▕ Z a y n▕
A sala de professores. Sempre a mesma confusão.
Não me consigo integrar muito bem aqui pois todos os meus colegas são mais velhos que eu e as suas conversas são me todas aborrecidas. Apenas comunico com William, um professor de Educação Física que tenho de admitir, não tive grande primeira impressão dele; e Dakota, uma professora de Genética Molecular. Era de facto bonita, mas como não tinha certezas se era casada ou não, opto por não tentar a minha sorte.
E honestamente, depois do descuido que tive com a aluna tenho medo. Não do que ela possa fazer, pois ninguém iria acreditar numa mera aluna, mas tenho receio que se continuar, outras pessoas descubram.
"Zayn, como está tudo?"
William saúda-me com um enorme sorriso ao qual retribuo. Levo o copo de plástico com café de encontro aos meus lábios e antes de lhe responder, e dou um pequeno gole saboreando o intenso aroma.
"Tudo ótimo e contigo?"
"Podia-se estar melhor." Ele lança a pequena crítica enquanto se encosta ao aquecedor da extensa sala. "De certeza que está tudo bem?"
"Claro, porque perguntas?"
"Ouvi dizer que houve uma desistência."
"Uma desistência? E porque me estás a dizer isto?"
"Foi numa das tuas turmas."
"Numa das minhas turmas?"
"Sim." Confirma.
Os meus pensamentos foram para a rapariga de olhos claros e de cabelos negros. Blair, mais concretamente.
"Anularam a matrícula na tua disciplina."
"Sabes quem foi?" Tento perguntar de forma a não mostrar alarido ou caso contrário ele iria-me questionar o porquê de eu estar assim.
"Pelo que ouvi, a filha da diretora. Dai todo este burburinho."
"Qual é mesmo o seu nome?"
"Blair. Blair Wayland."
Encontrava-me em choque com a resposta e agora temia que ela metesse em prática as ameaças. Iria ser fácil convencer a directora visto que era sua mãe. Iria ser fácil colocar-me no desemprego. Não posso deixar que isso aconteça. Eu preciso do dinheiro.
"Sabes o motivo do seu anulamento na disciplina?"
"Desconheço." Minto.
William, estranhamente, não toca mais no assunto. Insere a moeda na máquina do café que se encontrava a meu lado e retira o seu tão habitual café curto. Agora a minha preocupação foca-se na Blair. Tinha que me certificar, de um modo subtil e discreto, que ela não abria a boca sobre o sucedido.
"Eu tenho de ir."
Dou um último golo no café, sem conseguir ter tempo para disfrutar e faço pontaria ao pequeno cesto do lixo que se encontrava perto de mim. Conseguira acertar. A minha mão envolve a pega da mala preta de cabedal, pesada devido aos livros que acartava e certifico-me que ninguém me chama para fazer perguntas sobre a desistência. Logo na segunda semana, uma desistência. O que é que eu fui fazer?
Coloco o meu indicador na máquina de segurança, abrindo com isto a porta que dava acesso à secretaria e onde apenas funcionários da instituição tinham acesso. Alguns professores encontravam-se a fotocopiar testes, enquanto os secretários remexiam nas pesadas capas, fazendo o seu trabalho.
"Posso ajudá-lo, Mr. Malik?"
Uma mulher de estatura baixa, na casa dos seus trinta anos questiona nas minhas costas. Viro-me para ela com um sorriso amigável esboçado, pronto para pedir o favor.
"Por favor, podia-me dar informações de uma aluna? Ela pediu que lhe fosse esclarecer uma dúvida e em véspera de frequência acho que é meu dever avisá-la. " Minto.
"Claro, siga-me."
Ela caminha à minha frente indo em direcção a uma estante de metal, velha explicando por isso a existência da ferrugem. Após me perguntar pelo nome da aluna, pega no dossiê correspondente à da minha turma dando-me com isto a informação do seu número telefónico. Era a única informação que me podiam dar dela pois eu não podia ter acesso ao seu quarto. De qualquer das formas, antes de lhe ligar iria-me certificar que ela não estava no dormitório.
Agradeço à secretária e saio daquele pequeno espaço sufocante que abarrotava de gente.
B14 é o quarto dela, segundo me recordo. Lembro-me perfeitamente de ela ter confundido o seu com o meu logo no primeiro dia de aulas. Só deus sabe a vontade que eu tive de a espancar nesse momento. E não acredito que vou dizer mas, antes o tivesse feito. Provavelmente ela não se lembraria e eu estaria satisfeito.
Um suspiro sai por entre os meus lábios e decido fumar um pouco para me acalmar. Abro o maço de tabaco, pronto a estrear e retiro de dentro do mesmo o meu vício. Procuro com apenas dois dedos pelo isqueiro perdido no bolso do meu fato e assim que o encontro, apresso-me a acender o cigarro que segurava entre os meus lábios rosados e secos devido à estação quente.
