Quando Eu Ainda Amava Você

By ClaraCasteloQEAAV

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[CONCLUÍDA] Quando as duas ex-melhores amigas e atuais rivais Carla e Adele se reencontram na faculdade anos... More

Quando você ainda me ignorava
Quando eu e você passamos uma tarde constrangedora juntas
#1
Quando você se escondeu no armário
Quando vi você naquela festa
Quando eu conheci você
Quando seu "com quem será?" não foi comigo
Quando eu me senti a pior pessoa do mundo
Quando eu conheci outra pessoa num café
#2
Quando saberemos se foi a escolha certa?
Quando tentei seguir em frente
Quando você a beijou na minha frente
Quando eu aprendi a abrir mão
Comunicado
Quando colocamos um ponto final
Quando trocamos lições sobre o amor
Quando encurtamos a distância
Quando você devolveu minhas asas
Enquanto eu ainda amar você
Epílogo
Atualizações
(eBook + novo livro + mais novidades)
#3
#4

Quando meu pedido começou a se realizar

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By ClaraCasteloQEAAV

A semana do aniversário de Adele foi agitada da maneira mais deliciosa possível, com saídas quase diárias para resolver preparações da festa. Sayuri e Julia se encarregaram da decoração, justificando que Adele escolhia qualquer coisa para agradá-las, então era melhor não escolher nada. André ficou encarregado da música e, embora qualquer um pudesse dar sugestões, ele se recusou a tornar a playlist colaborativa. O local escolhido foi o salão do prédio de Sayuri, e praticamente todo mundo chegou cedo para ajudar a montar a festa.

— Onde coloco as bebidas? — Marina perguntou e Sayuri a direcionou até a "cozinha" do salão, onde haviam dois frigobares. — Fernando, vai lá ajudar a montar a mesa.

Fernando, contente em obedecê-la, ajudou Julia a colocar as decorações em preparação para as comidas.

— Cadê a Adele? — Ele perguntou.

— A gente proibiu ela de descer, pra ter um elemento de surpresa. — Disse Sayuri enquanto pendurava faixas. — Não que ela já não tenha visto tudo.

— Ela não vai ficar entediada? — Marina questionou enquanto voltava sua atenção para arrumar os copos.

— É a Adele. A gente só precisa deixar ela assistindo algo colorido que a atenção dela fica grudada na tela, igual a um bebê. — Julia respondeu, fazendo Sayuri rir.

André parou de ajustar o som e foi ajudar com a decoração. Ele e Fernando logo começaram a brincar com as fitas e roubar salgados, até Julia estapear as mãos de ambos.

— Se vocês roubarem mais uma coxinha, eu vou fisgar de dentro de vocês com minha mão. — Ela disse e puxou as orelhas dos dois para reforçar.

— Entendido! — Fernando recuou até estar semi escondido atrás de Marina, que revirou os olhos.

— Anda, capitão. Começa a cortar as frutas dos drinks. — Marina estendeu uma faca para ele.

— O que você não me pede com desdém que eu não faço sorrindo? — Ele deu um beijo na bochecha dela antes de prosseguir com a nova tarefa.

Sayuri cutucou Julia, que terminava de arrumar as bandejas de comida e distribuir balas pela mesa.

— Pode deixar que eu termino a decoração. Você precisa terminar de se arrumar e ajudar a Adele a ficar pronta.

— Tem certeza? — Perguntou Julia, disposta a ajudar mais um pouco.

— Claro! O que a Adele vai fazer sem você? — Elas compartilharam uma risada. — Anda, já estamos acabando aqui.

Julia assentiu e foi até o elevador. Quando entrou no apartamento, encontrou Adele grudada no celular com um sorriso comparável ao do gato de Alice no País das Maravilhas. Ela quase revirou os olhos para a amiga, que só pareceu notar sua presença pelo barulho da porta.

— Falando com Carla? — Julia perguntou já sabendo a resposta.

— O quê? — Adele corou e desgrudou do celular, cruzando os braços.

— Nada. Nós já estamos terminando lá embaixo, então a Sayuri me enviou pra te ajudar a se arrumar. Afinal, você quer ficar gostosa hoje, não é? — Ela piscou para Adele.

