A Garota do All Star Azul || ✔

Door YdGoes

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"Ela era definitivamente a garota mais estranha que conheci! Mas foi a mais incrível." 2022 Ares do Campo, Go... Meer

INÍCIO E PERSONAGENS
EPÍGRAFE
CAPÍTULO 01: Bruxas verruguentas e diretoria
CAPÍTULO 02: Espiões e primeiros encontros
CAPÍTULO 03: Atrasos e skates caros
CAPÍTULO 04: Garotas grudentas e pais fanfiqueiros
CAPÍTULO 05: Festas na piscina e cantores de quinta
CAPÍTULO 06: Bicicletas vagabundas e muralha da China
CAPÍTULO 07: Futuras profissões e cavaleiros do século XX
CAPÍTULO 08: Um crush no Roberto e vermes na barriga
CAPÍTULO 09: Karaokês improvisados e a flecha do cupido
EPÍLOGO: Cinturão de ouro e um salto azul anil
AGRADECIMENTOS
CAPÍTULO EXTRA: Flashbacks e pezinhos de bisnaga
PRÊMIOS 2023

CAPÍTULO 10: Torneios de skate e Buzz Lightyaer

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Door YdGoes

Não sei porque você se foi
Quantas saudades eu senti
E de tristezas vou viver
E aquele adeus não pude dar

Você marcou na minha vida
Viveu, morreu na minha história
Chego a ter medo do futuro
E da solidão que em minha porta bate

Gostava tanto de você,
Tim Maia

...

Quase quatro meses depois...

O céu está tão limpo que nem mesmo as nuvens davam as caras. A luz forte e reconfortante do sol, característica marcante de dezembro, também nos abraça com suas partículas de energia, além dos passarinhos gordinhos e rechonchudos que estão a espera do primeiro desatento para fazerem suas necessidades em nossas cabeças.

Ademais, os adolescentes que estavam a nossa volta carregavam um cheiro característico de suor e hormônios. Era algo parecido com autenticidade e juventude dos dias finais de 2022. Porém, o que mais me chama a atenção são os carrinhos de picolé e sorvete que rondavam a nossa volta. Eu até compraria um se meus bolsos não estivem mais vazios que um buraco negro, somente sugando os astros minúsculos de poeira ao redor.

— Amor, respira fundo. Você treinou meses para isso. – Massageio os ombros de Fátima com os olhos praticamente doloridos pela luz forte. Minha sorte é que carregava os óculos escuros para cima e para baixo durante o verão.

Fátima está tensa como uma pedra e sua respiração pesada como uma âncora. Hoje é o tão esperado torneio que ela, Eduardo e Enzo esperavam para participar durante meses. Apesar de ser uma simples e pequena competição municipal, aquilo era importante para ela e, consequentemente, para mim também.

Eu até tentava acalmá-la, mas confesso que eu também estava ficando nervoso. Disputas assim são sempre interessantes.

— Tem muita gente aqui, João. – Sussura e eu sorrio com calma, indo para sua frente. Precisava demonstrar uma tranquilidade que não tinha, mas faria isso infinitas vezes se fosse para vê-la bem.

Observo com atenção suas íris castanhas e sorrio ao perceber que ela está tão linda como sempre: o cabelo cacheado preso num coque meio despojado, as bochechas coradas pelo tempo e o macacão jeans com desenhos de A Turma do Scoob-Doo costurados deixavam-na ainda mais fofa.

— Você é a garota mais destemida que conheço, Smurffet. Não vai me dizer que irá deixar essas pessoas que nem skatistas são te amedrontarem? – Cerro os olhos com um sorriso ladino.

— Realmente. Mas se eu errar, eles irão...

— Se um deles falar de você, pode ter certeza que seu namorado mais lindo e charmoso desse mundo irá dar uma lição neles. – Interrompo-a, estralando a língua.

Fátima sopra uma risada convencida e toca na ponta do meu nariz com o dedo indicador.

— E como o meu namorado mais lindo e charmoso desse mundo iria fazer tal coisa? – Ergue as sobrancelhas e aproxima o rosto do meu, logo após enlaçar os braços no meu pescoço, fazendo o anel dourado que carregava no dedo anelar direito roçar em minha epiderme. Isso me dá uma leve satisfação por saber que dei o acessório e finjo ponderar, sorrindo arteiro. 

— Terá que perder para saber. Ou seja, você não quer isso, quer? – Abraço sua cintura, tendo que me curvar para ficar mais equivalente a sua altura.

