VERSUS

By abrunacruz

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Jessica Corinne nunca soube lidar bem com suas emoções. Por isso, quando ela e seu melhor amigo decidiram ter... More

PRÓLOGO
α͵
β͵
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δ͵
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Let's be bad together (Especial de Ano Novo)
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Epílogo
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By abrunacruz


Jessica's POV

— Parabéns, Thomas! Você acabou de destruir o pequeno passo que demos.

Ele deu alguns passos para trás. O arrependimento por ter tido a ideia estúpida de descer até ali era claro em sua expressão, mas eu não vacilei. Por mais perdido e desolado que seu olhar se mostrasse, eu me recusava a aceitar que aquilo estava acontecendo de novo, e dessa vez ainda mais sem motivo, coisa que eu nem achava ser possível.

Eu não era sua namorada, não devia explicações sobre o que eu fazia ou deixava de fazer, especialmente quando ele estava por aí fazendo a mesma coisa. Eu não era sua propriedade para guardar e manter todo o resto do mundo – ou, no mínimo, aquela parte do sexo masculino – afastado. Nunca fui.

Eu sempre soube que aquele papo de "eu mudei" era conversa furada, mas, pela primeira vez, eu fiquei decepcionada por ver aquilo se confirmar em frente aos meus olhos. Nesse rápido segundo, eu percebi que uma pequena parte de mim gostaria que pelo menos esse pedacinho fosse verdade. Descobrir que não era doeu mais do que eu gostaria. Ser parte de uma cena daquelas mais uma vez doeu mais do que eu gostaria. Todas as lembranças ruins voltarem mais fortes do que nunca doeu mais do que eu gostaria. Porém nada superava o desapontamento comigo mesma de ainda ser afetada por coisas que ele fazia.

Não pude deixar de pensar que o efeito talvez não viesse com tanta força se eu não tivesse abaixado tanto a minha guarda nas últimas semanas. Eu me permiti deixar de provoca-lo a cada segundo, deixar de tentar machucá-lo com as minhas palavras, ter rapidamente interrompidas, mas ainda assim pequenas conversas com ele. Deus, eu me permiti flertar! Não porque eu tinha a intenção de fazer algo a mais do que isso, eu só adorava ver a cara abobalhada dele quando o fazia. Era um jogo perigoso, pois Thomas não tem nada de repulsivo em sua aparência e, se eu não fosse tão orgulhosa, correria o risco de deixar o meu corpo falar mais alto. Ainda assim, era divertido. Até ele estragar tudo. Porque é isso que Thomas Evans e Jessica Corinne fazem: fodem com tudo e todos no mais leve vacilo.

Deviam nos dar um prêmio ou algo do tipo.

Porque o meu dia não estava ruim o suficiente (alô, lavadora de carros, coisa criticada por mim mesma no meu primeiro dia nesse campus), avistei Ryan se aproximando alguns metros à frente. Espera que fica pior... Ele vinha com o Nick a tiracolo, cara que eu rejeitei há pouco tempo e parcialmente culpado pelo ataque do Thomas. Eu o daria 10% porque a culpa ainda era quase que totalmente do sem noção que agora me encarava com cara de cachorro com fome.

— Thomas, eu preciso de você lá em cima. Agora! – o nervosinho de sempre disse quando chegou perto o suficiente.

Se você está pensando que ele iria resistir, jogar motivos para ficar ali estendendo o meu sofrimento ou apenas ignorar Ryan e qualquer coisa que saia da boca dele, você se enganou. Muito ciente da merda que havia acabado de fazer, ele apenas olhou rapidamente para cada um de nós e forçou um sorriso que mais parecia lhe causar dor.

— Ok. – falou simplesmente e saiu andando, tão rápido quando havia chegado até ali.

— Viu como foi fácil, Nick?

O meu ex-peguete assentiu e sorriu educadamente para mim antes de seguir o amigo. Que na verdade não era tão seu amigo assim. Ryan ficou para trás por mais alguns segundos.

— Você! – começou enfiando aquele dedo intrometido na minha cara. – Para de mexer com a cabeça dos meus competidores!

— Cai fora, Ryan! – Julie disse, saindo de algum lugar atrás de mim. Sem muito mais o que dizer, ele obedeceu. – O que foi isso? – perguntou, tomando o lugar dele a minha frente.

— E eu sei? O Thomas tem algum tipo de problema naquela cabecinha dele. – respondi, engolindo em seco.

— Tá tudo bem?

Dei de ombros.

— Vai ficar. Isso só me trouxe... Lembranças, sei lá. Culpa minha por começar a acreditar que ele realmente havia deixado esse lado para trás. – disse e ela assentiu, concordando, apesar de eu ter certeza que lá no fundo ela queria defender o amigo.

— Você quer ir trabalhar em outra coisa? Posso te colocar na lanchonete.

Ri, negando prontamente.

— Eu quero manter a maior distância possível da Mina e seus brownies especiais. Já tenho confusão demais para o meu lado! Além do mais, eu prometi que ficaria pelo menos algumas horas aqui, certo? Então vou ficar.

E lá fui eu tentar, pela terceira vez, fazer a simples a ação que era encher um balde de água. Julie não teimou comigo. Ela estava sendo consideravelmente mais fácil de lidar ultimamente. Comigo, pelo menos. Culpa por causa do que me escondeu? Talvez. Eu que não iria reclamar.

— Tudo bem, qualquer coisa me chama.

Eu odiava estar ali na lavagem de carros. Não importava o quanto me dissessem que não era algo sexy nem nada do tipo, eu ainda tinha plena consciência de que esse não era o pensamento de todas aquelas pessoas, especialmente caras, que passavam na esperança de ver alguma camiseta branca molhada. Mas Nikki havia me colocado ali, então eu lavaria o meu máximo de carros e conseguiria muito dinheiro pelo bem da minha irmandade. E pela queda da Lambda.

Falando nela, os rapazes decidiram nos copiar e fazer uma também. Não que aquilo fosse uma exclusividade da Kappa Kappa Gamma, só que eles não faziam algo assim há anos. Talvez nunca. Provavelmente na correria da preparação às pressas, eles ficaram sem opções e optaram por roubar o nosso ato clássico. Foi injusto, mas esperto, mesmo que todo o dinheiro viesse em uma quantidade absurda de moedas. Aquela era uma rua movimentada, não só por causa das pessoas que passavam ali diariamente, mas também pelas que decidiam cortar caminho por dentro do campus. Isso sem falar nos espertinhos que já sabiam as datas de tudo que acontecia naquela universidade. No final, era um dos dias mais lucrativos da semana, perdendo apenas para o último.