— Eu... Hã... Hein? Por que eu iria querer isso? — Adele gaguejou e se encolheu.

— Porque é seu aniversário. — Julia mentiu, com os braços cruzados e sorrindo. — Quer ajuda ou não?

Adele suspirou e estendeu os braços para Julia levantá-la do sofá e puxá-la até o quarto de Sayuri. Lá estavam as roupas delas espalhadas sobre a cama.

— É incrível os pais da Sayuri terem deixado a gente organizar isso aqui. — Julia comentou enquanto trocavam de roupa.

— Eu não tenho certeza de que eles sabem. — Adele confessou. — Sayu disse apenas que eles estariam numa viagem romântica de férias.

— Então vamos tentar não abusar da hospitalidade. — Julia riu e observou Adele terminar de fechar o zíper. — Essa é uma boa roupa em você.

Adele estava usando um bralette preto com uma calça social e blazer na cor vermelha. Em suas mãos, um par de saltos que ela encarava incerta. O resto da roupa era confortável, e Adele nunca se importou com roupas que mostrassem sua barriga ou braços (os resultados de horas na academia precisavam ser apreciados), porém ela não tinha coordenação motora para saltos.

— Obrigada, mas não sei sobre os saltos. Só que não dá pra usar tênis de corrida com isso aqui. — Adele gesticulou para sua roupa.

— Você só precisa usar o salto até os convidados chegarem e depois é só ficar descalça, o que acha? Eu tiro meus sapatos também. — Julia propôs e ela sorriu.

— Ok, posso fazer isso.

Ela se sentou na cama e começou a colocar os sapatos, quando Julia sentou atrás dela e começou a enchê-la de acessórios.

— Essa roupa pede por um colar. — Julia disse, antes de afastar o cabelo da orelha de Adele. — E também por uns brincos que combinem.

Então, Julia segurou o cabelo de Adele em uma posição de rabo de cavalo, ponderando.

— Vai usar o cabelo preso hoje?

— Na verdade, pensei que ficaria formal demais, talvez. — Adele disse enquanto se encarava no espelho à frente delas. Ela estava se sentindo bonita e elegante, o que era incomum. — O que você acha?

— Você fica incrível dos dois jeitos. — Julia deu de ombros. — Mas tem razão. É bom fazer algo diferente no dia do seu aniversário.

Ela soltou o cabelo de Adele e terminou de se arrumar antes de abrir o estojo de maquiagem e começar a trabalhar no rosto da amiga.

— O que minha maquiadora tem em mente hoje? — Adele riu enquanto Julia espalhava base em seu rosto.

— Algo simples, mas você vai gostar.

Como Julia prometeu, Adele encarou o resultado artístico alguns minutos depois. Um delineado gráfico vermelho e simples, um lápis preto em sua linha d'água e a boca com um tom suave de vermelho esfumado, coberto por um gloss. A maquiagem quase editorial complementou Adele perfeitamente, dividindo foco com a roupa, mas sem sufocá-la.

— O que eu faria sem você? — Adele apertou a bochecha de Julia.

— Boa pergunta. Você seria incapaz de viver, provavelmente. — Julia respondeu. — E ainda mais incapaz de se maquiar.

Adele finalmente procurou pelo celular para checar as horas. Quase ao mesmo tempo, a porta do apartamento se abriu e elas ouviram a voz de Sayuri da sala.

— Terminamos lá embaixo, então eu vim buscar vocês. Prontas?

As amigas se encararam com aprovação e saíram do quarto.

— Prontinhas! — Disse Julia, indo na frente.

Sayuri soltou um som estridente e empolgado ao ver o resultado final de Adele. Talvez estivesse refletindo mandar cumprimentos à chef Julia, ou um beijo na boca de ambas.

— Você ficou incrível! — Ela exclamou, afastando o blazer para encarar melhor o resto da produção. — E a sua maquiagem tá impecável!

— Obrigada. — Adele corou, sempre tímida com elogios, não importava o quanto pudesse ser arrogante em outras circunstâncias.

— Essa roupa agora é sua e não adianta discutir. — Sayuri abdicou de suas posses em nome do bem maior que era ver Adele num terninho.

