O dia para Ellen começa quando alguém bate a sua porta. Do outro lado, irmã Lizzie, uma mulher de quase trinta anos e pele negra exclama:
- Irmã Ellen, bom-dia... Precisamos arrumar as coisas para a venda de biscoitos.
Ellen se arruma, meia incomodada por ter sido acordada, e ao terminar, caminha até a salinha, onde Claudette, Lizzie, Marlene, Cristal e Wanda estão colocando caixinhas de biscoito em bolsas de pano.
- Não queríamos acordá-la irmã Ellen - Claudette logo se põe a dizer. - Mas já está quase na hora e você não tinha levantado.
- Tudo bem.
As irmãs pegam suas bolsas e saem. Marlene resolveu deixar Carla cuidando de Roosewalt, e um comichão de inveja invade Ellen e várias outras freiras por um momento.
- Certo - diz Marlene. - Eu, Claudette e Lizzie vamos para a parte norte da cidade. Ellen, Wanda e Cristal para a parte sul - Marlene torce o lábio, tentando se lembrar de mais alguma coisa. - Ah! Passem na casa daquele senhor de olhos azuis. Ele sempre compra bastante. Ótimo. Então vamos irmãs.
Atravessando o convento, as freiras chegam ao lado de fora, e na frente do portão se separam, grupos de três, um subindo e outro descendo. Enquanto caminha pela calçada, a sacola pendurada no braço, Ellen olha para o mosteiro, a construção antiga se projetando de um jardim bem cuidado, e em uma das janelas vê Carla, parada, olhando para elas. Estremece,
A venda de biscoitos vai muito bem. Das cem caixinhas levadas, voltam apenas treze. Todavia, depois de avistar Carla, Ellen ficou mal o dia todo. Iris ia e vinha em sua mente. Não aguenta mais essa tortura silenciosa.
- Você está bem? - perguntara Cristal em determinado momento, as rugas fitando Ellen. - Está pálida. Calada.
- Ah... Estou ótima - respondeu Ellen. - Só um pouco cansada. Passar um tempão enclausurada não ajudou meu condicionamento físico.
Quando voltaram para Roosewalt, Karine logo se aproximou dela, toda alegrinha.
- Recebi uma carta - Karine conta, sorrindo de orelha a orelha.
Ellen, que está no refeitório, comendo uma torrada, ergue os olhos para Karine.
- Do seu irmão?
- Não - e olha em volta. - Na última venda de biscoitos a irmã Marlene me escalou. E eu conheci um rapaz. Jonny. Ele é lin...
- Você perdeu o juízo? - ralha Ellen, sussurrante, e deixa a torrada em cima da mesa. - Se irmã Marlene te pegar...
- Ela não vai - responde Karine. - Ela nem vai desconfiar. Agora eu quem pego as caixas de leite que aquele garoto que parece o Hitler trás. E Jonny pagou a ele para mandar a carta. Ele vai ser nosso pombo correio.
Ellen balança a cabeça.
- Você está procurando sarna para se coçar isso sim - beberica o café. - E o voto de castidade?
- Metade dessas coroas aqui já treparam se quer saber - e franze os lábios. Ellen arregala os olhos.
- Roosewalt não é mais a mesma - murmura Ellen, e volta a devorar sua torrada.
Naquela noite, Ellen caminha pelo jardim. Está uma noite fresca, e o ar puro do lado de fora é revigorante. A freira se assusta quando uma voz chega a seus ouvidos.
- Lua bonita, não?
Ellen olha para o lado e Carla está sentada num banquinho, ereta.
- Ah... Olá irmã Carla - cumprimenta Ellen, tentando não parecer incomodada.
- Sabia que você é a única que ainda não tive muito contato aqui em Roosewalt?
- Eu sou mais reservada - Ellen anseia encerrar a conversa. Mas tem uma ideia melhor. - Hã... Terrível não é? Você mal chegou e uma das irmãs faleceu.
- Ela está na casa do Senhor agora - diz Carla. - Não se preocupe. Coisas ruins acontecem o tempo todo. Com qualquer um - Carla umedece os lábios. - É realmente difícil aceitar uma moça digna daquela ficar naquele estado... - Carla se interrompe. - Entende o que quero dizer né?
Ellen fita a irmã por alguns segundos, atônita.
- Ah... Sim. É. Bom, está esfriando, acho melhor eu entrar. Fico resfriada muito fácil. Até mais.
Assim que percebe que saiu do campo de visão de Carla, Ellen começa a correr. Ela entra na construção em que vive já há bastante tempo, correndo pelos corredores segurando as vestes. Até que esbarra em Marlene.
- Deus!
Elle ofega.
- Carla... - Ellen dispara. - Foi... Ela... Carla...
- Jesus Cristo, Ellen, o que foi?
- Foi a irmã Carla, irmã Marlene. Ela matou Iris.
Marlene arregala os olhos e olha em volta.
- O... O que? Venha comigo garota.
Elas serpenteiam por vários corredores, alguns com janelas, outros só com portas. Marlene abre a porta de um quarto desocupado e entra,logo em seguida puxando Ellen para dentro.
- Respire - Marlene diz. - E me explica isso.
Ellen respira. fundo, escolhendo as palavras.
- Eu... Eu estava conversando com a irmã Carla e... Eu já planejava descobrir algo. Aí... Aí ela disse da situação do corpo de Iris. Jesus! Não está na cara? Só a gente e o assassino viu o corpo de Iris. Carla nem se quer apareceu quando eu gritei.
Marlene solta uma risada seca e curta.
- Irmã Ellen, minha querida... Irmã Carla não matou irmã Iris. Ela nem estava aqui em Roosewalt.
A informação pega Ellen de surpresa. O que?, pensa consigo. Não pode ser. Mas... Mesmo assim. Como sabe do estado do corpo de Iris?
- Mas... Onde ela estava?
- Horas antes do seu grito, nosso convento foi informado de que a mãe de irmã Carla estava doente. Então foi até lá, e só voltou no dia seguinte.
- Pensei que ela fosse da França.
- Ela morava lá, sim, mas nasceu aqui. Nossa irmã pertencia a um convento que pegou fogo. Então ela voltou para cá, e foi aceita em nossa casa.
- Mas como explica...
- Contei a ela - Ellen arqueia as sobrancelhas. - Confio nela.
Ellen fica alguns instantes em silêncio, tentando processar.
- Então... Se não foi... Irmã! Temos uma assassina entre nós!
- Sim - o semblante de Marlene fica sério. - E já sei quem é. Irmã Karine.
Ellen sente um arrepio correr pela esquina.
- O... O que?
- Isso mesmo - Marlene caminha pelo quarto. - Vi manchas de sangue no sapato dela, quando apareceu após seu grito.
- Não pode ser - murmura Ellen, chocada. - Ela... Ela será punida?
- Já está sendo. Não por mim. Por Deus. Ela terá de viver com essa culpa pelo resto de sua medíocre vida.
Um silêncio incomodo se instala no quarto. Marlene rapidamente o quebra.
- Agora, por favor irmã Ellen, este assunto morre aqui - lançando umúltimo olhar duro á Ellen, caminha em direção a porta. - Não quero escândalos para o meu convento. Um já basta - e sai.
Ellen fica ali, parada, horrorizada demais para fazer alguma coisa.