Eu preciso de um tempo.
Clementine Lincoln
Sinto cócegas na minha mão com o contato das patas da joaninha. Observo atentamente as suas cores vivas, ela é tão linda. O vento frio da tarde arrepia o meu corpo, os fios soltos do meu cabelo batem levemente em meu rosto. Então o pequeno inseto em minha mão se mexeu, indo até os meus dedos.
---- Clementine! ---- Ouço a voz distante de Rose. ---- Não se faça de surda! Entre, está ficando frio.
---- Só mais um minuto, tia Rose. ---- Respondi sem olhar para trás, sei que ela está revirando os olhos.
---- Essa joaninha sempre está aí, não se preocupe, ela não vai fugir.
---- Mas é a primeira vez que ela se acostumou com o meu toque. ---- Resmunguei, olhando o inseto em minhas mãos.
---- Clementine! ---- Rose disse em tom de aviso e eu desisti.
Aproximei minha mão em direção a folha, esperando que de boa vontade, a joaninha voltasse para seu lugar. Sorri, admirarando mais um pouco o inseto antes de levantar e caminhar para dentro de casa.
---- Lave as mãos! ---- Rose disse quando entrei.
Assim que cheguei na cozinha, fui recebida pelo cheiro do bolo de laranja saindo do forno. Lavei as mãos e Rose gargalhou com a minha rapidez para sentar na mesa, esperando o meu pedaço do bolo. Ela me serviu e se sentou na minha frente, como sempre fazia, me observando enquanto eu comia.
---- Tia Rose, posso perguntar algo?
---- Se for sobre o seu presente de quinze anos, a resposta é não. ---- Revirei os olhos. Qual o problema de pedir um carro?
---- Eu ainda tenho um ano para te convencer. ---- Dei uma garfada no meu bolo. ---- Mas não é sobre isso.
---- Uma garotinha de 14 anos querendo me convencer. ---- Cantarolou. ---- Me diga, então. O que quer perguntar?
---- Acredita em almas representadas em algo? ---- Rose suspirou com a minha pergunta.
---- Eu acredito que seja uma forma de alívio pós perda para as pessoas. ---- Sorriu de canto. ---- É como uma lembrança, você vê e você sente a pessoa ali, mas ela não está mais aqui.
---- Talvez isso seja sua conexão com ela, mesmo não tendo ela aqui. ---- Resmunguei.
---- Isso é sobre a joaninha?
---- Você sabe como a mamãe era com a natureza. ---- Encolhi os ombros. ---- Só olhar nos álbuns de fotos.
---- Sim, eu sei. ---- Rose esticou seus braços sobre a mesa, segurando minha mão. ---- Você tem direito de acreditar no que quer, talvez isso realmente seja a sua conexão com ela.
---- Uma joaninha? ---- Ri pelo nariz.
---- Não existe certo ou errado, Clem. ---- Rose riu. ---- A gente não escolhe os métodos, as pessoas, a forma de acontecer. A gente se engana pensando que sim, mas na verdade, tudo é o destino.
A porta é aberta e eu olho brevemente para trás, vendo Brian parado com as mãos no bolso da calça social. Engoli um seco com o susto repentino.
---- Bati e chamei, você não ouviu?
---- Estava pensando. ---- Dei de ombros.
---- E se a gente saísse? Você pode comprar tudo o que quiser, tudo mesmo e...
---- Não pode me comprar. Me dar carros, roupas, jóias e dinheiro não faz de você um bom pai. ---- Soltei irritada. Brian se calou e eu me levantei. ---- Eu preciso de espaço, ok? Você em cima de mim o tempo inteiro, não vai fazer com que eu esqueça que a minha vida inteira foi uma mentira.
Seus olhos se fecharam e ele respirou fundo, abrindo os olhos em seguida. Continuei o encarando com desdém.
---- Vamos fazer o seguinte, quando você quiser conversar, venha até mim. ---- Sorriu forçado.
