Um vento gelado cortava os campos fazendo a pele de Ellannor se arrepiar levemente por baixo da capa e fazendo com que ela se encolhesse um pouco. Ao seu lado, Alec parecia não sentir o vento frio que lhes castigava a pele enquanto desciam a serra que antecede os campos de Rohan. A verdade era que ele já estava acostumado e, portanto, não demonstrava tanto desconforto que sentia por causa do tempo. Este fato deixava a jovem Ellanor ainda mais aborrecida. Resistente, forte e esperto, qualidades que faziam dele um exemplo de cavaleiro perfeito, um homem inalcançável.
Desceram toda a depressão em silêncio absoluto. Apenas o som dos cascos dos cavalos marcando presença como se fossem as batidas dos corações de seus cavaleiros. Por vezes, a jovem lançava ao rohrrim algum olhar de soslaio para ver o que ele fazia, mas tudo o que via era o homem austero e inabalável montado em seu cavalo como quem a escoltava. Em seu íntimo, ela ansiava por descobrir sobre o que ele pensava e se irritava ainda mais com as possibilidades que ela inventava em sua mente. Então, quando já estavam prestes a ganhar os campos e farta de discutir consigo mesma e com o Alec de sua imaginação, Ellanor resolveu falar.
- Então, você me seguiu... mas como soube que eu sairia hoje justamente hoje? - perguntou sem rodeios e mesmo sua voz saiu em um tom áspero, beirando o rude.
Alec se virou para ela, altivo. Sua cabeleira loira esvoaçou desordenadamente por causa do vento, porém sem lhe tirar o ar superior. Seu olhar parecia desvendar mais do que demonstrava e sua voz grave silenciou tudo ao redor, inclusive as batidas do coração de Ellanor:
- A senhorita é como uma tempestade, milady. Basta acompanhar os sinais e se consegue saber o que pode acontecer.
- Ah! - ela deixou de encará-lo em um tom displicente e puramente provocativo. - Como eu presumi, você me seguiu.
Alec, que ainda a olhava, deixou transparecer um breve sorriso divertido. Ellanor, tinha um ar de triunfo exagerado fazendo com que o eorlinga percebesse seu tom de desafio para com ele. Entendeu que ela simplesmente queria provocá-lo, tirá-lo do sério. Então, deu de ombros e apenas respondeu num tom de descaso:
- Bem, isso não elucida o fato de eu saber que irias sair hoje, não é mesmo? A menos que eu a tivesse vigiado 24 horas por dia, se sua suposição for mesmo a correta.
Neste instante, Ellanor tornou-se rubra como se todo o sangue de seu corpo tivesse se concentrado totalmente em seu rosto. Era possível ver que ficara abalada com a sugestão dada pelo capitão. Será que ele estivera mesmo a observando? Uma certa sensação de desconforto a invadiu naquele instante e ela se sentiu bastante indignada. Como aquele homem ousava vigiá-la? Como ousava espioná-la daquela forma? Sentiu um frio inexplicável de medo subir por seu corpo. Novamente estava sozinha com aquele homem, num lugar onde ele poderia facilmente passar a algoz e mesmo tirar-lhe a vida.
- Como soube? - Ela bradou aproximando seu cavalo um pouco do dele. - Exijo saber! Conte-me, como soube que eu iria sair? Eu não contei a ninguém! O senhor, acaso, estava me vigiando?
Alec, que anteriormente se mantinha à distância, apenas parou, ao vê-la se aproximar e a fitou. Ele não parecia alguém disposto a fazer algum mal a ninguém. Seus braços estavam frouxos, apesar de segurar as rédeas, mas não impunha a marcha nem mesmo ao seu animal. Portanto, sem oferecer resistência alguma, ele a encarou:
- Desde o último jantar que participei em sua casa, há dois dias, percebi que estava diferente, senhorita. A senhorita perguntou sobre meu trabalho e minha rotina, de forma que me pareceu suspeito demais. Por que mais a senhorita se interessaria em minha rotina? Depois viriam os preparativos e aqui estamos, como eu disse que eu previ.
Ellanor mais uma vez fez uma careta insatisfeita. Ele era mais esperto do que ela supunha, afinal. Odiava os cuidados exagerados dele, sua insistência em seguí-la. Aquilo não era nada natural. O temia mas, ao mesmo tempo, não queria simplesmente desistir de cavalgar. Preferia morrer nos campos a morrer presa em casa. De qualquer forma, Alec não lhe dera nenhum sinal de hostilidade em momento algum, sendo que ele poderia muito bem ter se aproveitado da outra vez em que ela estivera desmaiada e ele a levara para o abrigo na velha fazenda. Preferiu confiar que nada aconteceria, por mais que fosse idiotamente perigoso.