— Eu não posso ficar com suas roupas! — Adele protestou mesmo assim.

— Então você não me deixa outra escolha. Esse é meu presente de aniversário e você não pode devolver sem ser rude. — Sayuri piscou e puxou Adele e Julia pelas mãos para fora do apartamento.

Dentro do elevador, Sayuri cutucou Julia com o cotovelo.

— Você também tá linda de matar.

O comentário teve o efeito desejado e Julia abriu um sorriso enorme enquanto as portas do elevador se abriam para o salão de festas. Os presentes se voltaram na direção delas, já entrando em fila para abraçar a aniversariante.

Julia desviou do grupo que se formava ao redor de Adele, e André se aproximou, sem pressa para parabenizar a outra amiga.

— Você ficou incrível. — Ele elogiou de forma genuína, e Julia corou nervosa. Uma silhueta se aproximou deles e envolveu um braço na cintura de André.

— Eu amei seu penteado! — Laura comentou alegre.

— Valeu. — Julia sorriu com educação e se retirou rapidamente para a bancada de drinks, enquanto o sorriso minguava.

Adele recebeu o parabéns caloroso de Marina, Fernando e dois amigos da faculdade que já haviam chegado. Então, abraçou André e Laura por trás, quase fazendo o casal derrubar seus respectivos copos.

— Obrigada por virem, aliás. — Ela disse, apertando o abraço.

— Feliz aniversário, Adele. — André apertou o nariz dela com a mão livre. — Vejo que Julia conseguiu te deixar apresentável essa noite.

Adele fez uma careta enquanto o amigo sorria e então soltou o casal.

— Só tenho um pedido de aniversário. Se divirtam. — Ela disse e recuou para perto de Sayuri com um suspiro.

— Faltam cinco convidados. — Sayuri comentou. Adele foi sendo forçada a expandir sua lista de convidados aos poucos para acomodar os acompanhantes de amigos e para o salão não ficar tão vazio. — Mas todos devem chegar dentro de uma hora, a não ser que role algum imprevisto.

— Ok. A gente deveria buscar uma bebida então. — Adele sinalizou e Sayuri a acompanhou até o bar, onde se juntaram à Julia.

Enquanto Julia já estava na metade de um copo, Adele se serviu de um shot e ambas deram um longo suspiro. Sayuri se enfiou entre as duas, apoiando os cotovelos na bancada.

— Se passaram uns dois minutos e quarenta e três segundos. — Ela apontou. — Mas já que vocês já começaram...

Sayuri montou sua própria bebida e bateu o copo com os das amigas antes de dar o primeiro gole. Adele e Julia se olharam e deram de ombros rindo.

Na próxima hora, mais convidados foram chegando no prédio, e em todas as ocasiões, Adele virava o pescoço em direção à entrada do salão. Mesmo quando ela disfarçava, seu corpo era mais rápido que seu cérebro, e a postura traía a sua indiferença. Todas as vezes que os convidados entravam, Sayuri apertava o ombro de Adele de leve, como se dissesse "talvez ela seja a próxima".

Adele abraçou cada convidado e até recebeu umas quatro sacolas de presente, que ela prometeu abrir depois da festa. Em vários momentos, checou o celular. Carla dizia já ter saído de casa, uma vitória após vários minutos de carros cancelando a corrida, mas o trânsito estava infernal. Óbvio que as coisas procederiam assim para torturar Adele em seu próprio aniversário.

Já estava em sua terceira bebida num estômago forrado apenas por três coxinhas quando Adele foi informada que mais um convidado havia chegado. Ela já sentia os efeitos do álcool e focou em seu canudo enquanto se balançava ao som de alguma música da playlist de André. Sayuri estava em sua frente e sorriu enquanto girava Adele antes que ela pudesse processar o movimento. Entrando pela porta, lá estava ela, e como era linda.

O cabelo de Carla já ameaçava encostar nos ombros e o volume voltava a lembrar uma juba, como nos velhos tempos. Ela estava com uma blusa branca de alça e um jeans rasgado, muito mais casual que Adele, porém precisamente impecável. Carla carregava uma sacola em uma mão e seus olhos percorreram o salão procurando por alguém. A expressão dela se iluminou quando seu olhar encontrou o de Adele, que torcia para não parecer completamente idiota. Só então, a loira percebeu que ainda mastigava o canudo e se recompôs.