Os três últimos dias da semana da inclusão eram abertos para todo e qualquer público. E quando eu digo todos, eu digo todos: muitos pais apareciam por aqui nesses dias. Eu mesma estava esperando os meus a qualquer momento. O público principal ainda eram os universitários porque, sejamos sinceros, não tem nada melhor que um cardápio inteiro de coisas divertidas, gostosas e interessantes para fazer depois de um dia de aula. Contudo, toda a divulgação feita semanas antes nas redes sociais traziam também pessoas de fora, ex-estudantes, membros daquelas instituições gregas que já haviam se formado, próprios funcionários dali etc. Esse era um dos motivos pelo qual devíamos ter deixado de vender certas coisas a partir dali, mas o número final dos nossos ganhos no dia anterior fora tão grande que Nikki deu a permissão que a Mina precisava para continuar os seus negócios, desde que triplicasse o cuidado. Nós já sabíamos que os rapazes venderiam drinks que realmente vinham com álcool e aquilo era bem mais arriscado. Tínhamos uma receita para o desastre, ao ponto de não desejarmos que eles fossem pegos pois isso poderia significar algum tipo de inspeção no nosso lado também e aí, sim, a coisa ficaria feia.

Depois de quase uma tarde inteira lavando o carro dos outros, ouvindo cantadas que ficaram cada vez mais vergonhosas, mostrando o dedo do meio para algumas pessoas, xingando alguns clientes, Nikki fez um convite para que eu me retirasse daquele lugar. A lanchonete era o único lugar precisando de gente, então fui obrigada a ir para lá. Cheguei a tempo da visita da coordenadora, que não perdeu a oportunidade de experimentar praticamente tudo do que tínhamos disponível. Mina, como a perfeita mentirosa que era, passou pelo teste sem maiores problemas.

No final da tarde, nós fomos direto para casa para ter uma reunião e, de quebra, evitar os rapazes e qualquer problema que eles pudessem nos trazer. Como de costume, todas nos sentamos ao redor da sala de estar, atentas para o que quer que fosse que a Nikki tinha a dizer. Aqueles pequenos encontros geralmente funcionavam apenas para que discutíssemos pequenas coisas, aperfeiçoamentos e coisas do tipo. Por exemplo: se no dia seguinte houvesse mais uma lavagem de carros, ficaria definido ali que eu não participaria mais. Nada de decisões grande pois essas já estavam tomadas. Ou pelo menos era o que pensávamos. Por isso, todas ficaram surpresas com o que a nossa líder tinha a dizer.

— Nós precisamos bolar algo novo para amanhã. Algo espetacular!

O choque foi unânime. Era certo que amanhã nós teríamos vários foodtrucks, o que já chamava pessoas, além da volta de algumas Kappas formadas que vieram dar palestras sobre seus trabalhos e experiências no primeiro e segundo dia. Uma delas estava trabalhando no desenvolvimento do protótipo de um robô com sua equipe e o traria para exibição! Era incrível! Nós estávamos dispostas a conquistar aquela vitória pelos estômagos e pelo cérebro. No entanto, aquilo não parecia mais ser o suficiente.

— O que você quer dizer? – alguém que eu não via perguntou.

— Exatamente o que eu disse! Eu sei que nós temos tudo pronto e tudo mais, só que eu tenho essa sensação muito grande de que os rapazes têm algo a mais preparado para amanhã. Nós precisamos nos garantir porque eu posso não ter entrado nisso por boa vontade, mas se viemos até aqui, é para vencer!

Um pouco afetadas pela intensidade do seu tom de voz ao dizer aquelas palavras, todas nos calamos por algum tempo. Eu tentei pensar em algo que já não tivéssemos trazido ou que os rapazes não tivessem trazido e nada me vinha a mente. Não parecia haver atração – possível na última hora – no mundo que ainda não tivesse sido usada.

— Mas... Você quer o que? Sei lá, um artista? Como eles trouxeram a contorcionista no primeiro dia? Ela fez sucesso. – Mina disse.

— Qualquer coisa boa o suficiente que consigam pensar. Qualquer coisa!

Eu conseguia entender a vontade gigantesca da Nikki de melhorar ainda mais a nossa semana da inclusão. Ryan ficava no pé dela o tempo todo, para se vangloriar ou apenas para encher o saco, como se ele não tivesse nada o que fazer a tarde inteira. Eu havia decidido entrar em uma irmandade por muito menos do que aquilo.

— Que tal um malabarista?! – Mina sugeriu. – Malabarismo com pinos, espadas, bolinhas, arcos e...

— Já sei! – Ashley a interrompeu. – Que tal um cinema ao ar livre?

Todas ficamos maravilhadas com a ideia imediatamente, esquecendo do que a Mina falava. Ela bufou, nada feliz com aquilo, especialmente com quem havia tirado a atenção da sua ideia. Eu concordava que a Ashley podia ter esperado para falar, poderia ter usado um pouco daquela tão famosa educação, mas também concordava que sua sugestão era boa demais para ser ignorada.

— Como nós faríamos isso? – Nikki perguntou a questão que estava na cabeça de todas nós.

— Bom, eu tenho um amigo que trabalha com isso e ele meio que me deve um favor por ter divulgado um desses no meu canal há um tempo. Eu posso pedir a ajuda dele e, com sorte, talvez seja possível organizar tudo em tão pouco tempo.

— Mas não vai ser de dia, vai? – April perguntou.

— Não, amanhã nós vamos até de noite! E sabe o que é melhor? Nós podemos aceitar o pagamento para participação em dinheiro ou alimentos para doação. Eu converso com a Alice, vejo se dá para converter o valor deles depois.

— Genial! Eu vou ir agora mesmo fazer o design dos panfletos para a gente divulgar amanhã durante a tarde! Se eu terminar a tempo, consigo mandar imprimir ainda hoje para pegar no horário do almoço. – Julie dizia, já de pé e a um passo de correr escadas acima, esperando apenas pela resposta da Nikki.

— Perfeito, Julie! Obrigada! Enquanto isso a Ashley vai ligando para o amigo dela e eu vou atrás de uma boa localização, assim temos certeza que é possível e não gastamos dinheiro com impressão à toa.

Em não mais que dez segundos, as três haviam desaparecido, nos deixando sozinhas na sala. Como não podíamos nem queríamos ficar ali paradas, de braços cruzados, sem fazer nada, começamos a discutir outras coisas, como: o que vender de comida. Ficamos com nachos, pipoca, cachorro quente e as usuais bebidas, tudo fácil e rápido. Usaríamos a lanchonete 360°, pois não compensava montar outra estrutura para aquilo. Além do mais, aquele seria o último dia de uso dela, então o trabalho para desmontar e montar novamente no lugar do cinema (que provavelmente seria afastado de onde estávamos) não se tornaria um problema tão grande.

Também definimos alguns horários e pontos de divulgação dos panfletos para que pegássemos não só o público que já estaria lá como também aquele passando por perto. A cereja do bolo foi decidir convidar todos os rapazes gratuitamente, só para observá-los assistir a nossa vitória. Não podíamos cobrar porque eles não eram tão estúpidos a ponto de contribuírem para o nosso caixa diretamente. E depois da pequena visita que fizemos a eles no dia da feira de adoção, Ryan com certeza não resistiria e nos daria o desprazer da sua presença.

Não muito tempo depois, Nikki e Ashley voltaram com os oks que precisávamos. Já Julie ficou enfiada com a cara no seu notebook pelas próximas duas horas e ai de quem a interrompesse em seu processo de criação.

