Ceres - Agora o Inimigo é Out...

By erika_vilares

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SEGUNDO LIVRO DA SÉRIE AS ADAGAS DE CERES Os muros cinzentos que cercavam o castelo retinham a cruel realidad... More

Ceres - Agora o Inimigo é Outro
Messagem aos novos leitores
Prólogo
Capítulo Um Parte I
Capítulo Um Parte II
Capítulo Dois
Capítulo Três
Capítulo Quatro
Capítulo Cinco
Capítulo Seis
Capítulo Sete Parte I
Capítulo Sete Parte II
Capítulo Oito
Capítulo Nove
Capítulo Dez
Capítulo Onze
Capítulo Doze
Capítulo Treze
Capítulo Quatorze
Capítulo Quinze
Capítulo Dezesseis
Capítulo Dezessete
Capítulo Dezoito
Capítulo Dezenove
Capítulo Vinte
Capítulo Vinte e Um
Capítulo Vinte e Dois
Aviso
Capítulo Vinte e Três
Capítulo Vinte e Quatro
Capítulo Vinte e Cinco
Capítulo Vinte e Seis
Capítulo Vinte e Sete Parte I
Capítulo Vinte e Sete Parte II
Entrevista na Band
Capítulo Vinte e Oito
Capítulo Vinte e Nove
Capítulo Trinta
Capítulo Trinta e Um
Capítulo Trinta e Dois
Capítulo Trinta e Três
Capítulo Trinta e Quatro
Capítulo Penúltimo
Último Capítulo - Parte I
Notas da Autora
PRÉ VENDA

Último Capítulo - Parte II

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By erika_vilares

Capítulo Trinta e Seis
Parte II

V

Semanas mais tarde, Thor estava de saída de seu castelo. Tinha um encontro marcado com Julieta. Ela já não estava mais hospedada lá, passou dias desaparecida até reaparecer com a notícia de que estava com os caçadores que Thor conhecera na Cidade-Livre e Thor naquela manhã estava convidado para ver como andavam os preparativos da embarcação que seguiria para Verdon no primeiro dia de primavera.

Quando ele atravessava a antessala para alcançar o pátio do castelo, uma figura loira muito familiar cruzou seu caminho. Não demorou para Thor reconhecer os olhos azuis e as peles de animais dispendiosas as quais enrolavam com formosura a rainha Adelaide, mãe de Mia e Elliot. Thor teve uma rápida falta de reação ao se deparar com seu belo sorriso misterioso que deveria tê-lo reconhecido de longe, apressou-se para fazer sua reverência. Ela também se reverenciou com graciosidade, rainha Adelaide parecia ter engordado um pouco, pois tinha bochechas mais redondas, carregava sempre um cheiro forte de flores de verão e uma beleza admirável oriental . Ele sabia que outrora a família Hansen tinha sido uma das famílias mais importantes de Wanderwell apesar de agora se encontrarem maioritariamente no norte, ao lado da coroa.

– Rainha Adelaide, eu não tinha ideia alguma que a rainha estava em Wanderwell.

– E não era para ter – ela gracejou. – Minha visita era uma supresa. Eu estava com meu filho.

– O que devemos a honra desta surpresa?

– Vim para Wanderwell fazer pessoalmente o convite para nosso Baile de Equinócio de Primavera. Receberemos os Dez Ministros da Cidade-Livre. Será um grande baile.

– Eu imagino. Mas receio que talvez não possa comparecê-lo.

– Vocês, homens, sempre com desculpas. Acabo de passar duas horas para convencer Elliot a vir. Tenho o resto do dia para convencê-lo, príncipe Thor.

Thor sorriu de nervoso.

– Não recuso por má de vontade, minha rainha.

– Recusa pela viagem a Verdon – Thor sentiu sua garganta secar –, Elliot não é e nunca será um bom guardador de segredos. Estou ciente de que ele deseja ir com você.

Thor fez um gesto para que eles continuassem andando.

– Não permitia levá-lo sem permissão.

– A permissão de quem, caro príncipe? Nem a minha, nem a do seu pai, certamente. – Ela abrangeu.

– Ele não pode sabê-lo, lhe peço.

– Ele não saberá por mim lhe asseguro, mas sei que você repensará no meu convite.

Thor suspirou.

– Príncipe, eu sei que você e minha filha estão em maus termos. Entretanto, você sempre foi o único amigo de Amélia e nesse momento eu estou mais do que nunca preocupada com ela.

– Algo aconteceu?

A rainha abaixou seu olhar e foi sua vez de suspirar.

– No meio da estação, Mia foi ao encontro novamente daquela feiticeira que nos ajudava com ela quando mais nova, Cirelli. Ela a encontrou morta, assassinada em sua cabana. Mia tinha um carinho por esta mulher e naquele dia retornou ao castelo com suas vestes banhada em sangue e desde então não tem falado muito. Ela finge que nada está acontecendo, porém eu a conheço. Ela está tentando ser forte, mas está quebrada.

– O retorno de Emily não melhorou as coisas? – Thor perguntou preocupado. Emily partira a duas semanas de volta para Skyblower, entretanto não tinha tido notícias dela desde então.

– Este foi um outro imprevisto que não soubemos lidar – a rainha murmurou. – A carruagem que trazia Emily de volta para Skyblower foi atacada perto do reino de Amarílis, entre seus agressores estava o ladrão Berbatov, que a propósito quase causou sua morte. Seus dois guardas foram mortos, Emily por sorte conseguiu salvar sua vida, ela montou num garrano que vinha de Wanderwell e tentou chegar em Skyblower, graças aos deuses o conde Butler estava nas redondezas do castelo e a encontrou. Entretanto, ela perdera a adaga.

Thor ficou sob o choque.

– Por que nada disseram?

– Nós enviamos uma ave mensageira, aparentemente seu pai não considerou importante dizê-lo.

Thor se enfureceu.

– Como vocês pretendem fazer um baile quando nem mesmo tem a certeza de estarem seguros? – ele questionou incrédulo.

– Dobramos o número de guardas. Este baile é de extrema importância para o futuro de Skyblower em relação com a Cidade-Livre, que pode tornar-se um grande aliado. Se deixarmos o medo tomar espaço, não viveremos, não avançaremos, ficaremos sentados em nossos tronos esperando nossa morte. Não deixarei o medo reinar em meu castelo, príncipe Meszaros.

+++

– Não poderei zarpar com este imprevisto. A viagem terá de esperar – ele afirmou com remorso para os olhos de Julieta que estavam segundos antes aspirantes.

Thor queria acreditar que ele somente estava adiando aquela viagem pela suave ameaça que a rainha Adelaide tinha feito, mas era uma ameaça contornável. Era inegável, estava preocupado com Mia, sobretudo com sua segurança. Não sabia o que tinha acontecido entre ela e Lucky, mas era certo de que agora ele estava com Nádia, e pior, juntos eles estavam recolhendo as adagas. O único propósito disso era acordar Ceres.

Thor não poderia viajar para tão longe e deixar que aquilo acontecesse.

– Esperar até quando ?

– Eu não sei – Thor não conseguiu mentir.

Queria ter tempo para poder falar com calma, entretanto sua cabeça estava em outro lugar. Thor olhava constantemente a movimentação do Porto de Syrene. Aquilo era assustador para quem vinha de fora. Eram muitos veleiros esperando para ancorar no intuito de trazer ou levar mercadoria. Haviam pessoas gritando por toda parte. O almíscar de peixe era repugnante e o tempo não era favorável, era uma manhã fria e cinzenta, não nevava, mas o vento castigava com gélidas correntes de ar. Thor e Julieta estavam no píer, ao lado do navio que os levaria para Verdon.

Thor realmente foi pego de surpresa, esperava um pequeno dracar ancorado no Porto, mas ao invés disso se deparou com um grande veleiro de velas quadradas. Era robusto e provavelmente exigia uma tripulação de no mínimo trinta pessoas. O capitão era o mesmo velho que dobrou primeiramente seus joelhos para Thor na Cidade-Livre, e após uma breve conversa, Thor entendeu um pouco da motivação de haver investimentos naquela viagem que apoiava uma facção quase extinta. O Saluscimo também era a religião principal da capital de Reynes desde sua grande expansão no sul e no norte, a igreja aliou-se aos Dez Ministros que comandavam a cidade. Os impostos dobraram e grande parte das riquezas dos burgueses que controlavam o comércio da cidade se encontravam numa situação crítica. Perdiam muito dinheiro para a Igreja.

Grande parte daquele grupo secreto que apoiava os Venatores não se tratavam de pessoas quaisquer, e sim dos burgueses mais ricos da Cidade-Livre que queriam escapar dos impostos gerados pela Igreja Saluscista.

Julieta encontrara as pessoas certas para conseguir aquilo que desejava.

– O baile será durante o equinócio. Levarei pouco mais de uma semana para chegar e para voltar. Talvez só possa partir no meio da estação.

– Você vai vê-la. Não voltará atrás com sua palavra? – Thor notou certa possessividade naquelas palavras, o que não lhe agradou . Eles nunca voltaram a dormir juntos depois da noite boêmia na casa Halászat, e Thor não pretendia. Aquela noite lhe envergonhava, ele se deitou com Julieta e tudo que via ou pensava era em Mia. Deixou-se levar pelo álcool e pela carência de sentir um corpo quente no rigoroso inverno. Agora iria rever Amélia, como lidaria com isso ?

– Julieta, eu irei acompanhá-la nesta viagem. Entretanto como príncipe eu tenho meus deveres. Devo ir para Skyblower, quando eu retornar, poderemos conversar melhor. Eu manterei contato, enviarei aves mensageiras se for preciso.

Ela tocou em sua mão.

– Não se esqueça do quão grande é esta missão. Nós precisamos de você. Acredite ou não, mas dinheiro não é uma única motivação para estas pessoas. Elas precisam de alguém para guiá-las.

Ele queria olhar em seus olhos, mas tudo que viu foi o vulto de uma pessoa encapuzada se misturar na multidão de pescadores e vendedores de peixes. Não era a primeira vez que Thor o notava.

– Não vou esquecer. Preciso ir.

Thor lhe deu as costas e colocou seu capuz, afastando-se do píer. Ele sabia o que estava por vir. Lucky e Nádia já tinham duas adagas, faltava a terceira que estava com ele, e se eles estavam nas redondezas de Amarílis semana passada, era ali que deveriam estar naquela hora. Não tinha nenhum guarda de confiança naquela altura para lhe acompanhar naquele encontro com Julieta e também não tinha confiança em abandonar novamente a adaga dos Caçadores numa gaveta trancada. Precisava voltar rápido para o castelo.

My Demons - Starset

Em passos rígidos e apressados, Thor seguiu para o cocho de madeira onde seu corcel se refrescava. Ele o desamarrou e montou no animal com agilidade. Thor viu de relance que um homem encapuzado subitamente começou a correr em sua direção, então sem remediar Thor fez seu corcel trotar. Enquanto galopava com velocidade, ele via o homem encapuzado correr pela multidão.

Ele era veloz e ágil o que fez Thor pensar sem duvidas que se tratava de Berbatov.

Ele viu Lucky escalar as paredes das casas e persegui-lo do alto, pulando de teto em teto. Aquele caminho levava até o mercado do Peixe e ali Thor tinha a absoluta certeza que se encontraria no meio de uma confusão, não haveria escapatórias. Ele fez seu cavalo desviar num beco e depois deslizar para outra viela, naquela altura ele tinha perdido Lucky de vista.

Com os ouvidos atentos nas vielas silenciosas, Thor ouviu as solas de sapatos derraparem e antes mesmo que olhasse para cima, foi atingido, fazendo-o cair de seu corcel. Os dois rolaram pelo chão. Thor impulsionou suas pernas para o alto e fez Lucky Berbatov dar uma cambalhota no ar e cair para trás de sua cabeça.

Ambos se levantaram com lepidez. Sem o capuz, Thor podia enxergar bem o rosto pálido de Lucky.

– Você é mesmo um miserável – Thor amaldiçoou.

Lucky tentou acertar-lhe um chute o qual Thor conseguiu se esquivar. Agradeceu o fato de não estar com uma armadura, já conhecia a rapidez que Berbatov lutava, ele precisaria ser mais ágil. Lucky lhe distribuiu murros e Thor defendeu-se com o antebraço, não impedindo que um acertasse em cheio seu maxilar. Lucky acertou-o com outro chute na barriga e Thor abaixou-se, apanhou seu adversário pela cintura e o arrastou até a parede fazendo ele eclodir com o concreto da parede. O golpe foi forte e fez Berbatov perder segundos do seu ar. Thor o acertou com mais três socos, no quarto Lucky calculou sua velocidade e desviou. Thor acertou seu punho contra a parede, ele sentiu a fina pele dos dedos abrirem e o sangue se espalhar.

Berbatov atingiu a testa dele com uma cabeçada e Thor cambaleou para trás. Lucky continuou com seus golpes de chutes e pontapés nas pernas e na barriga de Thor. O príncipe tentou evitá-los, mas já estava com falta de ar para ser vigoroso. Berbatov tentou trocar sua técnica e roubar a adaga em sua cintura, Thor tirou proveito de seu erro, Lucky iria esmurrá-lo quando ele apanhou sua mão e torceu o braço dele, usou sua força para virá-lo e enforcá-lo com o braço.

– O que você fez com ela? – Thor rosnou apertando seu pescoço.

– Nós fodemos – ele cuspiu .