Sayuri se afastou sem dizer nada, com um sorriso orgulhoso, e todo mundo no salão fingiu não prestar atenção nas duas. Felizmente, elas não notaram a má atuação, absortas em um mundo à parte. Carla parou de frente para Adele, esticando muito o pescoço para encará-la.

— Não acredito que demorei tanto que você esticou igual a um pé de feijão? — Ela franziu as sobrancelhas com um beiço adorável e irresistível.

Após processar o comentário por alguns segundos, Adele olhou para seus pés e percebeu que ainda usava os saltos. Em questão de segundos, eles foram para os ares. Carla ainda precisava olhar para cima, mas agora estavam praticamente no mesmo nível.

— Melhor agora? — Adele perguntou, fazendo Carla rir. — Não tem nada pra me dizer?

— Feliz aniversário. — Carla revirou os olhos e estendeu a sacola em sua mão. Adele corou enquanto abria um sorriso.

— Obrigada. O que você me trouxe?

Ela resistiu ao impulso de fisgar o pacote e rasgar a embalagem para não indicar nenhum favoritismo entre os convidados. Carla cruzou os braços e balançou a cabeça.

— Precisa esperar o fim da festa pra descobrir. Agora, onde posso arranjar uma bebida pra te alcançar? — Carla apontou para o copo que Adele já havia praticamente finalizado.

— Vou te acompanhar até lá.

Adele serviu uma bebida para Carla e imediatamente ficou nervosa. Até então, não tinha parado pra pensar sobre o que conversariam, e se o clima ficaria esquisito entre Carla e seus amigos.

— A decoração ficou incrível. — Felizmente, Carla parecia despreocupada e fez um comentário enquanto admirava o local. — Posso chutar que você não teve dedo nisso, né?

— Ei! — Adele tentou fechar a cara e parecer ofendida. — Julia e Sayu me proibiram de opinar.

— Ufa. —bCarla riu e deu um gole em sua bebida.

— Na verdade, as únicas coisas que eu pude decidir foram o bolo e a lista de convidados. — Ela confessou com um sorriso. — Que é tudo que importa mesmo.

Carla apoiou o rosto em uma mão, com o cotovelo na bancada, e sorriu para Adele. O tempo congelou de novo, como congelava durante qualquer contato visual entre elas, e Adele se via forçada a cortar quando sentia o rosto corando. Era como tocar numa panela quente e ver até onde aguentava. Carla não parecia se afetar tanto, e continuava bebendo em meio a uma risada. Ela quase parecia satisfeita de ver o efeito que tinha. Adele ainda iria fazê-la corar como vingança.

— Eu te chamaria pra dançar, mas ainda tô no meu primeiro copo, então aguarde mais uns dois até a minha proposta. — Carla prometeu com uma piscada e Adele sorriu, antes de ser puxada por Julia.

— Alguém morreu? — Adele perguntou tentando desviar o pé dos saltos de Marina. — Qual a emergência?

— Me acompanha até a área externa, rapidinho? — Julia a puxou pela mão antes que ela respondesse.

As duas saíram do salão. Três convidados fumavam e conversavam a alguns metros de distância.

— O que tá acontecendo? — Adele ergueu a sobrancelha.

Julia respirou fundo.

— Eu só queria dizer que eu e a Sayuri conversamos muito sobre o tópico e... Se você realmente gosta da Carla, eu vou te apoiar. — Ela prometeu em tom muito sério. —vPessoas mudam, e quem tinha que perdoar qualquer coisa era você, então apoio suas decisões. Confio em você. E como eu te amo, vou dar uma chance pra ela também.

Adele não soube o que responder de imediato. Ela encarou Julia um pouco boquiaberta e um pouco bêbada, tentando raciocinar um pensamento coerente. Pareceu piada, mas Adele não se atreveu a rir quando viu a postura impassível da amiga. Julia realmente se importava com aquilo.

— Eu gosto dela sim. — Adele pensou em voz alta. — Sim, é, eu gosto. E ainda não tenho certeza se algo vai rolar entre a gente, mas eu fico muito mais tranquila de saber que você me apoiaria.