Mais tarde, com a encomenda dos panfletos feiras, não nos restava muito o que fazer naquele dia, então acabamos indo para a cama cedo a fim de descansar muito para amanhã. Cansada como eu estava, o sono chegou facilmente, mas como nada na minha vida é fácil assim, uma DR me impedia de mergulhar nele.

— Não foi de propósito. – Julie se defendeu falando baixinho.

ALÔ! Estávamos no mesmo quarto. A única maneira de eu não ouvir seria com mímica. Eu cheguei a sugerir a ideia, no entanto, elas não ficaram muito felizes.

Por mais que gostasse de todo o negócio do cinema ao ar livre, Mina ainda estava sentida pela Julie ter se apressado tanto para abraçar a atração. Ela podia lidar com o resto da casa deixando sua ideia de lado tão facilmente. Com a sua namorada, não.

— Você podia pelo menos não ter corrido para fazer o design tão rápido.

— Eu não pensei! Você sabe como eu me animo com essas coisas. Não quis te deixar mal.

— Mas deixou.

Se eu não tivesse com tanto sono, acharia engraçado a Mina ser tão relaxada com tudo, menos com coisas que envolviam sua ex-namorada. Não que eu tivesse muita moral nesse departamento.

— Ah, Mina! – Julie resmungou, revirando em sua cama.

Agora que eu e a April sabíamos de tudo, elas dormiam uma na cama da outra de vez em quando. Porém hoje o casal estava separadíssimo.

— Agora a Ashley deve estar lá, zombando sobre o que aconteceu mais cedo com as amiguinhas dela.

— Agora a Ashley deve estar dormindo, como o resto da casa também está e como eu queria estar. – me intrometi, falando abafado por estar com o rosto jogado contra o travesseiro. – Aliás, desde quando você se importa?

— Eu não me importo. – Mina respondeu. – Só é um bom argumento para ser usado.

— Vocês têm o dia inteiro para discutir isso amanhã. Vamos dormir! – implorei.

— Para de drama, Jess. A April tá dormindo, você também consegue. – Julie disse e eu senti o impulso de mostrar a língua para ela, se não fosse o escuro e a voz que soou acima de mim.

— Na verdade, eu não estou. É que eu sou quieta, diferente da Jess. – April falou baixinho, como de costume.

— Eu senti uma amargura nesse tom, April Spring?

— Sim. Fica quieta porque até você se intrometer elas eram duas, agora somos quatro.

Abri a boca, em choque com a audácia do pequeno ser humano. E então sorri.

— Nós estaríamos começando outra DR agora mesmo se eu não estivesse tão orgulhosa do tamanho dessa atitude.

Isso não fez com que a Mina e a Julie desistissem de teimar uma com a outra. Eu sabia que havia durado ainda mais que trinta minutos, mas nesse ponto meu cérebro já estava muito cansado com a repetição infernal e decidiu finalmente dormir um pouquinho.


Aquela quinta-feira foi tão, tão, tão cansativa que em alguns momentos eu considerei simplesmente jogar a toalha e parar por ali mesmo. Se meu orgulho não fosse tão gigantesco e a diversão não valesse tanto a pena no final do dia, há grandes chances de que eu o teria feito.

Nikki acabou estando certa: a Lambda realmente preparou algo incrível para aquele dia. Eles não só expandiram o Lambda Chinder como também investiram em um playground! Montaram uma área ainda mais cheia de jogos, desde pac man até ping pong. Isso sem falar na cabine de fotos que era um assalto de cara e mesmo assim havia uma fila gigantesca de pessoas esperando pela sua vez. Eles não estavam exagerando quando disseram que iriam investir na diversão... Eu duvidava que existisse um jogo no mundo não contemplado por aqueles rapazes.

Eu e mais algumas garotas fomos fracas e passamos uns bons minutos encarando toda a estrutura, tentando conter o impulso de ir lá jogar só em uma ou duas máquinas. Mas sabíamos que se Nikki nos pegasse, voltaríamos para o nosso lado puxadas pelas orelhas, então não arriscamos e cada uma foi para a sua função do dia.

Me colocaram como responsável por controlar o fluxo na demonstração da mulher que trabalha com robótica. Seu nome era Catherine Sullivan e ela fez bastante sucesso, o responsável sendo o estranho pedaço de lata que ela trouxe. Feio, porém bem incrível. Apesar dela falar um pouco sobre si mesma e sua carreira, era óbvio no que as pessoas realmente se interessavam. Tudo acontecia em uma tenda fechada para que o barulho do lado de fora não atrapalhasse e cada sessão durava cerca de 20 minutos. Eu cuidava disso e controlava a entrada e saída de todos, o que significava passar a tarde ouvindo praticamente as mesmas coisas algumas dezenas de vezes. No final do dia, eu sabia até o horário em que ela havia nascido.

O dia até foi interessante, mas todas ansiávamos mesmo pela noite. Começaria às 21hrs e o filme escolhido para exibição foi Ghost. Particularmente, eu escolheria outro, mas foi esse que a votação elegeu, então fiquei quieta. Eu cheguei uma hora antes para ajudar nos últimos detalhes e acabei perdendo meu tempo, pois tudo já estava praticamente pronto. Nós não tínhamos uma tela gigantesca e moderna porque tudo foi feito em cima da hora, mas tínhamos uma grande parede branca e uma espécie de tecido trazido pelo amigo da Ashley, que teoricamente melhoraria a imagem. Também não tínhamos cadeiras, mas essa parte foi de propósito. Convidamos as pessoas a trazerem panos, cobertores ou edredons onde pudessem deitar e ficar mais confortáveis do que numa cadeira de plástico que pode ceder facilmente na grama do terreno.

Logo as pessoas começaram a chegar e ficou claro que usar um lugar com espaço de sobra foi uma ótima ideia, pois elas se acomodavam aos montes. Pouco antes do filme começar, os rapazes também deram as caras. Alguns pareciam realmente animados com a ideia do cinema ao ar livre enquanto outros tinham o bico lá no chão. Não preciso dizer que o Ryan fez um escândalo mais cedo quando ficou sabendo, preciso?

— Isso é contra as regras, Nichole! As atrações acabam às 19, no máximo 20hrs, e tem sido assim por anos! Você não pode chegar com as suas ideias novas e mudar todo um sistema! – ele tagarelou.

Acabou que conseguiu o que queria, se o que ele queria era arrastar a Nikki para o escritório da Alice, que já não aguentava mais a nossa presença, e confirmar que nós tínhamos toda a autorização necessária para fazer aquilo.

Eu não vi Thomas imediatamente e agradeci por isso. Ainda estava surpresa e um pouco chateada pela cena do dia anterior. Só um pouco porque eu me recusava a deixar atitudes como aquelas voltarem a infernizar a minha vida. No entanto, eu sabia que aquilo não duraria para sempre. Ele só precisava de um tempo para se preparar e vir me encher o saco. Nem um pouco a fim de ouvir, eu o daria o tempo que ele quisesse.