Lucky contorceu-se e utilizou a parede a sua frente como impulso para jogar ambos contra a parede de trás da estreita viela. Thor bateu suas costas e Lucky tentou se desvencilhar dele. Vendo que de seu braço, ele deslizava, o príncipe atirou seu joelho para cima acertando as costas de Lucky e fazendo ele ser atirado para o alto. Thor o puxou de volta para baixo e o lançou contra a parede, enfurecido, e depois contra o chão. Somente o baque foi doloroso de se ouvir. A poeira subiu.

Thor arrancou sua espada da bainha e viu pelo aço polido uma imagem atrás dele, uma mulher correndo. Ele tinha a chance de matar Lucky naquela hora, entretanto aquilo devia ser somente um plano. Se ele perdesse a cabeça e tentasse matá-lo, Nádia teria a chance de roubar a adaga quando ele menos esperasse.

Thor arrancou suas facas da cintura, acertou um chute na cabeça de Berbatov que provavelmente deixaria ali durante mais um tempo e tornou-se na direção de Nádia que corria em alta velocidade como um puma esfomeado. Ele atirou suas facas contra ela na intenção de fazê-la desviar. A primeira faca ela escapou como ele previu permitindo que a outra faca furasse seu ombro e o impacto a fez parar de correr .

Rapidamente Thor correu para seu corcel e o montou, sentindo sua garganta arder por não poder cortar a de Berbatov. Ele esporeou o animal branco para que ele disparasse em fuga, ele era veloz e ligeiramente Thor deixou os dois para trás. Quando já estava numa distância significativa, cinco vielas à frente, uma mulher repentinamente surgiu diante seu corcel, e com um mero movimento, ela fez com que Thor perdesse o controle do animal e caísse violentamente no chão.

Ele levantou seu olhar, sentindo seu corpo latejar pelo impacto brusco no chão, e viu de relance uma mulher que lhe lembrou de imediato Emily, mas era a outra bruxa, Ludmilla Willow. Ela encarou Thor, que tentava se levantar, e suspirou. Era como um predador que já tinha considerado o jogo ganho.

– É bom revê-lo príncipe Meszaros.

Thor sentiu sua cabeça queimar, ele arfou, não lembrava de ter ferido a cabeça na queda. A voz dela pareceu ecoar em sua mente. De repente, uma dor alucinante penetrou sua cabeça e o fez curvar-se no chão de terra úmida. Sua cabeça começou a latejar o impedindo de abrir os olhos. Ele sentia como se tudo estivesse crescendo ao ponto de se explodir. A pressão aumentava e Thor gritou, enfiando seus dedos na terra molhada. Ele sentiu o gosto do sangue invadindo seu paladar. Tudo que desejava era que aquela dor acabasse.

Ele forçou-se abrir os olhos e viu Ludmilla concentrada em sua imagem, a medida que Thor foi fechando eles que pareciam extremamente sensíveis a luz do dia, ele viu o vulto de um cavalo aproximar-se e atingir violentamente a bruxa que foi lançada para o chão ao ser atropelada. A dor se extinguiu e Thor engoliu o sangue que estava na boca, abrindo e fechando os olhos para voltar ter reações.

– Thor! – a voz de Julieta o chamou.

Thor ergueu seu olhar turvo e a viu em cima do cavalo, ao chão, Ludmilla com a cabeça torcida e com uma lâmina atravessada no peito . Julieta lhe estendeu a mão e Thor cambaleou até ela, apanhou sua mão e montou desengonçadamente no cavalo.

– Fuja – ele arfou.

– O que esta mulher queria? – Julieta gritou, deveria estar chocada por matar uma bruxa.

– A adaga dos caçadores – ele sussurrou tentando respirar.

– Ela está com você?!

Ele assentiu, zonzo.

– Devemos protegê-la a todo custo.

Thor viu algo agarrar-se ao pulso de Julieta e de um momento para o outro, ela foi arrancada do cavalo e atirada ao chão por um chicote. Thor segurou as rédeas do cavalo assustado e seus instintos voltaram abruptamente. Ele viu Nádia parada com o mais belo sorriso sádico de todos. Ele contornou o animal para perto de Julieta, caída na terra molhada, felizmente, ela parecia ainda respirar. Estava inconsciente. O pulso onde o chicote agarrou estava em carne viva, o que fez Thor pensar que Nádia carregava chicotes envenados.

– Fuja e eu mato-a – Nádia murmurou, preparando seu chicote. Seu ombro sangrava, aquilo deveria ter a enfurecido. – Admito que você me deu mais trabalho do que eu esperava, príncipe Thor. Agora desça do cavalo.

Thor não o fez. Se ele descesse, ela poderia matar ele e Julieta. Ele precisava pensar, e pensar rápido. Se ficasse e perdesse sua adaga, era a vida de Amélia que também se perderia, mas como ele poderia salvar Julieta se não fosse lutando?

Nádia ergueu seu chicote e frajelou Julieta, o chicote abriu uma ferida em suas costas mesmo que ela estivesse protegida por uma grossa lã.

– Desça deste cavalo.

Thor desceu de malgrado. Deveria lutar, não havia escolhas. Ele viu Lucky Berbatov aproximar-se com seu capuz pela diagonal deles, Thor tocou o cabo da bainha de sua espada e a arrancou, preparado para a batalha contra os dois. Berbatov ergueu sua flecha e mirou em Thor. Ele estava muito perto para Thor conseguir sair ileso daquele ataque. Thor arfou esperando sua flecha, ele deveria ser rápido o suficiente para deixá-la acertar no seu braço esquerdo, pois era o que menos precisava. Lucky atirou sua flecha rapidamente, mas ela não viera em sua direção, ela fora na direção de Nádia Sheeran.

Thor saltou para trás com o susto, esperava vê-la flechada, porém ela era rápida o suficiente para receber apenas um corte braço. Lucky Berbatov atirou outras e Nádia esquivou-se como um ágil felino, mas foi acertada no braço apenas pela última seta.

– Era triste saber que cedo ou tarde você me decepcionaria – ela lamentou sem realmente parecer surpresa. Nádia ergueu seu chicote e com um ligeiro golpe, ela imobilizou a mão que atirava flechas de Berbatov, com o outro chicote ela arrancou o arco, levando-o ao chão.

– Thor fuja com a adaga! Proteja a adaga! – Lucky gritou.

– É isso que você realmente quer, Nicholas?

Tudo que Nádia precisava era de mais uma adaga. Ficar seria um risco, Thor se apressou para colocar Julieta sobre o cavalo e montou ele. Sentiu o cheiro da carne queimada e apanhou sua última faca na cintura, ele a atirou na direção de Nádia, precisamente em sua mão o que a obrigou largar o chicote libertando uma mão para o Lucky.

– Proteja a adaga! – ele tornou repetir numa voz mais grossa fazendo Thor entender que ele deveria ir.

Nádia já arrancava de sua cintura dados, que provavelmente também eram envenados, Thor tomou as rédeas e esporeou o cavalo, partindo rapidamente em rumo ao castelo. Deixando com que Lucky Berbatov ficasse para trás, na dúvida se aquilo se tratava ou não de outro teatro do casal psicótico.

VI

Amélia Norwood observava os delicados brotos azuis das flores se preparando para renascer na primavera. Os jardins de Skyblower eram conhecidos por sua beleza inigualável, e era verdade. Tinham grandes jardins decorados de acordo com cada grande reino de Reynes. Talvez não fosse coincidência que Mia gostasse mais do jardim do Norte, era o maior, o mais bem ordenado, o mais diversificado com flores e pomares e o mais fácil de desaparecer da vista das outras pessoas. Entretanto, aquele desejo não era mais realizável. A princesa era seguida por quatro guardas, dia e noite, por ordem de seu rei. Ter aqueles homens atrás dela desde a hora que se levantava até a hora que se deitava era detestável.

Debaixo da fina neve, Mia avistou uma jovem senhora vagando. Tinha um ar desnorteado e fazia o mesmo que Amélia fazia, observava com certa desesperança os brotos que se preparariam para o recomeço da primavera. Estava enrolada numa grande manta de algodão negro. Amélia observou seus passos silenciosos até a jovem senhora notar a presença da princesa na companhia de seus quatro guardas.

– Princesa Amélia – ela se reverenciou. Era Alice Xavier, mãe de Jan Xavier, o homem que seu pai decidira tirar a vida. Mia atirou um rápido olhar para seus guardas, para que eles se afastassem.

– Lady Alice.

– Também viera admirar os últimos dias de inverno?

Mia assentiu, unindo suas mãos.

– Eu nunca gostei dos invernos. Achava triste e úmido. Mas, meu Jan Xavier gostava. Dizia que eu deveria aprender a enxergar o que havia de mais bonito em cada estação.

Amélia abaixou seu olhar e ambas fitaram os brotos azuis nos cabos verdes.

– E é realmente uma pena que eu tenha aprendido a fazer isso somente agora, quando não há mais ninguém para me acompanhar. Todos tentam se abrigar da estação da morte, porém ela sempre os apanha. Mas, você não é como eles, não é?

Amélia tornou olhá-la.

– Você faz caminhadas durante o inverno. Você não o teme. Não tenta fugir.

– O ar frio me ajuda pensar – Mia murmurou.

– Todos que têm o coração aquecido não temem o inverno, minha mãe dizia, talvez estivesse certa... Gosto de vir aqui para pensar e observar as flores que morrem e as que sobrevivem no inverno. Aprecio especialmente essa flor. Você a conhece?

– Companheira-Azul .

Era uma das poucas flores que Amélia conhecia, uma típica flor do Norte.

– É uma flor forte, mas sensível exatamente como os nortenhos. Notei que algumas duramente sobrevivem quase toda estação, são teimosas, elas lutam, mas no final, se uma única flor se curva, todas morrem antes da primavera. Elas precisam viver em grupo exatamente como nós. A Mãe Natureza é incrível... O inverno está no seu fim, é hora de dizer adeus para tudo isso.

– Por que diz isso?

– Porque esta é a função do inverno. Levar os fracos e deixar os mais fortes, minha princesa. Mas, não deixe-se enganar, força não é sinônimo de riqueza. Certas flores são muito melhores tratadas que outras, recebem a melhor água, a melhor terra, os melhores abrigos. Mas, ninguém engana a Mãe Natureza, nem mesmo o dinheiro. Se a Mãe desejá-la no inverno, Ela a terá. Pouquíssimas flores sobrevivem ao inverno, pois este é um final de ciclo.

Contemplar a Mãe Natureza não era um costume do Salucismo, Mia perguntou-se se era um costume dos Venatores.

– Qual ciclo?

– O da vida. Elas nascem na primavera, crescem e envelhecem durante o verão e o outono, morrem no inverno se esta é a vontade de forças superiores. Entretanto, existem aquelas que são levadas antes de sua hora, como a Companheira-Azul. Alguém machucou profundamente esta – a senhora acariciou uma das flores que Mia não notara, no fundo, abaixo das outras, apenas um cabo decepado. Todas as outras estavam fechadas agora.

– Estas terão um trabalho muito maior para poder retornar na primavera, seja por uma raiz rasgada, seja por uma peste, porém se uma única não retornar, outras de sua espécie não terão força para continuar e morrerão com ela. É a consequência da morte, trazer outras consigo.

Amélia continuou fitá-la, Lady Alice lhe mostrou um sorriso abatido e se retirou com uma reverência com a chegada de Aspen Butler, encarando-o com um olhar frio até o último momento.

– Algo errado, princesa Amelia?

– Peçam para alguns guardas acompanharem Lady Alice e seu marido esta noite. Apenas por segurança.

Ele aquiesceu.

– Como está a segurança para o baile? – Amélia andou ao longo do jardim.

– A segurança está dobrada. Todos já foram avisados sobre os possíveis intrusos. Estarão todos preparados. A ordem é atirar.

– Assim espero. Conde Butler, algum de seus homens encontrou algo sobre a mulher que pedi?

– Sinto em dizer que ainda não, Vossa Alteza. Nós fomos naquela estalagem a qual a senhorita indicara, mas não havia nenhuma Lydia Vilhelm por lá.

– Quanto a Emily ? Soube que você tem a visitado todos os dias.

Aspen pareceu envergonhado com a remarca.

– Minha prima está se recuperando bem, princesa. Agradeço a preocupação.

Amélia apertou os dedos de sua mão.

– Se me permite perguntar, princesa Amélia, apesar de ter participado de toda decisão das posições dos guardas, você ainda se sente insegurança sobre esse baile? Todos os homens estão em seus postos.

– Aprendi com esses últimos tempos, Conde Butler, que não se deve subestimar ninguém. – Devia ter um claro tom acusador em suas palavras. O Conde apenas assentiu.

– Trago boas notícias. Os seus convidados chegaram.

– Levem-os para a sala do trono.

Amélia se abrigou do frio adentrando pelos fundos do castelo, e seguiu para a sala do trono na companhia de seus quatro guardas que pareciam mudos, pois nem mesmo respiravam mais alto do que deviam. Conhecia somente seus nomes, Sor Alder, talvez o mais velho dentre eles, tinha grandes suíças e uma cara achatada, Sor Oberon, feições animalescas e com um nariz rude, Sor Octavio, que era seu irmão de cabeça oval e espinhento, e por fim Sor Tad, o mais novo dentre eles, mas espadaúdo e com graciosos cachos loiros. Eles somente se atreviam a falar quando Amélia estava distante o suficiente para não escutar, ou quando achavam que ela estava. Entretanto a presença daqueles homens não lhe transmitia segurança, somente falta de privacidade, sentia-se vigiada. Eles estavam ali para Mia ser mantida na linha que seu pai desejava que ela estivesse.