Julia a abraçou com força. Adele estava descalça e ainda conseguia apoiar o queixo na cabeça dela.

— Mas, se você permitir, eu quero conversar com a Carla. Tudo bem? — Julia pediu permissão.

— Contanto que você não ameace nem afugente ela, você tem o direito de falar com quem quiser. — Adele riu, interrompendo o abraço. — Eu vou dançar agora, se quiser aproveitar a brecha.

Julia balançou a cabeça e elas retornaram para o salão, onde Adele se juntou à André e Sayuri na pista de dança. Carla estava voltava para eles com o copo em mãos, quando Julia se aproximou.

— Queria sua ajuda com uma surpresa pra Adele. Vamos lá fora?

Enquanto uma Carla desconfiada acompanhava Julia para longe dali, Sayuri encarava Adele com um sorriso.

— Vocês duas estavam se divertindo? — Ela perguntou entre uma música e outra.

— Sim, eu acho. — Adele comentou um pouco sem fôlego. — Não conversamos muito ainda.

— É, eu vi que a Julia roubou ela de você. Espero que ela esteja sendo boazinha como me prometeu.

— A Julia? — Adele perguntou entretida, curiosa sobre o que as duas haviam conversado.

— Eu disse pra ela tentar dar abertura pra Carla. Sempre achei que as duas tinham potencial pra serem amigas. — Sayuri confessou, fazendo Adele rir.

— Vocês mal se conhecem!

— E ainda assim, quando eu já errei? — Ela desafiou Adele a questioná-la, sabendo que era impossível. — Não tenho culpa que sei ler pessoas muito bem.

— Ok, tem razão. — Adele admitiu, erguendo as mãos. — Eu também acho que elas se dariam bem se tentassem.

— Viu? — Sayuri apoiou os braços nos ombros de Adele enquanto elas se balançavam de um lado para o outro.

— Por que tá tão investida?

Adele não podia evitar achar curioso, não que a incomodasse.

— Eu gosto de ver pessoas se apaixonando. — Ela deu de ombros. — É um crime?

— Não, mas... — Adele colocou as mãos na cintura de Sayuri durante a dança. — Nós?

Sayuri virou a cabeça com as sobrancelhas erguidas em confusão.

— Nós já evoluímos nosso relacionamento. Somos amigas agora. — Isso fez Adele abrir um sorriso, mas a mente dela ainda estava embaralhada.

— Então, não vamos mais ficar?

— Eu diria que esse ciclo acabou, mas que tal um beijo pra viagem? — Ela ofertou e, com consentimento, segurou o rosto de Adele com as mãos antes de depositar um selinho demorado. — Melhor agora? Vamos dançar.

*

Carla e Julia se sentaram num batente da área externa, num silêncio desconfortável. Enquanto Julia encarava o chão, Carla a encarava e tomava sua bebida com desconfiança. Nunca durante todo o tempo que elas se conheciam as duas haviam se dado bem. Era em maior parte por culpa de Carla, mas Julia conseguia ser tão explosiva quanto ela, em certas ocasiões. Naquela noite, contudo, ambas estavam quietas.

— Sobre a surpresa... — Carla criou coragem de quebrar o gelo, ao menos para ter a chance de escapar daquela interação o quanto antes.

— É, então, é o seguinte... — Julia começou a disparar quase imediatamente. — Eu sei que a gente não se dava bem e que eu sou cabeça dura e orgulhosa, mas você faz parte da vida da Adele e parece fazer bem pra ela agora. — Carla observou que ela falava muito depressa. — E a Sayuri gostou de você de imediato e ela é cronicamente sincera, então acredito que eu devo me permitir gostar de você também.

Carla a encarou de lado, hesitante. Em outra época, teria ficado ofendida. Agora, ela entendia que, de certa forma, as duas eram muito parecidas, e que Julia tinha muita dificuldade de ser vulnerável como estava sendo.

— Eu entendo que eu fui uma enorme babaca. — Ela começou, suspirando.

— Você fez algo horrível, Carla. — Os olhos de Julia se preencheram de raiva contida. — Eu quero gostar de você, então preciso perguntar. Por que fez aquilo com Adele?

