Ceres - Agora o Inimigo é Out...

By erika_vilares

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SEGUNDO LIVRO DA SÉRIE AS ADAGAS DE CERES Os muros cinzentos que cercavam o castelo retinham a cruel realidad... More

Ceres - Agora o Inimigo é Outro
Messagem aos novos leitores
Prólogo
Capítulo Um Parte I
Capítulo Um Parte II
Capítulo Dois
Capítulo Três
Capítulo Quatro
Capítulo Cinco
Capítulo Seis
Capítulo Sete Parte I
Capítulo Sete Parte II
Capítulo Oito
Capítulo Nove
Capítulo Dez
Capítulo Onze
Capítulo Doze
Capítulo Treze
Capítulo Quatorze
Capítulo Quinze
Capítulo Dezesseis
Capítulo Dezessete
Capítulo Dezoito
Capítulo Dezenove
Capítulo Vinte
Capítulo Vinte e Um
Capítulo Vinte e Dois
Aviso
Capítulo Vinte e Três
Capítulo Vinte e Quatro
Capítulo Vinte e Cinco
Capítulo Vinte e Seis
Capítulo Vinte e Sete Parte I
Capítulo Vinte e Sete Parte II
Entrevista na Band
Capítulo Vinte e Oito
Capítulo Vinte e Nove
Capítulo Trinta
Capítulo Trinta e Dois
Capítulo Trinta e Três
Capítulo Trinta e Quatro
Capítulo Penúltimo
Último Capítulo - Parte I
Último Capítulo - Parte II
Notas da Autora
PRÉ VENDA

Capítulo Trinta e Um

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By erika_vilares

Capítulo Trinta e Um

Goodbye my love - James Blunt

Debaixo dos delicados flocos de neve que valsavam no gris do céu, sendo levados pela tênue corrente de ar gélido, todos reuniam-se em volta da mais nova cova feita no sopé da montanha do Vale de Trinton, escondida pela neve. Naquele lugar e naquele momento, todos deixariam suas intrigas internas e todas as desavenças de lado, e reuniriam-se para dar o último adeus a pequena e doce Annabela Campbell.

– Você gostaria de falar algo, Savannah? – Thor Meszaros perguntou, com uma voz cautelosa.

Cabisbaixa, Savannah não ousou levantar seu olhar frágil, ele se manteve cravado na cova de sua irmã. Ela não soltara nenhuma palavra sequer desde sua agressão contra Mia, e somente acenou negativamente com sua cabeça e cerrou ainda mais seus lábios ressecados. Todos sabiam o quanto sua Anna significava para ela, e não era de surpresa alguma que Savannah fosse incapaz de expressar sua importância após perdê-la de maneira brutal.

– Eu gostaria de começar. – Thor retomou ao ver que ninguém se oferecera, dando um passo a frente e colocando suas mãos atrás de suas costas, deixando seu corpo rijo e aprumado.

– Tenho uma lembrança efetiva da primeira vez em que eu vi Anna Campbell. Ela tinha olhos azuis e cabelos claros quase como a metade de todas as garotas de Wanderwell, o que  me parecia irrelevante, contudo, aquela jovem garotinha que eu somente vi pela primira vez em Skyblower tinha traços angelicais, impossíveis de comparar a qualquer outra pessoa que eu já vi. Um olhar ingênuo, um sorriso singelo e um coração de ouro. Ela teve uma vida difícil, mais tarde descobrira, uma vida que nenhuma criança merece, muito menos alguém tão carinhosa como ela. Mas, Anna não se transformou em uma vitima e não tentou fazer mal a ninguém com a justificativa de um passado penoso. Anna nunca procurou vingança e era possível de sentir isso estando ao seu lado, porque ela somente procurava felicidade, não somente dela como a felicidade de todos. Ela era a pessoa mais honesta, doce e pura. E a verdade é que este mundo será um lugar pior sem ela.

Ele suspirou, num ar pesado.

– Sei que ela iluminará qualquer lugar onde esteja nesse momento. – Thor Meszaros finalizou, dando um passo para trás.

Elliot deu um passo a frente, deixando as lágrimas escorrerem pelas suas bochechas ardentes de frio, sua pele estava enrubescida e seu rosto estava inchado, de tanto chorar.

– Anna me repetia constantemente que ela gostaria de ser dura como Savannah, bravia como Amélia e forte como Emily. – As palavras saiam carregadas de seu peito, de uma forma dolorida e penosa. – Mas, ela nunca percebeu que ela tinha a melhor qualidade de todas: Anna tinha um coração bondoso e um caráter digno. Ela não era egoísta, ela não era má, ela não era hipócrita, Anna era simplesmente o ser humano mais bonito que eu já vi em toda minha vida, e a mulher que eu mais amei e a que mais fará falta em minha vida. Eu vi uma vida com ela, eu me vi casado com ela. E agora, eu vejo uma escuridão eterna. Anna Campbell era a única dentre todos nós que não merecia estar nesse buraco – Elliot soluçou, e tentou tapar sua boca e deu um passo para trás.

Louis dera um passo tímido para frente.

– Merda, eu não sou bom com palavras, mas Anna era. Ela conseguia amolecer meu coração quando minha cerveja acabava e me deixava estressado ou quando eu queria dar uma sova em alguém. – Ele inspirou fundo.

– Ela era a filha que eu gostaria de ter tido, despertava em mim um instinto paterno que eu acreditei ter perdido há muitos anos. A prova disso era que no dia em que a encontrei disfarçada dentro de um cabaré e eu não fui me diverti, eu quis cuidar dela para nenhum sem vergonha atirar-se nela. E também teve a outra vez todos haviam sido capiturados pela ALDA e eu e Anna conseguimos escapar na montanha. Eu quis protegê-la como se protegesse um filho, meu filho. Como o príncipe Meszaros disse, o mundo será sem dúvidas um lugar muito pior sem ela, mas como eu já aprendi há muitos anos, as pessoas boas sempre se vão primeiro. Então, somente espero que isso signifique que elas vão para um melhor lugar do que esse que vivemos.

Louis dera um passo para trás, antes que começasse a chorar na frente de todos.

– Ela era uma jovem incrível, sempre me trazia comida e vivia sorrindo – Ari disse, e logo lembrou-se do passo a frente, limpando as lágrimas. Ele não escondia suas emoções. – Ela cuidava sempre dos meus ferimentos, Anna tinha mãos de fadas. Eu nunca a vi reclamando de nada, nunca a vi lamentando-se de nada. Ela era feliz com aquilo que tinha e espalhava essa felicidade entre nós. Ela fará muita falta.  

Passado um  tempo morto, Savannah ajoelhou-se no chão e colocou sua mão sobre a neve onde jazia sua irmã.

– Adeus minha pequena – ela balbuciou, tremula. – Saiba que eu nunca, nunca deixarei de te amar, Anna.

Savannah balançou a cabeça, incrédula.

