P O S I T A N O

By ReSouzah

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ROMANCE - DRAMA ⸻⸻ E se um trágico acidente tirasse a vida das pessoas que você mais ama? E se depois disso v... More

SINOPSE ⚘
CONHEÇA POSITANO ⚘
P R Ó L O G O
𝟙
𝟚
𝟛
𝟜
𝟝
𝟞
𝟟
𝟠
𝟡
𝟙𝟘
𝟙𝟙
𝟙𝟚
𝟙𝟜
𝟙𝟝
𝟙𝟞
𝟙𝟟
𝟙𝟠
𝟙𝟡
𝟚𝟘
𝟚𝟙
𝟚𝟚
𝟚𝟛
𝟚𝟜
𝟚𝟝
𝟚𝟞
𝟚𝟟
𝟚𝟠
𝟚𝟡
𝟛𝟘
𝟛𝟙
𝟛𝟚
𝟛𝟛
𝟛𝟜
𝟛𝟝
𝟛𝟞
𝟛𝟟
𝟛𝟠
𝟛𝟡
𝟜𝟘
𝟜𝟙
𝟜𝟚
𝟜𝟛
𝟜𝟜
𝟜𝟝 - 𝔽 𝕀 ℕ 𝔸 𝕃 - 𝕡𝕒𝕣𝕥𝕖 𝟙
𝟜𝟞 ♡ 𝔽 𝕀 ℕ 𝔸 𝕃

𝟙𝟛

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By ReSouzah


a e s t h e t i c



M E L


A mochila de plástico e umas roupas dobradas estavam sobre uma mesinha num canto iluminadas por uma luz amarelada que vinha de uma janela com os vidros fechados.

Não havia som nenhum, não havia pensamento nenhum.

Melissa estava há um bom tempo com os olhos abertos, não piscava, não se movia. Inspirava e expirava devagar e tranquilamente.

Seus olhos finalmente focaram na câmera dentro da mochila transparente e ela piscou. Abriu a boca de leve e o ar entrou em seus pulmões ao mesmo tempo em que sua consciência voltou ao normal.

Agora seus olhos ardiam mesmo que a luz não estivesse forte. Seu pescoço doía porque sua cabeça tinha ficado de lado por muito tempo.

Ela percebeu que estava deitada, mas também meio sentada. Moveu a cabeça devagar olhando para cima e o cheiro de limpeza deixou bem claro que estava em um quarto de hospital e ao se dar conta disso fechou os olhos com força sentindo um nó na garganta. Era o último lugar que gostaria de estar. Seu queixo tremeu, mas ela mordeu o lábio. Respira, linda. Ela o ouviu dizer em sua cabeça, dentro do seu coração, mas a voz de Rafael ficava mais fraca conforme o tempo ia passando. O ar saiu trêmulo quando ela expirou pela boca. Ela engoliu aquele nó quando sentiu os olhos começarem a molhar.

Melissa olhou pra frente e não ficou nem um pouco surpresa.

Aos pés da cama, Lucca estava sentado em uma cadeira encostada à parede. Ele estava inclinado pra frente com as pernas abertas e os cotovelos apoiados nos joelhos olhando para ela, estava ali observando aquele tempo todo.

— Sabe em quê eu não consigo parar de pensar? — Ela falou com a voz baixa e cansada e Lucca fez um não bem lento com a cabeça. — Que nunca vou saber do quê aquele grego me chamou.

— Quer mesmo saber?

Ela fez que sim.

— Ele te chamou de imbecil.

Melissa deu uma risada sem sorrir e continuou olhando para Lucca.

— Você teria mesmo batido nele... por minha causa?

Lucca fez que sim bem devagar com a cabeça mantendo o olhar firme nos olhos dela.

— Seu rosto está marcado. — Melissa mordeu o lábio, virou a cabeça para o lado e olhou novamente para sua mochila e suas roupas sobre a mesinha. — Eu tenho vinte e cinco anos, e nunca tinha batido em ninguém a minha vida toda.

— Eu pedi que trouxessem gelo pra sua mão.

— O quê? — A voz dela saiu junto com um suspiro de surpresa e olhou incrédula para ele. Lucca estava com uma mancha escura perto do olho porque ela fez aquilo, como ele podia pensar em gelo para a mão dela?

Melissa ficou olhando desconcertada e sem reação para ele.

— Por que você ia fazer aquilo? — Ele perguntou. Sua voz estava calma e Melissa achou ter sentido um tom de decepção.

— Você não entenderia.

— Eu posso entender mais coisas do que você imagina.

Ela pensou por um momento. Não tinha certeza se ele realmente compreenderia.

— Eu... eu só preciso.

— De quê? Você poderia ter morrido se entrasse no mar. Você sabe disso, não sabe?

— Eu sei.

— Você queria?

— Não.

Eles se olharam em silêncio, mas Melissa acabou virando o rosto voltando a focar na mochila.

— Você faz isso pra se sentir viva, é isso?

Melissa olhou surpresa para ele e Lucca continuou ainda falando com a voz baixa e calma.

— Você desafia a morte. Ela te deixa sair ilesa, e você a desafia de novo.

Ela piscou algumas vezes perplexa por ele realmente entender.

— Você quer saber como termina? — Ele perguntou, mas Melissa não disse nada. — Você termina como eu. Vazia. Porque quando você descobre que a morte não dá a mínima pra você não importa o quanto você a desafie, se ela não te quiser, ela não passa nem perto e você só descobre que não era você quem ela queria aquele dia por isso ficou para trás, aquele dia ela tinha apenas um alvo e não era você. Mas se continuar a desafiá-la você vai chegar àquele ponto em que tem que decidir se tem coragem de dar o próximo passo na beira do abismo.

As pálpebras de Melissa tremiam enquanto ela tentava manter o olhar firme no dele.

— Mas você não deu o passo seguinte. — Disse ela baixinho.

— É, não dei. Só que ainda estou na beira do abismo. A única diferença entre eu e você é que eu não perco mais meu tempo questionando.

Uma lágrima com a qual ela lutou pra não se formar fez um caminho lento descendo pelo rosto de Melissa.

Ele entendia.

Ela também o compreendia.

Os dois estavam lado a lado na beira do abismo.

— Eu não quero morrer. — Ela sussurrou. — Eu só quero me lembrar de como é viver.

Lucca baixou a cabeça e ela o ouviu respirar fundo.

— Eu ainda tento me lembrar de como viver depois de perder Laura. — Disse ele também sussurrando e ainda de cabeça baixa. Melissa abriu de leve a boca sem acreditar que Lucca tinha acabado de dizer algo sobre sua vida. — Eu quis desistir muitas vezes, mas descobri que estar diante do abismo e não saltar exige muito mais coragem do que simplesmente se render a ele.

Melissa olhava estarrecida para Lucca. Então era verdade, ele realmente tinha perdido alguém. Teve vontade de fazer um milhão de perguntas. Quem era Laura, se era uma namorada ou uma esposa. Ela estava confusa e sem saber o que pensar sobre mais uma coincidência. Não sabia o que dizer a ele. Sentiu vontade de sair da cama e abraçá-lo, mas isso não aconteceria. Ela já sabia que havia algo no passado dele que o transformou em uma concha impossível de abrir, mas agora se deu conta de que Lucca na verdade era só um homem destroçado, não um monstro.

Ela apoiou as mãos no colchão para se sentar e gemeu de dor. Parece que precisava mesmo de gelo e ao fazer um movimento mais brusco sentiu uma fisgada na pele. Levantou o braço e só então notou que havia uma agulha com soro presa em sua veia.

Melissa ficou olhando assustada para a agulha. Lucca se levantou no mesmo instante e foi até ela.

— Não se mexe ou vai se machucar. — Ele parou ao lado dela na cama e segurou o braço de Melissa.

— Era pra doer assim?