— Aquilo? Você diz a formatura? — Carla piscou e sentiu o coração acelerar, embora tivesse previsto a possibilidade de interrogatório. As lembranças torciam um nó em seu estômago.

— Obviamente. — Julia parecia satisfeita por ela não ter sido sonsa.

— Você não iria acreditar em mim. — Carla terminou de virar o copo e encarou o chão.

— Por favor. Eu tô te dando uma chance, então me dê uma também.

Era uma proposta justa.

— Bom, se você já ouviu a história, você ouviu falar do Mateus, né? — Ela começou já sentindo a garganta arranhar, com aquele nome em especial tendo gosto de fel na boca.

— Infelizmente sim.

Elas conheceram Mateus no primeiro ano do ensino médio. Era um rapaz alto, de costas largas, barulhento e que não tardou em antagonizar Carla em toda oportunidade. Com Adele, ele era irritante de forma diferente. Sempre cutucando a cintura dela, sentando na cadeira ao lado e se dobrando em cima do caderno dela com a desculpa de roubar anotações. Carla entendeu tudo muito rápido. Ele a odiava por ciúmes.

— Esse cara me infernizou durante o ensino médio inteiro. — Ela confessou para Julia, relembrando a passivo-agressividade ficando cada vez menos sutil, até as microagressões perderem o "micro". — Gostava de me insultar, me excluir de conversas e de eventos, esse tipo de coisa. Adele me defendia, mas às vezes isso piorava as coisas, porque... Mateus era obcecado por ela.

— Deduzi. — Julia comentou. Ela girava um anel em seu dedo, prestando atenção na versão de Carla. Esperando as peças se encaixarem até fazerem sentido.

A mente de Carla pulou para o dia da formatura. O evento em questão rolou no antigo colégio de Adele, e ela havia sido convidada pelo time de vôlei. Carla não aprovou a decisão, mas não podia controlar as meninas, especialmente quando se formaram e ela não era mais capitã. Tirando o título, ninguém nunca a deu muita importância. Todos ainda preferiam Adele.

— Bom, o que você sabe sobre a formatura? — Carla tentou não gaguejar de nervosismo ao fazer a pergunta. Ela considerou que seria mais fácil preencher as lacunas para Julia do que reviver tudo.

— Você e Adele se viram na festa...

Uma memória das duas trocando olhares e indo em direções opostas veio até ela. Elas estavam comemorando o pós da formatura, para ser mais exata, num local que havia sido reservado pela turma, onde poderiam beber sem supervisão de professores. Não tardou para Carla se encontrar sentada em um canto isolado e Adele se juntar a ela.

— Vocês decidiram manter uma trégua e terminaram se beijando.

Carla engoliu a seco. Ela lembrava do quanto suas mãos estavam suadas e do quanto o coração queria saltar pela boca desde o segundo que viu Adele entrar pela porta, mas usou todo seu autocontrole para fingir ódio e indiferença, como sempre. Naquele momento da trégua, ela pôde parar de atuar. Carla conseguiu respirar por uma noite e se permitir fazer o que queria. O beijo partiu dela. Adele havia ficado surpresa, mas sem nenhuma hesitação em retribuir, como se também tivesse sofrido sem aquele toque. Elas quase foram felizes.

— Daí se seguraram e combinaram de se encontrar em outro local.

Lágrimas quentes começaram a brotar nos olhos de Carla.

— E menos de meia hora depois, Adele se viu entrando em um quarto escuro, chamando pelo seu nome. Bastou uma mão encostar nela pra ela saber que algo tava muito errado. Que não era você. — Julia continuou, encarando o rosto de Carla, que encarava o chão de forma fixa. — Ela acendeu a luz, e Mateus exibiu a tela do celular pra ela. Uma gravação do que Adele havia dito quando pensava que era você esperando. E então, ele enviou pra mãe dela.

A última parte fez Carla desgrudar a vista do chão e encarar Julia com olhos arregalados.

— O que ela dizia na gravação?

Julia balançou a cabeça.

— Não interessa. Por que você fez isso?

Carla respirou fundo e riu olhando para o céu.