– Eu daria tudo para voltar atrás e não permitir que isso terminasse assim. Perdoe-me por ter deixado você se envolver com as pessoas erradas.

Thor viu Amélia dar as costas para eles e se afastar do grupo.

– Eu sei que você encontrará sua paz, minha menininha. Descanse em paz, Anna.

Thor fechou seus olhos e suspirou, imaginando-se por um instante no lugar de Savannah. Ela olhou por cima do ombro a bruxa Winston, e lhe deu o sinal. Emily abaixou-se no chão e tocara a neve, fechando seus olhos.

Fizera as flores mais belas e coloridas brotarem e crescerem sobre a alva neve, onde Anna estava enterrada, fazendo suas raízes guadarem para sempre o corpo dela como aquilo que ela era, bonita como uma flor. Assim, Anna poderia para sempre ficar em paz.

II

Era imperativo ter resistência para subir a montanha, mas todos tinham um ar fatigado depois de uma cansativa viagem em plena escuridão nos caminhos estreitos da caverna. Fizeram a primeira pausa em pouco tempo de caminhada, pela exaustão e pela dificuldade da passagem do ar nos pulmões à medida na qual ascendiam. Tudo era silencioso e frio, ouvia-se apenas o sibilo dos chicotes da ventania que chocavam-se na montanha, às vezes violentamente, às vezes calmamente, tudo dependia de seu humor.

Ninguém atrevia-se a falar se não fosse algo de extrema urgência. 

Savannah perguntou-se se aquele silêncio era feito somente por algum tipo de respeito a ela, um respeito desonesto, pensou. Ninguém havia defendido ela em nome de Anna, somente defenderam a mulher que a deixou morrer, fazer um voto de silêncio naquele momento não ajudaria em nada. Entretanto, Savannah não sentia mais raiva naquele momento, ela sentia algo pior: nada.

Sentia que algo de si fora tomado, algo grande que lhe dava forças, algo que lhe dava vida e tudo que restou era somente solidão e o vazio dentro de seu corpo agora oco.

Desejava ter uma casa, com um quarto onde pudesse se refugiar dentro do escuro e sentir-se livre para chorar até não existir mais lágrimas para serem derramadas, até que não sobrasse nenhuma para que ela nunca tivesse que chorar novamente, para nunca mais sentir aquele sentimento outra vez.  Porque ainda nada estava límpido, ela ainda não acreditava que assistiu sua irmãzinha morrer em seus braços e quando percebesse que aquilo não era um pesadelo, Savannah sabia que desmoronaria, por fora e por dentro.

Durante aquele pouco tempo de descanso, ela deixou seu corpo cair sobre a neve, afastada de todos, e deixou sua mente se escurecer. Savannah se encolhia segurando suas pernas entre seus braços, sua respiração era forçada, porque do contrário, o pequeno ar que entrava por sua boca não parecia sustentar seu corpo.  A dor em seu peito já não parecia ser mais real. Seus olhos estavam pesados e doloridos, ela sentia a sensibilidade de cada linha de expressão de seu rosto.

Cada vez que seus olhos se fechavam, Savannah era capaz de ver seus grandes olhos claros que a observava com tanta doçura, suas finas mãos que a sempre procuravam a dela quando ela precisava de apoio. Esta garota que estava morta agora. Era sua irmãzinha.

Ela encarava o imenso vazio da montanha, nada se via com a densa neblina que os cercavam. Nem mesmo frio a incomodava mais. Como Anna podia estar morta? A única pessoa totalmente pura que ela conhecera em toda sua vida? A única pessoa que merecia viver?

Ela limpou o nariz que escorria e sentiu como sua pele ardia por repetir essa ação diversas vezes.

Alguém teve a ousadia de sentar ao seu lado, e era Legrand. Ele parecia tentar ser cuidadoso para se sentar, porém escorregou na neve e caiu de bunda no chão. Savannah não fez esforços para fitá-lo, e não lhe dirigiu a palavra. Assim, os dois ficaram durante um longo tempo, até Louis criar a coragem para falar:

– Eu sempre admirei muito vocês duas – ele murmurou.

– Eram apenas duas garotas jovens que sobreviviam dia após dia nesse mundo miserável. Se para mim, a vida de um homem no mundo não é fácil, eu não consigo imaginar como a vida era para vocês, mulheres.

Ela não se mexeu, nem tentou dizer alguma coisa, mas ouvia sua voz com atenção.

– Eu já lhe disse como perdi minha esposa? – ele perguntou erguendo seu olhar para a face enrubescida dela. Savannah fungou o nariz, ela teria que falar novamente e isso doeria seu peito, mas ela não lembrava qual seria a última palavra a sair de sua boca e talvez isso fosse necessário naquela hora.

– Nunca soube que você foi casado.

– Eu fui – ele responde, cerrando um punho e olhando para o céu. – Há vinte anos atrás, e perdi os dois para Os Dias de Escuridão.

– Quem mais?

– Ela e meu filho – ele revela enchendo sua boca de ar. Savannah então ergue seu olhar pesado e encontra Louis que se esforçava para dar um sorriso amigável. Ele arranca uma garrafa de seu bolso e a vira na boca.

– Era para eu ter morrido com eles naquela noite, mas – sua voz parecia presa em sua garganta –, eu não estava lá quando eles precisaram de mim... Como nunca fui muito responsável, tinha perdido meu trabalho na mina por eu ter surrado o meu antigo patrão que infernizava minha vida. Ele se encarregou para que eu não arranjasse nenhum outro trabalho em nenhuma outra mina, em plena guerra. Tinha sido minerador em toda minha vida, eu não sabia fazer mais nada além daquilo. Sobrevivemos na miséria, o pouco que tínhamos vinha dos tecidos que minha mulher coloria, ela era uma tintureira. Até um dia, no desespero de perder a guerra, Gardênia anunciou que daria uma cesta de alimentos básicos a cada mês às famílias dos homens que se recrutassem no exercito. E eu fui.

Savannah suspirou, fechando seus olhos.

– Eu não estava no meu vilarejo quando ele foi dizimado. Mas, ninguém nunca me contou isso. Quando eu voltei pela primeira vez para casa, eu encontrei a morte personificada naqueles restos mortais de uma pequena civilização. Nem souberam ao menos me dizer em quais covas minha mulher e minha criança foram enterradas, apenas me apontaram para a centena de buracos já fechados no chão e me disseram: se eles moravam nesse vilarejo, eles estão enterrados ali, não conseguimos reconhecer quase nenhum dos corpos, pois eles foram retalhados, esquartejados ou queimados. E eu fiquei ali, imóvel diante centenas de covas, sem saber a quem eu falaria. Todas as pessoas que eu conheci naquele vilarejo, todas assassinadas brutalmente. Eu tento fingir não lembrar que minha mulher estava grávida de outra criança antes de eu partir, para não pensar que eu perdi dois filhos no lugar de um.