— Não. — Ele olhou preocupado para ela ao ver que a ponta da agulha não estava mais na veia. — Eu vou tirar e colocar de novo, está bem?

— Colocar de novo? Você não pode fazer isso, você não é médico e isso é uma agulha e eu odeio agulhas.

— Eu sei fazer isso. — Ele levantou o adesivo que prendia a agulha e Melissa se encolheu. — Não vai doer se você não se mexer.

Antes que Melissa reclamasse mais ele tirou e ela fechou os olhos bem apertados quando ele colocou de novo e prendeu com o adesivo, mas olhou surpresa para ele.

— É, não doeu mesmo. Onde aprendeu a fazer isso? — Melissa ficou com o braço esticado para o lado e suspenso com medo de se mexer e se espetar de novo.

— Isso acontece com frequência? — Ele ignorou a pergunta dela. Melissa o viu fazer isso antes então não insistiu.

— Isso o quê?

— Esses desmaios.

— Que eu me lembre, foi a segunda vez.

— E tem a ver com isso? — Lucca apontou para o peito dela.

— Acho que sim.

— É um transplante?

— Não. Só uma operação.

— E por que precisou de uma operação? — Ele sentou na beirada da cama e Melissa ficou um pouco desconsertada com a proximidade dele.

— Muito tempo sem respirar embaixo d'água. Quando me tiraram meu coração estava parado. E quando conseguiram consertar, ganhei uma bela insuficiência cardíaca e essa cicatriz horrorosa.

— Não é horrorosa. É só mais uma prova de que você esteve na beira do abismo e não saltou.

Ela olhou para ele sem reação. Nunca sabia o que esperar de Lucca. Nunca sabia quando ele seria o ogro insuportável que ela esmurrou na praia ou o cara que parecia um amigo dizendo as coisas certas como naquele momento.

Lucca segurou com cuidado o braço dela ainda suspenso, deslizou a mão suavemente sobre a pele até a mão delicada e colocou sobre o colo dela lembrando-a de relaxar porque a agulha não ia mais machucar. Ela nem tinha notado que ainda estava com o braço levantado. O movimento dele foi bem rápido, porém suficiente pra trazer de volta a lembrança do toque e daquele beijo e pela maneira como ele a olhou depois de soltar sua mão, ela sabia que Lucca também havia sentido a mesma coisa.

— Me desculpa. — Disse Lucca e Melissa pensou que ele estivesse se desculpando por tocar sua mão. — Eu não devia ter feito aquilo na praia na frente dos seus amigos. Me desculpa.

Outra coisa que ela também não esperava. Lucca se desculpando.

— Se eles não tivessem me segurado eu teria batido em você até minhas mãos caírem.

Lucca baixou a cabeça e um sorriso meio torto surgiu em seu rosto.

— Eu vi isso. Isso aí foi um sorriso, não foi? Eu disse que um dia faria você sorrir.

Ele se endireitou, ficou sério novamente e Melissa riu.

— Eu não estava sorrindo. Você podia só dizer que me desculpa ao invés de ficar aí agindo feito uma idiota.

Ela ficou olhando para Lucca com um sorriso triunfante ainda surpresa por ele baixar a guarda. Mesmo que ele tentasse se manter durão seria inútil, Melissa já sabia que ele não era um monstro.

Ela olhou para a marca escura abaixo do olho dele e seu humor mudou no mesmo instante, seu coração se apertou por ter se descontrolado tanto e causado aquilo. Melissa ergueu a mão para tocar o rosto dele, Lucca segurou o ar dentro do peito e seus olhos ficaram em alerta ao notar o movimento inesperado, mas ela parou no meio do caminho quando alguém entrou no quarto. Lucca respirou aliviado e se levantou.

— Melissa Viana? Vedo che sei sveglio. — Um médico entrou falando e olhando distraído para a prancheta.

— Sim, ela está acordada e não fala italiano. — Disse Lucca em inglês para o doutor.

Ao ver Lucca em pé ao lado da cama de Melissa o doutor hesitou e parou alarmado. Ele sabia muito bem quem era aquele homem enorme e com cara de poucos amigos e assim como a maioria dos moradores de Positano, conhecia a fama do monstro da cidade.

O médico ficou em dúvida por um segundo se devia se aproximar da paciente ou se corria para buscar um segurança. Ele olhou curioso para Melissa e depois para Lucca novamente.

— Você pode falar com ela em inglês. — Ordenou Lucca.

— Sì, vero, vero, sì. — Ele olhou para Melissa. — Está... está tudo bem aqui?

Melissa fez que sim e Lucca se afastou para sair do quarto.

— Lucca? — Melissa chamou, ele parou antes de sair e olhou para ela. — Me desculpa. — Ele franziu as sobrancelhas sem entender. — Pelo seu rosto. Me desculpa.

Ele acenou de forma quase imperceptível com a cabeça e saiu do quarto.

O médico olhou estarrecido para Melissa.

VOCÊ fez aquilo no rosto de Lucca Giordano?

— Ele me irritou e eu me descontrolei. Não foi minha intenção.

— Uau! Quando me disseram que ele carregou você nos braços da praia até este hospital eu não acreditei. Mas depois de saber que uma garota nocauteou o monstro da cidade, eu acredito em qualquer coisa.

— Ele me carregou?

— Foi o que disseram.

— E... qual a distância entre esse hospital e a praia?

— Digamos apenas que um homem normal teria largado você na primeira ladeira.

Melissa não sabia o que pensar sobre aquilo.

Ela pensou em todas as pessoas que estavam na praia quando surtou e se deu conta de que Lucca era o único que estava presente no hospital até então. Imaginou que tinham chamado uma ambulância e que Fred e as outras pessoas também estariam por lá, mas havia apenas Lucca. E ele foi sua ambulância.

— Doutor. Tem alguém lá fora? Quer dizer, alguém que tenha vindo junto com Lucca?

— Não. Até onde eu sei, ele a trouxe sozinho.

Mais uma vez, ela não soube exatamente o que pensar.

Não achava que Fred tinha a obrigação de acompanhá-la ao hospital, mas achou estranho que seu amigo não estivesse lá. No entanto, Lucca estava, ou ao menos esteve já que tinha acabado de ir embora. Melissa queria entender por que ele fazia aquilo. Por que se importava tanto.

— Doutor, posso perguntar uma coisa?

— É claro, bambina.

— Por que vocês chamam Lucca de monstro? Por que todo mundo na cidade o trata como se ele realmente fosse um?

— Você é turista?

— Na verdade eu moro aqui. Cheguei há pouco tempo.

— Então talvez eu seja o primeiro a te avisar pra ficar longe dele.

— Por quê?

— Bom, como você sabe, ele é perigoso.

— Por quê?

— Você sabe. É o que as pessoas dizem. Há rumores de todos os tipos, que ele agride as pessoas apenas por elas respirarem perto dele, que ele arremessa longe as criancinhas que se aproximam de seus barcos.

Melissa respirou aliviada e riu. Achou que ouviria histórias assombrosas sobre Lucca, mas parecia que ele era apenas um cara mal humorado morando em uma cidade cheia de gente feliz e amistosa que não entendia como era possível um homem tão fechado andar entre eles. Ela duvidava muito que qualquer daquelas coisas sobre ele fosse verdade. Ao menos a parte sobre as criancinhas porque a parte de arremessar longe quem chegava perto de seus barcos ela mesma havia experimentado.

— Molto bene. Eu preciso perguntar algumas coisas antes de...

O doutor parou de falar quando Lucca voltou ao quarto e Melissa ficou surpresa por ele não ter ido embora.

Ele segurava dois copos com tampa, atravessou o quarto, colocou os copos sobre a mesinha, parou do outro lado da cama e ficou olhando para o médico.

— O senhor está bem? — Perguntou Lucca com um tom frio e sarcástico.

