Ceres - Agora o Inimigo é Out...

By erika_vilares

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SEGUNDO LIVRO DA SÉRIE AS ADAGAS DE CERES Os muros cinzentos que cercavam o castelo retinham a cruel realidad... More

Ceres - Agora o Inimigo é Outro
Messagem aos novos leitores
Prólogo
Capítulo Um Parte I
Capítulo Um Parte II
Capítulo Dois
Capítulo Três
Capítulo Quatro
Capítulo Cinco
Capítulo Seis
Capítulo Sete Parte I
Capítulo Sete Parte II
Capítulo Oito
Capítulo Nove
Capítulo Dez
Capítulo Onze
Capítulo Doze
Capítulo Treze
Capítulo Quatorze
Capítulo Quinze
Capítulo Dezesseis
Capítulo Dezessete
Capítulo Dezoito
Capítulo Dezenove
Capítulo Vinte
Capítulo Vinte e Um
Capítulo Vinte e Dois
Aviso
Capítulo Vinte e Três
Capítulo Vinte e Quatro
Capítulo Vinte e Cinco
Capítulo Vinte e Sete Parte I
Capítulo Vinte e Sete Parte II
Entrevista na Band
Capítulo Vinte e Oito
Capítulo Vinte e Nove
Capítulo Trinta
Capítulo Trinta e Um
Capítulo Trinta e Dois
Capítulo Trinta e Três
Capítulo Trinta e Quatro
Capítulo Penúltimo
Último Capítulo - Parte I
Último Capítulo - Parte II
Notas da Autora
PRÉ VENDA

Capítulo Vinte e Seis

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By erika_vilares

Capítulo Vinte e Seis

O príncipe encarava uma pintura. Uma tela com tinta extraída das frutas, misturada com óleo e água num velho papiro desbotado colado à parede de sua tenda. Curvas suaves e esculturais pareciam formar um corpo pintado num denso rubro, e os longos cabelos representados num branco gelo. Em modo de ataque com sua arma, só poderia ser uma arqueira, ele deduziu. Aquele devia ser uma das poucas coisas que aquele vilarejo conseguira salvar do celebre incêndio de Sharwood, Thor pensou. E, por algum motivo, aquilo estava na tenda que lhe ofereceram por apenas algumas moedas de prata.

Ele deixou seu peso cair sobre o colchão de palha sentindo a primeira vez a exaustão que seu corpo carregava há mais de quatro dias. Thor apoiou seus cotovelos sobre os joelhos, deixando um suspiro escapar de seus lábios.

Ele prensou os lábios e olhou outra vez para tela, sabendo que aquela imagem lhe trazia uma lembrança que lhe parecia tão antiga do último outono.

– Você deve erguer seu braço na altura de sua boca – a voz aveludada lhe indicou. Thor então, pôde fazer o que ele esteve tentando evitar o dia inteiro, encarar os lábios incrivelmente sensuais como desejáveis da princesa do Norte.

– Em seguida, posicione bem a seta.

A princesa Amélia se colocou em posição de ataque como indicara, ficando em diagonal para ele. E Thor, relutantemente, deixou seus olhos descerem pelo contorno de seu vestido que valorizavam suas curvas. Seria a primeira vez que ele teria a chance de olhar sem ser desrespeitoso. Ela parecia uma perfeita nobre, trajes caros, uma pele oliva reluzente de tão limpa e bem cuidada, cabelos negros com uma cascada de caracóis sedosos e um sorriso branco e perfeito. Contudo, a imagem que restara em sua mente foi sua forma selvagem que ele vira na floresta do cabelo bagunçado e o olhar arisco. E era isso que deixava-a mais interessante, porque ela não parecia como as outras nobres.

Estava cansado daquela mesmice que vivera em Wanderwell e Amarílis, garotas incrivelmente belas e charmosas, mas irritantemente superficiais e vazias. Na verdade, beleza externa era apenas um bônus para Thor, a personalidade era o que lhe chamava a atenção e ele sabia que o único motivo para atrair as garotas mais belas de seu reino era somente seu título de primogênito do rei do Leste.

E aqui estava ela a primogênita do rei do Norte. Ela não tinha mudado quase nada em comparação as últimas imagens que Thor tinha guardado em sua mente, apenas se tornara uma mulher. Uma mulher incrivelmente atraente e cheia de personalidade.

– E, por fim, deixe ela partir – ela sussurrou largando a flecha de seu arco. Ela atravessou o campo e acertou em cheio o alvo.

Thor se recompôs, olhando a flecha no centro do alvo. Deixar-se levar por aquele sentimento seria consentir com o que seu pai queria, um casamento. Um casamento diplomático o qual ele pudesse tirar benefícios.

– Tem uma boa pontaria, princesa.

– Foram anos de prática. Gostaria de tentar? – ela lhe estendeu o arco.

– Setas não são meu forte.

– Nunca foram – ela rebateu com um sorriso atrevido. – Lembro-me de nossas competições quando éramos mais novos. Não é possível que não tenha melhorado nada nesse tempo todo.

Thor arriscou e aceitou o arco, se posicionando. Desejou ter prestado mais atenção nas suas dicas, mas nunca dominou aquela arma.

– Levante mais seu cotovelo, príncipe. Quando se sentir pronto, solte-a.

Thor a soltou sem ter a certeza da resposta, e como o esperado, errou vergonhosamente o alvo. Mia começou a rir.

– Ou talvez seja tão ruim como antes.

Ele lhe fitou com suspicácia.

– Sabia que eu erraria.

– Talvez se estivesse atento com meus conselhos, teria feito uma performance um pouco menos pior.

Thor acabou rindo junto dela.

– Me perdoe – ele disse, sem graça.

– Não precisa pedir perdão, príncipe Thor. Eu também lhe espionei quando tirou os olhos de mim. Faz parte da nossa natureza – ela rebateu com um tom zombeteiro.