Porém, necessitava se sentir mais segura, agora. Precisava de uma maneira de se sobrepor a Alec pois, só assim mostraria a ele que não devia mexer com ela. Poderia muito bem transformar aquele passeio numa disputa. Mostrar a Alec que ela era superior a ele quando se tratava de montar a cavalo. Já tivera uma prova do quão bom ele era em cima de um cavalo, mas ela mesma só fora pega daquela vez porque fora encurralada e temeu se aventurar dentro de Fangorn. Não fosse isso, teria fugido facilmente do eorlinga...Precisava vencê-lo, desta vez pois, posto que, uma donzela montar melhor que um rohirrim seria motivo de vergonha para qualquer soldado de Rohan.
Então ela o olhou com um certo brilho no olhar. Sabia que podia ganhar dele, pois estava sem armadura e, mesmo que ele também, ela ainda era muito mais leve que ele e, portanto, mais ágil também.
- Bem, não vou conseguir mesmo me livrar de você, portanto, não perderei mais tempo. Vim até aqui para cavalgar e, por isso, te desafio a uma corrida.- o tom de voz da moça era desafiador. Ela parecia levar a sério o desafio - O primeiro a chegar à Orla de Fangorn, onde você me pegou da outra vez, é o grande vencedor.
Alec a olhou como quem tentasse adivinhar o que ela tramava. Sabia que ela poderia apenas estar tentando fugir, e ela possuía a vantagem de ser mais leve que ele, portanto, sua montaria se cansaria menos. Ele já a vira montando e sabia que ela realmente poderia vencer. No entanto, ele ainda contava com a experiência de anos servindo a Rohan. Era considerado um dos melhores cavaleiros e sempre vencia as corridas das quais participava. Quanto à vantagem que Ellanor obtinha, bastava que ele fosse ponderado e poupasse o cavalo até o último momento, quando imaginava que ela se desviaria do caminho para fugir dele. Neste momento, o cavalo dela já estaria cansado da corrida e o dele, poupado anteriormente, poderia se igualar e não deixá-la fugir. Sabia que ela temia Fangorn tanto quanto qualquer outro e, caso quisesse fugir, apenas teria de se desviar da floresta e seguir para o leste, onde ganharia vantagem outra vez.
Caso estivesse errado e ela realmente só quisesse se divertir com uma corrida de cavalos, seria difícil para ele conseguir recuperar a corrida e vencer. Mas não seria um problema para ele perder para Ellanor. Talvez fosse até melhor que ela se sobressaísse daquela vez e parasse de vê-lo como a um inimigo. Sua prioridade era não perdê-la de vista. Assim que aceitou o desafio, sem deixá-la notar que ele não pretendia vencer. Combinaram a rota para Fangorn e o ponto de chegada, além dos termos para que não houvessem trapaças e, finalmente Ellanor deu o sinal de partida.
A princípio, como já era esperado por ambos, logo a jovem filha de sor Grant tomou a dianteira. Alec já conhecia as habilidades dela com a montaria. Era, sem dúvidas, exímia amazona. Muito superior a muitos dos cavaleiros com quem Alec convivia. Parecia mesmo ter nascido para aquilo, de forma que o eorlinga teve que se esforçar realmente para se manter numa distância satisfatória dela. Era difícil pois seu tamanho e peso atrapalhavam um pouco seu cavalo a manter o ritmo que Ellanor impunha, mas aos poucos, ele conseguiu se manter no encalço da moça, de forma que ela não notou que ele não intencionava passá-la.
Foi então que a ideia surgiu em sua mente. Todos temiam Fangorn. Ninguém sabia o que realmente existia dentro daquela floresta. Mas Ellanor estava imensamente insatisfeita com a presença de Alec e faria qualquer coisa para se livrar dele. A corrida viria bem a calhar caso ela realmente tentasse uma fuga. Porém, mais do que isso talvez pudesse envergonhar o orgulhoso cavaleiro nesta mesma jogada. Ele não se atreveria a entrar na floresta somente para pegá-la. Ela teria que enfrentar o medo e, no mais, não precisava se aprofundar muito. Poderia andar nas bordas e se esquivar da perseguição dele.
Aos poucos, conforme se aproximavam, Fangorn crescia ainda mais no horizonte, extremamente ameaçadora e misteriosa na escuridão da noite. Conforme se aproximavam, ambos sentiam seus corações pesarem como que sufocados pela escuridão que parecia envolver a floresta e a jovem ponderou se deveria mesmo fazer aquilo. No entanto, estava decidida e sem pensar muito, passou do ponto combinado e adentrou a floresta.
Pouco atrás, Alec percebeu as intenções da garota antes mesmo que ela passasse do ponto de chegada. Porém, achou que ela desistiria no último momento, de forma que, quando a viu passar direto e entrar na floresta, o eorlinga praguejou alto e mudou a postura no cavalo fazendo-o ganhar velocidade para que ela não se afastasse tanto. Depois, sem hesitar, entrou também na floresta atrás da impetuosa Ellanor.