— Essa é a parte que você não vai acreditar. Eu não combinei nada com Mateus.

Ela esperou alguma reação, mas Julia apenas a encarou, como se estivesse pesando na própria mente se deveria acreditar ou não.

— Mateus me chantageou quando viu eu e Adele saindo do mesmo local. — Carla continuou quando não obteve resposta. — Eu... É horrível pra mim relembrar tudo que aconteceu depois, porque eu fui do paraíso ao inferno em minutos. Aconteceu que quando eu fui procurar pela Adele, ela tava saindo daquele canto chorando e com raiva. Eu até teria tentado me explicar, mas ela me disse umas coisas... Nenhuma mentira, mas não foi fácil de ouvir.

Julia parou de girar o próprio anel e segurou uma das mãos de Carla.

— Se o que você tá me contando é verdade, você precisa dizer isso pra ela.

— Eu sei. Eu vou contar, cedo ou tarde. — Carla prometeu, enxugando o rosto das poucas lágrimas que caíram. — Nunca parece ser o momento certo, porque eu sinto que vou desabar aos prantos, e porque eu não quero que ela relembre e viva aquilo de novo.

— Eu entendo, mas ela precisa saber. Se você realmente não fez por maldade, isso mudaria tudo. Adele moveria uma montanha por você, ok? Porém isso iria devorar ela por dentro. É por isso que você afastou tanto ela no começo?

— Claro que sim. — Carla riu, sem humor. — Ela seria idiota a ponto de me perdoar por algo tão cruel. Eu não merecia. E eu não queria que ela me aceitasse de volta sem nenhum amor próprio. — Ela apertou a mão de Julia de volta. — O único idioma que Adele entenderia era grosseria. Não vou fingir que foi só pelo bem dela. Eu ainda tava com raiva das coisas que ela me disse na formatura. Raiva por serem verdade.

Julia se aproximou um pouco, com uma expressão mais suave e triste.

— Ela partiu seu coração?

— De todas as formas que consigo imaginar. — Carla balançou a cabeça. — E eu sei que nem uma única vez foi de propósito.

Carla observou com interesse que Julia começou a bater o joelho e desviar o olhar. Algo a incomodava.

— Sayuri disse que talvez você pudesse me ajudar.

— Oi? Com o quê? — Ela foi pega de surpresa.

— Coração partido. — Julia praticamente murmurou, e Carla puxou as mãos entrelaçadas delas para beijar os dedos.

— Ela tem razão sobre eu ter a experiência, mas eu não sou exatamente o retrato da saúde mental, né? — Carla riu quando Julia a encarou horrorizada. — Pode rir de mim, era a intenção.

Julia deixou uma risada abafada escapulir.

— Não sei bem qual a sua situação, mas talvez você devesse fazer o completo oposto de tudo que eu já fiz.

— Tem certeza disso? Digo, funcionou pra você. — Julia riu sem perceber que Carla havia congelado ao seu lado.

— Como assim? — Ela perguntou, cautelosa.

— Não finja que não sabe. — Julia revirou os olhos. — Todo mundo fica invisível pra ela quando você tá no ambiente.

Carla apoiou o copo no batente e cobriu o rosto com a mão, encarando o nada.

— Achei que gostasse dela de volta. — Julia comentou, começando a se arrepender de ter aberto a boca e torcendo para não ter arruinado as coisas para a amiga.

— Eu gosto. Esse nunca foi o nosso problema. — Carla disse baixinho, ainda encarando a distância. — Eu acho que é cedo demais. Eu e Luana não nos falamos há mais de um mês, porém eu me prometi passar um tempo só. Além disso, eu ainda não sinto que mereço estar com ela.

Julia a encarou admirada pela facilidade da confissão. Ela ainda não sabia ser tão honesta, e sabia que já estava mudando de opinião sobre Carla.

— Sabe o que eu acho? Que vocês precisam parar de encontrar desculpas. — Ela ousou responder. — Existe momento ruim pra estar com alguém, mas nunca um momento ideal. Vocês já conseguiram a parte mais difícil, que é gostar de alguém que gosta da gente. O resto é resto.

Carla virou o rosto para observá-la.