– Tecnicamente somos completos estranhos que se encontraram numa floresta qualquer e que dias mais tarde descobrimos que eram melhores amigos de infância, e que agora estão atirando flechas num castelo fingindo que nada daquilo aconteceu. O quão isso pode ser estranho?

– É uma garota direta, princesa Amélia.

– Talvez seja um dos meus defeitos, príncipe Thor.

– Ao contrário, é algo que eu aprecio. Principalmente para uma futura rainha. – Thor voltou a erguer o arco e preparar uma outra seta. Preparou sua mira e ao atirar, errou outra vez.

Ele suspirou e lhe jogou um olhar de desistência e um sorriso gentil formou-se em seu rosto pela primeira vez.

– O que deixa-me curioso é o fato de uma princesa tão direta como aparenta, viu como única saída de fugir de seu reino?

Amélia desviou seu olhar a última seta atirada, cravada sobre o gramado.

– Assim como esta flecha, eu sinto-me presa. Puxada para trás e sem poder escolher o meu rumo uma vez disparada. Ele será escolhido por aqueles que me puxam para trás...

Ela olhou em seus olhos em seguida.

– Eu não sei quem eu realmente sou príncipe Thor. Tentei por um tempo ser aquela garota que me ensinaram a ser, e em seguida tentei ser aquilo que as pessoas pensavam que eu era. Mas a verdade é que eu nunca soube o que eu realmente fui. Além de uma princesa presa no seu reino de cristal que irá receber por mérito ou não, uma coroa de rainha.

Thor abaixou a cabeça e olhou para o tapete debaixo de seus pés, livrando-se daquela memória. Como estará ela neste momento? Ele sentia que tinha feito a escolha errada de deixar Mia para trás, contudo, por diversas vezes ela provou que sabia se defender sozinha e talvez como ele, ela precisasse daquele momento de solidão para pensar. Mas isso não o deixava menos inquieto.

– Príncipe, eu poderia entrar? – ele reconheceu a voz no mesmo instante e assentiu.

No momento o qual a cortina da tenda foi aberta, um vento circulou lá dentro com a entrada de Emily. Ele levantou-se da cama e se aproximou.

– Imagino que não tirou tempo para repousar – ele começou.

– Assim como você.

Thor lhe deu as costas e seguiu para uma simples bancada onde se encontrava frutas, um pão e vinho. Ele apanhou o vinho.

– Eu estava sentado na cama que me ofereceram quando entrou. Aceitaria vinho?

– Não, agradeço. – Ela o observou. – Podia estar sentado, mas sei que sua mente não repousará por um só momento.

Ele tomou um gole do vinho de amoras servido no cálice.

– Eu sei para o que veio, Emily. Mas devo lhe avisar que perdera sua viagem.

– Não irei embora sem tentar outra vez.

– Não estou lhe impedindo de tentar, apenar lhe alertando que não voltarei atrás com minha opinião – ele assegurou, aproximando-se dela e lhe entregando um cálice com vinho.

– Tome vinho. Ele lhe aquecerá durante a madrugada. Seu corpo ainda está agitado, mas quando seus músculos relaxarem, sentirá o frio do Vale.

Ela parecia hesitante, mas aceitou.

– O leste tem invernos rigorosos. Imagino que já tenha se acostumado com o frio – Emily disse casualmente como se quisesse adiar a conversa.

– Não se acostuma com o inverno – Thor rebateu com um leve humor. – Ou você ama ou o odeia.

– Então? Você o ama ou o odeia?

– Por muitos anos de minha vida, eu o temi – ele respondeu pensativo. – Já tive muitos pesadelos com a chegada do inverno. Porque esses eram os piores castigos...

– Castigos?

Thor tomou um grande gole e secou a boca.

– O rei de Wanderwell não é um homem que gosta de erros – ele lhe segredou. – E, quando era mais novo e mais inconsequente, cada erro significava uma punição diferente, de acordo com cada estação. Deuses o inverno era o pior – ele riu com um humor negro.

Emily lhe encarava curiosa e por um momento, ele pensou se deveria ou não contar.

– Lembro-me perfeitamente do dia em que eu perdi a minha primeira justa com Lorde Aleksandar, o qual era um ano e meio ano mais novo que eu. O rei saiu do salão antes que acabasse para não ser humilhado pela derrota do filho. Mais tarde, quando meu treinador Iordan acabava de limpar meus ferimentos os guardas de meu pai vieram me buscar. Agrediram meu treinador e me levaram até o rei. Ele me esperava numa carruagem e sem dizer nada começamos uma viagem até uma floresta sob a neve perto de um lago congelado. Seus guardas quebraram a camada de gelo sobre a água e por fim, meu próprio pai me atirou para o fundo do lago.

Emily arregalou seus olhos, horrorizada.

– Afundei muito rápido pelo pânico. Senti como se milhares de pequenos aços perfurassem meu corpo, violentamente e agonizantemente, e precisei não me desesperar mesmo achando que aquele poderia ser meu fim, porque se o frio não me matasse, eu morreria por um afogamento. Fiquei aterrorizado debaixo do gelo. Eu me concentrei na quietude e na repleta escuridão. A água cortante era tão torturante que me impedia mesmo de abrir os olhos, então comecei a nadar, nadar somente para cima até bater contra a camada de gelo. Não adiantava bater, não se partiria de baixo. Tive de ir a busca do mesmo buraco que eu tinha entrado. E no fim, eu consegui.

– Seus guardas me arrancaram dali imediatamente, e me cobriram em cobertores de pele mais pesados que eu. Eu batia os dentes como se eles fossem quebrar, e me senti incapaz de me continuar sobre minhas pernas que estavam corroídas pelo frio. Me privei de chorar. Sabia que se chorasse diante dele, seria jogado de volta para a água.

– Pelos deuses Thor – ela suspirou. – Seu pai poderia ter lhe matado! O que sua mãe fez?

– Nada. De nada poderia. Ele era o rei. Mas, somente a primeira vez fora traumatizante. Todas as outras, durante os invernos, eu sabia o que me esperava quando eu cometia erros e quando eu entrava na água, eu já sabia o que deveria fazer. Graças a ele, tenho resistência ao frio. Aprendi a lidar com ambos.