Amélia exigiu que dois esperassem na porta de entrada, e os outros entrassem com ela e ficassem ao seu lado, ao pé do trono. A princesa andou pela imensa sala que levava até as cadeiras. Existiam duas, entretanto a maior delas, a que seu pai se sentava, ocupava o centro e era o maior. Amélia subiu os degraus com cautela. Era um grande trono revestido de dourado do ouro derretido, com um estofado macio de puro carmim. Era somente uma grande cadeira, mas era cobiçada. Seria a cadeira que Amélia ocuparia quando fosse rainha.

Amélia ouviu os sons dos passos se aproximando e aprumou-se, tornou a virar-se e avistou aproximação de dois homens sendo escoltados por guardas. Ari Rhys Gleccor e Louis Legrand foram deixados abaixo de seu trono.

– Amélia – Ari suspirou.

– Princesa Amélia. – Sor Alder corrigiu, rudemente.

– Agradeço por terem aceitado meu pedido e vindo até aqui.

– Princesa não leve isso para o lado pessoal, mas se fosse por mim, eu não teria vindo. – Louis admitiu, olhando feio para Sor Alder. – Lucky escolheu o lado de sua inimiga e talvez agora você nos considere inimigos. Se vamos ser presos, avise-nos agora para termos tempo de fugir, sabe, pelos anos de amizade.

– Eu apenas conheço vocês há um ano.

– Eu não estava pensando em pedir mais de uma hora. – Louis deu um doce sorriso que não arrancou nem mesmo uma expressão gentil de Amélia. – Eu disse que não deveríamos ter vindo – ele rosnou para Ari.

– Mia... – Ari começou.

– Vossa Alteza!

– Cale a boca, Sor Alder – Amélia rugiu causando eco no salão. Ela uniu as mãos e atirou um olhar para Ari, para que ele continuasse.

– Princesa – Ari continuou numa voz mais mansa –, nós não sabemos onde Lucky está. A última vez que o vimos fora um dia depois de você, ele estava pobre numa taberna. Ele pediu para nós não o seguirmos.

Amélia continuou encarando-os.

– A princesa vai prender-nos? – ele perguntou.

Um silêncio prevaleceu durante os segundos seguintes.

– Quando eu estava retornando para Skyblower, eu escutei histórias sobre dois homens que estavam se proclamando cavaleiros do Norte. Eram nomeados por Sor Rhys Gleccor e Sor Legrand.

– Era uma pequena brincadeirinha que inventamos para o Henry e nos esquecemos de dizer a verdade.

– Eu não ouvi essa história apenas dele. As outras versões, esses homens tentavam usar o título para conseguir cervejas e não pagar por elas.

Louis coçou a cabeça.

– Usamos essa história mais de uma vez, Ari?

– Talvez umas sete vezes.

– Nove no máximo. – Louis acertou.

Amelia continuava a estudá-los. Apenas havia escutado duas vezes aquela história.

– Então, vocês saem pelas terras nórdicas declarando ter um título que não tem.

– Podemos ir presos por isso?

– Claro que podemos, seu idiota – Louis murmurou.

– Podem ser até mortos – Amélia rebateu. Ambos arregalaram os olhos. – Mas não nesse reino.

Os dois pareceram engolir seco.

– Ari e Louis, vocês provaram ser homens fortes, bravos e leais, ao contrário de Berbatov – suas palavras pesaram e ela fez uma pausa –, por este motivo hoje eu lhes concedo os títulos de cavaleiros se assim desejarem. Servirão a coroa e terão seus benefícios por isso como dinheiro, terras e cervejas.

Eles se entreolharam.

– Você não vai prender-nos? – Ari perguntou sorrindo.

– Somente se recusarem. – Os dois pararam de sorrir. – Era uma piada.

Ari e Louis riram nervosos.

– Sei que vocês são bons guerreiros e que adoram boas brigas, senhores. Eu gostaria de tê-los ao meu lado nesse fogo cruzado. Sei que talvez vocês fiquem num dilema por estarem entre mim e Berbatov, mas...

– Lucky que vá para os infernos! A princesa me ganhou com o dinheiro. – Louis se antecipou.

– Ela me ganhou nas cervejas!

Amélia sorriu pela primeira vez, mas era um sorriso que lhe custava, porque ela sentia algo escuro no seu interior. Ela desceu as escadas e parou nos dois últimos degraus.

– Senhor Ari, entregue-me sua espada.

– Não temos o direito de ter armas?

– É para a declaração, bobalhão – Louis o socou.

Ari arrancou sua espada desajeitamente da bainha e entregou apressadamente a princesa.

– Ajoelhem-se.

Ari se curvou, mesmo com os joelhos no chão, ele chegava a ter quase à altura da princesa. Já Louis, ajoelhado, parecia inalcançável ao lado de Ari, de maneira que ele foi obrigado a subir para cima de um degrau.

– Eu, Louis Legrand, juro pelas cinco estrelas do brasão de Skyblower, lutar bravamente e protegê-la, princesa Amélia. – Louis disse, curvando sua cabeça.

– Eu, Ari Rhys Gleccor, juro pelas cinco estrelas do brasão de Skyblower, lutar bravamente e protegê-la, princesa Amélia – Ari repetiu.

Aquele não era exatamente o juramento que um cavaleiro nórdico fazia a coroa, Mia pensou que eles deveriam ter ouvido em algum lugar o juramento pelas estrelas, aquele esforço já era do seu grado.

– Eu Amélia, filha primogênita do Rei Carlos Alksen Norwood e da Rainha Adelaide Hansen, futura senhora e rainha do Norte, nomeio estes bravos homens como aqueles que lutarão ao meu lado nas batalhas de cada dia, os quais confiarei minhas armas, minha comida e meu teto em troca de vosso respeito, vossa lealdade e vossa honra.

Amélia tinha distorcido o discurso, o certo era dizer "nomeio estes bravos homens como aqueles que lutarão por mim", mas estava decidida de que ninguém mais lutaria por ela, somente ela mesma.

– Declaro vocês, Ari Rhys Gleccor, vindo das Terras Além do Mar, e Louis Legrand, vindo das terras do oeste, cavaleiros oficiais da coroa de Skyblower. – Ela fez a espada tocar o ombro direito depois o esquerdo de cada um. – Tornando-se agora oficialmente Sor Rhys Gleccor e Sor Legrand.

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O grande Baile de Equinócio de Primavera teve início sete luas mais tarde. No preâmbulo do crepúsculo menos frio do final do longo inverno, todos os preparativos para o dia tão esperado estavam em seu devido lugar graças à convicção da rainha Adelaide que era primordial para um lugar tão abiótico aos olhos de Amélia. A princesa não queria aquele baile, repudiou a ideia do início ao fim, entretanto, haviam grandes finalidades para aquela grande reunião ocorrer naquela altura tão delicada para a família Norwood. Política.

Amélia soube que o grande inverno causara consequências ainda maiores que os dois últimos em Reynes. Os ventos carregados com o azar de Wanderwell sopraram para a Cidade-Livre, seu pai dissera, trouxera a falta de recurssos deles e ainda destruiram suas plantações pela exarcebação do inverno. Foi uma questão de segundos para Mia fazer a ligação dos interesses. Skyblower produzia tudo que era necessário para exintiguir a fome, grãos, trigo, agricultura e pecuária. A Cidade-Livre era naquele momento o coração de Reynes, a ligação entre todos os outros, convencer os Dez Ministros da importância do reino nortenho para eles, era ganhar um grande, talvez o maior aliado. Ter um aliado como aquele, era ter uma futura guerra quase ganha.

Mas se a Cidade-Livre se desenvolveu tanto desde da guerra foi porque os reinos permitiram, Amélia devolvera confusa, ela seria o símbolo da paz, como poderiamos convencer os Dez Ministros escolherem um aliado e trair os outro? Cogitar a ideia de uma guerra?

Um povo esfomeado é um povo temido, Amélia. O rei respondera numa voz pesada.

Quem tomou as rédeas do desdobramento do discurso foi o Conde Butler. Ele explicou que a Cidade-Livre estava enfrentando choques políticos. As pessoas entendiam por algum motivo inexplicado que deveriam se curvar para aquelas famílias que diziam ter sangue real, entretanto a Cidade-Livre estava sendo comandada por líderes que o povo não elegera e que também não tinham sangue real. Eram simples homens ricos e importantes. Cada um dos dez tinha sua função, porém qualquer decisão era tomada por todos juntos em votação. Votações onde a Igreja Saluscista e os Dez Ministros se benificiavam, junto dos seus circulos de familiares e amigos. E o que mais temiam os Dez Ministros eram as novas ideias de mudanças que o povo exigia, novos metódos de governo.

Eles têm medo de uma guerra civil, Mia concluiu. Por isso querem acabar com a fome a qualquer custo. E era ali onde Skyblower tirava proveito.

Aquela discussão teria progressão e uma decisão naquela noite. Por isso a rainha Adelaide estava fervorosa, achava que sua ida a Wanderwell tinha atrasado toda a arrumação que organizava há quase um mês. Amélia normalmente a evitava às vésperas de cada baile em Skyblower, pois sabia que sua mãe desejava a perfeição e aquilo era estressante, não somente para ela e como para todos que a serviam. Porém naquele dia, a rainha pediu a sua companhia para verificar os últimos detalhes do Salão de Skyblower.

Amélia veio ao seu encontro pela entrada do oeste, a que era mais próxima de seu quarto, mas era a entrada mais cansativa. Era por ali que todos os convidados vinham, para serem exibidos durante a longa descida das escadarias de mármore branco perolado, com os largos corrimãos suavemente pintado com um doce amarelo ornamental que se abriam graciosamente como a visão da chegada no paraíso. Duas grandes estatúas de ferozes leões finalizavam a escadaria, um de cada lado.

Como o tema era a entrada da primavera, a rainha apostou na vivacidade das flores. Grandes coroas de flores tinham sido espalhadas ao longo do salão, flores de cores quentes, sobretudo no vermelho que enaltecia as grossas cortinas de algodão cor-de-sangue que cobriam as amplas janelas na parede do norte, no seu lado esquerdo. Entre cada janela, a rainha escolhera colocar grandes vasos ordenados com os símbolos do norte e grandes buquês neles.

Do lado direito, candelabros de chão dourados foram adicionados, colocados ao pé dos grandes pilares de pedras cintilantes, estavam também contornados delicadamente por diversas flores brancas. Os pequenos sóis desenhados na parede de um sutil cobre criavam uma perfeita harmonia com a decoração florida da rainha. Mesmo que ainda houvesse um pouco de luz solar, os majestosos lustres estavam ardendo com seus oléos, fazendo tudo se tornar brilhante e onírico.

Amélia deixou um pequeno sorriso transparecer em seu rosto ao observar o lugar.

– Se você está sorrindo, considero que eu realmente fiz um bom trabalho – a rainha disse vendo sua filha descer as escadas, com os olhos brilhando.

– As flores combinam com o Salão – ela admitiu.

– Então talvez eu não as retire até a próxima estação.

– Acho que nunca vi o Salão de Skyblower tão bonito como está agora. Há tantas flores aqui, por que eu apenas sinto o odor de alecrim?

– Porque o cheiro de todas essas flores estavam me enjoando muito. Então pedi para que borrifassem o ar com essência de alecrim. Já me arrependo. Esse cheiro está insuportável. Me causa nauséas.

– Pensei que gostasse do cheiro do alecrim.

Sua mãe não respondeu, ela estava agitada. Se perguntou se sua mãe não deveria sentir frio com o fino vestido de seda cerda que usava, Amélia a observou, parecia ter ganhado peso, tinha os seios maiores do que lembrava, o que era estranho porque a rainha costumava comer sempre muito pouco, principalmente às vésperas de bailes. Ela parecia extremamente cansada.

– Sabe quem virá esta noite? – ela forçou uma voz animada. – Seu irmão e o prícipe Meszaros.

– Dúvido que Thor venha – Mia suspirou.

– Ele deu a mim sua palavra. Vocês terão a chance de conversar.

– Mãe...

– Nós não devemos manter maus laços com ninguém porque sempre podemos precisar dessas pessoas mais tarde. Converse com Thor esta noite, querida. Erga a bandeira branca e passem uma noite agrádavel juntos. Pelos menos você tem que ter uma noite agradável. Eu estou com os sentimentos a flor da pele com esta noite, estes convidados.

Amélia também se sentia preocupada, mas não era com os convidados. Sentia um pesado remorso. Sua mãe achava que ela viera ao mundo de uma mulher qualquer, e que seu pai também deveria ser alguém sem grande importância. E, no entanto, ela era filha de seu marido com sua amante. Seu pai escondera esse segredo durante todos estes anos, a rainha também já escondera segredos, mas ainda assim, Mia sentia-se mal por não dizê-lo. Talvez devesse falar, mas não naquela noite, era um assunto delicado e hoje sua rainha estava visivelmente ansiosa com o baile.

– Eles precisam de nós assim como precisamos deles, porém eles não sabem que temos grandes necessidades como eles. – Amélia pronunciou calmamente. – Tudo ocorrerá bem essa noite.

Mia talvez devesse acreditar em suas palavras.

– Preciso que esse baile passe logo – ela pediu, com ansiedade. – Somente com um acordo com a Cidade-Livre eu me acalmarei.

A princesa estudou sua mãe.

– O que tanto lhe incomoda?

Ela balançou a cabeça e forçou um sorriso: – O baile!

– Somente isso?

A rainha lhe deu as costas e andou até a janela mais próxima, atordoada. Mia a seguiu.

– Mãe? – ao alcançá-la, Mia notou que sua mãe estava com os olhos cheios de lágrimas e tentava segurar seu choro. – Por que chora?