Assenti e ele não esperou nem um minuto a mais pra sair do quarto. É tudo questão de tempo, eu não posso me apressar a sentir algo. Não posso fingir que lidei bem com a bomba que jogaram em mim. Mas eu estou grata por saber, eu sei a verdade. De certa forma, eu queria ouvir a verdade da Tia Rose, porque ela também sabia de tudo e escondeu de mim.
(...)
Meu corpo está quente como fogo, o cabelo bagunçado, pingos de suor e uma necessidade de um banho. Tento controlar minha respiração enquanto me afasto do saco de areia e pego minha garrafa de água. Passei duas horas tendo a academia apenas para mim. Ninguém está em casa e já escureceu. Não me importo, já me acostumei com isso. Depois de uma pequena pausa, fui para a esteira, sentindo minha perna queimar quando comecei a correr. Sempre fui acostumada a ter a vida física em dia, e com isso, eu passei a amar lugares como a academia. Alguns já teriam desmaiado se seguissem o meu treino.
---- Já falei pra você parar de me bisbilhotar. ---- Repreendi Andrew quando o vi pelo reflexo do espelho.
---- É que é fácil eu me perder no seu corpo. ---- Sorriu inocentemente, se aproximando.
Saí da esteira e sorri de canto para ele quando ele me entregou a toalha de rosto, que estava ao seu lado.
---- Você se afastou. ---- Ele disse me analisando, como sempre fazia.
---- Preciso de um tempo pra mim.
---- Acredite em mim, estou tentando respeitar isso. ---- Sorri de lado.
Andrew me ajudou a pegar minhas coisas e saímos da academia. Risadas e vozes altas chamaram minha atenção quando entrei na mansão. Andrew está na minha frente e devido a sua altura eu tive certa dificuldade para ver, o pessoal está na sala. Pelas roupas, eles tinham ido em alguma festa. Elijah também está aqui, parado com um copo de whisky na mão.
---- Eaí, Clem? ---- Chris sorriu para mim, e todos focaram a atenção em mim. Apenas sorri sem mostrar os dentes, sem querer deixá-lo sem resposta.
---- Senta, Clem. ---- Ari esticou sua mão para mim, me aproximei e sentei ao seu lado. ---- Estávamos em uma racha.
---- Racha?
---- Não sabe o que é racha? ---- Andrew parece surpreso.
---- Claro que sei, mas Ari falou como se fosse uma festa.
---- Mas é uma festa. As pessoas se divertem vendo a racha, outras apostam e outras correm. ---- Aron sorriu, dando um gole na sua cerveja.
---- Isso não tem em San Diego. ---- Disse indiferente e eles riram.
---- Gata, aqui você está em um novo mundo! ---- Chris abriu os braços, parecendo muito orgulhoso. Me remexi desconfortável e Andrew notou. Logo ele se jogou no meu lado e fitou Chris.
---- Só se ela quiser entrar nesse "novo mundo." ---- Enfatizou.
---- Clem, quer que a gente fale de nossas experiências? ---- Me surpreendi com a pergunta de Liam. De todos aqui, ele é o mais afastado de mim e eu sequer vejo ele pela casa.
---- Isso pode ser uma boa idéia, ninguém melhor que eles pra falar do assunto. ---- Elijah se pronunciou pela primeira vez. ---- Vou deixar vocês conversarem.
Ele deixou seu copo vazio na mesa de centro e então se virou, subindo as escadas e sumindo do meu campo de visão.
---- É bom você saber nossa opinião apenas pra não ficar no escuro. ---- Ari disse calmamente. ---- Não queremos te forçar a fazer nenhuma decisão.
Suspirei e senti o toque leve de Andrew nas minhas costas, acredito que tentando me confortar.
--- Tudo bem.
---- Se algum dia você realmente pensar em sair daqui.. ---- Ari me entregou uma cerveja. ---- Eu quero que você lembre de algo.
---- Começando pelo bonitão aqui. ---- Chris apontou para si mesmo, me fazendo rir.