Como previsto, o lugar lotou ao ponto de algumas de nós termos que trabalhar como guias, encontrando lugares vazios para os que não saíram de casa cedo o suficiente. Não estava reclamando, é claro. Mais dinheiro para o nosso bolso, mais próximas da vitória ficávamos.

No meio do filme, chegou a minha hora de trabalhar na lanchonete junto com a April. Eu fui animadamente, pois já havia assistido aquele filme vezes demais com a minha mãe, a fã número um da Demi Moore. Crianças normais assistiam a filmes da Disney, eu assistia Ghost pelo menos uma vez na semana.

— Será que nós podemos comer? Eu tô com fome. – April perguntou, olhando com grande interesse para as salsichas cozidas.

— Não tem ninguém aqui agora, acho que sim. – respondi enquanto colocava uma boa quantidade de milho na panela para fazer mais pipoca.

— Eba!

Animada, ela se pôs a montar um hot dog especial, com direito a duas salsichas e molho extra. Observei admirada a fome da garota que havia jantado há não mais que duas horas e acabei por concluir que era tempo o suficiente, eu mesma estava ficando tentada a preparar um para mim. Enquanto não fazia isso, eu dei atenção a minha pipoca, sem nunca deixar de ouvir o quanto a refeição dela estava boa com vários "hmmm", "yammm", entre outros.

— Ei! – eu ouvi Luke dizer não muito tempo depois, mas os meus olhos foram pra reação da April. Ele pegou ela bem no meio de uma grande mordida, o que a constrangeu tanto que sua pele mudou drasticamente do pálido ao vermelho.

— Oi. – ela respondeu, tampando a boca cheia.

Eu ri e balancei a cabeça antes de fazer o mesmo.

— E aí.

Notei que Thomas estava ao seu lado, mas se ele queria me ignorar, ele também seria ignorado. O único envergonhado ali era ele.

— Nossa, isso parece bom. – o também esfomeado disse, encarando o lanche dela.

— Quer?

Sendo o Luke que era, ele estendeu as mãos para aceitar. A minha foi mais rápida e estapeou a dele antes que chegasse ao hot dog.

— Se quer, compra! São três dólares e nós precisamos do seu dinheiro.

Ele me encarou de boca aberta, extremamente ofendido. April riu e colocou o seu de lado para preparar outro.

— Tá tudo bem, eu monto um tão especial quanto o meu para você.

— Se ir com salsicha extra, são quatro dólares. – informei.

— O que!? Jessica Corinne, quando o sistema capitalista tomou conta de você? – Luke questionou e eu dei de ombros.

— Quando a fraternidade do seu amigo nos desafiou.

— Thomas, você me deve quatro dólares.

— Então, Luke... – eu comecei, com um sorriso maldoso nos lábios enquanto a April trabalhava. – Comprando comida agora, no meio do filme? É quase como se você tivesse esperando alguém... Não é engraçado, April?

Ela deu um sorriso nervoso, ciente de onde eu estava indo, e não me respondeu. Luke, entretanto, não se deixou abalar.

— Com toda essa correria, eu não via a April há alguns dias. Senti a falta dela. Tem algum problema com isso?

Eu definitivamente não tinha problema nenhum. Muito ao contrário, aquilo me mostrava que ele havia decidido investir no que quer que fosse aquilo e só me deixava mais animada ainda. Não podia dizer o mesmo da minha amiga, que parecia querer se esconder debaixo do balcão.

— A-a-aqui o seu la-anche. – ela gaguejou, entregando a ele e eu juro que sua mão tremia.

— Problema nenhum. – respondi, sem deixar de sorrir.

Ele percebeu o tamanho do nervosismo dela, então se apressou para se retirar, entendendo que as coisas com a April nunca eram simples.

— Ai meu Deus, meu corpo inteiro tá suando! – ela disse assim que ele saiu, se apoiando no balcão e procurando qualquer objeto para se abanar.

Eu ri, me divertindo mais do que nunca com aquela visão.

— Vocês dois ainda vão me garantir situações hilárias!

Aquela noite foi longa. Quando todos foram embora, nós ainda tivemos que ficar para arrumar tudo, inclusive limpar já que as pessoas de Los Angeles não eram lá muito educadas. Além disso, se você pensou que o Ryan iria embora sem mais uma de suas provocações, você errou rude.

April, Nikki, Julie e eu estávamos na lanchonete fazendo a última contagem do dinheiro e alimentos arrecadadod com os ingressos para o cinema + as comidas vendidas quando ele chegou, acompanhado do garoto com cara de criança que eu nem sabia o nome, mas me irritava por existir. Eles pigarrearam para chamar a nossa atenção.

— Nós também decidimos inovar, sabem? – Ryan falou diante das nossas expressões de tédio, nos recusando a dar algum tipo de atenção para o comportamento desagradável dele. – Conversamos com a Alice e ela aprovou a ideia.

— Legal, Ryan. – Nikki murmurou, mais irônica do que nunca.

— O nosso playground vai abrir amanhã de tarde para quem quiser jogar um pouco. – ele informou.

Para ser honesta, eu quis xingar. Amanhã nós tínhamos uma festa de noite e nada além disso, todas as casas do campus faziam igual nesse quesito. Mas ao ver a calma das outras garotas, eu segurei a minha língua.

— Nós realmente não nos importamos com o que você faz ou deixa de fazer. – a Nikki continuou.

Ambos sorriram.

— Vão se importar amanhã quando for anunciado quem venceu. – ele disse antes de sair andando cheio de gracinhas.

— Merda! Quem eles pensam que são, em?

Olhei surpresa para a nossa líder que se irritou no minuto em que eles se retiraram.

— Tá tudo bem. – Julie disse para acalmá-la.

— Nós estamos ferradas... Deus! Eu não aguento mais!

— Nikki, sério! Tá tudo bem. – ela repetiu, largando o dinheiro numa caixinha no balcão. – Nós temos dinheiro pra caramba! Eles teriam que deixar aqueles jogos lá o dia inteiro para conseguir tudo o que temos. O valor que eles podem cobrar pelas fichas é muito pequeno, a vitória é nossa.

Nikki suspirou. Ela parecia querer confiar e poder se apoiar nas palavras da Julie, porém podíamos ver o medo no fundo dos seus olhos.

— Ok, mas nós vamos ter que vender muito mais do que o normal na festa de amanhã só para garantir.

Esse "só para garantir" quase matou eu e algumas garotas na noite do dia seguinte. Ninguém sabia onde, como, nem quando, mas a Nikki arrumou mais bebida do que eu achava ser possível e criou todos os tipos de promoções para que vendessem como água. No fundo, nós só desejamos que ela não tivesse sacrificado muito do nosso dinheiro.

Como tudo naquela semana da inclusão, o bar era dividido. Tínhamos o lado Kappa, com algumas decorações azuis, e o lado Lambda, verde. Dessa maneira, os convidados de cada casa sabiam bem onde deviam comprar. Enquanto estivessem sóbrios, pelo menos. Já os que vinham apenas pela festa adquiriam suas bebidas onde quer que achassem melhor e, felizmente, nós tínhamos muitos atrativos.