— Vero... sì, sì. Molto bene. — O médico olhava apavorado para ele e com cara de culpado para Melissa esperando que ela não abrisse o bico e contasse sobre o que estavam falando.

— Ótimo. Então por que parou de atender sua paciente?

Melissa revirou os olhos e meneou a cabeça pensando que era por aquele comportamento que os rumores sobre Lucca eram os piores.

— Bene, Melissa Viana, seu... — O doutor deu uma olhada para Lucca antes de continuar. — ...seu amigo, informou sobre a insuficiência cardíaca quando vocês chegaram.

Melissa mordeu o lábio e ficou mexendo nos dedos começando a ficar ansiosa.

— Escuta, doutor, se é alguma coisa ruim ou muito ruim, pode me dizer de uma vez. Eu não suporto esse drama que vocês fazem antes de dar uma notícia ruim. Eu aguento. — Ela deu de ombros. — Apenas... fale de uma vez, ok?

— Va bene, mas eu não ia dizer que você não está aqui por causa da sua condição.

— Não? Então... meu coração não falhou de novo?

Lucca olhou para ela quando Melissa disse aquilo. Podia sentir ansiedade e medo na voz dela.

— Não. — Disse o médico. — Foi detectada uma alteração importante em seu sangue e não tem a ver diretamente com a insuficiência. Você usou alguma droga ou ingeriu alguma substância não usual?

— Eu não uso drogas.

— Medicamentos também são chamados de drogas. — Disse Lucca num tom impaciente. — Talvez o remédio que pegou com Giancarlo?

— Ah, claro, é, eu usei meu remédio para o coração essa tarde.

— E qual remédio você utilizou? — Perguntou o doutor.

Melissa disse a ele o nome do remédio e o doutor ficou um tempo olhando em silêncio para ela como se estivesse surpreso.

— Este é um remédio bem forte. Não achei que seu caso fosse tão grave.

Ela desviou o olhar. Não conseguiu encarar nenhum dos dois.

— O que o senhor encontrou se não tem a ver com... — Lucca fez uma pausa, não queria usar as palavras erradas e fazê-la se sentir ainda pior. — Bom, qual o problema?

— Senhorita Viana, quando foi sua última refeição?

Ela pensou por um segundo.

— Não sei... eu saí às pressas de casa pela manhã pra não me atrasar, foi um dia agitado no trabalho, talvez eu tenha comido algo na festa de casamento, não me lembro bem.

— E se lembra de quando tomou o remédio?

— À tarde, depois de deixar o trabalho, pouco antes de descer para a praia. — Ela se lembrou de não ter se sentido bem algumas vezes depois disso.

— Vero. Este é o problema. Você ingeriu seu medicamento sem ter comido nada antes. Como eu disse, é uma droga bem forte e deve ser ingerido apenas uma vez por semana e sempre depois de alguma refeição. Os efeitos colaterais são bem incômodos, eu recomendo que tome sempre que estiver em casa, você pode ter náuseas, vômito, se sentir tonta mesmo se tomar da maneira correta, mas se fizer o uso errado esses sintomas podem ser ainda piores. Acho que por isso acabou parando aqui.

Ela fez que sim com a cabeça sem esconder a animação. Achou mesmo que poderia ter sido algo muito pior.

— Então, é só isso? Eu já posso ir?

— Talvez ela deva passar a noite em observação. — Disse Lucca e Melissa estreitou os olhos para ele.

— Na verdade ela está bem. Não tem problema se quiser ir embora agora mesmo.

— Rá! Eu sabia. — Ela vibrou olhando para Lucca. — Agora, se o senhor não se importa, será que dá pra tirar isso do meu braço?

O médico segurou o braço dela para tirar a agulha, Melissa agarrou a mão de Lucca e fechou os olhos bem apertados. Ao sentir que ele apertou sua mão, ela abriu os olhos, não teve coragem de olhar para ele e afastou a mão. O doutor retirou a agulha do soro e ela pressionou o local se sentindo aliviada e tentando não demonstrar como o toque de Lucca a perturbava.

— Vou deixar vocês à vontade.

— Obrigada por me ajudar, doutor. — Disse ela. O médico fez um aceno com a cabeça, deu uma olhada desconfiada para Lucca e saiu do quarto.

— Ainda acho que devia ficar essa noite.

— Sorte a minha por você não ser médico. Você ouviu, eu estou bem.

Melissa tirou o lençol de cima das pernas e virou-se para descer da cama. Lucca não se afastou e ofereceu a mão pra que ela se apoiasse, mas Melissa parou e ficou olhando para ele.

— Meu Deus. Você me acha mesmo uma inválida, não é?

— Não posso ser gentil?

— Não combina com você.

— Vou relevar isso porque eu sei que está com fome. Quer ajuda pra se vestir?

— É claro que não. — Disse ela ao descer da cama.

— Se você não se lembra, eu já troquei suas roupas antes, não é nada de mais.

— Sai daqui, seu depravado.

Ela pegou o travesseiro e atirou nele. Lucca segurou e colocou de volta na cama. Irritada, Melissa pegou um dos copos da mesinha, quando levou à boca, Lucca tirou o copo de sua mão.

— O que foi agora?

— Isso é café. Não é bom você tomar isso. O seu é aquele.

— E o que tem lá, água com açúcar?

— Suco de laranja com bastante açúcar. Não é muito saudável, mas é bom pra dar energia rápido já que não tem nada pra comer por aqui.

— Isso é ridículo. — Ela deu um longo gole no suco depois colocou o colo de volta na mesinha. — Talvez seja melhor você ir embora e retomar a sua vida normal, não sei porque você fica aqui se dando ao trabalho de cuidar de uma inválida.

Ele deu um passo brusco, ficou mais perto dela como se fosse agredi-la e Melissa olhou assustada para ele.

— Você é tão autossuficiente assim que não precisa da ajuda de ninguém? — Ele respirava rápido, parecia sentir raiva daquelas palavras. — Ninguém tem que ser forte o tempo todo, sabia?

— Só que eu não quero ser fraca! — Ela falou alto, quase gritando e colocou a mão no peito. — Eu não quero isso aqui fazendo todo mundo sentir pena de mim, eu não quero isso aqui fazendo você sentir pena de mim. Eu não quero que isso aqui determine quem eu sou. Eu ano quero!

— Eu não estou aqui por pena de você ou por achar que você é fraca, Melissa.

— Então por que está aqui?

Ele pareceu perdido por um instante.

— Che cazzo! Por que tem que haver uma razão? Por que não pode só aceitar que eu não vou a lugar nenhum?

A respiração dela estava acelerada. Queria continuar brigando, mas como podia brigar com Lucca quando ele agia daquele jeito? Quando ele brigava com ela daquele jeito bruto só porque estava preocupado, só porque queria ajudar? Ele tinha o poder de dar um nó em seu cérebro e ela estava esgotada, não tinha mais forças pra discutir, não depois de um dia como aquele. Ela olhava furiosa para Lucca, mas não estava brava com ele e Lucca podia ver isso nos olhos dela. Na verdade, seu olhar se parecia mais com uma súplica. Ela só queria um pouco de paz. Os olhos dela suavizaram e ela baixou a cabeça, os ombros relaxaram e antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, Melissa encostou a testa no peito de Lucca. Ele não esperava por aquilo e ficou sem saber o que fazer com as mãos. Ela não estava chorando. Só estava cansada, na verdade estava exausta. Ela virou a cabeça e aconchegou o rosto no peitoral firme, mas macio. Ficou parada naquela posição estranha apenas esperando o momento em que ele se afastaria.

No entanto, Lucca não se afastou.

Melissa fechou os olhos ao sentir as mãos dele em suas costas, ao senti-lo puxando-a pra mais perto e deixou o ar sair dos pulmões devagar.

— Respira, Mel.

Disse Lucca e Melissa piscou uma vez lentamente sem acreditar que ele disse aquilo.

