Relicário

By nanzcampos

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VENCEDOR DO THE WATTYS 2017, NA CATEGORIA "ORIGINAIS" Dafne era uma Vale e, como tal, devia se esforçar para... More

SINOPSE
Notas da Autora
UM
DOIS
TRÊS
QUATRO
CINCO
SEIS
SETE
OITO
NOVE
DEZ
ONZE
DOZE
TREZE
CATORZE
QUINZE
DEZESSEIS
DEZESSETE
DEZOITO
BÔNUS
ATENÇÃO PARA O COMUNICADO
DEZENOVE
VINTE
VINTE E UM
VINTE E DOIS
VINTE E TRÊS
VINTE E QUATRO
VINTE E CINCO
VINTE E SEIS
VINTE E SETE
VINTE E OITO
VINTE E NOVE
TRINTA
TRINTA E DOIS
TRINTA E TRÊS
TRINTA E QUATRO
TRINTA E CINCO
TRINTA E SEIS
TRINTA E SETE
TRINTA E OITO
TRINTA E NOVE
QUARENTA
EPÍLOGO

TRINTA E UM

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By nanzcampos


Amarelo e azul geram uma cor nova, bem próxima de amarelo-esverdeado. É isso que vejo, é isso que sinto, é isso que me preenche inteira enquanto os lábios da Garota Azul se movimentam contra os meus, num movimento suave, como um bater de asas de uma borboleta no final de uma tarde quente, em meio as flores.

Não estamos num fim da tarde.

Não estamos ao ar livre.

Pelo contrário, é meio de madrugada e estamos dentro do apartamento de meu irmão, onde ele e minha cunhada dormem três portas de distância daqui. O perigo é iminente e a adrenalina deixa tudo mais intenso, em neon. Mas ainda é amarelo-esverdeado. Sempre será amarelo-esverdeado entre nós.

— Dafne – ela sussurra, numa voz que nunca a vi usar antes. Eu abro os olhos. A essa distância, a essa meia-luz, seus olhos são quase no tom celeste. É intenso. É misterioso. É convidativo. – Você precisa relaxar.

— Isso é algo que eu nunca consegui fazer – confesso.

Emily sorri – claro que ela sorri.

A mão dela encontra a minha, sobre minha coxa. Ainda está gelada, enquanto eu pareço estar em ebulição. Emily não comenta sobre isso. Sinto seu carinho nos meus dedos, delicados como nunca vi essa garota ser. Os dedos dela sobem pelo meu braço, fazendo curvas até alcançar meu cotovelo. E, então, desce ainda mais lentamente, até chegar ao pulso.

É estranho.

Não, não é estranho. É o fato de que devia ser estranho, mas não é, que é estranho. É para ser errado. É para eu me sentir suja. É para eu ter entrado em desespero ou ter nojo. É o contrário do que todo mundo me ensinou sobre relacionamento. É o oposto do que minha família me fez acreditar que é perfeito.

É bom.

Devia estar apavorada, mas não estou. O que corre no meu corpo é bem diferente de medo ou asco. É alguma coisa que não tem cor, não tem forma, não tem nome. É libertação. É o novo que se abre e, por enquanto, não assusta. É convidativo e instigante e eu quero mais.

Eu quero muito mais disso tudo que me envolve.

Dessa vez, são meus lábios que encontram os de Emily. Dessa vez, não há cor alguma. É escuro onde estamos, é silencioso, é aconchegante. Eu movo minha boca sem saber se é como deve ser feito, mas não me importo. Quero sentir. Quero provar. Quero sugar tudo o que encontrei aqui, porque não achei em nenhum outro lugar.

Emily não reclama ou questiona. A maciez dela sede, aos poucos, a uma dose quase de desespero e agilidade, enquanto o beijo se prolonga. Sua língua é áspera e, por um instante, sinto cócegas. Quase rio. Mas a graça morre quando meus olhos encontram os olhos azuis dela, outra vez.

Sua boca está vermelha agora, tentadora como a última maçã do Éden. Quero senti-la uma vez. Quero beber todo o veneno. Quero me intoxicar disso, porque isso me faz me sentir bem. Me faz me sentir viva. Como só havia sentido numa quadra de voleibol.

Então, estamos quase grudadas. Posso sentir seu corpo contra o meu, os ossos finos, a largura estreita de Emily contra minha própria altura, meus músculos duros e rígidos conseguidos com horas exaustivas de treino. Há toques e mais beijos e mais toques e beijos, então é um suspiro. Meu, eu acho. Dela, talvez. É intenso e volta a ser colorido, mas não há uma cor específica – é como se todas as cores do mundo tenham se juntado, mas sem se misturar. A mistura dos pigmentos seria branco. Branco é pureza. Branco é tudo o que não podemos ser.

Alguém tosse, me fazendo dar um pulo do sofá. E, no segundo seguinte, a luz é acesa.

Eu fecho os olhos, me encolhendo com a claridade invadindo meu espaço pecador. A leveza de um segundo atrás pesa meu estômago e sinto nojo pela primeira vez. Nojo de mim, não da situação. Todas as vozes ouvidas durante minha vida voltam com força na minha cabeça, tão nítidas que quase grito para me deixarem em paz.

É os olhos verdes a minha frente que não me deixa surtar.

Abro a boca para falar alguma coisa, qualquer coisa, mas as palavras não chegam. Engulo em seco. Emily também fica em silêncio.