Já a balada em si era misturada, os lados da guerra acabavam se perdendo no meio da multidão e, de certa maneira, isso era bom. Apesar de nós termos mudado drasticamente o objetivo da semana da inclusão naquele ano, costumava ser, acima de tudo, fazer a diversão das pessoas que nos ajudavam comparecendo, e uma fita dividindo a balada ao meio não era exatamente sinônimo de diversão.

Apesar dos apesares, eu estava tendo um dos dias mais estranhamente incríveis da minha vida. Era ruim que isso viesse de uma grande briga? Sim, mas você tem que admitir que ver um bando de "adultos" agindo como crianças de doze anos era divertido. Um pouco vergonhoso também. A vida tem dessas coisas.

Ainda assim, até eu precisava de um descanso. Nós tínhamos uma balada lotada com pessoas dançando sob um som alto demais para quem estava ali para trabalhar, como eu, e um número muito grande de bêbados para o meu gosto. Eu não podia reclamar, pois quanto mais os nossos convidados consumiam, mais dinheiro nós levaríamos para casa no final do dia, porém isso não me impedia de me sentir sufocada.

Puxei a Katy para o meu posto no balcão, perguntando se ela podia cobrir para mim por dez ou quinze minutos. Sempre disposta a ajudar, ela pegou o meu lugar e eu pude me retirar para descansar os meus ouvidos, os meus pés e as minhas mãos também. Fui até a área dos fumantes e subi em uma pequena plataforma onde ficaria um DJ em dias que havia música também do lado de fora. Sentei confortavelmente no chão mesmo, encostei minhas costas e nuca na parede, fechei os olhos e fiquei quietinha, respirando o ar fresco da madrugada. Eu sabia que não teria paz por muito tempo.

Dito e feito. Não demorou muito para que eu ouvisse a portinha próxima a mim se abrindo. A minha mente já gritava a presença do Thomas antes mesmo dele se aproximar e o cheiro do seu perfume quando ele se sentou ao meu lado apenas confirmou o óbvio. Eu o conhecia bem o suficiente para saber que ele nunca deixaria passar a oportunidade de encher o saco ao me ver afastar dos outros, especialmente depois de ter o seu tempo para pensar por causa da discussão ridícula que me obrigou a ter dois dias antes. Classic Tommy.

Eu não me mexi, ele ficou quieto e eu agradeci por isso. Ainda podíamos ouvir a música do lado de dentro, dezenas de pessoas conversaram ao nosso redor, mas naquele pequeno espaço, tudo ficou em silêncio por alguns minutos. Eu podia ouvir a sua respiração irregular e sentir seu braço roçar levemente no meu. Dessa vez, não quis me afastar. O toque dele – mesmo o mais sutil – me trazia lembranças, em sua maioria boas, e no auge da minha raiva era como levar um choque. Dos ruins. Agora, naquele exato momento, eu só conseguia sentir uma decepção muito grande. É claro que a raiva eventualmente daria as caras novamente, se tratando de mim, no entanto, isso não apagava o fato de que eu estava em uma situação ridícula, pois, para que role uma decepção, a expectativa tem que vir antes.

Eu não era exatamente boa entendendo coisas desse tipo e essa sensação sempre me matou. Quando éramos apenas melhores amigos, até quando namoramos, eu achava ter certeza dos meus sentimentos em relação a ele, até que algo acontecia e me fazia rever tudo. De qualquer maneira, tudo sempre voltava ao seu encaixe normal.

Com todas as brigas recentes, eu mais uma vez pensei ter tudo definido. Raiva e ódio, apesar de todas as variantes que eu sempre optei por ignorar. Aquelas duas coisinhas continuavam reinando. E então, de repente, eu me vejo desapontada por algo que eu sempre afirmei para Deus e o mundo ainda estar ali. Tá vendo o tamanho da minha confusão? Da tortura que é ser Jessica Corinne?

Talvez eu apreciasse tanto o caos do lado de fora porque assim podia me desligar daquele que também se encontrava no lado de dentro. É até poético, se pararmos para pensar.

— Eu fiz algo ruim. – ele murmurou alguns longos minutos depois.

— Nada com que já não estejamos todos acostumados. – retruquei, dando um sorriso de lado, mas mantendo meus olhos fechados.

Ele soltou uma risadinha nervosa.

— Engraçadinha... Tá vendo? Normalmente, eu te chamaria de hipócrita. Eu só não tô com essa bola toda no momento.

Eu assenti e fiquei quieta, pois já sabia aonde aquela conversa iria. Era uma rota já conhecida por mim e extremamente desanimadora. Achava frustrante que, não importa o quanto eu tente fazer diferente, Thomas e eu parecemos funcionar em ciclos. Repetitivos e irritantes.

— E-eu não sei bem o que aconteceu, Jess... A parte racional do meu cérebro simplesmente desaparece nessas horas. – ele voltou a falar algum tempo depois, incomodado com o silêncio.

— Agora você tá mentindo e essa não é a melhor maneira de se redimir. – falei, me virando para olhá-lo finalmente. Ele parecia confuso. – Como você gosta de lembrar: eu também faço coisas ruins. E não importa o tamanho da minha dedicação ou da raiva que me levou a fazer aquilo, eu sempre me lembro que há outras maneiras de agir. Só opto por ignorá-las.

Sua expressão de culpa denunciou que eu tinha razão. Eu podia agir com estupidez mais vezes do que o resto do mundo achava necessário, mas gostava de apreciar a minha capacidade de ser sincera quanto às motivações que me levaram até ali.

Thomas suspirou, correndo uma das mãos ansiosamente pelos cabelos curtos.

— É que... Nós temos tanta história! É difícil para mim te ver com outro cara, especialmente um com quem eu vivo.

— Isso não te dá o direito de ser um idiota machista. – cortei-o na mesma hora. Se quisesse gastar o meu tempo com explicações, que fossem ao menos boas.

— Eu não sou machista! – ele exclamou, de repente muito ofendido com as minhas palavras.

— Não seja besta, é claro que é!

Ele queria retrucar, porém o olhar que lancei o impediu. Eu esperava que dissesse: "você não quer entrar nessa discussão agora, quer?". Aparentemente, ele não queria. Nada muito surpreendente, pois fazer aquilo também significaria rever toda e cada atitude que ele tinha em seu dia-a-dia. A ignorância é muito mais confortável.

— O que eu tô tentando dizer é que eu sei que estava errado e por isso tô aqui. Vou ser maduro o suficiente para admitir que eu te devo um pedido de desculpas. Além de não ser da minha conta, eu deixei você e todos ao redor desconfortáveis, eu me expressei mal, só... Me desculpe pela cena.

Balancei a cabeça, a fim de mostrar que eu prestava atenção no que ele tinha que dizer, mesmo que depois que eu me pronunciasse isso não fosse fazer tanta diferença assim.