Ela também o abraçou e notou quando Lucca inspirou um pouco mais fundo. Melissa o sentiu relaxar e o queixo dele descansou no topo de sua cabeça.

Há apenas um minuto, nenhum dos dois sabia que precisavam daquilo. Mas precisavam daquele abraço tão estranho e tão familiar mais do que tudo naquele instante, mas se soltaram meio desajeitados ao ouvir alguém pigarrear e dar umas batidas de leve na porta do quarto. Se olharam constrangidos e se afastaram.

— Mel, graças à Deus eu te encontrei. — Fred entrou meio tímido no quarto, quis chegar até Melissa, mas ela e Lucca estavam do outro lado da cama num espaço estreito entre a cama e a parede e Fred não conseguiu passar porque Lucca estava na frente de Melissa e olhava de um jeito ameaçador para o surfista.

— Fred. — Melissa afastou Lucca para o lado e só então Fred conseguiu abraçá-la.

— Eu fiquei tão preocupado. Me desculpe por não vir antes, nós tínhamos mesmo que fazer aquela gravação hoje.

— Oh, então... vocês continuaram as gravações... que bom.

Ela deu um sorriso que não alcançou os olhos. Tinha achado que o amigo não tinha conseguido encontrar o hospital ou algo assim por isso não tinha chegado antes, mas ele continuou o trabalho apesar do incidente.

Lucca fechou ainda mais a cara.

— Nós tivemos que nos virar sem suas fotos, Mel, mas ao menos tínhamos as câmeras pra filmar. Acho que vamos tirar umas imagens boas dos vídeos, mas com certeza não dá pra comparar se fosse você fazendo as imagens.

— Você não vai nem perguntar se ela está bem? — Interrompeu Lucca. — Sua amiga desmaiou na sua frente e você simplesmente voltou ao trabalho, agora está aqui falando sem parar da droga do seu trabalho ao invés de ao menos fingir que se importa com ela.

— Lucca. — Melissa colocou a mão no braço dele. — Está tudo bem.

Ele bufou meneando a cabeça encarando Fred, se afastou e parou do outro lado da cama.

— Me desculpa. — Disse Fred visivelmente envergonhado. — Ele tem razão, eu sou mesmo um cabeça oca. Como você está, Mel? — Ele segurou as mãos dela.

— Eu estou bem. Não foi nada de mais. Eu só tomei meu remédio de forma errada.

— Você devia ter me contado que não está bem.

— Mas eu estou... — Ela fez uma pausa e olhou rapidamente para Lucca. Ele estava de braços cruzados e olhando para o chão. — Eu posso não estar cem por cento, mas não estou morrendo, Fred.

— Ok, mas você disse que se sentiu mal por ter tomado o remédio da forma errada, e se tivesse entrado e desmaiado enquanto estava no mar?

Ela não disse nada, nem tinha pensado naquilo.

— Acho que esse cara aí te salvou de uma beça furada, minha gata. — Disse Fred.

Lucca virou o rosto incomodado e Melissa olhou para ele sabendo que o amigo tinha razão.

— Eu estou com um carro alugado. — Disse Fred. — Me deixa ao menos te levar pra casa.

Lucca olhou rapidamente para eles, mas decidiu não esperar pela resposta dela e se dirigiu à saída.

— Obrigada Fred, mas Lucca vai me levar.

Pego de surpresa ele parou e olhou para trás com os olhos em alerta como se não tivesse escutado direito e Melissa deu uma olhada tímida e de canto para ele.

Fred olhou confuso para os dois.

— Eu confesso que estou surpreso, depois do que vi na praia achei que vocês dois se odiassem.

Ela deu um suspiro cansado.

— Eu acho que a gente se odeia de um jeito diferente.


⚘  ⚘  ⚘

L U C C A


Enquanto ele foi buscar sua moto na loja, Melissa esperou por Lucca no hospital.

Ele não levou nem vinte minutos e logo voltou e a levou para casa o mais rápido que conseguiu porque ainda chovia e ele não queria que ela acabasse ainda mais doente.

Aquela carona havia sido um pouco diferente da primeira vez em que ele a levou na garupa de sua motocicleta quando ela queimou os pés. Eles ficaram em silêncio praticamente a viagem toda. Se ele não desse a mínima para ela como no dia em que a conheceu, Lucca não se importaria quando ela o tocasse casualmente e dessa vez não ficou muito à vontade quando ao sentar atrás dele na moto ela passou os braços em volta de sua cintura e segurou firme até chegarem à casa dela.

Ele desceu primeiro e a ajudou a descer. Melissa agradeceu rapidamente e entrou correndo para fugir da chuva... e também de algum possível momento constrangedor.

Lucca ficou um tempo parado na rua olhando na direção da casa mesmo depois que ela entrou e fechou a porta.

Não podia culpá-la. Aquele havia sido um dia e tanto para ela.

Já passava um pouco das sete da noite. Já estava escuro e depois de guardar o capacete que ela havia usado, ele subiu na moto, desceu a rua um pouco mais até o estacionamento, deixou a motocicleta lá, entrou na floresta e voltou para casa pela trilha.

O cachorro e a gata estavam em sua varanda se escondendo da chuva. Ele deixou que os dois entrassem, deu comida e eles se deitaram no canto deles perto da lareira mesmo que estivesse apagada.

Depois de um banho rápido foi para a cozinha preparar o jantar, mas antes mesmo de começar, parou com a geladeira aberta ao se lembrar de algo importante.

Sabendo que levaria uma bronca daquelas, pegou uma caixa de papelão onde colocou alguns pacotes de massa de macarrão, alguns potes com tempero, pegou outros temperos, legumes, queijo e carne na geladeira. Colocou as botas de plástico que sempre usava quando precisava andar pela lama em dias de chuva, juntou tudo embaixo do braço e subiu a trilha.

Ele inspirou fundo antes de bater na porta se preparando para os protestos de Melissa.

Entre de uma vez, Lucca.

Ele sorriu rapidamente ao ouvir a voz dela lá de dentro, abriu a porta, tirou as botas, passou as mãos pelos cabelos molhados pra tirar o excesso de água e entrou.

— Você quer que eu separe umas gavetas pra você? — Melissa perguntou ao vir do quarto.

Ele ficou meio aéreo um instante ao notar que ela usava pijamas. Não um pijama comum, mas um conjunto que ficava enorme nela e ainda tinha um capuz que tinha orelhas. Lucca nunca tinha visto nada como aquilo antes. Ele desviou o olhar antes que se perdesse pensando no quanto ela ficava atraente e meiga parecendo um bicho de pelúcia.

— Também quer uma cópia das chaves?

— Como é? — Ele perguntou distraído.

— Você está sempre daqui. Quer deixar algumas roupas? Talvez queira trazer uma escova de dente e sua caneca favorita.

— Pelo nível do mau humor você ainda não comeu nada.

— Por que está aqui agora, Lucca?

— Você quer que eu vá embora?

Melissa apenas o encarou e não respondeu. Ela revirou os olhos parada na frente dele com os braços cruzados, baixou os olhos e franziu as sobrancelhas curiosa com a caixa que ele segurava e por ele estar descalço e notou que as barras do jeans estavam gastas e arrastavam no chão.

— O que é isso tudo? Por favor, não me diga que veio fazer algum reparo na casa a essa hora?

— Eu trouxe comida decente.

— Você... comprou comida pra mim? Você não tem que comprar comida pra mim.

— Não comprei. — Ele passou por ela, foi até a cozinha, começou a tirar as coisas da caixa e a colocar sobre a pia. — São da minha casa, estava sobrando. Aposto que você só tem pão e biscoitos por aqui 

— Eu não preciso da sua caridade, sabia?

— Isso não é caridade, você não é uma miserável.

— É o que estou tentando dizer.