---- Todos nós estivemos no seu lugar. ---- Ari continuou. ---- Ninguém aqui nasceu nesse mundo, ninguém aqui escolheu está aqui, assim como você.
---- As vezes é apenas como deve ser. ---- Liam deu de ombros. ---- Você é colocado nesse mundo sem escolha.
---- Então eu não tenho escolha? ---- Minha voz saiu por um fio.
---- É a hora de aceitar a verdade. ---- Aron falou. ---- O poder se torna sua vida.
---- Eu não quero ficar ao lado do meu pai e fingir ser uma família perfeita.
---- Você não precisa, tem a nós agora. ---- Ari apertou minha mão e meu coração acelerou.
Isso realmente está acontecendo? Se alguém me dissesse anos atrás que eu iria voltar a morar com meu pai, me envolver com um gângster e entrar pra a equipe. Eu passaria horas rindo.
---- Você não pode mudar o passado. ---- Liam sorriu de leve, mas eu vi a tristeza no seu olhar. ---- Mas pode fazer um futuro melhor.
Andrew Blake
---- De novo! ---- Grito, vendo pelo rabo de olho Chris me imitar.
Clementine suspirou frustada e se posicionou novamente, tentando acertar Ari com os golpes que ensinamos a ela.
---- Os olhos, Clem! ---- Aron gritou quando Clementine quase foi golpeada.
Queria dizer para Ari pegar ainda mais leve com ela. A essa hora, Clem já teria ido parar no hospital se Ariana estivesse pegando pesado. Mas eu não posso ser totalmente leve com ela, ainda mais que foi ela quem insistiu para ensinarmos ela a se defender.
---- Vamos treinar com os bastões. ---- Fitei Liam, indicando com a cabeça pra ele pegar os bastões.
---- Bastões? ---- Clem franziu o cenho.
---- Pra você ter habilidade de lutar com qualquer objeto. ---- Liam explicou, entregando os bastões para as meninas. ---- Se você tem a habilidade de lutar com o bastão, pode lutar até com um controle remoto.
Ari deu risada da sua comparação. Eu parei na frente delas, pegando a mão de Clem e apertando mais as faixas em sua volta.
---- Com o bastão você se protege e contra atacada ao mesmo tempo.
---- Sua atenção tem que estar ligada ao máximo, lembre-se dos olhos. ---- Aron sorriu de leve para Clem, que parecia nem entender o que estamos falando.
Me afastei e elas começaram. Uma hora se passou e no final de tudo, eu e os caras acabamos sentados no chão, apoiados na parede. Clem levou um golpe no quadril e quanto mais eu mandava as duas repetirem, mais esse treinamento parecia uma partida de futebol. Chris estava de juiz, é claro. O filha da puta não perde uma chance.
---- De novo amanhã, Clem? ---- Ari debochou e todos deram risada da cara que Clementine fez.
Ari se jogou no chão na nossa frente, completamente cansada. Clem retirou sua blusa larga e meu lado obsessivo veio com tudo ao ver os olhares dos caras para os seus seios, cobertos pelo top de academia. Puxei ela pelo pulso, fazendo ela sentar no meio das minhas pernas e cobri a visão dos caras com meu braço. Aron deu uma risada irônica, percebendo a situação.
---- Vocês tem cargos? ---- Clem perguntou, apoiando a cabeça no meu peito.
---- Não. ---- Liam riu. ---- Alguns sabem mais do que os outros, só isso.
---- Alguns são mais inteligentes, você quis dizer. ---- Ari apoiou suas costas na parede.
---- Você é a que tem mais lábia, apenas isso. ---- Liam deu de ombros.
---- É a mais oferecida também. ---- Chris provocou, levando um tapa no ombro em seguida.
Clem riu com aquilo, e eu me peguei observando a garota em meus braços. Todos nós temos nossas histórias. Somos sugados por esse mundo e eu não quero isso pra ela. Só quero que ela se sinta bem, e em casa.