A escuridão na qual eu andava há dias – ou assim parecia – era infinita. Não importava a direção em que eu ia, sempre chegava a lugar nenhum. Apenas mais escuridão. Eu não enxergava minha mão diante dos meus olhos. Ouvi então um zumbido distante, como o de um pernilongo vindo te atormentar durante a noite.
De muito longe vi um ponto brilhante vindo em minha direção, desse ponto saiam pequenas faíscas amarelas enquanto voava. Enquanto se aproximava o ponto foi tomando forma. Era uma pessoa. Uma pequena pessoinha, do tamanho da palma da minha mão. Uma menininha. Ela voava com pequenas asas transparentes, como as de uma libélula, que batiam muito rápido se esforçando para mantê-la no ar. Ela ficou parada a alguns centímetros do meu nariz. Ela tinha a cara emburrada, estava com muito mal humor. Percebi logo que ali era o último lugar em que era queria estar.
– Você é Leonard Ross? – Perguntou impaciente.
– Sim.
– Finalmente! Sabe para quantas pessoas eu já perguntei o nome? Mais de mil! E perguntei pra mesma pessoa mais de dez vezes! Pela Morte, por que Ele criou uma sala de espera tão escura? Que seja. Agora que te encontrei tenho um recado pra você da Morte...
– Espera aí. Antes de tudo, quem é você?
– Desculpe. Não me apresentei. Meu nome é Týr, em homenagem a deus nórdico do combate. Meu pai foi um grande guerreio que lutou em favor do Reino de Godheim durante a guerra dos deuses...
– Olha... – Eu a interrompi. – ... Týr, certo? Não estou entendendo metade das coisas que você está falando. Então vamos direto ao assunto: você é uma fada?
– Sim.
– E trouxe um recado da Morte? Aquele cara velho de terno e que não usa sapatos?
– Sim. – Ela estranhou a pergunta.
– Isso quer dizer que as fadas são os mensageiros da Morte?
– Mais ou menos. Minha raça não confraterniza muito com sua, e quando isso ocorre é porque algo de ruim está por vir. Normalmente é porque a pessoa ou alguém próximo a ela está perto de morrer. Mas este caso é diferente. Ele falou diretamente comigo para falar com alguém que já morreu. Isso não é comum.
– Certo. Qual o recado da Morte?
– Ele disse pra eu te explicar como vai ser daqui pra frente e te acompanhar. Agora você será julgado e mandado para o Paraíso, onde ninguém se lembra de suas vidas na Terra. Sabem que um dia viveram lá e que morreram, mas não se lembram. Você deverá fingir que não se lembra também. Não deve contar nunca a ninguém. Assim que chegarmos lá, vamos para o Castelo da Morte encontrá-lo.
– Onde?
– Essa é uma questão para depois, agora temos que nos preocupar em entrar no Paraíso.
Senti algo tocando meu pulso.
Notei que um fio dourado mínimo estava amarrado no tornozelo direito dela e ia até meu pulso esquerdo, onde estava amarrado.
– O que é esse fio?
– Esse fio liga você a mim no pós-vida. Mas ninguém poderá me ver ou ouvir, exceto você, ou se eu quiser ser vista.
Nós andamos até minhas pernas estarem exaustas. Durante todo o tempo Týr não ficou quieta por nem um segundo, não sei como ela não cansou. Talvez fadas não se cansassem de falar, mas sei que elas cansavam de voar, pois ela sentou no meu ombro uma boa parte do percurso. Então eu cansei e sentei.
– Esse negócio não chega nunca.
– Eu sei. Estou supercansada.
– Cansada? Você mal voou até agora!
– E daí? Isso não tem nada a ver por que...
Ela foi interrompida por um som ensurdecedor de pedras se movendo. Um círculo de tochas de fogo azul nos cercou. Em um piscar de olhos estávamos cercados por balcões de pedra em forma circular. Sentados atrás deles numa simetria perfeita havia vinte e quatro homens encapuzados. Bem a minha frente, sentados um pouco mais alto havia outros três. O que estava no meio estava ainda mais alto que os outros dois e os vinte e quatro; deste eu não podia ver o rosto. O que estava a sua esquerda era um homem. O homem mais lindo do mundo. Se a genética criasse alguém que era a mistura perfeita de Tom Welling, Taylor Lautner e Jensen Ackles... Bem, esse era o cara. Só que ele era loiro e tinha os olhos azuis. Das costas dele saiam seis asas. Dois pares, os de cima, estavam fechados às costas, os de baixo cobriam as pernas, parecendo uma saia, mas isso não o deixava menos másculo. Seu peito estava descoberto.