— Você não é uma miserável, mas por alguma razão misteriosa, nunca faz compras. E eu achei que já tivéssemos superado essa questão idiota, Melissa. Você precisa recuperar as forças, não tem comida decente nessa casa e tem comida sobrando na minha. Fim de papo.

Ele estava de costas para ela, mas sabia muito bem que Melissa provavelmente estava de braços cruzados e fazendo uma careta enquanto o xingava mentalmente.

Lucca olhou para ela por cima do ombro e não havia careta, mas ela estava mesmo de braços cruzados.

— O quê? Não vai protestar nem tentar me botar pra fora?

Ela bufou inclinando a cabeça e piscando com as pálpebras pesadas.

— Se você não cozinhasse bem pra caramba e eu não estivesse morrendo de fome eu te colocaria pra fora agora mesmo, então...

Sem que ela visse, Lucca deu um meio sorriso, levantou uma sobrancelha triunfante e continuou tirando coisas da caixa.

— Por que trouxe tanta coisa? — Ela se aproximou e parou ao lado dele.

— Assim você pode fazer comida de verdade por alguns dias até que decida compras decentes. — Ele entregou alguns legumes para ela. — Geladeira.

Melissa ficou quieta enquanto guardava e Lucca olhou de relance. Percebeu que os movimentos dela eram lentos e meio pesados, quase não dava pra perceber se não olhasse com atenção, mas ela tinha umas olheiras embaixo dos olhos e estava um pouco pálida.

— Eu não preciso de ajuda. — Ele disse retirando alguns tomates e cebolas das mãos dela e fechando a geladeira. — Você devia voltar pro seu quarto, se deitar e descansar. Eu aviso quando estiver pronto.

— Você é meio mandão, já te disseram isso?

— E você é bem insubordinada, ninguém nunca teve coragem de dizer isso na sua cara?

Ela piscou olhando irritada para ele.

Sem dizer mais nada, Melissa foi até a mesa, se sentou, cruzou as pernas, os braços e Lucca podia sentir o olhar dela em sua nuca enquanto colocava uma quantidade generosa de massa para cozinhar em uma panela.

— Você morava sozinha antes de vir pra Positano? — Lucca perguntou colocando carne moída e alguns temperos para refogar. Não que estivesse interessado em conversar, mas já sabia que ela não era muito de suportar silêncios longos.

— Sim, mas nunca estava sozinha. Estava sempre com Rafael, ou na casa dos meus pais.

— E eles cozinhavam pra você?

— Onde quer chegar?

— Você não se preocupa muito com suas refeições, talvez porque tivesse sempre alguém fazendo isso por você. — Ele deu uma olhada por cima do ombro. Ela estava com os cotovelos apoiados na mesa e a cabeça apoiada nas mãos e olhava para ele intrigada.

— Eu realmente não precisava cozinhar. Não porque eu não quisesse, mas, meus pais moravam perto do meu apartamento. A condição pra que eles me deixassem morar sozinha foi que eu aparecesse todos os dias pras refeições.

Ela deu uma risada suave e saudosa e Lucca olhou para ela novamente. Distraída, Melissa corria uma das unhas pelas linhas da madeira da mesa.

— No começo eu fiz isso, jantava com eles quase todas as noites, mas depois achei melhor começar a cortar o vínculo devagar e me tornar independente pra valer. — Ela riu novamente como se lembrasse de algo. — Depois de um tempo eles se acostumaram, mas ainda assim, Rafa gostava de cozinhar pra mim, então ele é quem fazia as compras e quem cozinhava ou então me levava pra comer fora, ou comíamos no apartamento dele. Olha só, parece que você está certo, Lucca, eu não tinha que me preocupar em cuidar disso porque tinha sempre alguém cuidando disso por mim. Agora você também me acha uma mimada dependente?

— Não. Não vejo nada de errado em deixar que outras pessoas cuidem de você.

— Não entendi. Estava me criticando ou me dando uma lição de moral?

— As duas coisas.

Ela meneou a cabeça e deitou um pouco mais sobre a mesa.

— Como são seus pais?

Ela continuou em silêncio por alguns segundos antes de responder.

— São simplesmente maravilhosos.

O tom dela não foi nada entusiasmado, na verdade Lucca achou que parecia triste.

— Se eles não gostaram quando saiu da casa deles, o que acharam quando você se mudou de país?

— Ficaram arrasados. Mas eles me entenderam.

— Eles devem te ligar o tempo todo.

— Não. Quer dizer, eu não consigo falar com eles há um tempo.

Ele olhou curioso para ela.

— Problemas com o telefone?

— Não. Eu só não consigo. É como conversar com o passado.

Dessa vez Lucca não olhou para ela. Sentiu algo estranho no peito diante de outra coincidência.

— E seus pais? — Ela fez a pergunta que ele não queria que ela fizesse e se arrependeu por entrar naquele assunto.

— Também são muito bons e também não nos falamos muito.

Os dois ficaram em silêncio.

— Eles devem sentir a sua falta. — Disse ela com a voz sonolenta. Lucca não respondeu imediatamente, abaixou-se e pegou uma forma no pequeno armário embaixo da pia e se movia com agilidade de um lado pro outro tentando ignorar os sentimentos que as lembranças traziam. — Você é muito bom em cuidar das pessoas, Lucca. Aposto que você era um cara carinhoso com todo mundo que fazia parte da sua vida, inclusive seus pais. Eles devem sentir sua falta,

Ele continuou em silêncio. Colocou algumas cebolas sobre uma tábua e picou bem rápido fazendo um barulho alto.

— Desculpe. — Ela falou baixinho. — Não queria fazer você lembrar de coisas ruins.

— Meus pais não são uma lembrança ruim. Talvez eu é que seja uma lembrança ruim pra eles.

— Isso é impossível. — Ela falou e aconchegou a cabeça sobre o braço. — Eles são seus pais, não importa o que você tenha feito, nada pode fazer os dois deixarem de amar você.

Ele a ouviu bocejar e deu uma olhada. Melissa estava com a cabeça deitada sobre o braço e piscando lentamente olhando em um ponto qualquer sem focar em nada.

— Há quanto tempo não fala com eles? — Perguntou ela e Lucca parou de cortar um instante, fechou os olhos e respirou fundo.

— Desde que me mudei pra Positano.

— E há quanto tempo mora aqui?

— Há quase três anos.

— Uau! Isso é muito tempo sem falar com eles. — A voz dela parecia estar sumindo e ele sabia que ela devia estar decepcionada.

Lucca se sentiu constrangido quando ela ficou em silêncio. Sentia que ela estava julgando como se ele fosse mesmo um monstro que não se importava com os pais.

— Eles estão bem melhor sem saber de mim. — Disse ele agora colocando tudo o que havia picado dentro de uma panela cheia d'água. — Eu espero que eles nem se lembrem mais que têm um filho e...

Lucca olhou para Melissa. Ela estava dormindo.

Ele parou o que estava fazendo e virou-se para ela. Expirou devagar e a tensão que pesava em seus ombros aliviou um pouco por não ter mais que falar sobre aquilo. Já era a segunda vez no mesmo dia que mencionava coisas do seu passado para ela. Ele não podia negar o poder que Melissa tinha de fazê-lo falar sobre coisas que não queria nem mesmo pensar. Pegou um guardanapo e limpou as mãos. Foi até ela devagar, ficou olhando para aquele rosto suave e abaixou-se ao lado de Melissa. Ela respirava lenta e profundamente.

Ele se perguntou quem ela era de verdade. Quanto mais olhava para Melissa, mais queria saber, quanto mais contavam um sobre o outro e descobria as coincidências entre eles, mais curioso sobre ela Lucca ficava. Por alguma razão ele sentia que havia algo mais. Assim como ele, Melissa não contava tudo e isso o intrigava.

No fundo de sua mente ainda havia aquela voz que o alertava, que dizia pra se afastar, no entanto, havia se tornado um esforço inútil se afastar daquela garota e quanto mais tentava, mais fortes os motivos pra não fazer isso ficavam.

