TRINTA E SETE

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Eu ligo para a primeira pessoa que aparece na minha mente.

Pela primeira vez na minha vida, não é meu irmão.

— Você o quê? – A voz de Rafael beira ao histérico assim que me escuta e, logo depois, solta tantos palavrões por segundo que me pergunto se ele tem apenas uma boca. Nem Vênus conseguiria uma verborragia dessas. – Você já ligou para Daniel?

— Não – digo, andando de um lado para outro no corredor. Ninguém se aproxima de mim. Eu acho que ninguém se mexe. Todo mundo parece em stand-by esperando a ambulância enquanto o garoto não acorda.

O garoto não acorda, penso, e me encolho automaticamente. Não sei por que não choro. Acho que tenho chorado demais e talvez, por isso, as lágrimas me faltem agora. Tenho que me controlar para não rir. Se eu rir agora...

Suspiro fechando os olhos, e meu primo suspira do outro lado.

— Você quer que eu ligue? – pergunta, um minuto de silêncio depois.

— Não desliga.

— Não. Você não está sozinha.

Arfo porque, por mais que adore Rafael, esse é o tipo de frase que não espero dele. Não sei se fico aliviada pelo apoio ou se fico preocupada por ele se preocupar. Talvez as duas coisas. Ando mais rápido até o fim do corredor, girando nos pés e andando ainda mais rápido na volta. Tudo é um borrão branco na minha visão periférica. Eu só vejo o laranja do meu all-star.

É nele que foco minha atenção, para não precisar lidar com os olhares das outras pessoas.

Meus pais vão me matar.

Não tem nem duas semanas desde que parei na delegacia – e tudo bem, não havia sido minha culpa. Eu estava no lugar errado na hora errada. Muito diferente do que aconteceu minutos atrás.

A cena volta e volta e volta, cada vez mais lenta, na minha cabeça. E eu me xingo enquanto escuto a voz de Rafael do outro lado, dois tons abaixo, repassando as informações para Daniel. Eu não consigo compreender o que ele diz, mas não é necessária muita inteligência para saber que está apreensivo.

— Ok – a voz dele soa mais clara. – Daniel está indo para o Hospital. Você quer que eu ligue para seu irmão?

Não sei como ele sabe que não liguei, mas não sei por que me espanto – os dois são melhores amigos, Rafael é o mais perceptivo do grupo de Pedro. É claro que sabe.

Pela primeira vez nos últimos trinta minutos, sinto um calorzinho subir pelo meu corpo gelado.

— Você quer que eu continue na linha?

— Por favor.

Rafael não responde, mas escuto a discagem dos números.

É quarta-feira, então Pedro está dando aula. Por isso, não me assusta que ele disque mais de uma vez. Meu irmão só atenderia se pensasse que era emergência, e para isso é necessário ligar várias vezes.

Vejo Lavínia e Fernando aparecer no fim do corredor e travo no meio do caminho. Fernando não pode ver a cena dentro da sala agora. Mas não tenho coragem de ir até onde eles estão.

— Mas o que... – Lavínia arregala os olhos vendo todo mundo, então me olha. – Deus do céu, Dafne, o que você fez?

Dou de ombros, porque o que eu poderia responder?

Soquei o rosto de um garoto.

Mas o garoto é tão imbecil que perdeu o equilíbrio e resolveu cair com a nuca na beirada da carteira? E por isso está desacordado há... trinta minutos? Que estamos todos esperando uma ambulância que nunca chega, mesmo que o Eliodora esteja há quinze minutos do Hospital?

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