Na direita, havia outro homem lindo. Mas esse parecia mais velho, como um homem nos seus quarenta anos. Ele tinha o cabelo curto e castanho escuro, usava uma barba cheia na mesma cor do cabelo. Ele lembrava-me o Chuck Norris. Ele também tinha seis asas que estavam posicionadas como a do homem à esquerda.
– Vamos iniciar o Julgamento dessa alma. – Disse o homem do meio. Sua voz soou como o som de trovões. – Você é Leonard Ross?
– Sim. – Respondi, hesitante.
– Abram o Livro da Vida desse homem.
Um dos encapuzados abriu um livro que estava a sua frente. Ele começou a ler meu Livro em voz alta. Ele leu toda minha vida num tempo que pareceu uma eternidade. Por isso esperávamos tanto tempo na escuridão. Até que lessem todo o Livro da Vida de cada alma que morreu, levaria muito tempo.
– Então esse morreu antes do tempo?
– Sim, Senhor.
– Certo. Ele estava destinado a conhecer a mim?
– Sim, Senhor.
– Então esse é meu. – Disse o homem da esquerda. – Ele não aceitou a sua salvação!
– Ainda não é sua hora de falar, Lúcifer. – Disse o homem do meio.
– Senhor, não acha melhor olhar no Livro da Vida do Cordeiro? – Retrucou o da direita. – Se seu nome estiver lá, talvez algo tenha mudado seu destino.
– Sim, Miguel, mas antes preciso saber qual foi a causa da morte.
Týr tremeu no bolso da minha jaqueta de moletom. Sim, eu ainda estava com minhas roupas de quando morri. Calças jeans, camiseta do Slipknot e uma blusa de moletom por cima. Eu não havia notado que ela tinha entrado em meu bolso.
No entanto, entendi porque ela tremeu. Minha causa mortis era: pacto com a Morte para salvar minha namorada. Agora, não sabia se isso seria bom no meu Julgamento ou não. Pela reação de Týr, deduzo que não.
– Ele morreu ao salvar uma mulher de um tiro. Aparentemente, fez isso por amor a mulher em questão. – Um dos vinte e quatro anciões disse.
A Morte é tão poderosa assim? Capaz de enganar todo um júri? Eu ouvi falar de Lúcifer e Miguel, eram querubins, talvez pudessem ser enganados com mais facilidade. Mas o homem do meio, sendo quem é, não acredito que poderia ser enganado tão facilmente. Seria a Morte tão poderosa a ponto de ser capaz de enganar a Ele?
O homem do meio ficou pensativo. Lúcifer olhou direto para mim, pela cara que fez, tive a impressão de que ele sabia muito bem quem eu era e sobre o pacto. O quanto mais ele sabia? Eu não podia dizer. Miguel não demonstrou reação.
O homem do meio começou a mexer em um livro que estava em sua frente. O Livro da Vida do Cordeiro.
– Aparentemente, seu nome está escrito no meu Livro. Ou seja, Ele queria que você fosse para o Paraíso. E você morreu antes do tempo. Então, o que farei? Você é um caso muito diferente, senhor Ross. O júri precisa decidir.
Então as tochas azuis se apagaram e eu fui jogado na escuridão de novo. Týr não saiu do meu bolso, ela sabia que eles ainda estavam ali. Acho que ela sabia que eles poderiam vê-la. Acho que isso não seria bom.
Alguns minutos, ou horas – era difícil contar o tempo naquele lugar -, se passaram e as tochas se acenderam de novo. O júri estava de volta.
– O Júri tomou uma decisão. O réu, Leonard Ross, foi inocentado de seus pecados terrenos devido ao fato de não ter tido uma chance de aceitar o Salvador e por ter escolhido salvar sua amada. Você poderá ir para o Paraíso.
Antes que as tochas apagassem mais uma vez pude jurar que Lúcifer sorriu maliciosamente para mim.
Uma luz surgiu a minha direta. Fui andando até ela. Conforme fui me aproximando senti uma brisa morna de verão. Reconfortante. Nunca me senti tão vivo até aquele momento, mesmo estando morto. Quando eu cheguei mais perto, a luz já estava com minha altura. Senti um impulso incontrolável de tocá-la. Então o fiz.
Eu entrei no lugar mais lindo que já vi em toda minha vida – e morte.
Uma mulher com duas asas de pássaro veio em minha direção.
–Oi! – Ela disse com um sorriso simpático no rosto. – Bem-vindo ao Jardim Éden!