Ele ficou olhando para ela e deu um sorriso triste relembrando as coisas que ela havia contado. Sua história parecia pesada demais pra uma moça como ela. Esperava que o peso da vida não a transformasse em uma pessoa amargurada como ele.

Num gesto impensado, Lucca moveu a mão para afagar os cabelos dela, mas parou e não a tocou, ficou com a mão suspensa por um segundo e pousou no encosto da cadeira. Desviou o olhar e meneou a cabeça se repreendendo por confundir as coisas, mesmo que por alguns instantes.

Melissa não estava errada ao deduzir que Lucca costumava ser uma pessoa diferente. Ele foi mesmo um homem muito mais carinhoso e atencioso com todas as pessoas que amava e também sentia falta disso, de cuidar deles. Não só de Laura e o filho, mas de seus pais também. Na verdade sentia falta de cuidar de alguém. Nas últimas semanas em que esteve com seus velhos não suportava ver o quanto estavam sofrendo e saber que cada lágrima que choravam todos os dias era culpa sua foi demais pra suportar. Estava com eles, mas não era mais o filho deles. Não conseguia mais amá-los como mereciam porque não conseguia amar mais nada, mais ninguém. Todos os dias era obrigado a ver o pai e a mãe sofrendo pela perda da nora e do neto, sofrendo por perder o filho porque mesmo que estivesse presente, já não se sentia mais vivo.

Ele tentou imaginar se a razão de Melissa não falar mais com os pais era por algum motivo parecido com o dele, mas se lembrou de que ela disse não suportar os olhares de pena e que por isso teria saído do Brasil. Lucca compreendia isso, também era algo com o qual ele não suportou lidar. A pena dos outros.

Lucca olhava fascinado para ela tão quieta ali na sua frente dormindo tranquila sobre uma mesa como se o mundo fosse perfeito. Em sua mente ainda tentava lutar contra o fato de que a achava linda, mas era impossível olhar aquele rosto delicado e não se encantar, era impossível não se lembrar de como foi beijá-la e isso era razão mais do que suficiente pra que ele ficasse distante dela e sabia que devia fazer isso, mas havia ultrapassado a barreira da razão no dia em que aquele beijo aconteceu, pensava naquilo o tempo todo e agora não tinha mais volta. Quando estava com ela tudo o que sabia sobre ser racional simplesmente desaparecia e tudo o que queria era cuidar daquela garota tão forte e tão frágil. Jamais admitiria em voz alta, mas gostava da personalidade dela, do jeito sincero e certeiro, de sua curiosidade e de como ela conseguia sorrir e manter certa alegria apesar dos problemas que tinha. Ela até mesmo conseguiu fazê-lo sorrir enquanto ela é que estava em uma cama de hospital.

Mais cedo, quando descobriu o nome de Melissa na agenda de alugueis de seus produtos e que ela iria para o mar apesar do mal tempo, ele achou que ela fosse uma louca suicida. Ficou maluco apenas com a ideia de que ela poderia se machucar feio se fizesse aquilo. Ficou furioso. Mas terminou o dia admirando aquela garota mais do que imaginou ser possível. Melissa tinha uma força que nem mesmo ela havia percebido ainda, talvez por isso ela não compreendesse porque ele estava sempre por perto, queria que ela entendesse que não era por pena, mas a verdade era que ele já não achava mais possível se afastar de sua turista imbecille porque começava a achar que ele é que precisava dela e não o contrário.

Lucca se levantou, puxou um pouco a cadeira dela afastando da mesa, se inclinou e a pegou no colo com cuidado. Melissa deitou a cabeça no ombro dele encaixando o rosto em seu pescoço. Lucca ficou parado um instante se deixando envolver por aquela sensação boa. Era a terceira vez que a carregava no colo. Ele fechou os olhos e encostou o nariz nos cabelos dela sentindo o perfume adocicado do shampoo, seus lábios encostaram na testa de Melissa, se moveram de leve e ele quase beijou seus cabelos com carinho. Aquela garota era a única coisa que tinha o poder de deixá-lo fraco.

Lucca a levou para o quarto e a colocou sobre a cama. Uma das desvantagens de morar no topo de uma montanha era que mesmo durante o verão um simples temporal podia deixar o clima gelado, e aquela noite estava bem fria. Procurou por cobertas, mas havia apenas uma colcha simples e Melissa estava deitada por cima. Deu uma olhada em volta procurando por cobertores, notou que não havia muita coisa no quarto além da cama, umas três luminárias pelo chão e um guarda roupas talhado na parede de pedra, era como se nada por ali tivesse a identidade dela ainda, não havia decoração nem porta retratos. Para ele até fez sentido já que ela havia acabado de se mudar e ainda tinha muitos reparos a fazer na casa. A pequena bagunça também chamou sua atenção. Viu algumas roupas espalhadas sobre a cama, uma toalha úmida jogada aos pés dela, a mochila que usou mais cedo largada de qualquer jeito no chão. Para Lucca o quarto estava uma verdadeira bagunça e meneou a cabeça, Melissa parecia uma adolescente que não ligava muito para organização. Ele pegou a toalha e pendurou na porta do quarto, dobrou as roupas dela e colocou de volta na beirada da cama, mas só porque não havia outro lugar onde colocar porque estavam usadas úmidas. Lucca abriu o guarda roupas atrás de cobertores. Havia algumas caixas na parte de baixo, talvez coisas da mudança que ela ainda não tinha desfeito, havia algumas roupas penduradas, duas malas no canto embaixo da prateleira e estranhou por não haver tantas roupas quanto achou que ela tivesse. Algo na prateleira chamou sua atenção. Era a ponta de uma fotografia que estava no meio de umas roupas dobradas. Lucca puxou e ergueu. Era Melissa junto com um rapaz tão jovem quanto ela. Os dois estavam na calçada do que parecia ser um condomínio fechado e em frente a uma casa bonita, grande e sem portões. Ela estava agarrada ao pescoço dele, mas olhava para a câmera com um sorriso bem largo e muito lindo. Lucca olhou a foto mais de perto. Melissa parecia tão feliz. O rapaz que estava com ela tinha os cabelos num tom loiro escuro e bem aparados penteados para trás. O rapaz também sorria e estava com os braços em torno da cintura dela.

— Rafael. — Sussurrou Lucca e deu uma olhada para Melissa.

Ele colocou a foto de volta entre as roupas, pegou um cobertor, foi até ela e a cobriu. Melissa se mexeu se aconchegando agora que estava mais aquecida. Lucca se abaixou, ajeitou a coberta e num gesto automático passou a mão pelo ombro dela com carinho por cima do tecido, mas logo afastou a mão ao se lembrar que costumava fazer aquilo toda vez que deixava Laura dormindo antes de viajar a trabalho.

Lucca se levantou meio atordoado e virou-se para sair do quarto.

— Eles se lembram...

Ao ouvir a voz dela, ele parou e voltou alguns passos.

— Está acordada?

Ela estava de olhos fechados e sua voz estava arrastada e cansada.

— ...seus pais. — Continuou Melissa falando baixinho quase como se estivesse sonhando. — ...eles nunca esqueceriam você.


⚘  ⚘  ⚘

M E L I S S A


Melissa abriu os olhos e estava tudo escuro.

Se lembrava de ter pegado no sono enquanto estava na mesa, mas agora estava em seu quarto, embaixo das cobertas em sua cama e não se lembrava de ter ido para a cama.

— Lucca.

Ela meneou a cabeça e sorriu.

Melissa se levantou e bastou sentir aquele cheiro no ar pra que seu estômago a lembrasse que estava vazio.

Saiu do quarto apressada certa de que veria Lucca na cozinha, mas a casa estava vazia. O lado da sala estava apagado, mas a luz da cozinha estava acesa. Ela meneou a cabeça, era quase como se ele soubesse que ela acordaria e procuraria por comida.