— Eu não sinto que eu deva te desculpar, sabe? – disse, mexendo os ombros.

— Como? Por... quê?

— Ah, eu tenho vários motivos. Você quer ouvir todos? – ele assentiu lentamente, incerto. Era o suficiente para mim, então me virei para que ficasse frente a frente com ele, sentada com as pernas cruzadas. – Razão número um: você foi muito imbecil naquele dia, talvez até mais do que você tenha sido esse tempo inteiro; dois: você foi muito imbecil depois de afirmar por aí que havia mudado. Eu estava começando a acreditar, então você me enganou. Isso faz de você imbecil duas vezes; número três: uma porcentagem bem pequena do que houve talvez seja minha culpa. Eu fui ingênua e deixei você acreditar que estávamos próximos o suficiente para fazer algo do tipo quando não estávamos de verdade. Não vou me perdoar tão cedo por isso, logo, não acho justo comigo perdoar você; número quatro: eu não tenho um número quatro.

Na minha cabeça, entrava no número quatro o fato dele ter me decepcionado, mas eu não acreditava que ele merecia essa informação.

— Isso talvez soe como novidade para você, Jess, mas perdoar alguém não significa que essas coisas não entrem no caminho e sim que você está disposta a passar por cima delas por um bem maior.

— Você seria o bem maior, Thomas? – perguntei com um sorriso brincalhão.

— O bem maior seria a nossa amiza... A nossa boa convivên... Talvez a nossa relação como dois seres humanos que frequentam o planeta Terra e possuem o mesmo grupo de amigos.

Assenti, ponderando o quanto daquela resposta eu poderia levar em conta. 'Nada' foi a resposta.

— Escuta... Eu tô ocupada demais com esse negócio de semana da inclusão para me preocupar com isso. Nós vamos vencer e depois tudo vai voltar a ser como era antes. O seu erro é acreditar que as coisas estão melhorando só porque eu agora tenho uma casa inteira para odiar! E por eu ter ficado levemente grata por episódios do passado, grande coisa! Vire a página, Thomas.

— Claro! Você está dizendo, então, que vamos voltar para as brincadeiras e vinganças infantis? Não foram elas que nos colocaram aqui em primeiro lugar?

Eu parei por um momento, pois não tinha realmente pensado naquilo. Estava tagarelando sobre ciclos e repetições, mas precisei da fala do Thomas para perceber que eu mesma poderia estar me levando a isso. Chegar a esse ponto era sempre um problema.

— Quem sabe, talvez, seja o que o carinha lá de cima quiser... – respondi logo, rápido o suficiente para não mostrar a ele a minha leve confusão. – Eu não sei se isso te surpreende, mas eu não planejo cada passo que nós damos. O que eu posso fazer se o destino te colocou frágil e influenciável naquela fatídica noite da iniciação? Ele pode vir a jogar ao meu favor novamente. Até ao seu, apesar de eu acreditar ser improvável.

Ele suspirou, frustrado, balançando a cabeça como se não acreditasse realmente nas minhas palavras. Ou em toda a situação. Era difícil dizer.

— Por que você tem que ser tão complicada?

— Sei lá, Thomas. Eu só te peço uma coisa: não me faça ter que te perdoar pelo que você fez mais uma vez. Eu já o fiz vezes o suficiente por uma vida inteira. – respondi, querendo encerrar aquele assunto.

Na minha cabeça, eu tinha muito claro que um de nós dois era complicado demais e com certeza não era eu.

Eu sabia que ele tinha mais a acrescentar porque Thomas e eu não éramos muito bons em uma coisa e isso era saber quando calar a boca. Mas, porém, entretanto, a nossa atenção foi desviada para uma grande movimentação abaixo de nós. Um grupo muito grande de pessoas que eu rapidamente reconheci como irmãs e irmãos da Kappa Kappa Gamma e da Lambda Chi Alpha foram saindo da portinha que os levava até ali e se amontoando ao redor de um dos bancos do lugar.

— Que horas são?! – perguntei afobada, já puxando os pulsos dele para mim a procura da minha resposta. Não encontrei. – Você não tem relógio? Caralho, Thomas! O que aconteceu com o que eu te dei?

— Fazem mais de dois anos, Jess! – ele respondeu aborrecido. – Olha no seu próprio celular!

Eu jurava pela morte de todas as pessoas que eu conhecia que vi um bico se formar nos lábios dele. Quem era o complicado ali mesmo?

— Eu não trouxe o meu celular! Vai logo, Thomas!

Ele bufou (uma característica clássica do seu drama), mas pegou o celular no bolso da calça e o virou para mim com a tela acesa. 03:03. Era hora! A hora da contagem final!

O meu primeiro impulso foi sair correndo dali e me aproximar do Ryan e da Nikki, no centro da movimentação, até eu perceber que eu tinha uma visão privilegiada ali, especialmente considerando que eu nunca conseguiria chegar perto o suficiente com tantas pessoas tão ansiosas para esse resultado quanto eu. Então eu simplesmente me levantei e apoiei os braços no corrimão, observando cada movimento com atenção. Não tão interessado quanto eu, Thomas fez o mesmo.

Se você está imaginando algum tipo de cerimônia com urnas... Não aqui, meu amor. Todo o dinheiro se encontrava em quatro grandes caixas de sapato, duas de cada casa, o que já nos mostrava que a diferença podia não ser tão grande assim. É claro que ainda tínhamos o dinheiro que foi direto para as contas bancárias, pago com o cartão, e o que foi "transferido" dos alimentos, mas quem tinha o controle dessa parte naquele momento era a Alice. Alice essa que ainda não havia chegado e sem ela, sem resultado.

Mas podíamos adiantar as coisas, então, cada um em seu canto, Nikki e Ryan foram responsáveis por contar o dinheiro um do outro. Sim, ao contrário. E depois eles trocariam e contariam novamente, dessa vez cada um o seu. Era uma maneira de garantir que os dois lados aceitassem com um pouco mais de tranquilidade a derrota, mesmo que a coordenadora e a sua equipe fossem contar ainda mais uma vez para confirmar.

O clima estava tenso e ainda podíamos ouvir a música tocando no lado de dentro, mantendo os nossos convidados distraídos. Ali fora, algumas frases eram ouvidas aqui e ali, mas nos mantínhamos em silêncio para que os líderes pudessem fazer suas contas sem distrações exteriores.

Dez minutos depois, eles ainda estavam no meio da contagem e Thomas fazia sons extremamente irritantes ao meu lado na tentativa de chamar minha atenção. Eu consegui ignorar por um tempo, mas a vontade de socar ele estava vindo com tudo. Quando eu disse que a minha raiva logo voltaria, era desse tipo de situação que eu estava falando.

— Que é?!

Eu mal terminei de falar e a resposta já veio.

— Eu não entendo porque você não pode me perdoar! Ou porque não pode realmente tentar deixar todo rancor de lado e ao menos conviver amigavelmente comigo.