— Você não tem aula amanhã? – Pedro pergunta.

Não há nenhum indício do que ele pensa ou sente com o que viu. Não há nada na expressão dele. É sua voz normal, como sempre fala comigo, na mesma entoação. Engulo em seco, porque, de algum jeito, é isso que mostra que a situação é estranha e diferente. Deveria ter alguma coisa ali. Deveria ter, ao menos, a pergunta silenciosa de "o que vocês estão fazendo?". Mas Pedro, que nasceu questionando todas as verdades e opiniões, não pergunta.

De certo modo, isso é pior do que qualquer reação que ele pudesse ter.

— Tenho.

Ele assente e se afasta.

Olho para Emily, mas ela dá de ombros e levanta as mãos. Não consigo me mover. É ridículo não conseguir me mover, mas meus pés não obedecem a meu comando. Continuo parada olhando as costas do meu irmão, enquanto ele se afasta até a cozinha, abre a geladeira, pega a garrafa de água.

Pedro raramente acorda na madrugada. Pedro nunca bebe água gelada.

Quero falar, mas não tenho palavras. Não há nada em mim além de prisão. O momento de liberdade se foi. Sinto por ele, sinto pelas sensações que perdi. Sinto por tudo. Sinto tanto.

Preciso parar de sentir.

— Eu não vou falar uma segunda vez, Dafne. – Ele passa pela sala de novo, sem parar dessa vez. – Amanhã será um dia longo e você precisa estar bem, porque depois da escola vamos conversar com nosso pai e com Olavo.

O peso no estômago aumenta. Por causa da imagem que a fala de Pedro evoca na minha mente: meu pai. Se ele souber disso, se ele souber de tudo que aconteceu, de tudo que eu sou, nunca vou ser perdoada. Se ele me vir como meu irmão me viu...

Preciso saber se Pedro ainda me ama, se ainda é capaz de me amar.

Mas não consigo falar nada.

Minha garganta está fechada e quase não respiro. Pedro não diz mais nada. Pedro também não espera que eu saia da sala, para ele voltar ao quarto. Ele nunca faria isso. Ele estava sendo o Pedro que sempre foi. O Pedro que eu amo. Sou eu que estou diferente e não consigo compreender sua reação.

O pavor chegou.

A liberdade assusta e não me deixa me mover.

Eu não consigo respirar.

A mão gelada de Emily, no meu pescoço, me tira do transe. Dou um pulo, sem sair do lugar, e ela se afasta arregalando os olhos para mim.

— Desculpe – murmuro e não sei pelo que estou pedindo desculpas. Não cabia desculpas no momento que a gente teve e isso me faz dizer "desculpa" de novo.

Emily balança a cabeça e revira os olhos, mas quase sorri. Antes que ela diga alguma coisa, e estou certa de que ela diria muitas coisas, corro para o meu quarto sem olhar para trás, sem parar até bater a porta às minhas costas.

O abajur ilumina as paredes com formas ainda mais bizarras, depois de tudo. Meu corpo cai sobre a cama e eu me encolho, o enjoo aumentando tanto que só me resta fechar os olhos com força, muita força, para apagar tudo o que minha mente sintoniza ao mesmo tempo. Há vozes, acusações, risadas. Há as regras da minha casa. As piadas de Paulo sobre homossexuais. O nojo com que todos eles tratam o que não é igual. Há minha própria opinião sobre o assunto, que não é muito melhor do que aquilo que me invade.

Não parece certo.

Não parece certo eu achar certo, mesmo tendo sido ensinada a achar errado.

Estou sufocada e quero gritar, um paradoxo e tanto para suportar. Eu sou um paradoxo. Eu não gosto de ser um paradoxo. Quero ser igual à maioria, quero ser igual ao que minha família espera de mim. Sei que eles podem ser rígidos e preconceituosos, mas não quero ser isso. Não quero ser lésbica. Não quero ser mais diferente do que sempre achei que era.

Não queria ter descoberto que sou.

Tenho vontade de chorar, mas não choro. Aperto os olhos com força, tentando fazer tudo sumir na minha mente. Tentando abraçar a escuridão, calma e pecadora para me proteger de tudo o que sinto e não sei sentir.

Mas o preto não penetra minha bolha, por mais que me esforce para isso.

Tudo o que me cerca é amarelo-esverdeado.

Sempre será amarelo-esverdeado depois de hoje.

Então, finalmente, começo a chorar.

ESPERO TANTO PRA ESCREVER ESSE CAPÍTULO, nem acredito que ele chegou <3

A descoberta da sexualidade raramente é feita sem grandes conflitos, principalmente para quem não está dentro dos padrões heteronormativos. É cruel, opressor e destruidor, em alguns pontos, tão libertador quanto aprisionante em alguns casos. Dafne está vivendo isso na pele. Mas confesso que tenho sentido dor como se fosse eu hahah

O que vocês acharam? Do beijo, de Emily, de Daf, de Pedro, enfim, de tudo?

POR FAVOR, QUERO COMENTÁRIOS

felicis e espero que tenham curtido o carnaval com responsabilidade - eu tava só atrás do bloquinho unidos da netflix, e vocês?

Beijos cafeinados.

ps: Hoje, 14 de fevereiro, dia de São Valentim, é aniversário de Emily - a ironia pronta de alguém tão não romântica nascendo no dia mais romântico do mundo. Achei que gostariam de saber tsc.

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