Savannah sentia as lágrimas subirem aos olhos.

– Por algum maldito motivo, esses deuses infelizes não me levaram durante a guerra me fazendo ficar e sofrer por minha perda. Ver o quanto minha vida não valia nem um vilar sequer. Então, eu parei de ser um bom soldado, não seguia mais ordens, e fui expulso do exercito porque eles perceberam que eu era amaldiçoado e nunca morria em nenhuma batalha que ia. Eu não tinha mais nada, e fui deixado em Helsker onde virei um morador de rua, vivia do que me davam, até uns guardas se meterem comigo e prenderem no Gládio anos mais tarde. Você sabe o que é o Gládio, menina?

Ela acenou a cabeça em concordância.

– Pois bem, ali fora comprovado minha maldição. Eu sobrevivia todas as lutas, lutava para saciar a raiva que sentia, mas não me importava de morrer – ele deu outra golada na cerveja. – Até eu conhecer dois palermas que de alguma maneira me ajudaram a encontrar novamente minha vontade de viver e me tiraram daquele lugar. – No momento em que ele voltou a fitá-la, os lábios dela estremeciam sem saber o que dizer.

– Foram vinte anos de luto. Eu morri com meu filho e com minha mulher naquele dia. E não importa o quanto eu me afundasse, eu sempre conseguia acordar o dia seguinte e lembrar que minhas únicas razões de existência haviam ido embora. – A boca de Savannah fazia esforço para não tremer e permitir que o choro viesse outra vez. – Mesmo que você implore, você não vai acordar desse pesadelo, menina. Não é uma dor que simplesmente desaparecerá e deixará você continuar sua vida. Ela ficará com você por toda eternidade Savannah, caberá somente à você de decidir se essa dor tomará um espaço no seu coração ou se ela tomará espaço na sua vida. 

– Eu não tenho mais ninguém, Louis – ela segredou, numa voz dolorida. – Eu nunca tive ninguém além dela. Eu não consigo ver, não consigo encontrar razões para querer continuar.

– Você pode se entregar, Savannah, assim como eu fiz. Seria um bastardo maldito se lhe dissesse que você não pode fazer isso. Mas, mesmo quando eu me entreguei, minha dor continuou lá devorando-me aos poucos e me levou para os piores caminhos desta terra... Se você não encontra razões para continuar por você própria, pense no que Anna gostaria que você fizesse. Como ela gostaria de vê-la.

Savannah fechou seus olhos lembrando-se do que sua irmã pediu antes de morrer. Louis finalizou tocando em seu ombro, em seguida levantou-se e afastou-se dela. Dando um tempo para ela pensar sozinha sobre sua perda.

+++

Ao subirem a montanha, eles encontram todos os pertences deixados dentro da entrada da caverna. Com exceção das mulas, não havia nenhum traço delas e por isso Lucky acreditou que o responsável por aquilo deveria ter sido somente Jared, algo o fazia acreditar que seu irmão era esperto demais para se atrever entrar e perde-se novamente naquele inferno que eles conheceram. Se ele tivesse ideia do que os esperavam ali dentro, Lucky não teria se deixado enganar tão facilmente. Tudo parecia tão óbvio naquela hora, Jared nunca quis ajudá-lo a encontrar Nádia Sheeran, Jared Crawford apenas o enganou para que ele subisse na montanha e visse o que provavelmente o Oráculo lhe mostrou, o assassino de seu pai.

Ele ouvia ao fundo a madeira sendo queimada pelo fogo, ela estava centralizada dentro da primeira passagem da caverna onde eles levataram acampamento para se abrigar da neve e descansar. Berbatov, por sua vez, bebeu mais do que o normal e sentia seu corpo quente, por isso preferiu ficar à beira do arco de pedra, olhando o céu escuro sendo salpicado por uma fina nevasca, ele se recusava dormir. Ele levou o odre até a boca, mas não bebeu, pensativo. Jared lhe mentira desde todo início?

Ele teria o que merecia, Lucky prometeu, mas não naquele momento, pois Berbatov tinha um grande acerto de contas para fazer ao colocar seus pés novamente na ALDA. Ele engoliu o resto da cerveja misturada com vinho e ali acabou seu odre, o deixando com mais raiva. Lucky o atirou em direção a neve e bufou. Até ouvir um barulho que vinha do interior e por cima do ombro, ele fitou Savannah que atirou sua mochila as costas e seguiu até à saída, sem lhe dirigir uma única palavra.

– De partida? – ela não o respondeu. – Com esta neve, você não irá muito longe.

– Isso não te diz respeita – ela colocou seu pé para fora.

– Esse será seu plano para fugir da dor, fugir deles? Se jogar sozinha no mundo?

Savannah novamente não se deu o trabalho de lhe responder.

– Se quer meu conselho, isso é burrice – ele levantou-se, com uma leve vertigem.

– Aconselha-me para que eu fique ao lado da mulher que deixou minha irmã morrer?! – ela virou-se furiosa, encarando-o através da neve.

– Amélia obrigou você ou sua irmã entrarem nesta maldita caverna apontando uma seta para a cabeça de cada uma? – ele questionou e Savannah não respondeu. – Foi exatamente o que eu pensei.

– Ela também não nos perguntou se queríamos ficar, sempre achou tinha poder sobre nós duas por nos dar teto e comida!

– Pois bem, esta é a realeza!

Ela suspirou, indignada.

– Você é mesmo um hipócrita, Berbatov! Clama seu ódio por eles, por toda essa realeza, mas trabalha com eles, protege eles e sempre está ao lado de Amélia! Você não passa de uma farsa! Você quer se juntar à eles, mas apenas finge seu desdém porque sabe que nunca será aceito!

– E você não passa de uma garotinha iludida, acharia que viveria na custa de outros e nunca teria que pagar a conta por isso? Se sua irmã se foi Savannah, foi somente e única culpa sua! Aceite isso e aprenda a conviver com seu erro ao trazê-la para este lado! – Berbatov cuspiu, raivoso, lhe dando as costas.

Ele andou sobre a fofa neve de volta para seu canto, e somente sentiu um empurrão que o fez quase cair no chão vindo de trás.

– Você não é ninguém para falar de mim, seu maldito! – ela berrou de volta, com lágrimas nos olhos. Lucky girou furioso cravando seus olhos nela, com a pele enrubecida pelo frio.

– Protege Mia porque está apaixonado por ela, mas esquece-se que ninguém nunca te amará ou te suportará, Berbatov! Se eu estou sozinha, foi porque a vida me deixou assim! Se você está sozinho é porque ninguém consegue viver com um ser humano tão egoísta, amargo e bêbado como você! Você e sua personalidade afasta às pessoas e por isso não tem e nunca mais terá ninguém, porque você destrói tudo! Você destruiu tudo, maldito!

Savannah esfregou seu nariz e deixou escapar muitos soluços, parecendo mais ofendida com suas palavras do que Berbatov estava.