– Por isso, lhe repito Emily: você não é obrigada a ir comigo. O outono acabará em breve e será inverno quando subirmos o vale. A temperatura vai diminuir ainda mais com a altitude. Se eu for, estarei arriscando somente a minha vida, nem a sua, nem a de Anna.

– Eu tento lhe convencer a não ir e você tenta me convence a não lhe acompanhar – ela murmurou. – Ficaremos aqui a noite inteira, príncipe Thor.

– Zahari Christoff não mente. Eu sei o quanto pode lhe parecer estranho, contudo minha irmã antes de morrer, de alguma forma, me alertou sobre os perigos do vale. Estas criaturas são reais e eles estão no Vale! Se Drazhan subiu mesmo este Vale por algum motivo, com certeza ele já está morto Thor! De nada vale segui-lo até a morte!

– Emily... – ele levantou-se da cama, impaciente.

– Isto é suicídio! Drazhan pode até mesmo estar planejando um plano e está esperando que você vá para lá! Já parou para pensar nisso? Por que Jared nos diria todas aquelas informações e simplesmente deixaria de lado os perigos fatais que existem neste Vale? – ela insistiu ainda mais alto. – Você está passando por um momento difícil agora, eu entendo, sei o quanto pode estar machucado, mas você deve parar e pensar em tudo que você tem a perder com esta loucura.

– Eu não estou agindo por impulso, eu sei o que estou fazendo... – ele engrossou a voz virando-se na sua direção.

Emily se levantou.

– Está se focando na sua vingança e isso está lhe deixando cego, Thor.

Num ato de descontrole, Thor atirou seu cálice já vazio para o chão e nem mesmo o tapete abafou o som do metal chocando-se contra o chão.

– Eu não estou pensando somente na minha vingança Emily! – ele bradou em seguida, assustando-a. – Quando eu espumava por minha vingança e tinha pesadelos na madrugada com o que aquele homem me fizera, a mim e a minha família, quando eu tinha necessidade de ver o sangue daquele verme sobre o aço de minha espada, eu lhe procurei! Eu lhe contei! Eu quis a sua ajuda porque eu sabia que corria o risco de perder o resto de sanidade em mim. Eu tinha consciência do meu descontrole, você me ajudou com sua meditação e com seus remédios, lhe agradeci e fim! Nossa proximidade acaba aqui para você querer dizer o que eu devo ou não fazer! Eu tenho motivos para querer subir neste Vale, se você não os tem, então fique Winston!

Emily fez esforços para reerguer seu queixo quando a voz de Thor deixou um grande vazio no ar. E somente quando veio o silêncio, o príncipe se deu conta de sua rispidez. A breve quietude se cessou com a abertura da tenda, a entrada do vento e de uma pessoa.

Um arqueiro do vilarejo interrompeu a cena.

– Anuncio a chegada da princesa do Norte.

Segundos mais tarde, uma jovem de cabelos negros adentrou sua tenda.

– Amélia? – Thor deixou escapar ao avistar com seus próprios olhos quem ele menos esperava ver naquele fim de noite.

– Agradeço sua ajuda caro senhor.

– Fora uma honra minha princesa e futura senhora do Norte.

Ele curvou-se de mau jeito e saiu. A princesa Norwood moveu seu olhar para os dois

– Talvez ela consiga colocar algum juízo em sua cabeça porque eu desisto – Emily anunciou. Ela andou em passos apressados até a porta, mas antes de alcançá-la, fitou Amélia.

– Se você não o impedir, a vingança poderá ser plena, mas com imensas consequências – Amélia desviou seu olhar desconfiado para Thor e assim Emily se foi, deixando eles a sós.

Thor ainda inerte, encarava ela. Como se estivesse vendo um fantasma.

– Olá Thor – ela quase sussurrou.

Ele se aprumou.

– Como você está? – Amélia perguntou.

– Bem. Quanto à você Mia?

– Bem, também.

– Como subiu aqui? No meio da noite?

– Comprei mulas e vim.

– Sozinha?

– Com Elliot e Savannah. Eles foram encontrar Anna, soubemos que ela estava aqui...

– Sim, ela conseguiu escapar junto de Louis. – Thor se direcionou para a mesa com comida. – Se mantiveram na floresta durante este tempo, os encontramos quando chegamos aqui. Foram espertos.

– Eu me preocupei com você – ela falou com uma voz mais forte.

Thor lhe fitou, enquanto apanhava pão.

– A viagem até aqui fora torturante e agonizante – Mia continuou, com uma voz pesada. – Estávamos aflitos. Pedimos aos Deuses que nos ajudassem a encontrá-los.

Thor pareceu não dar atenção enquanto selecionava os frutos sobre o prato.

– E eles os ouviram, aqui estamos... Thor, eu sei o motivo que Emily e você discutiam. Eu sei o que há no Vale. Tenho consciência de todos os perigos. Fui taxada como louca pelo vendedor de mulas, ele me contara tudo e mesmo assim, eu não voltei atrás. Você pode não querer me ver neste momento ou estar apenas pensando na sua vingança, mas...

Ele se aproximou dela e apanhou sua mão, lhe surpreendendo:

– Você está congelando. Amélia, você acabou de chegar, apenas sente-se, aqueça-se e coma algo. – Thor lhe estendeu um prato com frutas e com pão. Ela olhou a comida estendida, parecia que somente naquele momento lembrou o quão faminta estava, mas Thor precisou insistir para ela aceitar: – Alimente-se.

Ela disfarçou seu sorriso de gratidão e assentiu.

– Fique à vontade, pegarei vinho.

Amélia dirigiu-se para a cama, tímida. Parecia ter um discurso completo caso ele renegasse sua presença ou caso ele não quisesse lhe ouvir, mas não esperava aquela recepção. Não importava o que Thor sentia naquele momento, ele queria o bem dela.

– Há quanto tempo que não come?