– Esse mundo é tão frio – ela choramingou. – Uma guerra poderá acontecer em poucos anos, e se não tivermos o devido apoio, corremos o risco de perdê-la.

Mia sentiu-se desnorteada, há anos essa guerra era prevista. Por que ela chorava agora por aquilo, Mia questionou, e então obteve rapidamente sua resposta ao ver sua mãe levar a mão até seu ventre e apertá-lo. Mia arregalou os olhos, atônitos.

– O rei sabe?

– Não. Ainda não.

Amélia não soube como reagir, sua mãe parecia infeliz com a chegada de um novo filho.

– Eu tenho cinco filhos, cinco lindos filhos, e agora terei mais um. A família que eu sempre quis... Somente peço a todos nossos deuses que essa guerra não acabe com tudo isso. Contarei ao rei após a decisão ser tomada com os ministros. Até lá eu preciso me manter calma.

Amélia levou sua mão até o rosto de sua mãe, e limpou suas lágrimas, a consolando com um forte abraço. Respirava forte a fim de acalmar seus sentimentos ansiosos. Se realmente existissem deuses, Mia desejou que eles protegessem sua família. Que os Dez Ministros aliassem-se a Skyblower.

VII

Naquela noite Thor chegaria em Skyblower depois de viajar quase duzentas léguas que levou, por sorte, oito luas de viagem. Na quinta lua, ele havia parado no reino de Amarílis para descansar e abastecer os suprimentos que faltavam. Contra sua vontade deveria rever a família Marilicco apenas por cortesia, eles abrigariam Thor e Elliot naquela noite. Thor não tinha boas lembraças ao voltar para aquele castelo, pois lembrava-se inevitávelmente da viagem onde o castelo fora atacado pelos espiões de Skywell, e dias mais tarde, ele atravessaria uma espada pela barriga de sua mãe.

Amarílis poderia se considerar um reino, mas para Thor era tudo uma fachada. A família Marilicco não dava um passo a mais sem a permissão do pai de Thor que era o verdadeiro rei daquelas terras. Era um reino de terras pequenas, não havia muito como se sustentar se não fosse pelo comércio exterior, que apenas chegavam para eles enquanto o rei Edvard estivesse satisfeito com a família real.

A princesa Stephania estava idêntica, carente de atenção, entretanto estava prometida com o filho mais novo da casa Vulna, vassalos de Wanderwell. Ela tentara fazer algum tipo de ciúmes infantil para Thor, como quem dissesse poderia ser você meu prometido. Thor deduziu que ela não se casaria com o próximo senhor da casa, e sim com o mais novo que não herdaria muitas coisas, porque os vassalos da família Meszaros desdenhavam a família Marilicco por declararem ter um título que na verdade não tinham. Eles não são reis de nada, seu pai uma vez cuspira durante um banquete com seus vassalos. Eu acabo com esse título quando eu quiser, deixem eles acreditar que são reis de algo!

O rei nunca voltou a repetir que Thor era um traidor como dissera a última vez, mas ele fizera um maldoso comentário sobre o caos que as mulheres podem fazer quando estão no poder. Durante sua visita para o banquete todos usavam uma hipócrita cordialidade que dera dor de cabeça para Thor e o fizera agradecer sair dali durante a alvorada.

– Você viajará ainda para Verdon? – Elliot perguntou num tom culpado como uma criança que contara algo que não devia.

– Se a rainha não contar para meu pai, sim, viajarei – Thor respondeu, seco.

Se o rei descobrisse os planos de seu filho para o verão, Thor não conseguiria imaginar o que seu pai poderia fazer. Era um homem sem escrúpulos. Um falso devoto da Igreja Saluscista, os boatos de que sua falecida mulher era uma seguidora dos Venatores o deixaram furioso, então seu pai fez ameaças circularem pelo reino de que ele cortaria a língua de todos que se atrevessem a repetir tal calunia. Se ele imaginasse os planos de Thor...

Seu pai estava um dia andiantado, então provavelmente já estava em Skyblower. E aquela noite, Thor chegaria com Elliot. Ele se perguntou como reagiria ao ver Mia depois de tanto tempo. Eles tinham tanta coisa para conversar, tantos assuntos que Thor odiaria falar, mas que eram necessários. Seu pai estava certo, ele não deveria tê-la deixado naquele dia na ALDA, não com tantos assuntos pendentes, mas ele estava magoado com tudo que estava acontecendo e não tomara a decisão sensata. Uma decisão que poderia ter custado a vida dela...

Não queria imaginar o que poderia ter acontecido entre ela e Berbatov, mas também não conseguia entender o que estava acontecendo naquele momento. Mesmo com o que ele tinha feito no Mercado do Peixe, Thor estava com um pé atrás. Em um momento estava lutando por Nádia e no outro mudou sua posição. Aquilo poderia ter sido real como não poderia ter passado de um teatro. O que importava realmente era que Thor ainda tinha consigo a última adaga e que Julieta tinha sobrevivido ao ataque daquele dia.

Quando eles chegaram na estrada que levaria até o castelo de Skyblower, um trânsito de carruagens interrompeu o caminho. Somente ali Thor percebeu que o baile seria maior do que ele esperava vendo a quantidade de carruagens que esperavam para adentrar o castelo. Imaginou que o motivo de toda aquela espera era que a segurança naquele dia era maior do que todas as outras vezes, deveriam estar confirmando os nomes dos convidados e verificando convites enquanto ainda estavam em suas carruagens e fazendo revistas de que não havia nada fora do comum dentro delas. Não havia nenhum luxo naquela espera. O ar de fora cheirava estrume devido as fezes dos cavalos espalhadas pela estrada. Poderia ser uma noite menos fria, contudo a espera faziam as carruagens gelarem com o vento constante.

– Minha mãe ficará uma fera com este atraso – Elliot pestanejou.

– Então vá a pé e suje seus pés com estrume de cavalo – Thor rebateu, com um ar tedioso.

– Você acha que me deixariam entrar?

– Com os pés sujos de estrume?

– Se você me emprestasse um de seus cavalos – ele respondeu impaciente. – Gostária de chegar mais cedo para conversar com minha mãe. Sei que ela está estressada com o baile de hoje à noite. A súbida não é íngrime, um cavalo pode puxar a carruagem.

Thor estendeu sua mão para a porta.

– Seja um bom filho.

Elliot desceu da carruagem e foi em busca de seu cavalo, Thor escostou-se sobre o estofado e suspirou, pensando como poderia decorrer o resto daquela noite. A espera e a falta de luz durante o crépusculo estava começando a deixá-lo dormente. Uma hora mais tarde, quando sua carruagem tinha avançado uma légua e deveria faltar apenas umas vinte carruagens a sua frente, avistou homens andando à beira da estrada, servos do castelo aproximavam-se de sua carruagem. Eles não usavam nenhuma armadura. Estavam com uma túnica de mangas compridas de linho vermelho e uma coifa de lã. Apenas um aproximou-se de sua carruagem enquanto os outros seguiram para as outras. Este carregava sem sutileza uma bandeja a qual servia vinhos. A rainha deveria ter se encarregado de enviar vinhos para os seus convidados que estavam a espera. O servo aproximou-se e o cocheiro perguntou pela janela:

– O homem serve vinho. Aceitaria, Vossa Alteza?

– Agradeço, mas não.

Um segundo se passou e o cocheiro tornou a repetir.

– O homem insiste, príncipe – disse de malgrado. – Diz que é cortesia da rainha, as melhores uvas do Norte.

Thor inclinou-se sobre o banco e espiou o homem que se apresentava para o cocheiro, ele mantinha a cabeça baixa, dando visão apenas para sua coifa de lã. Estava demasiado escuro para Thor poder vê-lo bem.

– Diga que eu aceito – Thor disse, desconfiado, apanhou a bainha de sua espada e deixou sua mão em seu cabo. O servo contornou a carruagem e apresentou-se em sua janela, sem mostrar o rosto. Thor abriu sua porta e o observou colocar a bandeija no chão enquanto ele enchia a taça dourada, em silêncio.

– O que você está fazendo aqui?

O homem ergueu seu rosto entregando o vinho para Thor.

– Eu preciso de sua ajuda. É uma questão de tempo até que percebam que não sou o homem que deveria servir esses vinhos – Lucky murmurou.

– E por que eu faria isso? Você traiu Amélia. Você quase matou Emily.

– E poderia ter matado você. Mas eu não matei. Assim como não matei Emily, evitei que Ludmilla a matasse.

– Por que?

– Eu precisava saber o que Nádia planejava. Ela precisava juntar as três adagas e acordar Ceres.

– Disso já desconfiávamos.

– Sim. Mas ninguém conseguiria pará-la até ela conseguir o que desejava.

– Ela está morta?

– Não. Ela escapou naquele dia.

– Como eu sei que você está me dizendo a verdade?

Lucky colocou as mãos em seu cinto e Thor, em alerta, apontou-lhe rapidamente o aço de sua espada. Berbatov rangiu os dentes e tirou lentamente duas adagas dali e as pousou no chão da carruagem. Uma Thor reconheceu imediatamente, a adaga do Clã das Bruxas. A outra era dourada, deveria ser a adaga dos sacerdotes.

– Eu roubei as adagas. Eu preciso entrar naquele castelo e conversar com Mia.

– É um bom plano ter minha ajuda para entrar e depois roubar minha adaga, encontrar Amélia com sua amante e acordar Ceres.

– Thor, você não entende o que está acontecendo. Nós precisamos impedir esse baile. Nádia está agora sem suas armas especiais, e sem sua bruxa, mas ela nunca desiste de seus objetivos. O baile é uma ótima oportunidade para ela conseguir o que deseja. Eu preciso entrar nesse castelo e alertar Amélia.

– Você já invadiu esse castelo mais de uma vez, Berbatov. Se você não fez isso até agora é porque ele está realmente protegido essa noite.

– Meu príncipe, a carruagem precisa avançar – o cocheiro avisou.

– Nádia sempre consegue o que ela quer, Thor. Tudo que ela fez até hoje era para conseguir ficar ao meu lado e eu não estou do lado dela – ele pronunciou suas palavras com raiva, pela falta de tempo. – Ela estava perto de conseguir tudo que queria e agora não tem mais nada, somente sua vingança. Quem você acha que ela irá atrás essa noite?

Thor ainda não sabia se ele deveria confiar em sua palavra.

– Thor, eu sei que você ama a Mia. Sei que você me considera seu rival nesse momento pelo amor dela. Você tem uma ótima oportunidade nas mãos para se livrar de mim e mesmo consciente disso, aqui estou implorando sua ajuda. Nós não podemos amar uma mulher morta! Amélia provalmente não me perdoará pelas coisas que fiz e as que ela acha que eu fiz, mas terá que me escutar pela última vez. Algo ruim acontecerá essa noite!

– Meu príncipe! – o cocheiro chamou e Thor viu que alguns guardas se aproximavam de sua carruagem para saber o porquê uma impedia as outras de avançar.

– Suba! – Thor ordenou.

– Esse não é plano – Lucky sussurrou.

– Tarde demais, suba!

Berbatov subiu a carruagem e Thor fechou sua porta. O cavalo começou a andar, ele entregou rapidamente a bandeja e as duas adagas para Lucky.

– Ajeite a coifa, abaixe a cabeça, coloque a bandeija em seu colo e segure a garrafa de vinho.

Thor encheu sua taça até o topo e entregou a garrafa para ele, escorregou no banco e abriu as pernas. A carruagem chegou em volta dos seis guardas vestindo placas douradas no peito. Homens carrancudos e atarracados fazendo a vistoria de todos os convidados.

– Boa noite, senhor? – o mais alto dentre eles perguntou, encostando-se a beira da janela e observando tudo lá dentro.

Thor deu uma grande golada no seu vinho doce e cuspiu:

– Príncipe! Príncipe de Wanderwell. Thor Meszaros, é aqui que enfim eu entro?!

– É aqui que fazemos a vistoria das carruagens e confirmamos seu convite, meu príncipe.

– Mais demora! – ele amaldiçoou tomando mais vinho e exigindo que Lucky enchesse mais sua taça enquanto ele escorregava o convite para o guarda. O homem analisou durante um bom tempo o convite e depois o devolveu.

– E quem é este senhor?

– A única coisa boa deste lugar, o homem que serve vinhos a mando da rainha – Thor usou um tom ébrio e rude. – Não reconhece seu uniforme? – ele questionou apontando para os outros servos que passavam atrás do homem e eram identificados um a um por outro guarda que estava mais no fundo. Thor deu mais um gole no vinho e pediu para que seu servo servisse mais.

– Ele deveria estar entrando com os outros servos – o homem observou.

Thor lhe atirou um olhar furioso.

– Estou esperando há mais de duas horas nessa maldita fila, você não se atreverá a tirar o servo do vinho, a minha única distração. Ou irá? – seu tom era ameaçador.

– Não. Claro que não, caro príncipe – ele respondeu. – Apenas terei que fazer uma vistoria na carruagem e pedir para que o senhor me entregue sua espada. Ela será muito bem guardada.

– Duas horas de espera e ainda me arrancam minha espada. Que maravilhoso baile!

Thor entregou sua espada e sentiu um alívio por sua adaga estar sendo coberta por sua grande capa. Não era algo que ele deixaria ser guardado por outras pessoas.

– Encha meu copo!

A vistoria levou alguns minutos, confiriram todos os compartimentos da carruagem e olharam rapidamente no seu interior. Os guardas não quiseram incomodar o príncipe ébrio e nervoso, deveriam conhecer bem a fama de seu pai. No momento seguinte estavam liberados, a carruagem adentrou o castelo.