– Se você fosse tão diferente de mim, Savanninha, você teria mais alguém além de sua irmã enterrada. Mas, adivinhe só? Você não tem lugar para ir ao descer esta montanha, assim como eu. O que nos resta agora? – ele perguntou, friamente olhando em seus olhos. – O que te resta agora?

Savannah Campbell recuou, sem dizer mais nenhuma palavra, pegou sua mochila que foi atirada sobre a neve e desapareceu na escuridão da montanha, sem olhar nenhuma última vez para trás e Lucky Berbaotv apenas sentou-se outra vez no chão, frustado por não ter mais nada para beber e distrair sua raiva.

III

Amélia despertou de seu pesadelo com uma movimentação e um falatório diante a sua tenda. Ela não sabia o que estava acontecendo, mas se apressou para sair ao ouvir a voz de seu irmão mais alta que as outras. Ela saiu dali e avistou todos acordados, rodeando a carcaça da fogueira, menos Lucky que não estava dentre eles.

– Você viu Savannah? – Elliot pela primeira vez dirigiu sua palavra à ela, com certo desespero.

– Não, eu acabei de acordar.

– E durante a noite, você não a viu?

– Não. O que aconteceu?

Elliot lhe deu as costas e seguiu até a saída da caverna. Amélia ainda confusa olhou para Thor, esperando que ele explicasse o que aconteceu mesmo sabendo que eles não trocaram muitas palavras desde o reencontro.

– Savannah foi embora – ele anunciou e começou a andar para a saída da caverna também.

Amélia os seguiu, sem saber ao certo para onde eles iam. Mas rapidamente entendeu ao ver o corpo de Lucky Berbatov estirado do lado de fora da caverna. Elliot o acordou com um chacoalhão inesperado. Ele despertou lentamente, como fazia todas às vezes que bebia muito na noite anterior. Amélia revirou os olhos, suspirando.

– Onde está Savannah? – Elliot questionou.

Mal-humorado, Berbatov arrancou as mãos do príncipe dele.

– Foi embora! – ele rosnou, levantando-se.

– Quando?

– Durante a madrugada.

– E você estava acordado? – Amélia perguntou.

– Não teria como eu saber disso se estivesse dormindo.

– Você estava acordado e você a deixou partir no inverno da montanha, Berbatov?

– O que eu deveria ter feito? Ter pedido para ela ficar ao lado da mulher que ela acredita ter deixado sua irmã morrer? – ele inquiriu de uma maneira agressiva.

– Você deveria ter feito ela ficar! – Elliot berrou.

– Apenas está triste porque ela não o levou consigo – ele resmungou, dando-lhe as costas.

Elliot agarrou seu ombro e o puxou para trás. – Você deixou uma garota descer sozinha uma montanha durante o inverno! Qual é o seu maldito problema, Berbatov?

– Se ela quis fazer isso foi pelo simples fato de que você está vivo e sua irmã não. A última coisa que ela gostaria era de olhar para sua cara, Elliot.

Elliot levantou seu braço e mirou um murro na face de Berbatov, contudo ele segurou sua mão e a torceu.

– Não é porque você não passa de um bêbe chorão que eu não quebraria sua mão aqui e agora, príncipe.

Thor agarrou o braço de Berbatov e o encarou.

– Chega. Você já fez o suficiente por uma noite.  

Então, com uma expressão de poucos amigos, Lucky Berbatov largou a mão de Elliot. Ele fitou brevemente Amélia que olhava com seu usual semblante de desapontamento, e depois lhes deu as costas, entrando na caverna.

– O que nós vamos fazer? – ela perguntou.

– Não há o que fazer. Ela decidiu ir embora e infelizmente ninguém a impediu. Savannah pode ter ido para qualquer lugar neste momento. A única coisa que podemos fazer é continuar nossa viagem. – Thor disse.

Amélia assente e observa Thor entrando também na caverna, deixando apenas Mia e seu irmão para trás.

– Elliot, eu...

– Quando pretende contar à ele? – Elliot questionou. – Ou Thor já sabe que você beijou esse maldito?

Amélia abaixou os olhos, constrangida.

– O homem que escondeu sua amante que ameaça nossa família, a mesma que provocou a morte de Anna, de Rosa, e provavelmente a de Violetta.

Ela manteve-se quieta.

– Vejamos que não. Mas isso não me surpreende porque a coisa que você sabe fazer melhor é mentir, não é mesmo Amélia? Um reflexo idêntica de nosso pai.

Elliot simplesmente a deixou ali e entrou de volta na caverna.

+++

O crepúsculo já surgia novamente quando eles avistaram as grandes paliçadas do vilarejo de cima da ALDA, ao passo que se aproximavam viram a imagem de um homem ser formada através da neblima e não demorou para todos reconhecerem Jared Crawford que parecia estar ansiosamente à suas espera. Uma vez que estavam ao pé do vilarejo, o portão foi erguido e eles adentraram o vilarejo que era rodeado por um denso nevoeiro.

Amélia fitou Jared, que se aproximava com aquela casual expressão de impenetrabilidade, aprumado e com as mãos às cotas. Uma súbita vontade de agredi-lo surgiu. Jared não tentou em nenhum momento alertá-los o que havia no topo do vale. Ele apenas apresentou as teorias que ligavam-se aos seus objetivos, não as consequência e uma vez que estavam em busca deles, descobrir as consequências não teria mais importância. Ele queria que Thor fosse, e ela ficasse, somente para fazer Lucky admitir ser Nicholas.

– Graças aos Deuses vocês estão vivos! – ele exclamou, alternando seu olhar entre ela, seu irmão e Thor. – Eu tinha certeza de que vocês conseguiriam sair dali em vida, mas quando subitamente os cristais se apagaram, pela primeira vez eu tive minhas dúvidas.

– Por isso pegou nossas mulas e desceu o vale? – Thor rebateu, com coléra.

– Os cristais se apagaram? – Amélia repetiu, perplexa.

Sem ter a chance de ouvir sua confirmação, Amélia viu Lucky partir para cima do irmão. Berbatov apanhou Jared pelo tecido de lã que cobria seu peito e o levantou, o encurralando contra a paliçada que cercava o vilarejo.

– Você sabia de tudo, seu miserável! – ele bateu seu corpo outra vez contra a madeira. – Você me atraiu para lá somente para atingir os seus objetivos.

– Você precisava saber a verdade.

– Através de outra mentira!

– Acreditaria em mim se eu a contasse, Nicholas? Prefiria continuar vivendo na mentira e pagando seus pecados por ela? Eu somente te ajudei e tirei a sua culpa!

– E fez tudo de bom coração que você tem, Jared – Lucky debochou.

– Está triste por qual motivo? Por ter sido enganado ou por não ter encontrado Nádia?

Amélia prensou os lábios e revirou seu olhar.