– Não tenho ideia. Um torrente de problemas passa por minha cabeça agora, a única coisa que senti nesses dias fora fome.

Ela começou pelo pão seco, ele não parecia nem de longe ter uma aparência muito boa, não como os pães que do castelo. Contudo, uma coisa que Thor já tinha aprendido quando era mais novo, e provavelmente Mia também aprendera com a sua primeira viagem, era que fora do castelo, na vida dura qualquer comida era bem-vinda.

Thor serviu mais vinho e depois, sentou-se ao lado dela com cautela.

– Beba vinho para aquecer seu corpo.

Ela tomou um gole maior do que ele esperava.

– Você sabe o que há lá em cima? – Mia perguntou após mastigar metade do pão.

– O líder dos arqueiros me contara.

– Drazhan pode estar esperando que nós o siga até lá. Pode ser uma armadilha.

– Talvez.

– E você vai do mesmo jeito? Apenas para encontrá-lo?! – ele não respondeu.

– Thor, lembra-se do que eu lhe dissera uma vez no castelo do Norte? Eu lhe ajudarei com o que for preciso para você conseguir sua paz de volta, mesmo que isso signifique ir atrás de Drazhan e arrancar sua vida. Mas eu não quero que você perda quem você é.

– Você confia em mim, Amélia? – ele perguntou com a voz mais baixa, olhando no fundo de seus olhos castanhos-avermelhados.

Mia sabia a resposta, mas pareceu desconfiar de sua pergunta naquele momento.

– Você sabe que eu confio.

– Se eu lhe disser que enquanto subia este Vale, assim como você provavelmente, tive sonhos sobre uma caverna?

Suas pupilas dilataram ao escutar tais palavras e Thor soube então que ele estava certo.

– Sonhos os quais você está sendo chamado para dentro de uma caverna? – a voz dela era hesitante.

Ele assentiu com a cabeça.

– Você também tivera estes sonhos. E eu acho que sei o porquê.

Amélia o encarava ainda mais curiosa do que antes.

– Você é descendente de Ceres, Amélia. E eu, sou descendente de Joseph Borislav. Ambos tivemos sonhos com uma caverna no topo de uma montanha coberta de neve que nos chamam.

– Mas por quê?

– Porque talvez, nesta caverna descobriremos nossa missão nesta terra.

O queixo dela caiu e Amélia posicionou o prato que segurava na ponta da cama.

– O que lhe faz acreditar nisso?

– Porque em todos os livros que eu já li sobre o misterioso oráculo de Reynes eram uma caverna que se localizava numa montanha. Nunca tivera informações de onde ele se encontrava, mas suas descrições eram sempre as mesmas, "nos limites de Reynes".

– O Vale de Trinton se localiza nos limites de Reynes – Amélia murmurou sua conclusão em voz alta.

– Eu sei o quanto arriscaremos subindo neste Vale, Amélia. Contudo, se o fizermos, eu poderei dar a mim quanto a você algo sempre quisemos. Saber quem somos. Assim, você poderá apontar a sua flecha e decidir onde atirá-la.

Amélia suspirou, Thor tinha certeza que ela lembrou-se perfeitamente da metáfora que usara no último outono.

– Eu lhe disse no castelo dos Valois que eu lhe ajudaria como fosse possível para você entender algo sobre Ceres, e por este motivo eu subirei no Vale. Mesmo que seja sozinho. E mesmo que eu arrisque outra vez a minha vida estando perto de Drazhan, Mia.

Num ato de surpresa para Thor, ela o abraçou. Envolveu seus braços em volta do seu pescoço e apertou seu corpo contra o seu em cima da cama e aos poucos Thor o retribuiu, sentindo no seu peito um aperto que parecia roubar o ar de seu pulmão.

– Obrigada por estar sempre ao meu lado – ela murmurou. Um breve desejo passou por sua mente: atirá-la contra a cama e arrancar suas roupas. Mas aquele não era o momento e nem a situação certa, afinal nem todos os seus dilemas estavam resolvidos. E logo, Thor afastou-se daquela vontade. Ele aos poucos distanciou-se.

– Eu irei com você Thor.

– Você não é obrigada.

– Nem você. Por isso iremos juntos.

II

– Então, Berbatov não seguirá mais conosco? – Anna perguntou, chocada.

– Não. Ele preferiu ficar ao lado do irmão e mandou Mia embora.

– Desta maneira? Simplesmente a mandou embora?

– Não sei – Elliot respondeu, zangado. – Mia não quis falar do assunto.

– Não acredito que ele fizera isso! – ela protestou.

– Não sei porque isso lhe surpreende tanto – Savannah resmungou, cobrindo-se debaixo da manta de lã. – Era mais do que esperado da parte dele.

– Mas ele prometeu que a levaria até o Vale, e agora abandona-a assim? No meio do caminho?

– Pessoas fazem promessas e não cumprem Anna. Assim funciona a vida. Ele mandou Amélia embora e não quer mais saber nem dela, nem de nós. Pouco lhe importa se fomos caçados e devorados por monstros. O mais sensato que faríamos é de não ir.

– Thor está decidido subir no Vale. – Anna dissera à sua irmã mais velha. – Não creio que nem mesmo Mia o convença a não ir.

– Talvez ele a convença de ir – Elliot suspirou. – Amélia esteve assustada quando aquele senhor das mulas nos contou as histórias macabras, mas somente viemos ao noroeste para que ela descobrisse algo sobre Ceres. Vocês acham que Louis nos seguirá?

– Louis tem um bom coração e faria isso para nos ajudar caso fosse preciso, todavia ele é leal ao Lucky. E se o Lucky não parece mais interessado em ajudar Mia, não sei se ele irá.

– Quanto a Emily?

– Pela primeira vez a vi assustada, ela não parece estar convencida de subir.

– Mas se minha irmã subir, automaticamente Emily a seguirá. Ela é sua protetora.

