Me virei para agradecer quem me segurou, mas fiquei estática assim que o vi. Era o mesmo homem que pedira meu telefone mais cedo. A adrenalina ainda corre nas minhas veias pela quase queda. Agora meu coração batia duplamente rápido por ver quem me segurou. Me desvencilhei de seus braços rapidamente, dessa vez estava mesmo com medo.
- Qual seu problema hein? Ta me perseguindo por acaso?!
- Ah de nada por te salvar de um tombo horroroso gatinha! - ele estava gargalhando.
Fiquei furiosa e o fuzilei com os olhos.
- Obrigada.
Disse apenas isso e atravessei a rua correndo, dessa vez sem perigo de quedas. Olhei pra trás para verificar se ele estava me seguindo até em casa, por sorte não. Mas ficou me observando até eu sumir para dentro do prédio de Guto.
Literalmente não sabia mais o que pensar sobre isso, no avião e agora até na cidade. Será que nunca vou ter paz nessa vida? Suspirei, assim que fechei a porta, com a cabeça encostada nela. Abri os olhos e me deparei com Guto, olhando para mim com uma expressão indecifrável. Num ímpeto me joguei em seus braços e ficamos assim por uns dois minutos.
Estava segura no meu refúgio, nos braços de Guto. Por um pequeno instante tudo se perdeu e eu me sentia confortável. Estava precisando disso. Calor humano. Sentir que sou amada de verdade por alguém e que a recíproca é verdadeira e não só palavras bonitas ditas da boca para fora.
- Você tem a mínima noção do quanto eu te amo, Guto? Do quanto sou grata por você? Meu Deus, como senti falta do seu abraço, da sua risada e das suas piadas alegrando meu dia. - levantei os olhos e sorri pra ele.
- Eu sei pequena, eu também te amo muito. Se acalma que tudo se ajeita, ta tudo escrito pra você...
Eu o soltei e senti o vazio crescer no peito. Sabia que tudo que ele me disse era certo. Me dirigi para a cozinha, sob o olhar meticuloso do meu amigo, a fim de tomar um porre. Abri a garrafa de vodca e despejei a bebida até a metade de um copo, que peguei no lava louças, e o virei de uma vez.
- Chama o Nic, não quero ficar bêbada sozinha! - disse me virando pro Guto
- Quando você foi comprar as bebidas ele saiu para o trabalho, já estava atrasado. Ou seja, só nós dois vamos ficar bêbados! - disse gargalhando
Peguei um copo pra ele e o enchi, fazendo o mesmo com o meu. Fomos pra sacada e nos sentamos para admirar a vista de Londres. A sacada não era tão grande, mas era confortável com uma pequena mesa de centro de madeira e um pequeno sofá de áreas externas. Levei o celular e minha caixa de som portátil, via Bluetooth. Coloquei no modo aleatório e Theese days - Foo Fighters inundou o ar.
Easy for you to say
Your heart has never been broken
Your pride has never been stolen
Not yet, not yet
Fácil para você dizer
Que seu coração nunca foi partido
Que seu orgulho nunca foi roubado
Ainda não, ainda não
Até o modo aleatório da playlist resolveu me colocar para baixo hoje. Guto me olhou profundamente, como se me desvendasse. Não gostava de receber olhares como esse, mas Mauro e Guto são exceção a regra. Nessa hora me sinto desarmada e sem esconderijo. Guto pega meu celular e para a música, dei um sorriso frouxo pra ele e não conseguia mais aguentar o ardor na garganta de segurar o choro. Virei o copo de vodca que desceu rasgando e as primeiras lágrimas começaram a escorrer. Guto me puxou pra ele e fiquei encolhida em seus braços, chorei até colocar toda minha angústia pra fora. Chorei como uma criança de cinco anos que rala o joelho no cimento.
Enquanto Guto mexia no meu cabelo sem dizer uma palavra, pois me entendia e sabia que era só do seu colo que eu necessitava. Quando finalmente parei de chorar ele começou a falar.
- Olha Tina, eu não quero te ver chorando mais. Você está em Londres e vai sair da fossa e é a partir de agora, não to pedindo, to mandando!
Ele me olhou sério. Era uma aviso, mostrando que nada do que ele estava falando era para ser ignorado.
- Eu devia ter te escutado quando falou que Alex não era bom o suficiente.