A cozinha estava ainda mais limpa do que antes de Lucca usar, mas o cheirinho de algo delicioso não deixava dúvidas de que tinha algo pronto por ali, procurou e viu um prato envolvido em um pano em cima da mesa.

Abriu e salivou ao ver o que havia ali.

— Lasanha? Meu Deus, esse homem não existe.

Sabia que não era muito saudável comer de madrugada, mas estava com tanta fome que devorou tudo bem rápido.

Ela voltou para a cama depois de comer. O sono provavelmente demoraria um pouco mais pra voltar agora. Ela se pegou pensando em Lucca e em como ele a deixava maluca. Num único dia Melissa o odiou e o admirou, bateu nele e o abraçou. Não entendia como as coisas podia mudar tanto em apenas alguns dias. Ainda odiava que ele só estivesse por perto por sentir pena, mas ainda assim, começava a gostar da companhia de Lucca.

— Eu vou pirar. É isso o que vai acontecer.


⚘  ⚘  ⚘


O despertador do celular fez Melissa saltar atordoada da cama.

No piloto automático, ela começou a se arrumar depressa. Não percebeu que nem estava atrasada.

Quando estava praticamente pronta, seu celular, ainda jogado em cima da cama, anunciou uma mensagem.

Vincenzo: Buongiorno, fiore. Scusi ligar tão cedo, mas eu precisava avisar que você não precisa vir ao trabalho hoje. O primeiro casamento foi adiado e o segundo vai trazer o próprio fotografo. Isso significa que você vai ter o dia todo para se preparar para o nosso jantar. Estou ansioso pra ver você ainda mais linda esta noite.

— Oh, o jantar!

Ela tinha se esquecido completamente. Não estava nem um pouco animada pra isso, mas não faria aquela desfeita quando tudo que Vincenzo vinha fazendo era ajudá-la.

Melissa não voltou para a cama apesar de ser apenas cinco da manhã, mas o dia já estava bem claro. Ainda estava fresco depois de cover a noite toda, ela trocou a roupa que usaria para trabalhar por uma camisa de mangas longas e shorts jeans ao ver que o tempo não estava mais fechado e que o clima prometia voltar a esquentar novamente.

Ela preparou uma caneca grande de café e saiu para o quintal.

Tudo à volta parecia renovado.

O verde estava vibrante. O riacho ao lado estava um pouco mais cheio e cristalino e o céu estava limpo e muito azul.

Ela andou descalça pela grama sentindo a garoa molhar os pés e sorriu remexendo os dedos.

Segurando a caneca com as duas mãos ela deu mais alguns passos. Parou no meio do quintal e ficou olhando para a cerca.

Melissa riu pelo nariz meneando a cabeça se achando uma idiota porque agora aquela cerca a levava a pensar em Lucca.

Tudo o que aconteceu nas últimas vinte e quatro horas passou por sua mente de forma mais lúcida naquele instante e achou incrível que Lucca estivesse em cada momento daquele dia.

Ela suspirou sem conseguir uma resposta para aquilo e deu um gole no café.

Voltou a caminhar pela grama chutando de leve as gotinhas no mato e ergueu a cabeça quando um movimento chamou sua atenção. Olhou na direção da rua e viu Lucca descer correndo voltando do exercício matinal. Ele usava um shorts preto bem curto, uma camiseta preta que evidenciava os braços fortes e uma touca preta.

Melissa nem piscou.

Lucca olhou na direção da casa, não parou de correr, mas pareceu surpreso ao vê-la tão tranquila parada com uma caneca na mão e descalça no quintal.

Antes de desaparecer rua abaixo, Lucca levantou o braço e acenou.

Melissa sentiu o coração acelerar e esquentar no mesmo instante e um sorriso intrometido surgiu no rosto dela. Ela baixou a cabeça, suspirou como uma adolescente e olhou novamente na direção de onde ele passou.

— Ai, meu Deus. Esse vizinho podia pelo menos se parecer com um ogro de verdade.


⚘  ⚘  ⚘

L U C C A


Assim que saiu da rua e entrou na floresta a caminho da trilha, Lucca parou e olhou para cima na direção da casa dela mesmo que não pudesse ver mais nada de onde estava.

Ele correu por horas, mas só no instante em que Melissa sorriu quando a cumprimentou foi que ficou sem fôlego.

Lucca seguiu pela trilha de volta para casa tentando ignorar o fato de que ela fazia seu coração bater de um jeito diferente.

— Nada bom. Isso não é nada bom.


⚘  ⚘  ⚘


Lucca passou o dia se perguntando por que ela estava no quintal da casa àquela hora da manhã e parecendo casual demais pra quem deveria estar de saída para o trabalho.

Pensou que talvez Melissa não fosse ao trabalho aquele dia, mas aquilo o fez pensar que talvez ela não estivesse se sentindo bem para sair de casa e talvez tenha pedido o dia de folga.

— Mas se ela não estiver bem... está sozinha em casa o dia todo. — Ele sussurrou preocupado.

— Falou comigo, chefe? — Perguntou Luigi ao passar por ali e manteve uma distância segura ao ver Lucca dizer algo atrás do balcão da loja.

— Não. Estou falando sozinho porque devo estar perdendo o juízo.

— Tem alguma coisa errada, chefe?

— Por que haveria algo errado?

— Bom, o senhor nunca fica no balcão. Está tudo bem?

Lucca levantou os olhos da agenda à sua frente onde havia o nome e o telefone de Melissa, ele passou ao menos meia hora olhando para o telefone dela decidindo se ligava para perguntar se estava tudo bem. Ele fechou a agenda e olhou para Luigi.

— Vem aqui. — Mandou ele e Luigi hesitou um instante se lembrando da força com que o chefe agarrou seu colarinho há um dia na praia. — Anda logo, Luigi.

O rapaz sentiu um buraco no estômago, baixou a cabeça e andou devagar até o balcão ficando de frente para Lucca.

Luigi olhou para a agenda diante de Lucca e se lembrou de como o patrão havia ficado louco da vida por ele ter alugado aquela prancha para aquela mulher.

— Sim, chefe? — Luigi estava de cabeça baixa e meio encolhido, levantou apenas os olhos para Lucca certo de que ele o mandaria embora.

— O que aconteceu ontem. — Começou Lucca. — Não devia ter acontecido.

— Eu sei, chefe. Eu não devia ter alugado a prancha para ela e...

— Cala a boca e me escuta, rapaz.

Luigi sentiu a garganta seca.

— Como eu ia dizendo, o que houve ontem, não pode acontecer de novo. Se aquela mulher voltar aqui e tentar alugar qualquer coisa novamente, me avise antes.

Luigi balançou freneticamente a cabeça concordando.

— Só isso, chefe? Então... não vai me demitir?

— Por que eu demitiria você?

— Bom, eu...

— Escuta. O que houve ontem foi um erro, mas não foi um erro seu. Você não tem nada a ver com nada daquilo e... eu sinto muito. Não queria assustar você.

Luigi piscou confuso e sem graça sem acreditar que seu chefe estava se desculpando. Achou que ele realmente não devia estar se sentindo bem.

— Certo, obrigado, chefe, obrigado.

— Se já terminou tudo você já pode ir, eu fecho a loja. E não se esqueça de que amanhã você volta a folgar porque Fabrizio volta a trabalhar.

— Sim, eu me lembro disso. Mas o senhor se lembra que essa noite temos aqueles passeios noturnos?

— Quantos?

— Dois. Um deles estava marcado há algumas semanas, o Fabrizio estava responsável por isso e eu vou substituí-lo, mas o outro passeio foi fechado ontem e é com uma das lanchas.

— Não devia ter fechado esse contrato sem me avisar. Ninguém além de nós dois sabe pilotar a lancha.