– Só mais uma na lista – Savannah murmurou de mal humor. E Anna desconfiava que o porquê desse temperamento: por ter sido enganada por Jared, por ter quase ter morrido afogada e por ter perdido sua irmã por alguns dias.

– Você subirá Elliot? – Anna perguntou.

– Não tenho a escolha de ficar caso Mia vá.

– Mas é óbvio que você tem – Savannah rebateu. – Não é porque a princesa deseja que você tem que fazer todas as suas vontades!

Eles a fitaram.

– A pobre princesa quer subir no Vale para saber quem ela é e, todos a sua volta arriscam suas vidas para que ela descubra isso. Nós a protegeremos, ótimo, e quem irá nos proteger de volta?

– Todos protegem todos, Savannah. – Elliot engrossou sua voz.

– Engraçado ouvir você falando isso príncipe Elliot, pois não foi o que seu pai fez quando um de seus súditos não compartilhava de suas crenças.

– Savannah a culpa não fora dele – Anna tentou acalmá-la.

– Jan Xavier apareceu pendurado por uma corda de sisal. Tudo para proteger vocês, a família real. Mas o problema é que vocês primeiro matam para depois procurar por sua inocência!

Anna assustou-se ao ver sua irmã se levantar para continuar a discussão.

– Eu não sou como meu pai Savannah – Elliot protestou. – Eu gosto de vocês como se fossem da minha própria família e eu me casarei com sua irmã, faria tudo por ela!

– Faria mesmo Elliot? – ela inquiriu, cruzando os braços.

– Mas é claro que faria!

– Então me diga, sua irmã jurou nos proteger caso subíssemos neste Vale, quanto a mim, quanto a minha irmã. Acha que ela cumprirá?

– São palavras dela Savannah. Eu dou as minhas de que eu as protegerei.

Anna olhou para ambos, aflita.

– Eu preciso ficar sozinha com minha irmã agora – Savannah finalizou desviando seu olhar dele e lhe dando as costas. Elliot fitou Anna, em seguida ele assentiu e saiu da tenda.

– Você não podia falar assim com ele! – Anna alterou-se. – Ele não fez nada a você para acusá-lo de tal maneira!

Savannah rodopiou a sala, parecendo estar desnorteada.

– Claro que ele não fez, ao contrário, ele e sua irmã pagam nossa comida e nos deram um teto. Logo devemos dizer o que eles desejam ouvir.

– Eles não têm obrigação nenhuma de nos ajudar Savannah.

– Ajudar? Você que eles nos ajudam por terem bons corações? – Savannah riu forçadamente. – Você vê o futuro minha irmã! Somente por este motivo que eles pagam nossa comida e nos dão um teto! Por interesse!

– Elliot se casará comigo, Savannah! Ele me ama e eu o amo. – Anna sentiu as lágrimas quentes subirem aos olhos, e os apertou bem forte para não deixá-las escapar.

– Meu amor, eu apenas quero fazer você abrir seus olhos – sua irmã se aproximou e tocou em sua mão. – Não quero lhe fazer chorar. Eu preciso que você entenda que nosso lugar não é ao lado deles e que o dia de partir chegará em breve. Eu quero um futuro melhor e seguro para nós Anna, e não será ao lado deste ninho de cobras que teremos isso.

– Eu não irei abandoná-los Savannah... Eles são a única coisa que temos como família.

– Você é a única coisa que eu tenho como família – a voz de sua irmã tornou-se emotiva e Anna viu lágrimas em seus olhos também. – E eu sou a única pessoa que você também tem como família, porque eu não a quero ao meu lado por seu dom e sim porque eu te amo. Elliot também pode te amar, te amar muito como eu a amo, mas a diferença é que ele não tem poder ou personalidade alguma sem seu pai e sua irmã. Eles precisam de você irmãzinha, você não vê isso? E o problema será quando você deixar de ser uma peça importante.

– O que você quer dizer com isso? – Anna balbuciou, seus olhos já estavam vermelhos e inchados.

– Há quanto tempo você não tem nenhuma visão Anna? – ela não respondeu. – Pois sim, há muito tempo. Agora imagine numa situação crucial, durante uma guerra talvez. Todos contando com você para adiantar algo sobre um possível ataque ou uma possível estratégia, e nada. Em que posição acha que lhe colocarão?

– Eu tive uma recente visão – Anna lhe revelou, desviando o assunto. – Sobre o Vale de Trinton. Eu vejo ele me chamando Savannah. Uma caverna no topo do vale que sussurra meu nome no vento. Eu já caminho dentro desta caverna, na escuridão total e sozinha. Até me deparar com uma parede de gelo e ver algo, algo que me abala. Mas se eu me concentrar, eu consigo ver todos, todos parados diante estas paredes de gelo olhando algo tão inusitado que não podemos evitar.

Anna se aproximou ainda mais da irmã.

– Savannah, as visões me disseram que respostas serão reveladas neste lugar. Não iremos por Amélia, não estamos fazendo isso por ela ou por Ceres. Estamos fazendo isso por nós e para termos uma chance de termos respostas sobre algo. De onde vem minhas visões, de onde você vem. Tanta coisa – ela suspirou. – Não podemos mudar o destino minha irmã. Se na minha visão eu já estou lá então eu estarei. Eu quero saber o que há lá e o que está me chamando.

– Então faremos isso juntas – Savannah declarou, tomando e protegendo em seus braços sua eterna pequena irmã que parecia ter crescido horrores durante esse ano.

– Faremos isso juntas e faremos isso por nós duas. Eu te amo, Savannah.

– Eu te amo minha pequena.

III

Na alvorada seguinte do primeiro dia de inverno, Zahari Christoff ordenou a abertura do portão maior para a passagem de oito pessoas e suas oito mulas, todas com grandes sacos fartos de suprimentos. E ali eles foram, na estrada perversa coberta pela geada. Amélia Norwood carregava em seus ombros um grande manto de pele comprado no vilarejo junto do grupo, seu peso lhe desiquilibrava em cima de sua mula e isso deixava-a um pouco inquieta porque se a estrada seguinte fosse ainda pior do que a primeira que ela pegara no dia anterior, uma queda significaria que seria a última.