Ele se aproximou e plantou um leve beijo na minha testa
- Tudo isso é necessário, nossa vida é feita de vitórias e derrotas. Contudo, você não seria quem é sem momentos como esse. Eu sabia que ele não era certo pra você, eu só sentia isso e não podia te impedir. Agora passou, ok?! Quando o Nic chegar do trabalho nós vamos sair juntos. Te garanto que ele conhece os melhores lugares de Londres pra esquecer o coração partido. - abriu um sorriso carinhoso.
Ficamos na varanda por mais algum tempo escutando música e terminando as bebidas. Resolvi realmente começar minha vida na Terra da Rainha e avisei Guto.
- Tudo bem, vou aproveitar esse tempo e fazer alguns contatos e ver se arrumo algum emprego. - disse sorrindo.
Me levantei e encarei a rua, era calma e o chão estava cheio de folhas secas. Algumas pessoas corriam, outras andavam de mãos dadas e conversando despreocupadamente. Definitivamente Londres é minha casa. Me dirigi para dentro e fui direto para o quarto de hospedes, abri a mala e peguei meu MacBook. Ao ligar ele me deparei com um e-mail de Alex que exclui na mesma hora e cliquei para criar um novo e-mail
De: Valentina Müller
Assunto: Ajuda!
Para: Enzo Baskerville
Querido Enzo,
Desembarquei em Londres há algumas horas. É uma cidade encantadora, não?! Tudo nela é lindo, inclusive a arquitetura das construções, apesar de tantos anos. O calor do Brasil está dando saudades, mas me sinto em casa!
Ainda não procurei um lugar para morar, pois meu amigo não deixou (isso mesmo, ele não deixou). Mas preciso de um emprego para ajudá-lo com o gasto a mais da casa, quero saber se você pode me indicar algum trabalho ou construtora para trabalhar. Fico grata se puder me ajudar.
Valentina M.
Fechei o computador sem esperar uma resposta de Enzo e fui tomar um banho, afinal no Brasil são umas sete da noite e o mesmo deve estar preso no trânsito. Tomei um longo banho de banheira para relaxar, saí e me troquei. Chegando na sala encontrei Guto sentado no sofá assistindo um filme no Netflix.
- Ei sumida, vem aqui me fazer companhia. - Deu dois tapinhas no lugar vago ao lado dele.
Sentei ao lado dele e me aconcheguei em seus braços.
- Mandei um e-mail para o dono da Construtora Baskerville, espero que ele tenha algo para mim aqui em Londres.
- Humm... Ele é um bofe e tanto, isso sim! - disse gargalhando - aproveita e dá uns amassos, viu Tina?
Dei um tapa na sua barriga e o repreendi rindo.
- Você não para de pensar nessas coisas né? Não sei como o Nic aguenta seu gás! E claro que não vou dar uns amassos com ele, ele é meu chefe porra! - e gargalhei novamente
- E qual o problema? Amasso é amasso e negócios a parte. - disse piscando e rindo - Se Nic estivesse aqui, com toda certeza do mundo, meu bofe concordaria comigo!
- SEM CHANCES! Agora para de falar besteiras e concentra na tv.
Guto riu novamente, mas dessa vez fez o que eu disse. Amo o jeito que Guto me trata, me faz sentir em casa e bem comigo mesma. Assim que o filme acabou, Nic chegou em casa me cumprimentando com um beijo na testa e um beijo em Guto. Depois começou a falar sobre a programação da noite.
- Hoje nós vamos ao Euston Tap primeiro, Tina esse vai ser o melhor Pub que você vai entrar na vida! Lá a variedade de cervejas é enorme e você vai beber, literalmente, em uma antiga estação de trem. É o esquenta da próxima parada - disse jogando os braços pra cima - Depois vamos a boate Maddox. Escolhi ela pois o lugar é IN-CRÍ-VEL, você como uma renomeada arquiteta vai amar o lugar, além do fato de que os jogos de luzes e o som são sensacionais.
Ele estava eufórico e eu rindo com isso. Estava extremamente grata por ter os dois na minha vida.
- Ok, todo mundo levanta e se arruma AGORA! Hoje é dia de curtição, baby! - Finalizou Nic.
Me levantei rápido e fui para o quarto, escolhi um tubinho branco, liso e de um ombro só, coloquei um salto vermelho para finalizar. Fiz um esfumaçado leve nas pálpebras e passei um batom vermelho na boca. Penteei o cabelo e estava pronta. Hoje seria o primeiro dia da minha nova vida...