– Você vai me pagar Jared Crawford, mas não hoje. Tenho assuntos mais importantes para resolver antes de tratar de um verme. Farei o que você provavelmente não teve coragem de fazer porque você não passa de um maldito covarde!

Lucky o largou estremecendo sua raiva.

– Como você encontrou a saída tão rapidamente Jared? – Amélia quis saber, aproximando-se dele ao mesmo tempo em que ele arrumada sua blusa de lã no corpo.

– O Oráculo não parece atender a mesma pessoa mais de uma vez. Quando entramos na caverna, Nicholas simplesmente desapareceu e eu fiquei para trás. Não arrisquei entrar novamente naquela caverna, pois tinha minhas sinceras dúvidas de que encontraria a saída. Eu saí e esperei durante duas luas. E a cada alvorecer, eu adentrava novamente a caverna e tocava nos cristais à espera de alguma sinal e nada aconteceu. No terceiro alvorecer, eu adentrei pela última vez a caverna e vi com meus próprios olhos quando os cristais se escureceram. Pode me chamar de louco, princesa, mas eu senti como se algo tivesse ido embora daquela caverna naquele momento.

Um arrepio correu pelo corpo de Amélia quando ela entendeu o que aquilo significava. A morte de Anna havia liberado o Oráculo de sua maldição jogada por Ceres. Ela pertence a mim, ele disse. Talvez por aquele motivo, Nádia precisou matar Anna. Nádia lhe provocou até Mia usar sua penúltima flecha e sibilou algo que fez os monstros atacarem dando a opção de salvar Anna ou o seu irmão. Tudo foi planejado... Ela procurou o olhar de Elliot, mas ela sabia que explicar aquilo não o ajudaria em nada.

– Eu creio que vocês precisarão de lugares para ficar esta noite. – Jared Crawford deduziu.

IV

Antes de adormecer, Amélia decidiu que ela precisava tentar resolver um dos seus maiores problemas, e também o único que poderia ser resolvido somente com sua honestidade. Consciente disso, ela era a única pessoa que se arriscava passear numa noite fria de inverno pelas ruas de pedras do vilarejo clareado somente pela luz do luar e poucos archotes. Ela vagou durante um longo tempo, até ter coragem para direcionar-se diretamente para onde o príncipe Meszaros estava hospedado. Ela estarreceu-se fronte sua tenda, e antes que tivesse a força para anunciar-se, subitamente Thor apareceu entre as pesadas cortinas de algodão que enfeitavam a entrada.

– Boa noite, príncipe.

– Boa noite, princesa Amélia.

– Você estava de saída?

Ele acenou a cabeça, em afirmativa.

– Eu estava indo para sua tenda... Gostaria de entrar ou preferiria ficar congelando aqui fora?

Amélia viu que ele tendou usar um leve tom de humor, mas aquilo não pareceu facilitar as coisas para o que ela estava preste a confessar. Ela aceitou a proposta e adentrou sua tenda. Ela seguiu em passos pesados até o centro e viu o reflexo de Thor através do espelho de corpo que fazia parte da decoração do quarto e se localizava certeiramente na direção oposta da entrada. Deram-lhe o mesmo quarto da última vez, e naquele mesmo momento, Amélia lembrou-se do clima pesado que sentiu a primeira vez que adentrou aquele lugar pelo mesmo problema.

– Sua coruja não está aqui?

– Ela sai para caçar à noite. Aceitaria vinho?

– Não, mas agradeço.

Thor se direcionou para sua mesa onde uma taça de vinho já o esperava, e deu uma golada com calma. Ele observou Amélia e sua apreensão, então perguntou: – O que o Oráculo mostrou-lhe?

– Mais segredos de Ceres, e os mistérios escondidos por trás das adagas de cada religião. E para você?

– A arma secreta dos Caçadores Espíritas. Supostamente, Joseph Borislav me escolheu para protegê-la.

– E você a protegerá? – ela perguntou, surpresa.

– Eu não vejo o porquê.

– Seria um desejo de sua mãe.

– Eu sei – ele suspirou, e deu mais uma golada em seu vinho. – Apenas não é tão fácil tomar uma decisão como esta.

– Posso imaginar.

– Você veio aqui para me dizer algo? – Thor perguntou com firmeza e Amélia fitou seus olhos, cautelosamente balançou sua cabeça, mesmo que seus olhos parecessem hesitar. Ela girou em seus calcanhares e seguiu até a cama, sentando-se.

– Sim.

– Pode me dizer. – Ele tomou novamente seu vinho, apoiando uma de suas mãos sobre a mesa.

– Eu beijei Lucky.

O olhar azul de Thor pareceu torna-se um lago congelado pelo inverno, e Mia tentou encontrar suas forças para continuar...

– Ele estava morrendo nos meus braços, alucinando graças ao veneno da cobra de Drazhan e eu... o beijei. Me desculpe.

Ela engoliu em seco sem saber mais o que poderia dizer. A primeira vez que aquilo aconteceu, Mia não tinha absolutamente culpa e não sentira nada com aquele beijo, aquilo não foi difícil de dizer a Thor e ele a compreendeu. Mas, o que ele diria desta vez? Ela beijou Berbatov pensando que aquele seria um adeus, seus sentimentos falaram por si. Os sentimentos afetuosos por Lucky que ambos já sabiam de sua existência. E esses sentimentos simplesmente não se importaram em nenhum momento com a confiança de Thor.

Let it all go - Birdy + Rhodes
O silêncio pareceu por um momento cortante até Thor quebrá-lo:

– Eu me lembro quando minha mãe disse que o fato de você ser uma sacerdotisa e supostamente eu ter uma ligação estranha com os Caçadores, nos afastaria. Ela estava certa, não estava?

Amélia respirou fundo, sem saber ao certo o que deveria dizer.

– Talvez se Sabrina e Drazhan nunca tivessem planejado aquela reencarnação, você nunca teria ido embora e eu nunca teria me aproximado...

– Você não teria se apaixonado por Berbatov. Eu sei. Não parei de pensar nisso desde o primeiro dia em que coloquei meus pés no vilarejo da ALDA – ele passou a mão em seus fios desgranhados, jogando-os para trás. Thor parecia totalmente desnorteado, entretanto ele não alterou sua voz, não ficou bravo, nem agressivo, nem ao menos surpreso e isso fez Amélia acreditar que de alguma forma, Thor já tinha consciência deste beijo.

– Eu não esperava que isso acontecesse... Eu nunca quis quebrar sua confiança. Eu acreditei que eu tinha tudo sob meu controle e noutro momento eu somente...

– Seu receio de perdê-lo lhe fez perder esse controle. – Thor murmurou. Ele andou pelo quarto em sua direção e sentou-se do seu lado, sem fitá-la, pensativo.

– Eu estou ciente de tudo que isso pode levar, estou ciente do perigo que Lucky e Nadia podem representar para o Norte...

– Você diz isso, contudo eu posso ver em seus olhos que você confia nele, mesmo depois de tudo.