Com muito cuidado, inclinou sua cabeça e olhou assombrada para o formato da grandiosa montanha do vale. Era vertiginoso. Tudo aquilo fazia seu estomago sentir sua ansiedade, seu medo, sua raiva e seu desejo. Ela fechou os olhos, brevemente, mas ela não pedia que todos esses sentimentos lhe abandonassem. Parar de sentir essas emoções era sentir a morte. Ela aspirou fundo o ar gélido e abriu os olhos encarando a sua frente as largas costas de Thor Czeslaw também cobertas por um espesso manto de pele negra. Eles não parariam por nada, ela sabia.

– Será uma longa viagem companheiros – Damyan anunciou. – Se o clima nos favorecer e tivermos um bom ritmo, chegaremos no topo em dois dias. Do contrário, será pela boa vontade dos Deuses. Então controlem suas ansiedades e bebam muito vinho para não congelarem.

– Quais são as chances das mulas derraparem? – ela perguntou.

– Menores que um cavalo. Maiores que nós.

– Então por que não descemos e caminhamos?

– Não se preocupe princesa, estamos apenas poupando nossos pés para o que virá amanhã.

Eles cavalgariam até o sol atingir o ponto mais alto do céu e em seguida até descer outra vez deixando a escuridão, sua presença apenas trazia luz e não calor. No entanto, ele tornou-se a única companhia naquela viagem solitária onde nem mesmo a natureza parecia estar presente porque a densa floresta já estava morta e coberta pela neve à medida que subiam. Quando o vento soprava do leste, longas plumas de cristais de gelo voavam dos picos mais altos como se fossem estandartes. Amélia sentiu falta do calor, ela sentia frio, mais frio do que talvez deveria sentir, suas mãos já estavam secas, geladas e doloridas debaixo das luvas que não eram capazes de protegê-las contra o frio rigoroso, aquilo era perigoso, pois ela precisava controlar as rédeas de sua mula para não pisar em falso e as duas caírem juntas na neve. Mas, se nem suas mãos lhe obedeciam, quem diria as patas das mulas.

Amélia olhou para trás e viu Boris, Savannah, Anna e Emily quase fora de suas vistas pela neblina e pelos pequenos metros de distância deles. A frente dela estava apenas Damyan, Thor e Elliot.

– Há algo nos seguindo – Amélia revelou, olhando fixamente o céu azul-cinzento. – Um pássaro branco nos rodeia desde o início da subida.

– Ele pode estar nos vigiando? – Elliot perguntou.

– Drazhan controla uma cobra, não me admira que controlasse um pássaro também – seu irmão respondeu. Amélia então apertou seus joelhos contra a mula para não cair, esticou o braço e apanhou uma flecha da aljava e a colocou no arco, pronta para mirar o pássaro.

– Não mate-o ainda. Parece ser uma coruja – Thor tentou ver. – Uma coruja branca! Talvez seja um guardião do Oráculo, esses animais representam a sabedoria – ele completou de mediato.

– Se for uma coruja, o príncipe está certo princesa, poderemos ter uma maré de azar. – Damyan aconselhou. – Pode ser uma Coruja Lendária das Neves, é uma sorte vê-la.

Ela abaixou o arco enquanto os quatro admiravam o animal sobrevoando eles, ela era enorme e quase se camuflava com o céu se não tivesse um branco tão vivo, parecia mesmo que ele dançava no cinza e que o vento era seu submisso. Uma beleza tão extraordinária que fora jogada fora quando uma outra flecha acertou o animal e ele despencou do ar até cair contra a neve.

Todos eles olharam para atrás e viram Boris com o arco, sorrindo por tê-la acertado.

– Mas que merda você fez seu saco de merda?! – Damyan gritou com ele. Mas Boris, como os outros, não pareceram ouvir pela distância.

Thor desceu de sua mula e correu na direção que o pássaro tombou. Amélia vendo se afastar tão rápido o seguiu com pressa, também descendo da mula e correndo sobre as árvores tão brancas. Ela viu ele se ajoelhar metros há frente e quando Amélia enfim o alcançou, viu os respingos de sangue no solo alvo.

– Ela está bem? – Amélia quis saber.

– Está viva – ele revelou, acariciando com extrema cautela a cabeça do animal que media no mínimo setenta centímetros, e ela suspirou mais calma. – Foi ferida na asa.

Amélia esticou seu pescoço e o viu, atirado ao chão. Sua envergadura deveria chegar um metro e setenta e Amélia nunca tinha visto uma coruja tão grande como aquela e ficou completamente deslumbrada. Sentiu-se envergonhada, em seguida, pois quase tinha arrancado a vida de um animal tão bonito quanto aquele.

– Pobre animal – ela remoeu-se. – Podemos ajudá-la?

– Eu acredito que sim, a flecha atingiu bem a ponta de sua asa. Ela poderá se curar. Diga para os outros montarem o acampamento aqui, o crepúsculo está chegando e precisamos descansar. Você ficará bem amiguinho, nós cuidaremos de você. Não precisa ter medo.

Amélia sorriu discretamente vendo Thor mexer com muita cautela nas suas asas.

+++

Quando a noite caíra, Thor já tinha limpado e feito um curativo com a ajuda de Amélia na Coruja Branca. Ele tentou não a comtemplar demasiadas vezes a cada sorriso dela, ou a cada expressão curiosa que fazia ao ver a coruja e ao tocá-la. Parecia que há séculos que eles não faziam algo juntos e aproveitavam aquilo. Quanto o animal, no início parecia estar assustado, contudo ao entender que eles apenas estavam tentando lhe fazer o bem, ele baixou a guarda.

– Ela é maravilhosa – ela murmurou. – Tão boazinha.

Thor a fitou, sentada ao lado dele dentro de sua tenda enquanto ambos apreciavam o animal dormindo.

– Maravilhosa, sim.

Amélia sorriu tímida.