– Bela atuação – Lucky elogiou.

– Apenas fiz uma imitação barata do meu pai ébrio.

Thor atirou um olhar ligeiro para fora e notou a quantidade de guardas que circulavam pelo átrio exterior.

– Isso está muito bem protegido. Se Amélia está por trás disso, ela com certeza deu um jeito para que todos os guardas reconhecessem seu rosto.

– Continuamos o mesmo plano até o Salão de Skyblower, eu me finjo de servo até encontrar Amélia. Talvez você devesse convencê-la de que precisa falar com ela e tirá-la do motim. Eu estarei esperando em alguma sala.

– Você não passará pelos guardas vestido assim – Thor assegurou.

– Eu passei por estes.

– Graças a mim. Eu conheço a rainha Adelaide, ela é extremamente perfeccionista. Os servos que servem vinho na entrada do castelo não devem ter as mesmas vestimentas que os servos que servem bebida no salão.

– Eu devo então ir para a cozinha – ele abrangeu.

– E tentar apagar discretamente alguém – Thor completou. – Não mate ninguém Lucky, do contrário o plano pode acabar muito mal.

– E o que você fará nesse tempo?

– Tentarei encontrar Amélia. Ela é sempre uma das últimas a chegar no baile a pedido da mãe. Ela gosta que todos olhem para a futura rainha.

VIII

Emily Winston apreciava sua sidra de maçã, observava todos os convidados se cumprimentarem enquanto as flautas, as vielas e a harpa tocavam de fundo, criando um agradável ambiente. Ela já conseguia reconhecer alguns vagos rostos que via em todas as cerimônias como nobres, vassalos, cavaleiros famosos entre outros. Ninguém a conhecia e ninguém falava com ela, mas todos a olhavam com frequência. Deveria ser a mulher de pele mais escura do lugar, talvez pensassem que ela vinha do reino Helsker e por isso estranhavam sua presença ali. Entretanto, mesmo alguns nobres que moravam no castelo não conversavam com ela, apesar de cruzarem caminhos quase todos os dias.

Alguns deveriam saber que ela era uma bruxa e a magia naquele lado do continente tinha somente duas opções possíveis: ou não acreditavam, ou achavam que era algo do mal. Logo Emily era do mal.

Porém aquilo não a incomodava, nunca fora sociável de qualquer maneira. No Clã das Bruxas suas únicas amigas eram Ludmilla e Soraya, que era uma mulher muito mais velha que elas. Emily era vista no Clã como a irmã da aleivosa, a que traiu as bruxas.

O feitiço que não pudera concluir no outro dia, não funcionara numa segunda tentativa. Emily não sabia o que estava errado, talvez fosse porque ainda estava ferida e suas energias abaladas.

Helium - Sia

– Lady Winston – uma voz a tirou de seus pensamentos. Seu olhar se direcionou para o alto homem que se aproximava lhe oferecendo uma taça de vinho tinto. Aspen Butler estava esbelto vestindo um gibão dourado com ornamentos brancos que realçavam seus olhos esverdados e sua pele mestiça.

– Não sou nenhuma Lady – ela bebericou sua sidra.

– Mora num castelo, se veste como uma nobre, vem de uma família importante. Não vejo o porquê de não ser uma lady – ele respondeu, Emily não se deu o trabalho de respondê-lo. – Como está seu ombro?

Emily bebericou outra vez sua sidra. Quem a encontrara naquele dia depois do ataque nos arredores do reino, fora Aspen. Ela não se lembrava de muita coisa depois de ter subido no garrano e ter sido levada rumo ao norte. Mas infelizmente se lembrava do seu encontro com o Conde. Ele controlou seu garrano, ele a apanhou em seus braços, e ele a levou para sua carruagem. Ele procurava a filha da feiticeira que ajudava a enfraquecer os poderes de Ceres em Mia, e no lugar, ele encontrara Emily ferida sobre o garrano, chorando por um filho que não tivera a chance de viver.

Os ferimentos ainda doiam, porém ela ficara em boas mãos sendo cuidada por Simon Vorins, o curandeiro do castelo. Desde então, o conde Butler viera vê-la todos os dias durante seu repouso para saber como estava apesar de Emily se mostrar apática.

– Vai bem, obrigada.

– Aceita vinho?

– Não.

O silêncio entre os dois continuou. Eles observavam os convidados chegarem e se instalarem, até que uma jovem mulher vestida num grande vestido azul florido passou na frente deles e cumprimentou com um sorriso sedutor Aspen e ele retribuiu o sorriso.

– O que você está fazendo aqui? – Emily perguntou num tom grosseiro. – Você tem um baile, com as pessoas do reino que você gosta, por que você está ainda aqui? O que você quer, Aspen?

– Apenas queria saber como estava.

– Por que se preocupa agora quando não se preocupou quando realmente precisei?

Ele a fitou com as sombracelhas caídas e um olhar culpado.

– O que você quer agora ?

– Eu quero te pedir perdão olhando nos olhos, e não gaguejar. Eu quero dizer o quão estúpido eu fui por ter abandonado-na, sem hesitar. Eu quero mostrar a você um outro lado meu que simplesmente tem medo que você o veja.

Emily engoliu em seco, por aquilo ela não esperava.

– Eu quero te pedir perdão desde que você chegou nesse castelo. Mas, eu olho você e vejo uma mulher forte e idependente que nunca pareceu precisar do perdão de um estúpido.

– Então por que você está o dizendo agora? – ela perguntou numa voz pesada.

– Porque eu pude ver o seu outro lado. Você não deixa de ser forte, mas está ferida. Carrega traumas. No dia que eu a encontrei, você se lamentava dolorosamente por ter perdido o bebê. Eu não sei como você perdeu essa criança Emy – ele fez uma pausa, coçou seu nariz e respirou forte –, mas realmente sinto muito por não ter estado com você quando você precisou.

– Eu também sinto – ela murmurou, acenando com a cabeça. – Mas já é tarde demais para se arrepender. O passado já se foi...

– Eu sei.

– O que me resta fazer é agradecê-lo por ter me salvado depois do ataque.

– Você me disse que ele foi assassinado, naquele dia... Por quem ?

Emily sentiu sua garganta apertar-se, era uma pergunta que não estava preparada para receber.

– Boa noite, senhorita Winston – um outro homem interrompeu a conversa, e Emily foi surpreendida ao ver Thor. Ele era mais alto que Aspen, o único que era mais alto que Thor era Ari, então sua presença teve um certo peso. Thor estava vestindo uma túnica branca, com um belo gibão negro ordenado com detalhes dourados.

– Príncipe Meszaros, você veio.

– Sim. Eu não perderia um baile. Há algo errado aqui? – Thor usou um tom frio e um olhar desdonhoso para Aspen. Emily sabia que Thor não gostava dele desde a morte de Jan Xavier, mas seu desdém deveria ter aumentado quando ele descobriu a história dos dois.

– Não. Mas creio que o Conde Butler já estava de partida. Eu agradeço sua preocupação, Conde Butler, mas meu ombro vai melhor – ela proferiu e Aspen anuiu. Se retirando com a cortesia de cumprimentar Thor.

– O que ele queria?

– Me perdir perdão. E o que você está fazendo aqui? Acreditei que estaria velejando nesse momento. Eu nem mesmo ouvi anunciarem seu nome.

– A rainha Adelaide viera em Wanderwell fazer o convite indispensável. Eu entrei por outra entrada, para fugir dos anuncios – ele disse com certa ironia, fazendo um sinal para que eles andassem. – Eu ouvi sobre o ataque. Como você está?

– Poderia estar morta, mas estou viva. Entretanto a adaga se foi.

– Por que eles não a mataram?

– Por um momento, eu acreditei que Ludmilla me mataria. Ela estava ao ponto de explodir minha cabeça quando Berbatov me flechou. Ele esperava que a flecha dele tirasse meus movimentos e eu morresse na floresta, mas não foi o que aconteceu.

– É exatamente sobre isso que eu queria falar com você – ele usou um tom preocupado. – Você viu Mia?

– Não a vejo desde ontem. Creio que hoje esteve ocupada com a rainha e deve ainda estar sendo preparada para o baile. O que há de errado?

Thor parou de andar por um breve momento.

– Eu fui atacado em Wanderwell.

– Levaram sua adaga? – ela perguntou assombrada.

– Não, porque Berbatov não permitiu.

– O que?

– Ele não deixou. Ele atacou Nádia. Ludmilla está morta. – Thor sussurrou.

– Quem a matou?

– Julieta. Eu acho que tudo que Lucky fez não passou de um plano.

– Thor, ele quase me matou!

– Ludmilla iria matá-la, Lucky flechou você antes disso.

– E me deixou para morrer!

– Acredito que foi um risco que ele teve de tomar, Emily. Ele poderia ter flechado seu coração, mas ele não o fez.

– Ele disse que queria me deixar agonizar até morrer! – ela rosnou.

– Emily, ele precisava enganar elas.

– Você confia nele? – ela perguntou incrédula.

– Eu confio nas adagas que ele me mostrou – Thor revelou.

Emily arregalou os olhos atônitos.

– Você viu ele? – Thor suspirou, sem respondê-la. – Thor, Lucky está aqui nesse momento? Você perdeu sua cabeça?!

– Emily, fale mais baixo, por favor. Eu não tive escolha, ele tem as duas adagas e ele precisa alertar Mia. Nádia perdeu tudo, as adagas e o Lucky, tudo que lhe resta é vingança. Hoje a noite, Amélia estará exposta mais do que nunca.

– Ela está acompanhada por quatro guardas. Por ordens de seu pai.

– É eu ouvi falar disso. Por isso preciso de sua ajuda.

– Você traz o homem que me flechou e me deixou para morrer e ainda me diz que precisa de minha ajuda?

– Emily, ele não somente beijou a mulher que eu amo como se deitou com ela. Você acredita que eu quero a ajuda deste homem? – ele questionou com um tom magoado. – Se ele traiu Amélia como ela pensa que ele traiu, ela não irá escutar a mim ou a você. Se ela está nesse baile é porque Mia está confiando nos seus guardas. Ela somente poderá talvez acreditar ouvindo as palavras dele.

– E o que acontecerá se Mia der ouvidos a ele?

– Evitaremos que o pior aconteça essa noite.

IX

Amélia Norwood olhava dentro de seus olhos fixados no espelho, enquanto sua nova aia terminava de enrolar seus pesados cachos negros. Ethel Grimhilt era mais jovem que ela, mais magra e carregava uma expressão mais inocente, tinha cabelos loiros-acastanhados, ralos e ondulados. Ela lembrava Mia uma boneca de porcelana, com seus traços delicados sobre a pele clara, e parecia amar o que fazia. Amélia não tinha nem um senso de moda, não seguia as tendências do reino que pareciam mudar a cada estação, já Ethel teria nascido para a moda. Escolhia as roupas com minuciosidade e talento. No início, era timída para dar suas opiniões sobre o que Mia deveria vestir, mas quando notou que pela princesa, ela ficaria com sua camisola o dia inteiro, Ethel começou a se revelar e se mostrar bem prestativa no seu trabalho.

Naquela noite, descidira vestir a princesa de vermelho-borgonha.

Amélia trajava um vestido de saia rodada por babados em sua barra, a grande saia se afunilava a medida que chegava na cintura e ele ali, no seu tronco, o corpete tomava espaço fazendo sua postura ficar aprumada. O corpete era feito de um tecido liso e sedoso mergulhado no vermelho opaco, porém minusculas pedras pretas começavam no início da barriga e formavam um triângulo invertido até o decote do busto. No seu centro deste triângulo, uma brilhante pedra de azeviche decorava o vestido. Para realçar seu decote, um simples colar de perólas negras fora colocado.

A cor do vestido era penetrante fazendo o bordô dos olhos da princesa realçarem-se.

– Você está pronta – Ethel anunciou.

Ethel ajudou-a a levantar e Mia foi escoltada do seu quarto até o Salão de Skyblower, onde o baile acontecia. Ethel mostrava-se mais ansiosa que Mia para ser anunciada, na verdade Mia apenas ansiava para que aquilo acabasse. Talvez ela quisesse espiar como as pessoas reagiam com sua criação. Mia tentou ser amigável e a aconselheu que tirasse aquele tempo para comer algo, porque ambas ficaram horas trancadas em seu quarto preparando-na para o baile.

Não havia ninguém no corredor o que fez Mia pensar que talvez estivesse mais atrasada que imaginava. Ela soltou a barra do vestido e os guardas abriram as grandes portas que levariam à escada principal onde o arauto a avistou. Seus olhos viram o oléo arder nos grandes lustres no teto do salão e tentou respirar forte, mas o corpete não a permitia. Ela nem mesmo aproximou-se muito da balaustrada para observar os convidados no salão, esperou seu nome ser anunciado, todos os olhares lhe serem direcionados e então ela começou a descer a escadaria.

– Princesa Amélia, filha primogênita do rei Carlos Alksen Norwood e da rainha Adelaide Hansen, futura Rainha de Skyblower, Senhora e Protetora do Norte.

Amélia deslizou pelos degraus, desceu um a um enquanto ouvia a flauta e a harpa tocarem, seus guardas desciam atrás dela, eram demasiado barulhentos com suas armaduras. Mia não deveria abaixar sua cabeça para ignorar seus supostos admiradores, mas também não os encarava, olhava para o nada e apenas tentava manter a calma em seus passos.

