— Isabella.
Abro os olhos e os fecho outra vez. Inutilmente tento voltar a dormir.
— Izza, acorda. — Mamãe me chamou de novo.
Sinto algo pesado sobre minhas costelas, pego para jogá-lo para longe. E só assim, percebo que era o meu braço adormecido.
— Mas hoje é sábado. — Resmungo baixinho, ainda com os olhos fechados.
— Teatro. — Ela disse.
Há, droga!
Sentei-me na cama deixando as cobertas caírem. Mamãe está sentada na ponta do meu colchão, sorrindo.
— Você vai se atrasar, Izza.
— Ainda tenho tempo, mãe. — Falei.
— Os ponteiros do relógio provam o contrário. — Ela acusou. — Vamos, levantando.
Com um: Nunca pensei em ter que acordar uma menina dessa idade; ela deixou o quarto.
Me arrastando da cama vou em direção ao meu banheiro.
Ao me olhar no espelho fico pensando nas loucuras que minha mãe me convence a fazer.
Depois que passei para o décimo segundo ano no colégio, minha mãe decidiu que eu precisava trabalhar minhas emoções, porquê eu sempre ficava mais tempo no meu quarto do que na sala com meus pais. Por isso, ela me fez escolher algum curso extracurricular que a escola oferece para fazer. Eu escolhi o teatro, por indicação dela, e eu odeio ir às aulas de teatro, mesmo que hoje seja o meu primeiro dia. Mas mamãe estava me dando todo o apoio.
Também odeio morar em Stratford.
De acordo com o Google, Stratford é uma cidadezinha pequena que fica a quase uma hora e meia de viagem para o aeroporto de Toronto, onde o típico "todo mundo se conhece" deve ter sido inventado por alguma pessoa sem nada melhor para fazer da vida. Para mim Stratford é imensa, tão imensa que me impede de conhecer todo mundo. Ligando esse fato a minha falta de habilidade de iniciar uma conversa, geralmente relacionada a timidez mesmo, complicava minha vida.
Quando voltei para o quarto e me vesti ouvi mamãe gritando no andar de baixo que meu café da manhã estava pronto. Então me sentei na beirada da cama por um instante e calcei meus sapatos.
Ao entrar na cozinha sorrio satisfeita para mamãe ao ver minhas torradas e o suco de laranja sobre a bancada de mármore.
★★★
Kim dirige muito mal, forço minha mente a lembrar assim que ponho meus pés do lado de fora da minha casa.
A manhã está fria e o jardim esta coberto pela neve, o suficiente para minhas pegadas ficarem marcadas a cada passo que eu dava. Arrumo meu gorro de lã na cabeça e puxo o zíper do meu casaco para cima.
Kim é minha melhor amiga e como de costume eu pego carona com ela para irmos juntas à escola. E hoje não foi diferente.
— Eu dirijo. — Falei rápido.
Kim abriu a boca para protestar, mas eu já estava com as mãos no volante bem acomodada no assento de couro. Ligo os limpadores de parabrisa.
— Eu realmente não entendo porque você tem tanto medo de me deixar dirigir. — Kim resmungou sentando no banco do carona.
Ligo o carro e engato a primeira marcha. O Besouro, o fusquinha cor de rosa da Kim é uma beleza para dirigir. E o mais legal é que atrai olhares por onde passa. Isso é bom, eu acho, trás boas energias.
— Pra quê você precisa dirigir? — Falo para ela. — Sabe, eu também tenho carta. Posso dirigir para você.
— Eu gosto de dirigir, Izza. — Ela ralhou.
— Eu vou te dar cinco motivos para o meu medo. — Falei.
Kim riu.
Ultrapasso uma Picape amarela, mas o ego ferido do motorista faz ele me ultrapassar novamente e deixa o Besouro comendo poeira.
Falo para Kim:
— Primeiro: você freia do nada. Segundo: você atravessa o sinal. Terceiro: quando peço para você ir devagar, uma tartaruga anciã anda mais rápido que você. Quarto: você não sabe a diferença da esquerda para a direita. — Kim a essa altura fingia teatralmente estar ofendida. — E quinto: eu te amo, mas como você dirige muito mal, eu não pretendo ter carona suas. Pelo menos não com você na direção.
Pegaria até o ônibus se fosse preciso. Me esforcei para não rir.
Kim se endireitou no banco e tentou se defender.
— Eu não freio do nada, o Besouro é que resolve parar de vez — ela levantou um dedo. — Ele é um Fusca, o limite de velocidade dele só vai até oitenta por hora — outro dedo. — Você quem pediu para mim dirigir que nem uma lesma então fiz, ué. — Outro dedo. — Eu fui para a direita naquele dia porque você não me explicou se era para sua direita ou para minha — outro dedo. — E eu sei dirigir direitinho. — Ela levanta o último dedo e me lança uma piscadela.
Eu ri e balancei a cabeça.
