Capítulo 28

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Não pedíamos continuar no frio tento aquele impasse contra nós mesmos, por isso achei melhor levar Brie até sua casa.

Sobre seu trenó motorizado, Brie e eu cruzamos a floresta tendo minha visão e os farois do quadriciclo para orientarmo-nos entre as árvores e clareiras.

— É aqui — ela disse e estacionou o veículo em frente à garagem de uma construção comum e um tanto cinzenta, como todas as outras, embora algo dentro da casa a tornara diferente, talvez esse algo seja a simples presença de Brie.

O anoitecer estava frio e silencioso, não há ninguém além de nós dois nas ruas.

— Me desculpe pelo susto — falei pondo as mãos nos bolsos do jeans. Achei que precisava pedir desculpas, mas por sua expressão vazia, posso ter me equivocado, pensei errado.

— Obrigada por ter me salvado — retrucou Brie, olhando-me de maneira estranha. Sua face agora estampa indícios de adoração.

E sem mais nem menos, ela avançou. Eu podia ver dúvida misturada a adoração de seus olhos, mas ela não viu o medo nos meus.

Me afastei.

Brie pareceu decepcionada, mas não baixou os olhos.

— Até outro dia? — ela disse.

— É. Até outro dia...

Virei-me após um curto sorriso, andando humanamente de volta à floresta.

— Ace! — não era preciso ela gritar, vampiros tem uma super audição e a noite está completamente silenciosa para qualquer um ouvir o mais baixo dos sussurros, mas ela gritou.

Virei nos calcanhares, sentido-me afundar levemente na neve, como em um mar de lama. Observei, desencorajado, Brie correr até onde eu me encontrava.

Seus olhos são tão brilhantes... Queria tomá-la nos braços — mais uma vez, pra variar — e ao mesmo tempo queria empurrá-la para bem, bem longe de International Falls.

Seu peito inflou e esvaziou como uma bola furada.

— Aquilo que eu disse sobre não saber se você gosta de mim... Eu preciso saber — suspirou.

Tudo bem, eu gosto de você, mas não deveria. Adeus. AH! Não posso falar isso.

Fechei meus olhos e os abri lentamente. Senhorita Mountain continua aqui. Isso não é coisa de seu script, nem um sonho que eu talvez tenha tido. Desejei que fosse coisa daquele script.

— Eu... Eu não posso fazer isso. Queria que você pudesse entender — tentei desviar o olhar, mas Brie o encontrou mais uma vez e se aproximou mais e mais, de maneira furtiva, roubando meu espaço completamente para ela.

Tentei sair do lugar, mas meus pés continuam fundos na neve demasiado fofa.

Senti o cheiro de primavera sufocando-me lentamente.

— Você não gosta de mim? — seus olhos consumiram os meus da maneira mais explícita que eu poderia ver.

Queria sumir, mas, infelizmente, isso não faz parte das minhas “habilidades”.

— Não faz isso... — gemi entredentes, tentando me liberar da neve sem esbarrar com a garota no meio do caminho.

Brie parece insegura, regida por um impulso, uma força que invadiu-a súbita e inexplicavelmente.

Sua respiração parou à centímetros de mim, ela ficou na ponta dos pés, seus lábios trêmulos estão tão próximos, seus olhos se fechando lentamente, lentamente, lentamente.

— Brie... — sussurrei. — Por favor... Eu não quero te machucar.

— Você não vai me machucar, Ace. Eu sei. Eu sinto.

Tente se lembrar de como isso funciona, falei à mim mesmo. Tente se lembrar que não precisa de muita força para erguer uma flor.

Segurei seus ombros, tentando pensar na flor, e a afastei de mim.

Ela gemeu, exausta.

— Me desculpe — puxei meu pé do buraco na neve e corri pela floresta até desabar de exaustão e confusão, vendo aquela cena retroceder em minha mente, bilhões e bilhões de vezes.

***

A noite se afunila lá fora enquanto eu penso apenas no toque cálido das mãos de Brie. É como se ela carregasse um bocado de sol em uma parte do corpo e filetes de raios na parte restante.

O que ela estava tentando fazer? Abraçar-me? Beijar-me? Não podia permitir que ela se machucasse outra vez por minha culpa. E não podia deixar que ela me machucasse.

Abandoná-la ali, sozinha, não foi algo honroso a se fazer. Mas ela não me deu outra escolha! Brie estava descontrolada, forçando-se a fazer aquilo. Eu sei. Senti seus braços trêmulos e febris, ela não queria me atacar daquela forma. Mas o fez.

Às vezes não a reconheço. É como se ela se dividesse em duas partes: Senhorita Mountain, a menina excêntrica e louca que lê para as árvores, e Brie, a garota que age por impulso e depois se arrepende por ter feito. É difícil unir as duas, mas também é difícil separá-las e arrancá-las de dentro de mim. Preciso lembrar-me que ela é Brie Mountain, a garota que fala sozinha e age com desespero. Talvez seja assim mesmo que eu a prefiro, sendo ela mesma. Todavia, seria mais fácil não ter conhecido nenhuma de suas faces. Seria mais fácil ter dado ouvidos aos meus sentidos iniciais e não permitindo que ela se instalasse em mim.

Agora não reconheço nem a mim mesmo.

Onde fora o garoto que observava as pessoas nos fins de tarde? Está algemado à uma única cena.

Onde está o garoto que passava as manhãs observando Nicholas fazer o café? Está envolto em brumas no meio da clareira mais próxima, pensando e repensando em coisas mais impossíveis do que o reverter de sua imortalidade.

Onde se pode encontrar aquele moleque que adorava ler e cantar para as plantas presas na estufa? Ele deve estar tentando ler uma única mente, olhando para uma flor solitária perdida no frio do nevoeiro.

Onde se perdeu aquele menino que sonhava em sentir o sol outra vez? Ele já tem um sol, caro amigo, um sol cálido o suficiente para queimar-lhe por fora e por dentro e consumi-lo em fogo até virar cinzas.

Para que lado fora Ace? Ace? Está pedido. Perdido em si mesmo. Perdido em seus próprios devaneios taciturnos. Ace está enlouquecendo mais e mais a cada segundo, enlouquecendo por alguém que não pode ter mas que parece desejá-lo tanto quanto ele a deseja... Ace está secando por dentro, se deteriorando, fragmentando o nada com um monte de coisa nenhuma.

Olho para as paredes do quarto pintadas de branco, os quadros parecem estrábicos, confusos. Uma explosão de vermelho preto e amarelo que não significam nada se não a representação da violência que se insere em mim.

Sento-me na cama e deixo meu corpo cair para trás.

Era uma vez um vampiro que tentava ser mortal. Ele conheceu uma garota louca e sua imortalidade gritou mais alto que nunca. Agora o vampiro está morrendo, só quem pode salvá-lo é ela, ou, talvez, a falta dela.

Fecho os olhos. Me sinto tão fraco, tão insípido, tão frágil, que dormiria por toda a eternidade.

Primavera & Chocolate (livro um)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora