia seu riso formigar a minha pele.
Minhas mãos estavam entrelaçadas em uma agonia infinita, pousadas sobre minhas coxas trepidantes.
Puxava o ar para os meus pulmões, sentia todo o processo arder.
Minha mente era turbilhão de marteladas estridentes. Ninguém conseguia fazer a insanidade parar de me encarar. Os pelos dos meus braços se arrepiavam em uma dança mórbida do fim.
Queria sumir.
Desaparecer como água que escorre pelo bueiro. Que segue o seu curso, sem nunca voltar para o mesmo beco. Como folha perdida ao vento, sendo jogada de um lado para outro, sem nunca saber onde irá pousar.
Queria ser levada.
Empurrada.
Jogada de um precipício onde somente a certeza do fim é um tormento.
Não queria mais sentir a brisa leve da esperança, nem meus instintos traiçoeiros e bobos me levarem a um sonho impossível.
Queria poder nascer novamente para ter a opção de vir ao mundo sendo uma pessoa normal. Sem encanto, sem magia ao olhar o mesmo céu com as mesmas estrelas, todos os dias, como se fosse a primeira vez. Sem nunca ter alimentado em mim um olhar brilhante para as coisas feias. Poder lutar por algo comum, sentar a mesa com pessoas iguais a mim, sem me sentir diferente ou fora de órbita.
Queria ser homogênea, uma massa mista de sentimentos conflituosos, porém, sem a dor de ser um sonhador.
Nada me parecia mais doloroso do que isso.
Considerei levantar-me de súbito e sair pela porta.
Só alguns e estreitos passos me separavam da liberdade.
Do último suspiro.
Da desistência.
Sem me importar com o tempo em que perdi para estar ali.
Minutos antes eu queria lutar, ainda sobrava em mim resquícios de desejo e perseverança. Ainda se semeava dentro de mim a certeza de estar vivendo a razão pela qual eu nasci.
Mesmo que eu revogasse as minhas crenças, sentia-me beligerante.
Todavia, olhos rebeldes e selvagens, olhos malignos e perigosos me encaravam naquela sala.
Acúmulos de todos os anos em que fui colhendo o desafeto e as negações diante das minhas ideias e modo de ser.
Todos diziam sempre a mesma coisa: desista.
"Mate-se, quando matar o seu sonho".
Mentalmente, eu era cadeia lotada de marginais barulhentos e famintos em suas celas. Externamente, não passava de uma paisagem que retratava o fim de tarde à beira-mar.
Deveria desistir.
Deveria ficar e lutar.
Ou afogar-me por cãibras, ou dar mais algumas braçadas até a areia da praia.
Ou robotizar-me, ou recriar-me. Fingir a morte enquanto vejo a vida passar. Saltar e saltar de alegria mesmo que a dignidade me custar.
Senti uma mão gentil tocar-me o dorso.
O homem que eu havia ido questionar, fez-se notável. Era uma onda gigantesca de luz. Despertou-me na hora. Toda aquela insegurança e medo haviam desaparecido, como se eu tivesse só tentando me enganar que havia pensado em todo aquele terror, segundos atrás.
A pessoa sorria.
Em seus olhos eu vi compreensão e sinceridade.
– Você consegue – disse ele, com convicção.
Abri minha boca para negar. Dizer que eu era um fracasso e que não merecia continuar tentando ser alguém com sonhos.
Queria gritar para deixar jorrar tudo o que me afligia.
A guerra era em meu interior, não havia nada que alguém de fora pudesse fazer. Não havia nenhuma palavra de nenhum idioma que eu pudesse usar para explicar-me. Para me fazer entender.
Eu deveria ter dito que "desisti", que não aguentava mais andar em círculos e que não conseguia, sequer, enxergar que estava indo na direção certa. Mas não disse. Até mesmo os meus lábios selados me negaram um último esforço para me justificar.
– Você é arte. Você é sensibilidade. Você é verdade. – Continuou calmamente. – Eu acredito em você. Vejo o que és. Não há como não notar quem você é. Só não se deixe vencer pela frustração. Ela só lhe dirá que não há espaço para você em nenhum lugar.
Considerei-o um anjo, alguém que havia sido enviado justamente quando sabia que eu não prosseguiria. Um ajudador que me impulsionaria a dar mais um passo. Nem que fosse só mais um.
Então, como se tivesse despertado de um longo e profundo sono, meu sonho começou a abrir caminho com as garras, desde o lado mais profundo de mim, até chegar novamente, em meu coração.
Eu havia ganhado a motivação para dar somente mais um passo. Porém, parecia que eu havia conquistado a chave para desvendar o segredo mais cobiçado do mundo.
Descobri que era melhor tentar manter a chama acesa, do que esquecê-la em um canto onde pudesse se apagar.
Se fazer aquilo que me deixava feliz não era o suficiente, o que mais seria? Se eu não podia ser eu, totalmente, sem enganos ou desânimos, quando poderia sorrir de forma sincera?
Sentir a dúvida e o conflito indo embora foi estarrecedor.
Seria trabalho meu mantê-los longe de mim.
Longe do meu coração.
Longe da minha mente.
Longe do meu sonho.
Levantando-me.
Reerguendo e restaurando-me.
Uma queda livre.
Prazerosa.
Chegava a doer os ossos por sob a pele.
Uma sensação inexplicável que só um sonhador poderia sentir.
Olhei em seus olhos acolhedores e soube na hora: meu coração estava mesmo sendo testado.
– Vou ser quem eu sou. – Respondi, encontrando de volta o caminho até a minha voz.
Rasgando as barreiras como se fossem feitas de seda.
Porque acreditar em nós mesmos nos torna pessoas invencíveis.
Agradeci ao homem que foi usado para ser o meu anjo-da-guarda e um sorriso foi tatuado em minha pele. Sabia que, se um dia, eu voltasse a me esquecer de quem eu deveria ser, ele, e mais outras pessoas especiais, estariam entrando em meu caminho rumo ao fracasso para reajustar a rota até o sucesso.
Podia ouvir de todas as formas, através de todos os elementos que compunham a harmonia e a melodia da vida: só há uma pessoa como você no mundo, então, seja quem você deve ser.
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