— Achei que era eu quem deveria estar te dando conselho amoroso?

— Então me dê!

— Bom, meu conselho é começar a se escutar. Acho que você já sabe tudo que precisa saber sobre coração partido. — Carla empurrou o ombro dela de leve. — Sobre eu e Adele, ainda acho que vou levar com calma, mas você tem razão em algumas coisas. Saboreie, porque eu não digo isso com frequência.

— Nem eu. — Julia torceu o nariz e as duas riram, reconhecendo suas semelhanças. — E falando em ter razão, eu odeio a Sayuri.

— Por quê?!

— Porque ela tinha razão sobre você.

Carla não sabia exatamente o que significava, mas desconfiava que era algo bom.

*

André cutucou Julia quando as duas voltaram para o salão, com uma expressão curiosa e balbuciando "Vocês são amigas agora?". Julia riu e deu de ombros, enquanto Sayuri batia uma faca numa taça para chamar a atenção de todos.

— Todo mundo ao redor da mesa para cantar os parabéns! — Ela anunciou e colocou um braço ao redor de Adele.

Alguns retiraram seus celulares para filmar a cena e logo começaram a cantar. Ao final da música, estouraram confete, fazendo Adele rir de entusiasmo. Com muito tato, o "Com quem será?" não foi cantado dessa vez. Na hora do pedido, a aniversariante olhou para Carla e sorriu, sentindo que todos que ela podia fazer já tinham se realizado.

Adele serviu bolo aos seus convidados e se sentou para comer.

Como era costume em festas de aniversário, as pessoas começaram a se retirar depois do parabéns, e logo restou apenas o grupo usual e Carla, que ficou se enturmando com eles. Quando ela ficou com frio, André emprestou sua jaqueta, que nela ficava gigantesca.

— Olha como ela é fofa! — Ele exclamou pra mesa e Carla fez uma cara azeda.

— Não encorajem. — Ela alertou.

— É bom ter alguém pra compartilhar do meu sofrimento. — Respondeu Julia entretida.

— Galera, venham me ajudar a guardar as coisas. — Sayuri gesticulou para André e Julia, mas Carla começou a se levantar também. — Você não! Você chegou tarde, aproveita um pouco mais a festa.

Sayuri sorriu e eles deixaram Carla e Adele sozinhas mais uma vez, com um salão vazio e a caixa de som ligada.

— Me ocorreu que eu ainda não cumpri minha promessa de mais cedo. — Carla se levantou e estendeu uma mão, que Adele segurou com um sorriso.

Enquanto as duas dançavam, Carla passou os dedos pelo rosto de Adele, como se traçasse a maquiagem ou mapeasse suas feições para não esquecê-las. Adele inclinava o rosto na direção do toque sem perceber. Nenhuma das duas quebrava mais a troca de olhar intensa.

— Perdão por não dizer antes. Você tá linda. — Carla disse baixinho, comprimindo um sorriso. Adele era sempre linda.

— Obrigada. — Adele aproximou um pouco o rosto e disse com a voz rouca e baixa. — Eu me arrumei pra você.

Dessa vez, Adele percebeu o tom das bochechas de Carla escurecendo e ela desviou o olhar. O pulso visível em seu pescoço ficou acelerado e Adele sorriu ainda mais, vitoriosa. Vingança completa.

Adele rodopiou Carla em meio ao riso. Banda do Mar saía da caixa de som e ecoava pelo salão vazio.

"Eu só espero que não venha mais ninguém"
"Aí eu tenho você só pra mim"
"Roubo teu sono, quebro teu tudo"
"Se mais alguém vier, não vou notar"

*

Notas da autora: A escolha da música final foi inspirada por um TikTok que uma leitora me mandou há um tempo, comparando com a Adele.

Restam apenas mais dois capítulos e um epílogo. Fiz vocês sofrerem demais com a espera, mas dentro de uma semana vocês estarão lendo o último capítulo dessa história. Espero que valha a pena!

Também espero que gostem do capítulo um pouco maior. O próximo talvez seja do mesmo tamanho, pois muita coisa vai acontecer. O mistério da formatura já foi revelado, mas é no próximo que vocês saberão na íntegra tudo que rolou. Até!

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