– Você sempre me apoiou com tudo Thor, me apoiou mais do que eu te apoiei... No entanto, Lucky também esteve lá por muitas vezes, da maneira dele, do jeito dele, mas ele esteve... Eu somente não quero mais mentir para mim, nem para você Thor, você não merece isso. Algo mudou entre eu e Lucky, algo que eu demorei muito para perceber, e para admitir. – Ela suspirou.

– Eu entendo – ele murmurou outra vez, sem olhar seus olhos.

– Você seria capaz de me perdoar? – Amélia quis saber, sentindo um nó em sua garganta.

– Eu acredito que sim. – Ele disse, soprando suas mãos unidas, em seguida deixou seus olhos fixarem nos dela. – Mas, eu não creio que ainda sou capaz de continuar com isso, Mia. Não mais.

Amélia virou seus olhos, cravando-os no chão, e acenou com sua cabeça com medo de sua voz vacilar. Ela nunca imaginou que após tudo que eles enfrentaram no último ano, as coisas acabariam desta maneira entre eles.

– Você está confusa com seus sentimentos, e talvez você não tenha ideia em quantas formas isso me machuca. Creio que ambos de nós precisamos de um tempo separados... Por isso que eu estou voltando diretamente para Wanderwell.

Ela voltou a olhá-lo, com os olhos arregalados.

– Eu partirei na alvorada para pegar a estrada para a Cidade-Livre. E Elliot pediu para me acompanhar, mas acho que isso fica sob sua decisão. Ele está passando por um momento delicado e eu não sei se seria uma boa ideia ele vir comigo.

O choque foi tão vivo que Amélia quis uma maneira repentina chorar, mas não se atreveria. Por isso sentiu a dor atingir seu peito e queimar seu coração de uma maneira ardente. De um momento ao outro, os dois homens que mais confiava estavam de partida, e ambos estavam partindo para ficar longe dela.

– Ele quer ficar longe de mim... Talvez seja melhor para ele.

– Ele está magoado.

– Ele está com raiva. Não se importaria que ele lhe acompanhasse?

– Quanto ao rei e a rainha?

– Eu conversarei com eles.

– Está bem. – Ele balançou a cabeça. – Neste caso, acho que não vejo nenhum problema.

Thor a fitou, e naquele momento, ela entendeu que estava na hora de ir. Ela acenou com sua cabeça, sentindo um aperto em seu coração ao ver uma sombra de tristeza em seus olhos, e levantou-se do colchão.

– Adeus Thor. – Ela disse tão baixo, que ele apenas deduziu suas palavras com o movimento de seus lábios. – Seja prudente em sua viagem, por favor.

– Adeus... – Thor respondeu num tom frio. – Também peço que seja prudente, porque meus sentimentos não mudaram e eu ainda te amo, Amélia.

V

Ainda quando o céu estava escuro, Lucky Berbatov caminhava pelo vilarejo indo em direção a torre de vigilância mais alta do vilarejo de cima. Ele tinha como intenção observar todo o vilarejo debaixo no alvorecer com a luneta que tinha roubado da tenda de seu irmão. Com ela observaria os dois guardas que rondavam a propriedade de seu querido tio Vlad.

Enquanto Lucky caminhava para a saída do vilarejo, ele avistou três cavalos prontos para uma viagem. Ainda de longe, ele visualizou as siruetas de dois homens e logo deduziu que eram os dois príncipes: Thor Meszaros e Elliot Norwood.

Ele se aproximou deles e teve tempo de analisar em sua caminhada que o terceiro cavalo também estava selado, e Lucky logo entendeu o que estava acontecendo. Amélia estava indo embora, e não era de se esperar diferente... Depois de todas aquelas descobertas de Nádia e suas ligações com ela, Thor teria encontrado motivos de sobra para levar a princesa de volta para o Norte o quanto antes possível, isso se não tivesse sido Amélia a decidir. Um gosto amargo subiu a sua boca, mas ainda assim, Lucky não perderia a chance de provocá-los, se Mia queria ir, ele não poderia fazer nada.

– Já estão de partida? – ele começou, Elliot o fitou de longe e revirou o olhar. Thor, pelo contrário, fitou severamente Lucky e se aproximou.

– O caminho para Wanderwell é longo.

– Acreditei que a princesa precisasse voltar com urgência para as terras de de seus pais.

– E ela vai.

De fundo, Lucky viu Emily surgir em meio a escuridão e amarrar sua mala ao cavalo. Lucky franziu seu cenho e voltou rapidamente a fitar Thor.

– A bruxa irá com vocês?

– Amelia pediu para ela cuidar de seu irmão... E como eu sei que você certamente acompanhará Amélia de volta para o Norte, eu achei melhor Emily ficar com Elliot.

Lucky tomou um longo tempo observando Thor. Perguntou a si próprio se ele estava de brincadeira? Mas o príncipe manteve sua postura séria e austera.

– Você está voltando para Leste, e eu tenho que levar a nossa princesinha ao Norte?

– Isso por acaso é algum problema para você?

– Apenas gostaria de saber o motivo. O príncipe pela primeira vez abandonará a sua princesa?

– Eu nunca abandonaria Mia, Berbatov. – Thor engrossou o timbre de sua voz, cravando seus olhos nos dele. – Mas Amélia precisa de um tempo para recolocar suas ideias no lugar.

Eles deveriam ter brigado, Lucky deduziu. Mas ao ponto de fazer Thor partir sem ela?

– Está bem, Vossa Alteza, levarei a princesa de volta ao Norte como deseja, sã e salva – ele falou com ironia.

Thor o observou friamente durante mais alguns segundos, e então lhe deu as costas. Normalmente, Lucky esperava um agradecimento dele, porque o príncipe tinha o hábito de sempre mostrar sua entediante educação mesmo que ambos soubessem que ele somente faria isso por Amélia. De repente, Lucky viu Thor estarrecer seu passo sobre o chão de pedra e virar-se em sua direção outra vez, como se houvesse esquecido de dizer algo de importância:

– Se quer um conselho para evitar maiores problemas, não se esqueça de quem ela é e o que lhe está destinado. – Ele asseverou num tom cortante. – Se Amélia lhe beijou unicamente quando você estava quase morrendo, é porque nem mesmo ela se esqueceu disso.

Lucky Berbatov franziu seu cenho, confuso, vendo Thor partir. E logo uma memória lhe invadiu a mente: o momento em que acreditava ter alucinado com o dia em que brigou até a morte com o Urso Gigante, ele viu e conversou com Mia no lugar de Nádia, e lembrava-se perfeitamente que era Mia.

Aquilo não havia sido uma alucinação, ele percebeu. Amélia tinha lhe roubado um beijo e nem ao menos lhe disse, e isso lhe fez sorrir. Lucky viu Thor montar em seu cavalo e os três seguirem para a saída, e naquele momento ele esqueceu-se completamente o motivo pelo qual estava ali.