— Se o senhor quiser posso ligar e devolver o dinheiro, mas chefe, o dinheiro é muito bom, foi além da média, talvez eu devesse ir a esse e cancelar o outro passeio.

Lucca inspirou irritado e pensando no que fazer.

— Não. Não cancele. Precisamos de um dinheiro extra. Não diga nada a Fabrizio, mas a conta do hospital ficou um pouco mais cara do que imaginei, não posso deixar que ele arque com essa despesa. Não cancele. Depois me passe o horário e o destino. Eu mesmo piloto.


⚘  ⚘  ⚘

M E L I S S A


Era quase sete da noite quando Melissa ficou pronta. Ela pegou o pequeno espelho do banheiro, colocou no chão encostado em uma parede do quarto e se afastou tentando se ver de corpo inteiro.

Estava com medo de ter exagerado ao escolher o mesmo vestido que usou na festa de despedida de verão. Estava maquiada e de cabelo feito e escolheu um salto baixo.

— Isso está com cara de encontro amoroso... — Ela deu mais uma volta se olhando e não ficou nada satisfeita. — Pelo amor de Deus, essa roupa está gritando eu vim pra você me pegar e me beijar... argh!

Melissa tirou o vestido e jogou sobre a cama. Foi ao armário, pegou uma calça jeans bem larga, uma camisa branca curta e sem manda e abotoou até o pescoço, como agora já sabia que mesmo nos dias quentes Positano podia mudar o clima de repente, pegou um cardigan longo que não usava há algum tempo, vestiu e subiu as mangas até os cotovelos. Ela olhou no espelho satisfeita.

— Isso. Agora está com cara de jantar casual com o chefe que por um acaso também é só um amigo.

Minutos depois ela trancou a casa, se abaixou e acariciou a gata e o cachorro que permaneceram sentados diante da porta como dois pequenos gárgulas, ela foi até a rua e parou. Quando Vincenzo disse que mandaria um carro, Melissa pensou que seria um táxi, ou carro por aplicativo. Mas aquele não parecia nenhum dos dois. Era um carro muito bonito e com certeza bem caro. E ainda havia um homem do lado de fora segurando a porta aberta. Era muito óbvio que era um italiano, devia ter uns quarenta e poucos anos, usava terno e chapéu pretos.

— Signora Melissa. — Disse o homem falando em português, mas com um sotaque italiano muito carregado e um sorriso amistoso. — Vincenzo aguarda la tua companhia.

Meio incerta por não conhecer o homem, Melissa fez um sim com a cabeça e entrou na parte de trás do carro.

O homem não disse mais nada durante toda a viagem e ela também não se sentiu nem um pouco à vontade em dizer qualquer coisa.

Notou que fizeram um caminho que ela até conhecia porque desciam para o centro de Positano e pareciam estar indo na direção do hotel. Ela imaginou que o jantar com Vincenzo talvez acontecesse lá, mas o carro continuou descendo, fez uma curva à esquerda e passou bem longe de onde o hotel ficava. Entrou em uma rua ainda mais estreita e então ele estacionou. O motorista saiu do carro e Melissa não esperou que ele abrisse a porta para ela e também saiu. Ele apontou com a mão pra que ela o seguisse por uma escada. Ela achou que talvez ele não falasse nadinha de português e as palavras que disse antes talvez tenham sido ensaiadas porque o homem estava mudo como um poste.

Melissa o seguiu, passaram por um beco cheio de pequenos estabelecimentos comerciais e chegaram na entrada de uma marina.

O homem parou e Melissa também. Ele tirou o telefone do bolso e falou com alguém. Quando desligou, olhou para Melissa, deu um sorriso formal e saiu deixando-a sozinha ali.

Melissa ficou sem saber o que fazer. Olhou em volta e via apenas pessoas estranhas andando de um lado pro outro. Ela suspirou impaciente e abriu a bolsa e pegou o telefone para ligar para Vincenzo.

— Fiore?

Ela virou para trás e o viu se aproximando com um sorriso tranquilo.

Vincenzo usava uma calça clara e camisa branca de linho com mangas compridas e fechada até o pescoço. Ele estava simples, mas bem elegante. Ela quase se arrependeu por ter trocado de roupa.

Enquanto ele se aproximava Melissa notou que os olhos dele examinavam suas roupas demoradamente.

— Minha Mel. — Ele parou diante dela, tomou a mão dela e deu um passo para trás ainda analisando suas roupas. — Você está... — Ele franziu as sobrancelhas com um sorriso incerto como se não compreendesse o que via. — ...você está linda. Nada neste mundo pode ofuscar a sua beleza. — Ela sorriu olhando curiosa para ele. — Mas acredito que dei as instruções corretamente quando pedi que viesse com vestido e saltos. — Ele olhou para os tênis dela e Melissa inclinou a cabeça encolhendo um ombro.

— Vince. Isto não é um encontro.

— É claro que é um encontro, fiore. Eu não sou homem de convidar uma mulher como você para jantar se não tiver segundas intenções.

O sorriso dela se desfez e abriu a boca surpresa com a atitude dele, ela afastou a mão da dele e Vincenzo riu.

— Mas não fique preocupada com isso. Essa noite tudo pode acontecer, inclusive nada. Eu só quero conhecer você, Melissa. Você não tem ideia do quanto me fascina.

— Vince, eu achei que tivesse deixado claro que não estou disponível pra esse tipo de coisa.

— Eu me lembro de você ter mencionado isso. Mas eu tenho fé na humanidade, acredito que qualquer um pode mudar de ideia. — Ele sorriu, chegou mais perto dela e voltou a segurar a mão de Melissa. — E não se preocupe, fiore. Essa noite é você quem manda. Nós vamos fazer somente o que você quiser. Se você me quiser nu a noite toda, então eu arranco as minhas roupas num piscar de olhos e serei todo seu, mas se quiser apenas conversar, também sou capaz de fazer isso com o maior prazer do mundo.

— Ok. — Ela disse rindo. — Então nada de nudez, acho que vamos só conversar bastante.

— Como eu disse, é você quem manda, fiore. Vamos?

Sem soltar a mão de Melissa, Vincenzo a conduziu para dentro da marina. Eles entraram e ela se deparou com uma doca onde centenas de barcos estavam atracados.

Ela teve a impressão de já ter estado lá, mas não tinha certeza se era o mesmo lugar.

— Espero que não fique enjoada no mar.

— Bom, eu nunca jantei em alto mar, então não posso prometer nada.

Vincenzo riu enquanto caminhavam por um deque com barcos dos dois lados.

Eles pararam diante de uma lancha, Melissa franziu as sobrancelhas achando que já tinha andado em uma bem parecida com aquela antes. Vincenzo retirou um papel do bolso, confirmou o número do barco, não havia ninguém lá dentro, mesmo assim ele entrou, segurou a mão de Melissa e a ajudou a entrar.

— Esse barco é seu? — Ela perguntou.

— Não. Mas é o nosso transporte até o local do jantar.

— Local do jantar?

Vincenzo sorriu olhando por cima da cabeça dela. Se aproximou de Melissa e envolveu a cintura dela com um braço.

— Não vamos jantar no barco, minha Mel. O lugar é que é a surpresa. — Vincenzo se inclinou devagar e beijou o rosto dela.

— Diavolo!? O que está fazendo em meu barco?

Melissa viu um sorriso se formar no rosto de Vincenzo e seu coração congelou ao virar-se e ver como Lucca olhava atônito e confuso para eles.

Lucca estava perplexo. Melissa viu quando os olhos dele baixaram até a mão de Vincenzo na cintura dela e afastou a mão do italiano que ao invés de manter distância apoiou o braço no ombro dela.

— Buonasera, Lucca Giordano. — Vincenzo ainda tinha um sorriso irônico no rosto. — Parece que finalmente você vai trabalhar pra mim.


༻ ༺༻ ༺


Ô-ôu! 😬

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