Kim tirou o saco de batatas Chip's de dentro da bolsa e me ofereceu, neguei com o gesto de cabeça. Kim é minha irmã-gêmea-perdida-de-outra-realidade-paralela. Nos conhecemos desde que a gente era um feto. Minha mãe e a mãe de Kim são amigas desde o dia em que esbarraram uma na outra nos corredores da Maternidade. Eu nasci primeiro, Kim nasceu no dia seguinte então posso me gabar por ser nove horas mais velha do que ela.
Entramos na rua da Stratford Northwester Secondary. Enquanto Kim limpava os farelos de batata do seu cachecol azul marinho de lã, eu procurava por uma vaga bem longe do estacionamento dos populares.
— Quer ouvir um resumo do que eu fiz ontem no meu encontro? — Kim perguntou. Eu dei um suspiro e balancei a cabeça dizendo que sim.
Não importava se eu concordasse ou não, Kim contaria essa história de qualquer jeito.
Puxo a maçaneta da porta de madeira vermelha e entramos. A sensação de passar por essas portas é maravilhosa. Quentinho, quentinho.
Abro o zíper do casaco.
A primeira coisa que escuto são as vozes dos jogadores do time de basquete na quadra. Estão treinando.
— Colei uma figura na testa e tentei adivinhar o que eu era. — Disse Kim — Jogaram uma aranha de borracha no meu prato. Troquei o título dos filmes por pizza. Qual é, que graça tem Exterminador de pizza?
Viramos a direita e entramos no familiar corredor, iluminado pela luz fraca do sol, irradiando por trás do janelões de vidro. Demos de cara com um dos funcionários de limpeza empurrando um carrinho com um balde laranja passando por nós duas.
— Bom dia — cumprimento-o. — Até parece que ele não era gato. — Rebati para Kim.
— E por falar em gato... — Kim parou de falar e sorriu empolgada.
Sigo os olhos de Kim pelo longo corredor. E o vejo. Camisa verde, casaco cor de vinho com as mangas puxadas na altura dos cotovelos, jeans preto, e converse com estampa de Jornal. Já faziam uns quatro meses que ele não cortava o cabelo, e eu não poderia negar o quanto ver esse cabelo bagunçado atrás da orelha dele me agradava. Harry estava encostado em um armário verde escuro com as costas meio curvadas para ficar da altura de uma caloura, que eu não lembrava o nome, com quem conversava.
— Lá está, Harry-Gostoso-Schofield espalhando sua beleza pela escola. — Kim sussurrou, embora dada a distância que nós ainda estávamos dele, Harry não ouviria nada.
Harry vez ou outra varria o corredor com os olhos como se procurasse por alguém, então nossos olhares se encontraram.
— Por que ele tá olhando para mim? — Cravei as unhas no braço de Kim. — Kim, tem alguma coisa na minha cara?
— Desculpa, mas só vejo o Harry e o sorriso dele.
Kim foi a primeira à cumprimentar os dois quando chegamos perto.
— Paz e amor. — Ela disse.
— Paz e amor para mim é férias. — Foi Harry quem falou. Um instante de silêncio constrangedor se seguiu, até ele dar uma risadinha. — Bom dia. — A garota mais nova que estava com ele apenas fez um gesto com a mão e se despediu dele. — Aquela é Emma. — Harry apontou com o polegar na direção que a tal Emma foi. — Ela não é de falar muito.
— Percebi. — Kim murmurou.
— Oi, Isabella. — Ele disse.
— Oi. — Depois me deu um branco. Como é que se respira mesmo?
— O que fazem aqui? — Quis saber ele. — Hoje começam as aulas de teatro, não é para os alunos que não se inscreveram estarem aqui.
— Preenchemos a ficha no último minuto. — Kim respondeu por nós duas.
Harry falou para mim:
— Não te vi na pizzaria ontem.
Fiquei olhando para ele pensando no que responder. E nem era para ele está trocando mais do que duas palavras comigo.
— É que eu engordei... — Menti, porque eu não tinha nada melhor para dizer. E definitivamente eu não sei mentir muito bem. Sei lá, eu poderia ter dito que estava lavando minhas roupas, talvez.
— Hum, a propósito belo carro o de vocês. — Ele repuxou os cantos da boca.
Oi? Harry reparou quando chegamos?
— Obrigada. — Falei, baixinho. — Ele faz o mesmo percurso dos outros carros, você só precisa ter paciência. Tchau.
Puxei Kim pelo braço o mais depressa que consegui antes que ela jorrasse pela boca perguntas idiotas na frente de Harry. Quando estávamos uma distância consideravelmente segura Kim soltou um gritinho. Pronto, começou.
— O que foi aquilo? O que deixou de me contar, Isabella?
— Não foi nada. Só passei uns dias indo comprar pizza onde Harry trabalha. E eu agradeceria se você ao menos tentasse esquecer isso.
Kim não disse nada. Mas eu sabia que ela não esqueceria disso tão cedo.
OBRIGADA POR TEREM LIDO, ESPERO QUE TENHAM GOSTADO, E MUITO OBRIGADA PELOS VOTOS NO CAPÍTULO ANTERIOR.
BEIJINHOS DE GLITER!!!
ATÉ O PRÓXIMO CAPÍTULO.