+++

Quando o sol levantou-se, e o dia clareou na sua luz gris, Lucky Berbatov esperou em costado fronte  à tenda de Amélia. No momento em que ela saiu dali, ele a surpreendeu:

– Bu! – ela virou-se, chocada.

– O que você está fazendo aqui? – Mia perguntou, e ele apenas se deu o trabalho de sorrir.

– Se você estava me espionando...

– Eu não vi nada para meu azar. – Ele não conseguiu roubar um sorriso dela e então perguntou: – Você está bem?

– Já estive melhor. Então, o que você está fazendo aqui, Berbatov?

Ele cruzou os braços e andou para sua frente.

– Thor me entregou uma árdua tarefa esta alvorada. Estou encarregado de te levar até Skyblower.

– Ele fez o que?

– Você escutou.

Amélia revirou os olhos e desviou o caminho.

– Pois bem, ele se enganou. Henry me acompanhará até Skyblower.

– Claro, o homem da raposa, o animal que também é conhecida por ser matreiro. Mil vezes melhor que eu – ele bufou.

Ela o encarou.

– Com você, eu corro perigo de ser sequestrada para outro vilarejo e na descobrir que o seu verdadeiro nome é Eduard Godon, e que na verdade você fingiu ser Nicholas Crawford esse tempo todo.

– Sério? Eduard Godon?

– Para você entender o quão baixo chegamos. – Ela provocou cruzando os braços. Lucky empurrou sua bochecha com sua língua e por fim resmungou:

– Se não quer a minha adorável companhia para ir ao Norte, agradeça por tê-la para descer o Vale.

VI

Com aproximação da alvorada, de maneira sorrateira, Lucky Berbatov camuflou-se como um animal noturno, e alcançou a propriedade de seu tio. Esperou calculadamente a mesma ação que observou na mesma hora do dia anterior: a chegada de um guarda, a breve conversa e a partida do outro. Esses meros segundos já foram suficientes para Berbatov adentrar a casa por uma janela e esquivar-se da patrulha.

Uma vez dentro, ele teria que ser ainda mais silencioso. Não sabia se existia outro guarda ali dentro, mas duvidava dessa possibilidade. Seu tio sempre prezou pela sua privacidade, e depois do que ele descobriu com sua visita ao Oráculo, Lucky entendeu o porquê. Tudo estava sombreado por uma luz lusco- fusco que adentrava a única janela, e ele deduziu que ele se encontrava na cozinha pela quantidade de utensílios.

Lucky deslizou para a única saída que o levava ao encontro de um corredor. Ele vagou observando o vazio do lugar, e logo se deparou com a porta de entrada, onde do lado de fora o guarda estava, diante a porta encontrava-se uma larga escada. No primeiro momento, Berbatov acreditou que ele estaria dormindo no quarto, entretanto logo lembrou-se que era um homem maribondo que não tinha nada para fazer de sua vida, assim Lucky resolveu verificar o salão que se encontrava no final do corretor que estava do outro lado das escadas.

Lucky andou em leves passos até ali, em vigilância, e ao se aproximar do salão sentiu um cheiro azedo exalar logo na entrada do âmbito, uma mistura de orgânicos em decomposição. Lucky reconhecia aquele odor, o mesmo que parecia persegui-lo por tantos anos ao longo de sua vida, se tratava do cheiro da morte. Logo no primeiro olhar, de um lado viu um lampião aceso em cima de uma mesa roída ao lado de uma poltrona surrada, na outra direção Berbatov viu uma fina sirueta ao sopé  da janela. Lucky se aproximou com cautela, e de primeira reação, sua boca se abriu. Um homem raquítico vestia uma longa camisola cinza com nódulas pretas. Era pálido, como a figura de um próprio fantasma, e ele virou sua cabeça na direção de Lucky.

– Ekaterina? – ele murmurou numa voz chiada. – É você?

Quando seu tio, com muito esforço, conseguiu virar-se sobre seu par de joelhos ossudos e frágeis, Nicholas se deparou com algo ainda mais tenebroso: seu tio já era careca, mas não em toda a cabaça, partes de sua nuca não tinha cabelo e nessas partes cabeça existiam pequenas nódulas negras as quais ele não pôde decifrá-las no escudo, tal como um de seus olhos que parecia inchado. Vladmir ficou um longo tempo virado em sua direção sem dizer uma única palavra. Até que pareceu dar um grande suspiro:

– Nicholas, você está vivo.

– Sim, tio Vlad. Eu estou.

Ele cambaleou em sua direção e Lucky dispôs desse tempo para observá-lo. Tinha uma postura enfermiça num corpo frágil, que parecia ter restado somente o esqueleto. Tio Vlad mancava e para se aproximar de seu sobrinho, ele precisou da muleta encostada à parede. Vladimir praticamente arrastejou-se para alcançá-lo e quando o fez a primeira coisa que tocou foi seu braço e gemeu em seguida.

Vlad ergueu seu rosto que revelava traços surpreendidos, mas também mostrou ao Lucky uma vez cara a cara ao seu tio o que havia em um de seus olhos. Seu olho direito estava inchado, e algo parecia se movimentar ali dentro, mas a falta de luminosidade não permitiu que ele identificasse o que era.

– Pelos deuses, eu realmente sinto a sua pele. Você é real! Meu pequeno Lucky, você está vivo! – sua voz embargava uma certa emoção que Nicholas não esperava entender.

– Sim, estou. – Ele murmurou ainda com os olhos cravados nem todas aquelas feridas vivas e hediondas.

– Por onde andou em todos esses anos, meu sobrinho? – ele quis saber, numa voz seca, parecianquebfalar lhe exigia muito esforço.

– Por muitos lugares...

– O que você fez durante todos esses anos, garoto?

– Eu apenas sobrevivi. Quanto a você, tio Vlad? O que lhe aconteceu?

Seu tio rastejou-se até sua poltrona ao lado do lampião, e ali, ao lado da chama que bruxelava, Nicholas pôde enxergar o quão  grave era o caso de seu tio, as nódulas na sua cabeça eram realmente buracos preenchidos por vermes, assim como seu olho inchado. Ele era um morto vivo, que estava penando sobre essa terra.

– Doenças atrás de doenças me levaram a ficar trancado nesta casa, sendo cuidado pela menina de Zahari, Ekaterina. Ela virou uma linda mulher.  Ela vem aqui três a quatro vezes por dia. Ela me diz que sou a única pessoa que tem, assim como eu, pois seu maldito pai assumiu o controle de tudo e vive lá em cima dando ordens.

Lucky lembrou-se quando Jared lhe contou que Zahari não suportava ficar ao lado de sua filha, que a cada dia que passava estava cada vez mais parecia com sua falecida mãe. Lucky entendia como Ekaterina deveria se sentir, tio Vlad poderia ser um pai mesmo sendo somente um tio, e ela só deveria ter ele como distração num vilarejo tão minúsculo. Deveria ser demasiada sozinha, tal como ele e Jared na infância.