— Meu Deus, Thomas, troca o disco! Essa sua obsessão com as coisas não faz bem, sabia? – avisei, o olhando de lado. Seu rosto adquiriu uma expressão desacreditada.

A minha obsessão?! – exclamou com a voz estridente. – Você não tem vergonha não?

Dei de ombros. Já havia passado daquele estágio há um longo, longo tempo.

— Fica quieto, por favor. Eu não quero perder o que está por vir.

Ele resmungou algo antes de focar seu olhar lá embaixo. Thomas realmente sabia agir como um bom garoto de 12 anos quando queria. Para completar a imagem, só faltava ele cerrar os punhos e ficar batendo os pés no chão em manha. Felizmente, ele ainda tinha um pouco de noção de sobra.

— Pronto? – ouvi Nikki perguntar cerca de quinze minutos mais tarde. Ryan assentiu e se juntou a ela no meio da multidão. Enquanto isso, Alice ainda não havia nos presenteado com a sua presença.

Já sabendo o resultado do dinheiro que tinham em mãos, eles trocavam olhares desafiadores, nos deixando ainda mais curiosos para saber o valor de cada monte agora já guardados de volta em suas caixas.

— Não acha que a gente devia esperar a Alice? – Ryan falou de repente, chocando todos ansiosos para ouvir as palavras.

A risada da Mina se destacou e ela deu um passo à frente.

— Por que? Sabe que perderam e querem se agarrar às últimas esperanças?

Ele estava pronto para responder a provocação, mas a Nikki foi mais rápida.

— É, talvez nós devêssemos esperar. – ela concordou, criando todo um burburinho de vozes dando suas opiniões. No final, nenhuma era ouvido.

Grunhi, sem acreditar que teria que esperar sabe-se-lá mais quanto tempo para saber quem levaria para casa toda aquela grana. Além do título de vencedoras da "Primeira Edição da Guerra entre Fraternidades e Irmandades da UCLA".

Acredite ou não, a minha reação foi uma das mais tranquilas daquele ambiente. Eu diria que a raiva de todo mundo com aquela decisão era justificável. Nós estávamos trabalhando sem parar há semanas, sem folga, tínhamos aula, trabalhos, e não muito tempo até provas começarem a chegar também. Antes, estava tudo bem, pois todos tinham a energia da busca pela vitória, mas agora, quando tudo estava feito, e tudo que precisávamos era um pré-resultado, era difícil manter a sanidade. Era quase como desejar que aquilo tivesse um fim.

Essa última parte não me agradava muito porque a ideia de voltar para a minha rotina normal depois de toda a excitação das últimas semanas era desanimadora. E não podia mentir: eu não tinha palavras para expressar o quão maravilhada eu estava com a cena diante dos meus olhos. Uma mistura de surpresa, admiração e divertimento. Achava realmente incrível a maneira como aquelas duas casas haviam se mobilizado para acabar uma com a outra. Por um milésimo de segundo, me passou pela cabeça o questionamento de o que seríamos capazes de fazer se usássemos toda aquela força para algo bom. Foi muito rápido.

Logo eu estava admirando novamente a troca de farpas, xingamentos, algumas conversas mais calmas, pedidos para que, por favor, liberassem os valores. Ryan e Nikki foram muito fortes. Se juntaram em um canto e ignoraram lindamente a pequena batalha diante dos seus olhos, ambos decididos sobre o que queriam fazer.

Dei alguns passos para trás e encostei a minha cintura no outro lado da pequena plataforma, observando cada metro quadrado abaixo com todo o prazer que aquele momento pedia. Eu sabia que não devia estar orgulhosa daquilo. Sabia que podia ter evitado essa situação se não tivesse insistido nas trapalhadas com o Thomas, mas vamos ser honestos: não era melhor assim? Nos custou uma casa prima, mas a Kappa Kappa Gamma estava mais harmônica e unida que nunca. No meio daquela confusão toda, eu até havia encontrado espaço para admirar algumas atitudes da Ashley, ainda que me sentisse como se estivesse traindo a Mina em momentos do tipo.

Eu estava ansiosa, quase pulando de antecipação pelo resultado. Porém, eu conseguia facilmente esperar enquanto apreciava aquilo que poderia ser considerado uma obra de arte.

Olhei rapidamente para o meu parceiro no crime, arrastado contra sua escolha para o meio do furacão, e percebi que era observada com curiosidade. Eu não soube adivinhar o que se passava pela sua cabeça, mas na minha eu concluí que ele estava mais atraente que nunca. Parecia improvável quando minutos atrás eu queria arrancar a sua cabeça fora, no entanto, ali estava ele, de braços cruzados, destacando os músculos na camisa social preta, cenho franzido em preocupação, lábios entreabertos, distraído com o que quer que se passava naquela mente.

Não pude deixar de me lembrar da noite em que eu dei o primeiro passo para que chegássemos até a noite de hoje. De todos os que demos depois daquele, eu achava ele o mais divertido de todos. Era um pouco estranho pensar no quanto as coisas haviam mudado de lá até esse ponto. Ter ele por perto ainda era uma novidade, a minha raiva era maior, a vontade de fazê-lo sofrer mais ainda, e mesmo assim, eu soube apreciar muito bem o toque dele. Naquele momento, havia sido especialmente difícil abominar suas mãos sobre mim. Como seria agora? Melhor? Igual? Chato? Não, chato era improvável. Thomas tinha uma pegada boa demais para decepcionar alguém, eu era obrigada a admitir, assim como todas as garotas que vieram antes e depois de Jessica Corinne.

Entretanto, eu também me lembrei do porque não havia permitido que nada mais acontecesse entre nós até aquele momento. Casais normais tem o popular remember, nós então seríamos mais que ideias para ter essa experiência. O problema é que, para ele, as coisas nunca eram simples, por mais que ele gostasse de acreditar que sim. Thomas sentia com intensidade cada toque, cada beijo, mesmo que dado em alguém que acabara de conhecer em uma balada por aí. Eu não quero soar muito metida nem nada, mas eu causaria um estrago especial no rapaz. Como ele disse mais cedo, nós temos história demais. Talvez fosse uma ideia terrível complicar a nossa situação mais ainda.

E aí eu pensava no quão divertido havia sido provoca-lo poucos dias antes. Eu nunca tive a intenção de beijá-lo naquela data, estava apenas extravasando um pouco toda a tensão que me perseguia. Apesar disso, eu não podia negar que durante longos segundos, eu cheguei a considerar a ideia. E se não tivéssemos sendo observados por um pequeno grupo de cachorros, quem sabe o que teria acontecido? Poucas coisas são mais quentes do que ver nos olhos de alguém todo o desejo que ele tem por você, a vontade de toma-la para si.

— Jess?

— Uhn? – murmurei, aproveitando para observar a maneira com que os seus lábios se moviam, provavelmente com a mesma cara de hipnotizada que ele no outro dia.

— Por que tá me encarando assim? – ele perguntou e eu quase sorri, achando divertido que ele as vezes demorasse tanto para decifrar certas coisas.

— Eu não tenho certeza...

