Naquele dia, quando a dor era nauseante, não havia sol, nem qualquer outra forma de luz e meu corpo era apenas uma mancha fria e imóvel na escuridão, lembro de ver rostos apáticos me observando. Eles estavam me tocando, me mordendo, lambendo, sugando toda a minha vitalidade.
Eu queria me mover, mas não conseguia. Já não havia força nem mesmo para gemer de dor; respirar tornava-se difícil.
Apenas fechei os olhos. Deixei meu corpo ser mordido e o sangue correr entre as marcas roxas em forma de meia-lua que circulavam meu corpo. Sentindo a dor fumegante ocupando minhas veias, onde já não havia sangue.
Quando outros corpos sadios foram jogados naquele comodo escuro e úmido, fui literalmente descartado. Talvez porque acharam que eu estivesse morto — eu mesmo me sentia morto —, não havia pulso, não ouviam meu coração bater. Eu não o ouvia.
Acordei numa vala no meio da floresta, sentindo o sol quente queimar minha pele e fazer-me gemer alto com a profunda dor que minha pele insistiu em drenar para si...
Tentei me erguer, estranhamente haviam força e velocidade descomunais em cada um de meus movimentos. Eu não era mais eu.
Corri, veloz como um foguete, infiltrando-me na floresta sombria, observando a neve pousar sobre os galhos secos e ligeiramente se instalar nos fios revoltos dos meus cabelos ensanguentados.
Corri.
Não estava fugindo de ninguém. Não estava fugindo de nada. Mas de mim mesmo.
Fugindo do que eu havia me tornado.
Fugindo da sede que me invadia. Da dor que me apunhalava. Do medo. Das cicatrizes que se curavam rápido de mais. Da marca escura que tomava meu coração...
Mas não há como fugir de si mesmo. E como todos, por mais rápido que eu fosse, não consegui escapar de mim.
Parei.
Não há o que ser feito, nem como rebobinar o tempo e voltar sabe-se lá quanto tempo atrás, até a noite em que fui capturado, e impedir tudo isso. Não existe forma de remover a Maldição que se apossou de mim até então. O fardo está eternamente pende em meus ombros. O demônio agora retém meu corpo inteira e exclusivamente para si.