Lucky andou até a sua janela e observou o vazio da rua, em seguida arrancou seu odre de vinho e acabou com tudo somente com uma golada.

– Você não tem ideia do quanto sou grato por vê-lo outra vez, meu sobrinho. – Lucky o fitou por cima do ombro. – Queria tanto me reencontrar com você e me desculpar por todos meus erros, garoto.

– Seus erros?

– Achei que nunca mais tornaria vê-lo, Lucky. Você desapareceu durante tantos, mas nunca acreditei em sua morte.

– Eu estou aqui, meu tio, vivo e na sua frente – Lucky disse. – Por que desejou tanto me ver?

– Tomei muitas decisões erradas, e isso afetou vocês. Nunca deveria ter deixado você ir embora.

Lucky deixou sua língua empurrar sua bochecha e riu baixinho, tomando o resto de seu vinho com amoras.

– Eu sinto muito, Lucky. Eu deveria ter sido mais presente para vocês após a morte de vosso pai.

– Você sente? – ele questionou, numa voz congelante.

– Sim – ele lamuriou. – Eu fiz tantas coisas que não deveria.

Lucky manteu seu silêncio.

– E a pessoa que eu mais preciso me desculpar é com você, meu sobrinho.

– Pelo que?

Seu tio abaixou a cabeça e a balançou em negativa.

– Pelo que você gostaria de se desculpar, querido tio? – ele perguntou num sussurro.

– Fui eu... quem envenou seu pai – ele revelou numa voz dolorida. – Eu envenei o maldito vinho que você levou para seu pai, Lucky.

– Por que? – ele quis saber, ainda nunca voz fria.

Seu tio estremeceu, e continuava a balançar sua cabeça. Lucky demorou para perceber pela primeira vez seu tio estava chorando, sua situação era deplorável, verdadeiro motivo de pena.

– Por que ele o maltratou? – Lucky continuou. Seu tio ergueu sua cabeça, mostrando a carne viva que estava seu olho direito. – Yavor Crawford não foi bom para você, tio Vlad?

– Ele infernizou a minha vida... Por acreditar que eu era um fraco, Yavor me fez odiar a minha própria existência nesse mundo, me arrepender todos os dias de ter nascido.

– Por que?

– Porque eu não era forte como ele, porque eu não era saudável como ele, porque eu não tinha as mesmas preferências que as dele. Por estas razões, eu vivi em sua sombra até os seus últimos dias. Cuidei de seus filhos, criei-os como se fossem os meus porque ele incapaz de sair de seu luto e ser o homem forte que ele sempre foi e nuncia fui agradecido por isso. Vivi toda minha vida em sua mercê, mas eu nunca fui bom o suficiente para ser respeitado. 

– São realmente boas razões para matar alguém – Berbatov murmurou. – Desaparecer com um de seus filhos, culpar outro pelo assassinato e por fim deserdar o último.

Seu tio se manteve imóvel.

– Mas vendo as coisas por um outro lado, você libertou Nália desta miserável destino da família Crawrford. Jared Crawford nunca esteve pronto para cuidar de nada, ainda menos de um feudo. Quanto a mim, querido tio? Qual era seu propósito quanto a mim?

– As coisas saíram de meu controle, Nicholas. Eu não planejava nem ao menos vê-lo naquele maldito casamento. Nunca achei que veria a mulher que amava se casar com o homem que te mentiu durante toda sua vida. Aquele vinho era para ser entregue pelas mãos de Jared. Quais seriam as chances de você levar o vinho para aquele malditoso casamento? – seu tio gritou esforçadamente, arfante.

– Eu não queria – ele lamentou, sem forças para movimenta-se na poltrona. – Não queria fazer aquelas coisas com você, mas tudo caminhou para um lado que eu não controlava, e a única pessoa que você ouvia era aquela maldita puta.

Lucky se aproximou dele, vendo seu pobre tio amaldiçoado por uma doença que lhe fez perder um olho e sua liberdade, abandonado numa casa onde ninguém gostaria de ficar, se existia justiça naquela terra, ele com certeza estava pagando por seus erros.

Sail - Awolnation
– Eu sinto muito, Nicholas. Eu peço perdão a você por todos os meus erros, meu garoto.

Lucky agachou-se no chão, diante a poltrona, e olhou em seus olhos, de perto ele podia ver os vermes se mexendo dentro de seu olho direito, o comendo vivo.

– Eu sei que você sente, tio Vlad. Eu também sinto muito por isso.

Berbatov levantou-se, sem tirar seus olhos de seu tio.

– Você é capaz de me perdoar, meu sobrinho?

Lucky deixou um meio sorriso se formar em seus lábios.

– Infelizmente eu não sou, tio Vlad.

Lucky atingiu um soco carregado de raiva na face de seu tio, fazendo ele voar de sua poltrona e cair sobre o assoalho do chão. Seu tio nem mesmo foi capaz de se levantar ou mover-se, mas ele gemeu. Berbatov deu a volta sobre o corpo e encarou seu tio tentando se rastejar pelo chão.

– Nicholas, por favor, não faça isso.

– Queria tanto ser um homem paciente e deixá-lo morrer por conta dessa doença. – Ele lamentou de maneira sádica e deu um ponta pé em sua barriga fazendo Vladmir virar seu corpo para cima e cuspir um denso sangue e escuro. – Mas nada seria igual a matá-lo com minhas próprias mãos, querido tio Vlad.

Ele agachou-se outra vez ao chão e viu o único olho de seu tio olhá-lo com horror. Lucky alcançou sua mão e quebrou cada dedo de uma mão, um por um, e para impedir seus gritos dolorosos, Lucky segurou sua boca que não tinha força para lutar de volta. Em seguida, Berbatov arrancou sua espada e rasgou a camisola de seu tio revelando um peito marcado por manchas pretas.

– Olhe nos meus olhos e tente gritar, se você for capaz. E não chore, pois isso é somente para fracos.

Lucky Berbatov empunhou sua espada no órgão genital de seu tio, e viu a dor em seus olhos, ele não tinha força para gritar. E com ânsia de ver seu sangue banhando o aço, Berbatov continuo a cravando a lâmina afiada, que escalou sua barriga, até ela alcançar sua garganta e sair por sua boca, banhada com um sangue espesso. Ele arrancou sua vida. Lucky por fim arrancou o aço e perfurou a face já deformada de seu tio Vladmir.

Lucky Berbatov guardaria aquela imagem para sempre em sua mente.

______________________________
TRIGÉSIMO CAPÍTULO DO SEGUNDO LIVRO DA SÉRIE AS ADAGAS DE CERES.
8530 PALAVRAS
Dedico à @MIX0050, eu amoooo receber as 30 notificações somente de seus comentários!!!!! Obrigada por acompanhar AADC com tanta empolgação ❤️

À la  prochaine,
Erika R Vilares

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