"Mr. Malik?"
"Catherine." Esboço um pequeno sorriso quando ouço a sua voz melodiosa chamar o meu nome.
"Oh, não queria incomodá-lo."
"Não o está a fazer. Precisa de alguma coisa?"
"Ahm... E-Eu gostava de saber de dava para ter mais um dia de explicação esta semana..."
"Esta semana? Porquê?"
" É que estou receosa com a frequência e eu precisava mesmo de ajuda."
"Com todo o prazer." Tenho cuidado para que ela não levasse com o fumo do meu cigarro e esboço um pequeno sorriso ao olhar o seu rosto. "Amanhã à tarde, pode ser?"
"Claro, muito obrigada pela sua disponibilidade."
Não digo mais nada, apenas a vejo afastar. Levo o cigarro já pequeno, que segurava entre os meus dedos, de encontro aos meus lábios e termino-o, deitando a beata para o chão. À minha volta vários alunos se encontravam a fumar mas pareciam não notar a minha presença e se notavam, ignoravam. Era reconfortante saber que não havia comentários rude, saber que todos os erros cometidos durante o desenvolvimento fizeram-me aprender, saber que conseguia por respeito. E não era apenas por ser bem-sucedido no trabalho ou usar um fatinho qualquer, seja ele de marca ou não.
Bato com os nós dos dedos na porta assinalada como B14. Samantha, a rapariga loira também ela minha aluna da Blair abre-me com um sorriso de espanto esboçado.
"Mr. Malik?"
"Boa tarde. Desculpe interromper é qu-"
"Não interrompe nada." Ela apressa-se em me informar ainda com um sorriso no rosto.
"Bem, eu queria saber se a Blair, quer dizer, Miss Blair está. Eu-"
"Oh não, ela não está."
"Sabe onde é que ela está neste momento?"
"Provavelmente com Louis. Um aluno do segundo ano." A rapariga loira a quem eu pedia que não bebesse mais café diz. Ela estava completamente enérgica desde que começara a conversa com ela e já me interrompera duas vezes. Eu precisava de me despachar pois não queria de todo ser visto no espaço apenas direcionado a estudantes do sexo feminino.
"Sabe a que horas mais ou menos volta?" O seu ar chocado devido à minha insistência faz-me justificar. "É mesmo importante."
"Se for como ontem não volta."
"Como assim?"
"Eu não devia dizer isto..."
"Eu não irei contar a ninguém. Eu sei guardar segredo." Digo num sussurro olhando-a atentamente. Consigo notar o quão abalada ficou com a minha mudança.
"Ela não dormiu cá. E acho que faltou às aulas."
"Bem, obrigado. Então eu irei procura-la noutra atura."
"Claro."
"Boa tarde e obrigado mais uma vez."
Ouço-a balbuciar um 'boa tarde' já eu ia a meio do corredor. Retiro o telemóvel no bolso direito das minhas calças e seguro-o na minha mão. Blair faltara o dia todo às aulas e não conseguia deixar de me sentir um pouco culpado pelo sucedido. Fora por causa de mim?
Olho o teclado e marco hesitante o seu número. Não sei porque estava a agir assim mas tinha receio que ela não me atendesse. Eu precisava mesmo que ela o fizesse quanto mais não seja para manter o emprego.
▕ B l a i r▕
Já nada era tão nítido como antes. Já nada estava tão perfeito e aromado com eu deixara por volta dos meus oito anos de idade.
Um intenso cheiro a tabaco, misturado com algum mais pesado -a droga que arranjei quando ganhei coragem para abandonar o espaço por uma hora- era muito notado aqui, neste espaço fechado.
Eu fizera o que estava correto. Mr. Malik é demente e não iria aguentar passar o ano todo com ele. Para além do mais, ele podia continuar a magoar-me e eu não iria tolerar mais isso. Ainda assim, só no final do mês é que poderia abandonar a cadeira de Biologia. Penso seriamente se irei a alguma aula deste mês pois não sei como irei consiguir olhar para Mr. Malik sem recordar o episódio de ontem.
As lágrimas já haviam parado a noite passada mas a psicológica e física continuavam em mim. Custava-me sentar, ainda que já não sentisse tanto, e adormecer para mim foi um sufoco pois, para além de não encontrar posição, as imagens teimavam em aparecer na minha mente.
Um número desconhecido aparece no meu telemóvel e faço como tenho feito a todas as outras pessoas. Desligo.
Ainda assim a primeira rejeição não lhe chegou pois voltara rapidamente a insistir. O número não esta privado e questionava quem é que poderia ser. Após um longo suspiro, decido atender.