Eu definitivamente sabia que devia estar observando algo, mas se esse algo não eram as veias salientes em seu braço, eu estava perdida. Minha mente continuava a me jogar imagens de tudo o que fizemos até chegar ali, naquele momento, naquela plataforma, tudo o que causamos e só isso bastava para que eu sentisse a necessidade de pular nos braços dele.

Por um rápido segundo, eu voltei para alguns minutos atrás, quando expliquei a ele sobre os dois caminhos que eu sempre tinha a opção de seguir. Dessa vez, ambos pareciam me levar em uma única direção: os lábios dele. Com mais velocidade do que qualquer um de nós dois era capaz de acompanhar, eu avancei, chocando nossas bocas desajeitadamente. Não deixava de ser bom, macio e nostálgico.

Não tive muito tempo para apreciar aquelas sensações, pois logo senti duas mãos me segurarem pelas bochechas e ao invés de serem usadas para aprofundar o que poderia ser um ótimo beijo, elas empurraram a minha cabeça para trás.

— Eu sei que isso é incrivelmente estúpido, mas... O que nós estamos fazendo? – Thomas questionou.

— Você tem razão. – sorri sarcástica. – Isso foi incrivelmente estúpido.

Tudo me dizia que agora ele iria querer entrar em alguma conversa desnecessária sobre o que aquilo significava e o meu próximo passo seria correr, mas fui eu quem fui surpreendida dessa vez. Ao invés de tagarelar, seu corpo se juntou ao meu, me empurrando até que eu estivesse encostada no corrimão dessa vez. Ele abaixou a cabeça, eu levantei e os nossos olhares se encontraram pelo que me pareceu dois segundos. Não sabia dizer se haviam sido longos ou curtos, mas podia afirmar que foi o suficiente para o meu corpo inteiro se arrepiar com a intensidade daquela troca de energias. Naquele momento, toda e qualquer barreira parecia ter sido derrubada, dando todo o espaço que o nosso desejo precisava para tomar conta.

Talvez vocês queiram ouvir que eu senti um explodir de emoções quando nossas bocas voltaram a se encontrar... Choques elétricos por todo o meu corpo. Me desculpe desapontar, mas não teve nada disso. Ao sentir o toque da sua língua na minha, o moldar dos nossos lábios juntos no verdadeiro beijo que nós merecíamos depois de tudo aquilo, eu senti calor. Senti algo queimando dos pés à cabeça, e era bom, me fazia querer buscar cada vez mais, e eu sabia exatamente onde conseguir.

Deixando o espanto de lado, eu passei os braços ao redor de seus ombros, puxando ele o mais perto quanto era possível estar, sentindo todo seu corpo se encaixar como um perfeito quebra-cabeça ao meu. Aproveitei para puxar seu lábio inferior para mim em uma mordida leve, mas firme, sentindo a suavidade daquela pequena parte combinada com o áspero da barba por fazer. Thomas deixou escapar um suspiro de prazer e em qualquer outra situação, eu poderia sorrir pela vitória. Ali, no entanto, não havia tempo para provocações, sequer espaço, pois tudo que se passava na minha cabeça era o quanto aquilo era bom. O deslizar das nossas línguas uma na outra, urgente, intenso, familiar. Cada pedacinho nosso conhecia um ao outro, nossos gostos, prazeres, e ele deixava isso claro na maneira como me segurava pela cintura ou no modo como posicionava uma de suas mãos na minha nuca, leve, quase como um cafuné, indo contra todas as características daquele beijo.

Em momentos como aquele, era difícil pensar. E ao contrário da última vez em que havíamos nos beijado, eu deixei que fosse. Não lutei pela razão, não procurei motivos para aquilo estar errado, eu só aproveitei o calor, a vontade de estar ali e permanecer assim pelo tempo que fosse. Eu merecia, afinal de contas! Depois de semanas como as últimas, era apenas justo que eu encontrasse uma maneira de relaxar, mesmo que ela fosse o meu ex-namorado. Se eu voltaria a odiá-lo assim que meus olhos se abrissem e a realidade batesse? Bem...

Ora, ora... Se não é o casal que nos trouxe até aqui se pegando! – eu ouvi a voz do Ryan dizer muito mais perto do que da última vez que o havia visto e imediatamente empurrei Thomas pelo estômago para longe de mim. – Eu vi isso mesmo, Nikki?

— Viu, Ryan. Viu sim.

Eles estavam parados no último degrau que levava até a plataforma, nos encarando. Logo atrás, Alice tentava enxergar com curiosidade. Suas expressões eram incógnitas para mim. Eu não vi decepção, fúria, nem arrependimento. Talvez estivéssemos cara a cara com a inusitada junção de todas elas. De qualquer maneira, foi o suficiente para me causar arrepios frios como gelo, o completo oposto dos anteriores.

O silêncio era tão profundo que eu me virei rapidamente para trás, na esperança de encontrar aquela área vazia. O que eu vi foram vários rostos nos encarando com expressões assustadoramente parecidas às dos dois líderes a nossa frente. Tudo foi por água abaixo daí para frente.

Eu ouvi gritos e ofensas, senti meu corpo ser levado sem que eu tivesse a real intenção de me mover, ouvi gritos e sermões, me deixei ser levada na expectativa de que aquilo facilitasse o que quer que estava por vir, ouvi gritos, ofensas e sermões. Nem mesmo soube o que havia acontecido com o Thomas até que fosse jogada sem delicadeza nenhuma dentro do meu próprio quarto. Quando me virei para ver o que diabos estava acontecendo, tive uma boa visão dele também sendo jogado pelos rapazes com muito mais violência que eu e então, a porta de madeira foi fechada e trancada do lado de fora, nos deixando presos ali dentro.



NOTA DA AUTORA: AI MEU DEUS! Faz tanto, mas tanto, mas tanto tempo que eu fico planejando o próximo capítulo que nem acredito que ele finalmente chegou. Só que não estamos lá ainda, né? Então vamos discutir os dois últimos por enquanto:

E ENTÃO? Gostaram? Odiaram? Amaram? Esses dois capítulos são super importantes, por isso demorei um pouco para trazer para vocês, não queria de jeito nenhum deixar ninguém desapontada. POR FAVOR, não esqueçam de deixar um comentário dando aquela opinião sincera porque essa autora está muito insegura em relação a maneira como conseguiu representar esses últimos acontecimentos e precisa do feedback de vocês!

Eu não sei se vocês notaram, mas os flashbacks acontecem de três em três capítulos, ou seja, deveria vir com o 15. Eu pensei muito e decidi que, mesmo tendo que sair um pouco dessa regrinha, vou trazer ele no próximo porque vai fazer muito mais sentido pra história e o impacto em vocês talvez seja maior KLSJKLAJSAKL

É isso, meus amorexxx! A partir de agora as coisas vão mudar e vão mudar muito, mas muita calma que o capítulo 16 é que vai ser o responsável por finalizar essa fase. Espero do fundo do core que vocês amem tudo e se amarem, não esqueçam de deixar aquele votinho para fazer uma autora feliz <333

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