– E por um momento, eu quis matá-la. E lhe apontei uma flecha.

– As circunstâncias nos fazem assim.

Amélia abaixou os olhos.

– Não são as circunstâncias, nossas escolhas nos fazem assim. Elas fazem quem nós somos. Cada escolha, uma consequência. Eu escolhi matá-la, porque acreditei por um minuto que ela nos seguia ao mando de Drazhan, para ele saber onde nós nos encontrávamos, então eu mirei. Era uma coruja, mas se fosse um homem... eu teria feito a mesma coisa.

Ela pareceu respirar mais fundo.

– E, você me fez lembrar que ela talvez pudesse ser uma inocente, no lugar errado, na hora errada.

Thor lhe encarou com atenção, vendo seus olhos encherem de lágrimas.

– Savannah dissera a Elliot ontem que nós primeiros matamos e depois tentamos descobrir a inocência. E era exatamente o que eu faria hoje... Estou me tornando exatamente a pessoa que eu não quero ser, tal como nossos pais são. E o mais triste, é que eu nem sei quando isso aconteceu.

Amélia lhe fitou e forçou um sorriso.

– Talvez seja melhor eu dormir, está tarde.

Ela levantou-se e ele também.

– Mia, eu gostaria de lhe dar algo. – Ela pareceu curiosa. Thor tirou uma corrente que envolvia seu pescoço e lhe deixou pendurado ao ar. Era a poção de Simon que Emily tinha lhe dado.

– Isso é um antídoto feito por Simon Vorins, o apoticário do castelo do Norte. Esse antídoto é capaz de curar qualquer veneno de cobra. Contudo, a espécie da cobra que acompanha aquele verme é desconhecida. Talvez seja mesmo um animal transformado por magia negra, não sabemos. Então, eu acredito que esse antídoto não pode curar, mas pode retardar a medida como o veneno se espalha pelo corpo.

– Talvez você precise mais do que eu precisarei.

– Mas eu me preocupo mais com você do que eu me preocupo comigo.

Ela olhou fixamente no fundo dos seus olhos. E Thor completou:

– É por este motivo que quero lhe dar este antídoto. Apenas fique com ele, e eu me sentirei menos apreensivo.

Amélia pegou o pequeno frasco pendurado no colar e apertou-lhe contra o peito. Ela lhe fitou outra vez e se aproximou com cuidado, lhe depositando um beijo sobre seus lábios lentamente, e por mais que Thor pensasse que ele devesse recuar, sua vontade de sentir seus lábios macios fora mais forte. Amélia acariciou seus lábios ao dele e ele encostou suas mãos centímetros acima de sua bunda.

– Eu sei que ainda temos muito que conversar – ela sussurrou de olhos fechados, seus dedos deslizavam sobre seus cabelos. – Mas, não quero que você se esqueça o quanto você significa para mim. Tenha uma boa noite, Thor.

E ela se foi, deixando-o a sós com a Coruja Branca. Thor deixou-se no chão ao lado do animal desacordado e ficou olhando para o nada. Ele fechou seus olhos e tentando não pensar nela, mas Deuses, ele amava mais do que ele imaginava aquela mulher. Não deveria tê-la beijado antes de esclarecerem o simples fato de que ela tinha sentimentos por outro homem! No entanto, ele não parecia se arrepender, apenas desejar mais.

Depois de revirar-se para um lado e depois para outro, repentinamente levantou-se, saindo da cabana. Ele não dormiria.

Thor sentiu o ar frio bater no rosto e fitou diretamente a cabana de Amélia. Antes que fizesse algum ato que talvez se arrependesse mais tarde, ele percebeu estar sendo observado por outra pessoa que também estava fora de sua cabana. Savannah Campbell estava próxima da fogueira e não disse nada ao notar que ele já tinha lhe visto.

Thor tornou a olhar a cabana da princesa, e balançou a cabeça abandonando a ideia. Aquilo não era sensato, resolver seus problemas amorosos no meio de uma missão.

Ele suspirou e aproximou-se do fogo.

– A ansiedade não lhe permite dormir? – ele perguntou tentando ser amigável, em seguida sentou-se perto da fogueira.

– Por que haveria de estar ansiosa?

– Então por que está ainda acordada?

– Frio – ela respondeu áspera.

Thor se levantou, silencioso, e colocou seu manto de pele negra sobre os ombros dela.

– Eu não preciso que você seja gentil comigo.

Ele se sentou, soltando um suspiro de cansaço.

– Se você não contar para ninguém, eu também não conto. – Ele fez um sorriso falso e fitou outra vez a fogueira. Savannah não rebateu, mas também não tirou a manta dos ombros.

– A coruja sobreviverá?

– Sim. Ela ficará bem em breve, a flecha pegou de raspão na sua asa.

– Aceita? – ele perguntou alcançando um odre de vinho.

– Não gosto de vinho.

– Também não. – Ele tomou uma golada.

– Então por que toma o tempo todo?

– Hábito. Também serve para aquecer.

– Vocês apenas tomam vinho no castelo, o tempo todo. Ou aquela bebida de maçã com álcool.

– Sidra.

– É o menos pior.

– Concordo, mas um príncipe que só bebe suco de maçã com álcool não é levado a sério.

Savannah olhou para ele, como se o analisasse.

– Coisas fúteis de nobres. Você se acostuma com o gosto, além do mais, é mais seguro beber vinho do que água nos lugares que não conhece.

Ela não respondeu, fixando seus olhos nas labaredas.

– Campbell – Thor saboreou o sobrenome. – É um sobrenome nobre. Era o sobrenome da família de vocês?

– Não. Roubamos este nome.

Ele riu.

– Acho engraçado que para alguém que não gosta da realeza, escolhesse este sobrenome.

– Como sabe que eu não gosto da realeza?

– Eu via como você andava infeliz pelo castelo de Skyblower. Não conversava com quase ninguém e somente vagava sem saber o que deveria estar fazendo naquele mundo que você sempre repudiou.

– Reparava em mim? – perguntou desconfiada.