Ao chegar, deu um meio-sorriso e agradeceu com um aceno de cabeça a atenção recebida. A princesa andou pela multidão que lhe abria espaço. Ela seguiu até os tronos onde a rainha o rei lhe esperavam, seu coração quase parou ao avistar os cabelos loiros e os olhos azuis de seu irmão que estava aprumado sobre um degrau da escadaria que levava até a tribuna, do lado do pai, mas não próximo dele porque o degrau mais elevado estava reservado para Amélia. Do lado de sua mãe estavam os mais novos, a gêmea mais velha estava no degrau mais alto, Anastácia, depois vinha Alice, em seguida o roliço Eduard no colo de sua ama.

Amélia subiu os degraus e ficou ao lado do seu rei, mas não a sua altura. Ele ergueu sua mão fazendo a música parar e então começou seu discurso:

– Senhoras e Senhores agradeço a todos por estarem presente nessa noite. Agradeço principalmente os nossos convidados especiais vindos diretamente da Cidade-Livre, os Dez Minstros – seu rei apontou para a primeira fileira de homens a frente do trono e uma salva de palmas.

Amélia viu os olhos intensos de Thor Meszaros encará-la entre a multidão. Ele realmente tinha vindo. Seu olhar era de tirar o folêgo, mas Mia não conseguia lê-lo. Era confortável revê-lo, mas somente de pensar tudo que eles tinham para conversar era estressante.

– O baile desta noite marcará o equinócio da primavera. A estação da vida. Novas páginas para nossos caminhos. Peço a bênção da Divindade Heilung para que todos nós tenhamos mais um ano sádio, livre de pestes, para que nos guie sempre para a purifição, nos proteja dos atos impuros. Peço a bênção da Divindade Ergie para que tenhamos mais crianças nesse mundo, para alegrar nossos dias, e para que nossas colheitas tenham sempre terras fertéis durante as estações. Peço a bênção da Divindade Jugend para que proteja nossos jovens, nosso futuro. Que nos protejam !

Thor acenou sua cabeça.

– Que nos protejam! – todos repetiram.

O rei se levantou de seu trono e a música tornou a tocar. Mia virou-se para seu irmão que a encarou quando notou sua aproximação. Elliot estava com uma túnica azul-água com ornamentos brancos.

– Como você está irmão?

– Como você acha que estou, Amélia?

– Já faz muito tempo, acreditei que estivesse...

– Esquecido?

– Não. Acreditei que pudesse ser mais compreensível. Eu estava tentando salvar sua vida.

– Se alguém tivesse que escolher entre você ou uma de nossas irmãs. Agradeceria seu salvador por escolher você? – Amélia calou-se vendo seus olhos cheios de rancor sobre ela. A conversa foi interrompida quando o rei aproximou-se de seus filhos, observando os dois com atenção. Ele usava um gibão vermelho com detalhes pretos assim como o vestido da filha.

– Amélia, gostaria de dizer que estou orgulhoso – Mia olhou seu rei chocada, um elogio inesperado, mas na hora errada. – A defesa do castelo está bem estruturada, os convidados ficaram um pouco estressados com a demora para entrar, mas isso pouco me interessa. O que importa é a nossa segurança e você cuidou para que ela estivesse irrepreensível.

– Obrigada pai – murmurou.

– Quanto a você Elliot, a próxima vez que mandar uma carta dizendo que não voltará para este castelo por causa de sua irmã, eu realmente espero que não volte. Você é um príncipe, tem um nome a zelar, não deveria mostrar-se ingrato para quem salva sua vida, deveria recompensá-lo .

As palavras foram como chicotes como de costume. O rei acenou a cabeça para Amélia e virou suas costas, deixando um pesado silêncio prevalescer entre os dois. Elliot revirou seus olhos, com um ar triste e lhe deu as costas, Mia notou que dois guarda também o escoltavam. Ela suspirou, talvez Elliot não a perdoasse. A rainha surgiu ao seu lado vendo seu filho desaparecer na multidão e lançou um olhar decepcionado para Mia.

– Ele ainda está chateado?

– Essa não seria a palavra que eu usaria – ela respondeu com desanimo.

– Ele precisa de um tempo, Mia. Talvez eu devesse ir falar com ele.

Ela aquiesceu, sua mãe poderia tentar, mas Mia sentia que aquela mágoa não vinha mais somente de Anna, ela parecia ser mais antiga e mais ressentida.

– Você está linda, minha filha – a rainha pronunciou acariciando sua mão.

– E você está linda, mãe – ela retribuiu o elogio com um sorriso doce. Os olhos da rainha brilhavam, algo nela fazia Mia pensar num ser celestial com seus cabelos loiros trançados e seu sorriso branco. Usava um vestido de seda azul índigo, em sua saia grandes folhas cinzas. O que combinava com seus acessórios, folhas prateadas.

– Devo aproveitar todos meus vestidos como posso porque em breve estarei roliça e inchada – ela disse com humor, suspirou e apressou-se para seguir atrás de seu filho.

Mia ficou ali estarrecida, sem saber o que deveria fazer ou com quem deveria falar, porque não sentia vontade de realmente fazê-lo. Seu olhar avistou Emily surgir diante dela, no final das escadas. Seu guarda estava pronto para impedi-la de alcançá-la quando ela deu a ordem para que não o fizesse.

– Eu vi Thor – ela revelou.

– Eu também o vi.

– Ele deseja falar com você – ela sussurrou.

– Então por que ele não está aqui?

– Creio que ele queira falar sobre assuntos que seus guardas não podem ouvir.

– Eu não estou com eles por opção.

– Ele está esperando você no escritório ao lado da escada – Emily lhe segredou.

Amélia fixou seus olhos castanho-esverdeados. Aquilo não era do fetio de Thor.

– Você não está me dizendo a verdade.

– Por que eu estaria mentindo? – ela perguntou ofendida.

– Eu posso enviar meus guardas para revistarem aquele escritório? – Amélia inquiriu, fria.

Emily a encarou.

– Meu dever é protegê-la, Amélia. Então, ordene.

A princesa lhe deu as costas e ouviu os quatro guardas lhe seguirem até o escritório indicado por Emily. Na porta, Mia anunciou ter um problema feminino e que entraria ali sozinha.

– Entregue-me seu arco e suas flechas – disse para Sor Oberon.

– O que você fará, Vossa Alteza?

– Você já usou um corpete? Tem alguma ideia como ele é sufocante? Ótimo. Então me dê sua arma.

– A ordem é que somente guardas possuam armas, Vossa Alteza.

– Ordem dada por mim e agora eu lhe ordeno que me entregue sua arma Sor Oberon.

Sor Oberon lhe passou o arco e sua aljava e Amélia adentrou o escritório. Como ela já previa, Thor não estava ali. O escritório estava vazio. Amélia examinou o lugar, era o mesmo escritório que descobrira parte da história de Ceres noutro outono. Há alguns passos dela tinha duas grandes poltronas de couro, atrás delas um pesado reposteiro de pano grosso verde escuro. Ao seu lado um criado mudo com adornos sobre ele. Do outro uma estante. Amélia sentia que alguém estava ali.

Ela preparou uma flecha no arco quando viu alguém sair detrás do grosso pano do reposteiro. E esse era Lucky Berbatov, com as mãos atiradas ao alto.

– Mia, por favor, apenas me ouça.

Amélia continuou mirando a flecha em seu coração.

– O que você fez para Emily me enganar? – ela inquiriu, gelada.

– Thor pediu para ela fazê-lo, porque eu pedi a ajuda dele – Berbatov levou sua mão para seu cinto, a outra estirada em sua direção. Ele arrancou sua espada e a atirou sobre o couro da poltrona, junto com sua faca escondida na calça.

– Por que Thor o ajudaria?

– Porque eu contei para ele o que eu fiz.

– Que atirou uma flecha na cabeça da minha avó e quase matou Emily? – sua voz era carregada de raiva.

– O que?

– A velha senhora que morava na floresta em direção ao nodeste. A feiticeira.

– Eu não matei nenhuma velha.

– Sua flecha estava atravessada na cabeça dela! – ela gritou.

– Mas eu não matei ela, Mia! Eu nem mesmo sabia que você tinha uma avó!

– Você também não matou Emily, atirou sua flecha nela e a deixou para morrer – ela pronunciou com desdém.

– Amélia, por favor, me escute! – ele pediu com ansiedade.

– Tudo que ouço é minha mente dizendo para atirar essa flecha em seu coração e matá-lo.

– Primeiro escute-me e depois faça o que sua mente manda.

Amélia ergueu seu queixo, porém não abaixou seu arco.

– Eu precisava saber o que Nádia queria de você, o que ela queria de mim...

– Não era difícil de imaginar o que ela queria de você, e eu aposto que você a agradou todas as noites – ela pronunciou as palavras num sussurro álgido.

– Nádia acredita que o rei de Gardênia é o mesmo homem que apunhalou Ceres na lenda. Ela me disse que ele é imortal, que viu seu coração ser atravessado por uma espada e ele não morreu. Ele não pode ser morto. E esse homem está atrás dela há anos. Nádia quer ser livre para seguir uma história comigo, e ela acha que a única maneira de conseguir isso é unindo as adagas e acordando Ceres. Ela acredita que Ceres saberá como matá-lo e por isso quer usar você. Eu fiz ela confiar em mim e fiz ela me dizer tudo que sabia – Lucky arfava.

– Ela queria recuperar as adagas e eu não poderia simplesmente vir atrás de você e permitir que ela fizesse tudo isso. Nádia já tinha uma adaga, faltava-lhe as outras e ela sabia exatamente onde encontrá-las. Eu segui com ela. Nós fomos para o nordeste e encontramos a outra bruxa que lhe ajudava. Talvez ela tenha matado sua avó, Amélia, eu não sei. Mas eu não o fiz! Se unicamente eu flechei Emily foi porque a outra bruxa que seguia com Nádia a mataria. Eu poderia atingir uma flecha no coração dela, mas eu atirei em seu ombro e convenci as outras que ela morreria. Nós seguimos para o leste e atacamos Thor. Eu tentei irritá-lo para que ele me surrasse e conseguisse fugir, mas a bruxa impediu.

Amélia não esboçava expressão enquanto ouvia suas preocupantes palavras .

– Ela foi morta e a briga ficou entre nós três, eu não atirei em Thor, eu atirei em Nádia. Thor fugiu com a sua adaga e eu briguei com ela. Eu não consegui matá-la, mas consegui roubar suas adagas – ele revelou com convicção.

Amélia torceu o olhar e Lucky levou suas mãos até suas costas. Amélia puxou mais a corda preparada para atirar e ele arrancou com cautela as duas adagas em suas mãos. Uma dourada e outra prateada. Seus olhos reconheceram de imediato a bela adaga das bruxas. Em seu pomo estava a forma da lua crescente violeta, a empunhadera forrada por duas fitas e a lamina cinza de gumes prateados. Mas a outra era uma simples adaga dourada de empunhadeira lisa e lamina branca.

– Você acha que eu sou estúpida? – Amélia questionou tornando a olhar em seus olhos, a expressão de alívio no rosto de Berbatov escapou. – Acha que me enganará como sempre fez?!

– Essas são as adagas, eu não estou te enganando!

– Acredita que eu não reconheço as adagas que acordarão Ceres?! – ela gritou, furiosa.

– Essa é a adaga que roubamos de Emily que estava com Ludmilla antes, e esta é adaga dos Sacerdotes, a adaga que Nádia tinha. Ela me disse que essas eram as adagas certas!

– Ela enganou você, Berbatov. Você acreditou estar enganando ela quando ela estava enganando você. Essa não é a adaga dos Sacerdotes.

Lucky atirou um olhar assombrado para as mãos e balançou a cabeça, incrédulo.

– Amélia, isso torna as coisas piores . Nádia ainda tem uma adaga, nós temos duas. Ela não vai parar até conseguir o que quer. Você deve sair deste baile.

– Com você?

– Ela pode estar aqui, Mia! Ela me perdeu! Eu não a amo mais e ela virá atrás de você por vingança! Mesmo se ela não tiver interesse em acordar Ceres já que lhe falta adagas, ela prefirirá matá-la. Nós precisamos sair daqui!

– Na sua história ela quer acordar Ceres, por que ela me mataria agora?

Angel By The Wings - Sia

– Porque agora, para Nádia, ficou claro que minha fraqueza é você. Todas as coisas que eu fiz, eu somente fiz pensando que era minha única saída para mantê-la viva, porque eu não suporto a ideia de perder você, porque eu a amo, Amélia! – ele pronunciou com raiva. – Eu sei que eu te machuquei, muito, há muita coisa que eu desejaria não ter feito. Eu vou ter que conviver todos os dias da minha vida com a dor que eu te causei. Mas você Mia, é a única razão pela qual eu consigo mudar. É pela única que eu estou lutando antes e que estou lutando agora. Porque eu te amo.

Amélia prensou seus lábios e seus olhos encheram de lágrimas, ela lentamente abaixou o arco.

– Mas agora, mesmo que você não me perdoe por tudo que fiz, eu preciso que você me ouça. Nós devemos sair deste baile. Você e sua família. Eu não sei o que Nádia pode estar planejando, mas eu sei que ela sempre consegue o que ela quer.

Lucky tentou aproximar-se, mas Amélia reergueu seu arco, e lhe apontou a flecha.

– Onde você estava quando eu tive que escolher entre salvar meu irmão ou Anna?

Lucky hesitou.

– Você não tinha ido procurar pelo Jared, tinha?

– Não – ele murmurou.

– Você voltou para procurar por Nádia. Onde você estava quando eu achei que ninguém mais estava do meu lado? Onde você estava quando eu descobri quem eram meus verdadeiros pais? Onde você estava quando eu descobri quem era minha verdadeira avó? – ela continuou com a voz chorosa. – Você estava com Nádia.

Sua voz era pesada e dolorosa.

– Onde você estava Lucky quando eu encontrei minha verdadeira avó com uma flecha na cabeça? – Amélia perguntou com os olhos marejados. – Seu plano funcionou? Eu corro menos perigo agora? Valeu a pena todos estes atos, em troca de me fazer pensar durante quase dois meses, todos os dias, na maneira que você tinha me traído?

– Mia – ele tentou aproximar-se e a princesa mirou a seta.

– Fique longe de mim!

Lucky continuou e Mia sem hesitar atirou sua flecha que propositalmente raspou no braço dele. Lucky apertou o ferimento que abriu em seu braço.

– Você diz que me ama agora. Mas um dia também dissera-me que nunca me abandonaria... Minha confiança foi quebrada Lucky. Eu fui quebrada. Não será um te amo que poderá me concertar.

– Mia, por favor...

– Guardas! – ela gritou. – Guardas!

Rapidamente a sala foi invadida por quatro homens e Amélia abaixou seu arco, soluçando, enquanto as lágrimas rolavam pelo seu rosto. – Mia, por favor! Escute-me! – Lucky tentou lutar, socou o primeiro, chutou o segundo, imobilizou o terceiro. Mas no fim, os guardas conseguiram imobilizá-lo e levá-lo para fora do escritório enquanto ele se debatia. – Amélia, você precisa me escutar! AMÉLIA!

Amélia cambaleou pelo corredor sentindo seu coração doer, estava enviando o homem que amava para uma prisão, onde provavelmente ele nunca mais veria a luz do dia. Mas, esta era a promessa que fizera para si mesma, ela não seria mais traída. Ela ouvia Lucky gritar seu nome enquanto ela se afastava sem poder respirar. Ao erguer seu olhar, seus olhos marejados avistaram Thor boquiaberto. Amélia afastou-se sem nem mesmo falar com ele. Ele era o responsável por Lucky estar ali .

Amélia arrastou-se pela multidão dos convidados, ofegante. Ela ouviu no meio tanto barulho o arauto anunciar a presença dos Dançarinos Negros, um presente dos Dez-Ministros, para fazerem um espetáculo. De repente, tambores foram ouvidos. Amélia avistou ao fundo o rei e a rainha sentados em seus tronos, os filhos estavam próximos ao lado da escada. Ela também deveria estar ali. Mia tentou andar pelos convidados, entretanto todos começaram a recuar para abrir espaço no centro do salão.

Ela continuou a andar e quando estava na beira do circulo formado, ela sentiu seu braço ser apanhado. Seus olhos avistaram Thor.

– Você trouxe-o aqui! – ela rosnou.

– Para que você pudesse escutá-lo.

– Eu escutei, e agora ele está indo para a prisão. Por que você fez isso? É alguma maneira de me mostrar que eu deveria ter ficado com você todo esse tempo?

– Mia, ele disse-me que estava em perigo!

– Eu estava antes e estou agora. Isso não muda nada.

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De repente, um rosto se enfiou entre eles e Amélia levou um susto, seu coração descompassou. Ela fitou com arrepios a máscara branca de um rosto vazio num corpo interamente negro, não se via nem mesmo os olhos. Fazia movimentos expressivos, Amélia ergueu seu olhar assustado e viu outros dançarinos espalhados no centro do salão. Uns faziam o que aquele fazia, movimentos leves e estranhos com o corpo, danças individuais, os do centro dançavam, saltavam, faziam cambalhotas. Lentamente o mascarado que a assustou afastou-se balançando sua cabeça de um lado para o outro fazendo aquilo parecer um sonho, um cenario onírico.

Amélia prestou atenção na dança tentando entender o que aqueles movimentos estranhos significavam. Eles não tinham expressões no rosto, mas tinham expressões no corpo. Amélia fixou seu olhar naquele que liderava o desfile . Ele parecia correr, fugir. Abaixava-se, virava-se e mexia suas mãos, mas parecia sempre carregando algo invísivel nos braços, tal como se carregasse um bebê. O outro que vinha atrás tinha movimentos bruscos, como se lutasse a cada passo, trazendo consigo outros dançarinos negros que andavam em linha reta, aprumados. Os dançarinos individuais fora do desfile, levantavam suas mãos, sapateavam, dobravam os joelhos e mexiam os braços.

Amélia viu todos ultrapassarem ela e na frente dos reis, eles se dividiram. Os dançarinos individuais com o que fugia na esquerda, e o que lutava com os que seguiam na direita. Eles dançavam em sincronia uns de frente para os outros, tais como se fossem espelhos. Mexiam-se para frentre e para trás, esticavam as mãos e não se tocavam, imitavam uns aos outros. Aquilo era uma história, ela entendeu estarrecida. Aquilo era a representação da guerra, Os Dias de Escuridão. Era a representação da Lenda do Sol e da Lua.

Ela viu o lado direito mudar seus movimentos e derrubarem representativamente os seus inimigos. Num choque, Amélia correu pelo salão em direção seus pais. De repente, o que liderava o soldados girou-se como um tornardo e atirou lâminas pelo ar. Laminas que voaram em todas direções. Gritos foram ouvidos. E no segundo seguinte, um motim começo u.

Amélia arquejou ao sentir a lamina de uma faca prateada perfurar seu ombro. Ela arrancou-a e viu seu sangue escorrer pelo aço, sobre a empunhadera da faca toda prateada a flor de Gardênia estava gravada. Amélia estancou seu sangue com a mão e tentou correr entre as pessoas desesperadas, sendo empurrada para trás. Ela aproximou-se do local onde os dançarinos estavam, todos haviam desaparecido e no lugar, sobraram apenas um mar de flores negras, flores gardênias.

Ela alcançou as escadas do trono, levantou seu olhar assombrado e viu seu pai ainda sentado no seu trono. Imóvel com os olhos esbugalhados. Uma faca atravessava o meio de sua garganta e o sangue se misturava com o vermelho de seu gibão e fazia uma poça em seu colo.

Amélia gemeu sem ar.

Notou um longo caminho de vinho derramado espalhado pela tribuna. Seu olhar se direcionou para sua mãe, ela estava caída no chão. O vinho contornava seu corpo e deslizava pelas escadas, alcançando as cortinas. Amélia atirou-se ao pé dela e viu que ainda estava viva, mas tinha uma faca perfurando sua barriga, fazendo ela tremer e arquejar.

– Mamãe – ela choramingou.

Sua mãe não conseguia falar, apenas gemer e lacrimejar. Com uma mão, ela tocava o sangue sobre a barriga e a outra segurou a de Amélia. Ela gemeu com dores. Seu olhar estava aterrorizado e Amélia sabia que tudo que ela pensava era na criança em sua barriga. Aos fundos, ela ouvia gritos desesperados e o caos se espalhando pelo salão. Amélia tocou os cabelos claros dela e os acariciou tentando distraí-la das dores, então a rainha Adelaide parou de tremer, e de respirar. Amélia sentiu o choro escalar sua garganta, sua boca se abriu, mas nenhum ruído saiu. Era algo doloroso demais mais ser demonstrado. Sentiu sua barriga queimar, seu peito arder e sua raiva crescer descontroladamente por seu corpo .

Amélia colocou sua mão no chão, sobre o vinho derramado, algo escaldava no seu interior. Ela observou seus pais, brutalmente assassinados. Um grito estridente saiu de sua boca como se sua fúria quisesse escapar de seu corpo. Amélia viu luzes claras sairem de sua mão, labaredas vermelhas e rapidamente um fogo alastrou-se até a cortina seguindo pelo caminho do vinho derramado. As chamas lamberam o pano vorazmente e escalaram até o teto numa fração de segundos.

Ela estremeceu.

Seu braço foi puxado e um homem vestindo uma armadura negra ergueu uma espada no ar para matá-la. Amélia viu o aço brilhar como uma pedra de onix, mas este carregava sangue sobre o coxote, sangue de alguém que ele havia matado. Amélia tocou em sua perna desejando vê-lo queimar, viu labaredas enormes sairem de sua mão sem nem mesmo queimá-la, mas aquele homem queimou. As chamas o engoliram vivo. Ele gritou e se debateu sem controle, tropeçando e rolando escadas abaixo. Amélia se levantou e observou as chamas arderem e seus gritos de dor ressoarem, ele estava sendo cozinhado vivo e ela o observou, sem mexer nem um único músculo.

X

Lucky Berbatov tinha os dois braços imobilizados, um por cada homem, e duas espadas apontadas para suas costas por outros. Os soldados o arrastavam pelos cantos menos iluminados do salão até a saída mais próxima e naquela altura Amélia tinha desaparecido de seu campo de visão. Ele precisava de uma única distração dos guardas para se livrar deles, mas a cada vez que se recusava em andar, as espadas pinicavam suas costas. Quando os cinco alcançaram as grandes portas da saída do sul, a passagem fora impedida por dançarinos mascarados que faziam movimentos e gestos estranhos. Era algo arrepiante de se observar. Os guardas pareciam impaciente e discutiram por qual outra saída eles seguiram. Descidiram voltar atrás e adentrar um corredor que tomaria mais tempo para chegar até as masmorras, mas era a única saída discreta e acessível.

– Ande seu verme! – Sor Aldor cuspiu, apertando propositalmente a ferida aberta pelo tiro de raspão que a princesa executou.

– Por que ela não matou ele? – ele ouviu Sor Tad cochichar.

– É uma mulher, não sabe atirar – Sor Octávio respondeu gutural.

– He, você não sabe de nada irmãozinho – Sor Oberon caçou. – Todos os cavaleiros se reúnem para ver a princesa atirando setas nos alvos. Tirando os decotes dos vestidos, é a coisa mais sexy que você verá neste castelo.

– Ela quer esse verme vivo, é um traidor – Sor Alder deu a última palavra mal-humorado. Quando eles entraram no corredor, os cavaleiros foram interrompidos por outro que os seguiu .

– Sor Alder e Sor Oberon.

– Sou Sor Tad e ele Sor Octávio, imbecil!

– Pouco me importa – Louis respondeu no seu tom debochado. – Sor Cabelo de Ovelha e Sor Cabeça de Ovo a princesa exige a presença de vocês!

– Temos ordens para levá-lo até as masmorras.

– E enquanto faz isso, quem está protegendo a princesa? – ele respondeu com um ar esperto. – Vocês têm ordens do pai dela de protegê-la. Vocês falharão com seu rei? Falharão com seu reino?

Sor Octávio pareceu contradizer quando Sor Alder rugiu, impaciente, que eles fossem de uma vez. Quando eles se foram, ordenou com um ar esnobe que Sor Legrand e Sor Rhys Gleccor arrancassem suas espadas e fizessem o trabalho dos outros dois. Lucky tirou proveito de sua distração e desferiu uma brusca cotovelada no maxilar de Sor Alder.

Antes que Sor Oberon reagisse, Sor Rhys Gleccor com seus dois metros de altura, agiu como uma grande besta e atacou o cavaleiro contra a parede, atingiu dois fortes murros que fizeram com que ele perdesse a conciência. Virou-se para Sor Alder deu-lhe um chute agressivo e uma cabeçada que também o fizera perder a conciência.

Livre, Lucky avistou as armas de Sor Oberon e quando pensou se abaixar, Louis apontou sua espada para ele.

– Nós não temos tempo para isso. Precisamos encontrar Amélia, Louis.

– Sor Legrand agora, somos seus cavaleiros. Nós queremos saber as suas intenções com nossa princesa – ele disse com troça.

– Ela está em perigo!

– Eu não estou convencido – Louis provocou.

– Louis se algo acontecer a Amélia por suas brincadeiras eu juro que o matarei! – Berbatov bradou, com raiva.

– Estou convencido – Louis respondeu docemente, Lucky abaixou-se e apanhou o arco, a aljava e a espada. Ao se levantar Ari o surpreendeu num abraço de urso.

– Eu sempre soube que você iria voltar!

– Você apostou que ele não voltaria! – Louis acusou.

– Você também apostou que ele não voltaria!

– Eu preciso da ajuda de vocês – Lucky adiantou antes que eles começassem uma outra discussão, porém não teve oportunidade de continuar quando ouviram gritos desesperados virem do salão. Os três seguiram os clamores e se depararam com um motim de pessoas correndo pela grande sala.

Lucky examinou rapidamente o local, não encontrava o motivo da correria, porém o pior era não encontrar Mia nela. De repente, ele viu a única pessoa que não corria na multidão, avistou o príncipe Meszaros olhando a sua volta e levando bruscos empurrões.

Bring Me To Life – Evanescence

– Procurem pelos irmãos dela – Lucky ordenou aos seus amigos e correu para alcançá-lo. – Thor – ele bradou, e o príncipe ouviu seu chamado. Lucky foi quase arrastado para trás ao aproximar-se. – Onde ela está?

Ele tentou atravessar o tumulto, sendo constantemente arrastado ou empurrado para trás, pois era o único seguir para aquela direção. Berbatov ouviu um tilintar de aço e viu um guarda de placa dourada pelejando com um soldado de armadura negra como ônix. De súbito, sua mente foi invadida por imagens do dia da queda de Sharwood. Um tremor fez Lucky arfar. Gardênia estava ali.

Com os traços rijos, Thor olhava em volta, e de repente as sombracelhas desfranziram e ele gritou:

– Ela está ali! Na tribuna!