– Desde que você me encurralara na fonte do jardim me dizendo que sabia sobre minhas dores de cabeça e minhas percas de controle, eu comecei a reparar em você. Porque você reparava em mim.

Savannah pareceu sem graça e virou a cabeça para o outro lado.

– Já fizeram algum mal para você? – ele perguntou casualmente, tomando outra golada do vinho. Ela lhe olhou, raivosa.

– Jan Xavier era meu amigo! E o seu pai o matou! Foi assassinado para levar a culpa de algo que ele não tinha feito!

– Somente isto?

– Vocês são hipócritas! Somente porque o príncipe do Leste foi enganado por pessoas más de uma facção, logo vocês consideram todos culpados! Nem todos os Caçadores são maus, e eu tenho certeza que existem mais Caçadores de bom coração do que sacerdotes!

– Como pode ter certeza? – ele provocou na intenção de que ela falasse, ele acreditaria que somente assim, com sua raiva sendo exposta ela se sentiria menos injustiçada.

– Porque eu já fui enganada por um sacerdote também! Ele enganou tanto a Anna, quanto a mim, porque para enganar duas pobres garotas somente é preciso lhes dar tudo que elas não têm. – Ela respirava forte e tentou retomar o ar mais calmo, percebendo talvez que aquele que ela descontava sua raiva, não era aquele que merecia.

– Ele nos abriu sua casa, nos deu comida, nos ofereceu banhos e camas quentes, nos fizera dormir em quartos separados. Mas, por todo o conforto do mundo, eu não me senti alojada ou confortável e por isso quando todos dormiram, eu fui visitar minha irmã.

Thor podia ver o terror em seus olhos e lhe escutava com atenção.

– Ele estava lá, tentando arrancar sua roupa como um monstro... E Anna se debatia desesperada, mas não gritava, ela parecia estar aterrorizada demais para gritar. Eu vi a garota que eu cuidava ser atacada e então, perdi a cabeça. Eu carregava um candelabro em minhas mãos e tudo que fiz foi correr pelo quarto e acertar a cabeça dele com aquilo, ele caiu no chão zonzo sem saber ao certo que tinha lhe acertado. Anna correu para meus braços e eu o encarei, estirado ao chão. Ele era um nobre sacerdote. Fingiu que era uma boa pessoa, era um homem respeitável no vilarejo, todos o conheciam. E ele era um pedófilo que com certeza havia abusado de muitas outras crianças. Uma raiva cresceu em mim, entalada na minha garganta não somente por ter quase abusado de minha irmã, mas por ter abusado de todas as crianças que já prometera ajudar. Eu estiquei meu braço ainda com algumas velas erguidas e então o queimei vivo e fugi com minha irmã e, de longe vimos a cabeça pegar fogo.

– Foi o primeiro homem que você matou, não é mesmo?

Ela assentiu.

– E eu não me arrependo. Mataria quantas pessoas fosse preciso para proteger minha irmã.

– Também tenho uma irmã mais nova – ele lhe anunciou. – Ela me lembra a Anna em muitos aspectos. Você é uma pessoa forte, devia ter orgulho disso porque você conseguiu proteger Anna do mundo horrível que nós vivemos. Eu falhei algumas vezes, eu sempre tentei proteger minha irmã de tudo e de todos, especialmente de meu pai, mas eu não pude poupá-la de muitos sofrimentos que ela vivera, sobretudo a morte de nossa mãe.

– É verdade que você matou sua própria mãe? – ela sussurrou.

Thor lhe fitou.

– A matei na frente de minha irmã. O engraçado é que eu sempre achei quem seria a maior decepção de minha irmã, era nosso pai, mas no final fora eu.

Thor suspirou e em seguida se levantou.

– Quer que eu lhe conte um segredo? Nem eu gosto da realeza.

E assim, Thor seguiu para sua cabana deixando-a sozinha com sua manta.

+++

No dia seguinte, eles continuaram a viagem. Atravessaram terras que um dia foram campos onde exércitos marcharam para a destruição dos Kadawgis, a prova concreta daquilo eram as diversas pilhas de ossos empilhadas pelo chão. A neve já tinha tomado seu espaço sobre o terreno acidentado e o caminho era muito complicado para seguir sobre as mulas, por isso eles tiveram que ir a pé, caminhando sobre a neve e sobre ossos sem cometer deslizes.

A medida que subiam, a altitude aumentava e eles ficavam cansados cada vez mais rápidos, o que aumentara a quantidade de pausas que faziam durante a viagem, e pela falta de costume, tiveram que acampar uma outra noite. No alvorecer seguinte, Thor libertou a Coruja Branca de olhos azuis, ela parecia curada e saudável para seguir viagem sozinha, era mansa, todos fizeram caricias antes de sua partida.

Horas mais tarde de uma longe caminhada, quando a neve começou a decorar em pequenos pontos o manto cinza sobre a cabeça deles, e quando o ar já estava muito seco para ser respirado, a terra coberta pela neve começou suavemente deitar-se numa planície. E assim, grandes rochas de pedras cinzentas ergueram-se uma grande caverna que lhes fizera lembrar uma grande boca de um monstro de pedra. E assim como um arrepiante sibilo, cada um deles ouvira seu nome ser sussurrado pela caverna.

Eles haviam chegado.

____________

Vigésimo Sexto Capítulo do Segundo livro da série As Adagas de Ceres. 

7442 PALAVRAS

Dedico à @TaiBatista , você é um amor de leitora e apesar da minha demora você está sempre aqui, sendo fiel e me dando apoio. Obrigada por todo este carinho, você é uma pessoa incrível <3


Aos poucos tô conseguindo galera, estou voltando ao ritmo!!!!!!!!!!!! 

Algumas apostas sobre o que acontecerá no Vale? Acham que alguém morrerá?? Teorias? diga aqui hehehehe

LEITORES SEUS LINDOS, EU AMO VOCÊEEEEESSS!!!!!!!!!!!!!!!!

À la prochaine, 

Erika Vilares 

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