Lucky lançou seu olhar para o fundo do salão e avistou a princesa subindo as escadas da tribuna olhando fixamente para o rei imóvel em seu trono, e em seguida viu a rainha atirada ao chão. Havia um mar de pessoas em pânico separando eles dela.

– Gardênia está aqui – Thor confirmou seu temor.

– Nós precisamos alcançá-la!

– Ela está muito longe. Alcance ela, você é mais rápido que eu. Eu me ocupo dos intrusos. Tire-a daqui!

Lucky sabia que Thor tinha mais força que ele, talvez ele conseguisse impedir que aquilo virasse um verdadeiro massacre. Berbatov passou sua espada para Thor e com seu consentimento, Lucky correu contra a multidão.

Homens e mulheres atropelavam tudo que viam pela frente. Lucky tentou deixar seu corpo o mais rijo que conseguia para não ser levado com eles. Um grito agudo arrancou Berbatov de suas sombrias memórias e ele procurou Mia com desespero, uma intensa luz surgiu em sua mão e repentinamente labaredas surgiram dali, seguiram até a cortina e um fogo intensamente vermelho ergueu-se até o teto. Um fogo que surgiu das mãos de Amélia. Um soldado negro surgiu atrás dela, ameaçando matá-la com sua espada, Lucky arrancou uma seta, e antes que ele a usasse, viu Amélia tocar seu inimigo e com um simples tato, queimá-lo vivo. O soldado em desespero rolou as escadas e Mia se levantou, assistiu às chamas arderem sem demonstrar nenhuma expressão.

O fogo fizera os convidados desesperados gritarem mais e a confusão aumentou. Os barulhos já não se distinguiam, o cheiro de sangue e queimado almíscava no ar. Lucky corria sem parar até ela, empurrava os que cruzavam seu caminho e foi obrigado a bater em outros. Todos pareciam tentar impedi-lo de alcançá-la. O pavor alargava-se por todos os lados, as pessoas temiam os soldados, o desespero, o fogo e temiam sobretudo Amélia.

De repente, um grande homem largo que corria na sua direção caiu em cima da perna de Berbatov, morto com um golpe de espada de um soldado negro, impossibilitando seu movimento ágil. O soldado negro perdeu o controle de seu corpo foi empurrado e pisoteado pela multidão. Outros que corriam contra Lucky o empurraram e muitas pessoas atravessavam por ele com pressa. Lucky se encontrou preso no motim e um sufoco invadiu seu peito. O fogo no teto espalhava-se e uma fumaçava negra cobriu o salão. Lucky tentava se mexer a todos os custos e a cada movimento ele sentia-se mais espremido contra as pessoas, o ar não parecia mais adentrar seu peito. Via todos correndo, e se machucando e se batendo. Todos apertavam-se uns com os outros. Uma agonia tomou-o. Ele precisava alcançá-la, mas Lucky estava sendo engolindo pelo desespero das pessoas.

Lucky via o negro da fumaça engolir o teto e a imagem de Mia surgiu em sua mente. Ele estava perto, ele não poderia desistir. Berbatov forçou suas pernas a se erguerem, usou pessoas que corriam como apoio para se levantar e tentou com todas suas forças ficar em pé, e então conseguiu respirar quando sua cabeça se ergueu. Viu Amélia estarrecida na frente do trono e as chamas acima dela lamberem as paredes .

Ele sentiu um rastro de vento bater em seus cabelos, repentinamente eles se tornaram rajadas fortes de vento e a multidão foi sendo atirada para os lados. Apesar do vento violento, Lucky conseguiu respirar melhor quando as pessoas pararam de se espremer. Ele começou a se movimentar firmando seus pés no chão para que o vento não o levasse. Lucky olhou para trás e avistou Emily controlando o vento. O caminho aos poucos foi se abrindo e Berbatov voltou a correr. Entretanto, uma mulher surgiu diante a tribuna, uma mulher que Lucky nunca vira.

– Você fez isso – Mia murmurou numa voz álgida.

– Vocês tomaram meu filho, meu único filho. – Lady Alice respondeu, olhando com desgosto para seus Reis mortos. – Se meu marido se foi agora, ele se foi vingando a morte de meu filho ao abrir os portões para os soldados. A qualquer momento, mais deles estarão aqui. Se meu querido Jan Xavier não mereceu viver, nenhum de vocês merece.

Amélia fixou seus olhos inexpressivos nas gardênias espalhadas no chão, ao pé da mulher, e Lucky viu mais fogo emergir das flores. Elas se levantaram do chão com monstruosidade lambendo o corpo da mulher que Amélia encarava e um estridente grito de dor ressoou pelo salão. Era agonizante ouvi-la gritar tão alto.

O salão se tornou um cenário de terror, as chamas que escalavam a cortina já se espalhava pelo teto, Lucky não sabia se Amélia ainda conseguia controlar aquele fogo. Os gritos eram assíduos e o caos predominava, algo parecia manter certos convidados preso no salão em chamas.

– Amélia! – Berbatov bradou inúmeras vezes. As labaredas que dançavam sobre as gardênias e o corpo de Lady Alice aumentavam chegando a quase dois metros de altura. Amélia não parecia escutar mais, apenas se hipnotizava com as chamas vermelhas que ela conseguia controlar. A mulher cessou de gritar e um odor nauseante de carne queimada tomou conta do ar misturado com fumaça.

Quando alcançou o pé das escadas, Lucky subiu velozmente os primeiros degraus e foi rapidamente parado quando Amélia levantou o braço em sua direção e o encarou como uma ameaça.

Winter In My Heart - VAST

– Mia, sou eu – ele disse, com um pé no próximo degrau, vendo a mão banhada de sangue apontada para ele. – Lucky.

Ela não demonstrou escutá-lo e seu olhar ameaçador manteu-se intacto.

– Eu quero te ajudar, eu não vou te fazer mal, Mia. – Ele a estudou, seus olhos frios estavam fixados nele, eles não diziam se era seguro aproximar-se ou não, mas Lucky estava disposto a arriscar-se. Ele deu mais um passo e ela ergueu a mão na altura de sua cabeça.

– Fique longe de mim.

– Eu não vou, não desta vez. Se eu não estive ao seu lado outras vezes quando você precisou, me deixe estar agora, por favor. Deixe-me ajudá-la. Você não está sozinha.

– Eles estão mortos. Estão todos mortos – Amélia balbuciou com lágrimas escorrendo pelo rosto, ela parecia desnorteada e atordoada. Era sua raiva e sua tristeza que estavam controlando aqueles poderes.

– Eu sei como essa dor pode ser dilacerante, eu sinto muito por não ter conseguido evitar tudo isso. Mas isso ainda não acabou Mia, você e seus irmãos estão vivos – ele sabia que aquelas palavras eram arriscadas, mas ele precisava convencê-la. – Eles precisam de você, a irmã mais velha deles, por isso precisamos sair daqui.

Ela encarou o fogo, estarrecida.

– Eu preciso de você, Amélia – ele continuou, ofegante.

– Eu trouxe a morte para todos eles... – ela murmurou olhando a sua volta, um olhar repleto de desesperança.

– Não, você não trouxe. Você tentou evitar que tudo isso acontecesse, mas, às vezes, nossos atos não são suficientes para evitar males maiores. – Lucky pronunciou com cautela subindo mais um degrau. – Ainda não é tarde para evitar que coisas piores aconteçam Amélia, nós vamos conseguir sair daqui juntos. Vamos lutar juntos.

Lucky notou por um olhar soslaio que as labaredas começaram a se abaixar, lentamente. Ele esticou sua mão.

– Me dê sua mão e sairemos daqui – pediu calmamente.

Amélia atirou-lhe um olhar ferido e a mão que lhe ameaçava virou-se devagar, num sinal de confiança. Ela tinha lhe ouvido. Berbatov ouviu mais gritos e viu o salão ser invadido por soldados de placas negras que lutavam contra os de placa douradas, incluindo Thor . Lucky subiu mais degraus com mais pressa, estava próximo de alcançar sua mão quando todos os vidros atrás troaram e estilhaços voaram para todos os lados. Lucky não pôde ver o que, mas apenas sentiu o impacto de algo acertá-lo com força e um grande homem empurrá-lo das escadas. Ele voou até o chão e sentiu o baque de seu corpo bruscamente.

Ele abriu os olhos confusos e avistou um brutamontes andar até ele, aprumado e com os punhos fechados. Ele vestia negro, mas não usava armadura. Era tão grande quanto Ari e tinha feições animalescas. Ele não conseguia ver Amélia atrás daquela montanha.

Lucky levou sua mão até a aljava, e percebeu que suas flechas tinham se espalhado pelo chão. Ele girou no assoalho e esticou-se para alcançar uma quando seu pé foi puxado e foi atirado para outro lado como uma marionete para cima das cinzas das gardênias e do corpo queimado. Dali ele pôde ver Amélia cercada por homens com vestimentas pretas e o fogo arder no teto acima deles. Lucky levantou-se e tentou correr até ela, mas novamente seu adversário o impediu, segurando seu braço e o puxando para perto dele. Lucky chutou seu queixo e ambos foram levados até o chão. O gigante tentou torcer sua perna e Lucky sentindo a dor do músculo, usou os dentes para se proteger. Mordeu a perna do brutamontes até sentir o gosto de sangue na boca. Ele urrou e Lucky e largou o membro, fazendo ele receber novamente pontapés no rosto.

Ele tentou ver Amélia, mas os homens de negro a cercavam, Lucky não tinha ideia do que estava acontecendo ali, talvez não a atacassem por medo de seus poderes. A distração fez com que ele fosse lançado para o lado, porém aquilo deu a chance para Lucky tirar proveito da sua agilidade. Ele correu rapidamente até alcançar uma de suas flechas, mas não contava que o gigante se movesse como um touro e foi surpreendido com seu ataque que outra vez fez Lucky afastar-se de Amélia.

John Murphy - Sunshine ( Adagio in D Minor)

Berbatov usou a ponta de sua seta para ferir o homem, entretanto ele não pareceu sentir a dor. Lucky, com raiva, arrancou e perfurou a seta várias vezes nas costas dele até a flecha se partir. O homem largou-o gritando de dor e Lucky caiu no chão. Levantou-se rapidamente e enfiou seu arco pela cabeça redonda e inclinada do brutamontes e montou suas costas como se montasse um cavalo. O gigante se aprumou e Lucky usou a força de suas pernas para manter-se grudado a ele para conseguir sufocá-lo com madeira do arco. Ele colocou seus braços por cima dos largos ombros do gigante e segurou a Madeira dobrando seus braços trás com toda força que tinha enquanto o homem tentava resistir. Lucky pôde ver a pele dele mudar de dor e puxou ainda com mais força. O odor de queimado infestava seu peito como um veneno. O brutamontes caiu de joelhos se debatendo, mas Berbatov estava decidido matá-lo. O homem parou de se mexer e caiu como um tronco de árvore no chão.

Lucky virou-se ofegante e correu até a tribuna, apanhou outras flechas no chão e atirou em um dos homens que cercava Mia, estavam todos de mão dada. O círculo foi quebrado quando um deles caiu e então Amélia fitou Lucky, seu olhar transparecia medo. Ele correu até ela preparando outra flecha quando teve a visão apavorante do teto acima do trono desabar, e Amélia que o olhava até o último momento, desaparecer nas grandes labaredas que ergueram-se do chão engolindo tudo que havia na tribuna.

– MIA! – Lucky gritou subindo as escadas e sendo impedido de continuar pelas grandes chamas.

Tudo pareceu perder o som, Lucky Berbatov olhou para enormes labaredas incrédulo, elas dançavam a medida que cresciam e a poeira no ar se espalhava junto de uma fumaça negra. Ele continuou a clamar seu nome repetidamente e rodar à beira da escada, as chamas se alastraram levantando um calor insuportável, mas nenhum sinal de Amélia foi encontrado . Sob estado de choque, Berbatov balançava sua cabeça arfante e bradava o nome dela para o fogo. Subitamente, Lucky sentiu um impacto no corpo quando viu uma flecha atravessar suas costas e abrir seu ombro. Ele olhava a ponta do aço atravessado no seu corpo, mas não pôde sentir a dor, ela era inexistente em comparação o sentimento de fraqueza que assombrava sua mente por não ter protegido a mulher que amava. Outra flecha foi lançada e esta atravessou sua coxa. Lucky Berbatov ajoelhou-se nas escadas diante o fogo, ele murmurou o nome de Mia pela última vez, com os olhos cheios de desilusão. Sentiu uma terceira seta acertar seu braço, então a gravidade o puxou para baixo e a visão do fogo cresceu em sua mente quando tudo enegreceu mostrando que aquele era o fim de sua luta. E Berbatov tinha perdido.





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Segunda parte do Último capítulo do segundo livro da série As Adagas de Ceres.
17.058 PALAVRAS
Vocês oficialmente leram um livro de 495 páginas no word.
Dedico à @ThaielyFreitas , me perdoe por demorar tanto a dedicar um capítulo para você, eu acreditei que já tinha o feito. Você é uma leitora muito presente na história, interage muitooooo nos comentários ( e é cada um kkkkk) e eu agradeço por ter você aqui!

Hoje não irá rolar textinho de agradecimento porque eu preferirei fazer um vídeo ( Em breve!!!!) onde contarei as dificuldades para escrever este livro, falarei sobre o terceiro e responderei todas as perguntas de vocês!!! Deixe sua pergunta aqui e ela será citada no vídeo. Obrigada a todos meus leitores, espero as perguntas para fazer o vídeo. Isso nunca não é um adeus e sim um até logo!

Com grande amor,
Erika R. Vilares.
Instragram: erika_vilares

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