— Com certeza não. – Ri, e as covinhas aparecem para em seguida me dar um selinho rápido. Na mesma hora, Enzo e Eduardo chegam para chamar e avisar que a competição começa em cinco minutos, e nos despedimos.

Arrasa, amor! Te amo. – Grito sem me importar nem um pouco com as pessoas ao redor e Fa vira-se em minha direção, já longe o suficiente para eu só conseguir ouvir seu grito meio abafado pelas vozes das demais pessoas, dizendo que eu era inacreditável.

Sorrio.

Dia trinta faremos quatro meses de namoro. Deu um enorme trabalho convencer a bruxa a aceitar a ideia de que a sobrinha estava crescendo ao ponto de namorar com o garoto que ela vivia implicando em sala de aula, mas, no fim das contas, ela absorveu a ideia melhor do que meu pais, principalmente minha mãe...

Alice quase teve um mini infarto quando disse que queria pedir Fátima em namoro. Mas, graças a Deus, hoje ela está bem e é uma das maiores apoiadoras da nossa relação. Já papai, aquele dali faltou só soltar fogos quando eu toquei no assunto e o fato de ter seguido seu conselho também o fez ficar muito orgulhoso, o que não surpreendeu a ninguém.

Mas, agora, clara voz da minha cabeça, provavelmente você deve estar se perguntando o que eu fiz para a dita cuja que não envolvesse skates mais caros que meu rim.

Pois bem, eu realmente comprei um skate, porém, foi o de duzentos reais que havia visto na internet num primeiro momento. Contudo, dei o toque João nele: paguei Heloísa para fazer algumas artes, como uma lata de leite-condensado, uma laranjeira, uma latinha de Coca-Cola, um ursinho azul com sorriso estranho, alguns churros, um fusca azul e obviamente um all star azul; afinal, minhas habilidades com a pintura são simplesmente desastrosas e, por mais bizarro que pareça a combinação inusitada, cada desenho tinha um significado para que nós ficássemos juntos e Helô havia conseguido harmonizar tão bem que pareciam ter sido feitos para estarem ali.

Ah, e falando na garota que vivia atrás de mim, hoje ela e Roberto, meu melhor amigo, estão quase se assumindo também. Eles dizem que não se gostam e que seria impossível sentirem algo por alguém tão "sem graça", palavras dos próprios, mas todos sabem que há algo a mais além de rejeição mútua.  O que chega a ser engraçado porque Roberto sempre foi o primeiro a me empurrar para Heloísa, mesmo eu não querendo.

Procuro um lugar no meio das arquibancadas e sento-me com uma visão privilegiada para a pista de skate. Pego o celular para mandar uma mensagem para o meu pai, mas paro quando ouço passos próximos e conhecidos.

Roberto vinha em minha direção com sua típica junção de bermuda verde-musgo e casaco moletom preto, com o desenho do Grood nas costas, mais quente que um forno elétrico. Não sei como ele aguenta.

— Como vai, cara? Ansioso? –  Ele aparece meio animado e nervoso. Seu sorriso era tenso e ele me oferece uma garrafa de água que recuso.

— Que merda você fez dessa vez, Correia? – Cerro os olhos. Ele não era de agir dessa forma.

— Eu? Puff. Fiz nada. – Dá de ombros, mas posso ver suas íris castanhas claras escondidas pelos óculos de sol movendo-se de um lado para ao outro, como se estivesse a procura de alguém.

Então, como não sou besta, aproveito a oportunidade e dou uma cutucada no seu braço.

— Por que o nervosismo? Está com medo de encontrar alguém por acaso? – Cantarolo e ele revira os olhos.

— Desde quando euzinho fico nervoso pela Heloísa, João Pedro? Ah, conta outra. – Revira os olhos novamente e eu sorrio ainda mais amplo.

— Eu nunca disse o nome dela... eu falei alguém, fofinho. – Dou uma cotovelada e ele grunhe, impaciente. Eu rio alto.

— Você fanfica demais. Acho que esse namoro fritou os neurônios que tinham sobrado. – Cruza os braços, birrento, e eu balanço a cabeça em negação.

— Logo será você a perder alguns neurônios, meu amigo. – Dou dapinhas em seu ombro e a nítida voz melancólica do prefeito atinge perfeitamente nossos tímpanos, devido ao microfone de qualidade suspeita disponibilizada pela prefeitura que continha alguns chiados estranhos toda vez que ele falava uma sílaba tônica.

Todos começamos a prestar atenção no discurso monótono do prefeito Timóteo em sinal de um respeito interesseiro para favores em anos aleitorais e ele anuncia praticamente no final, depois de nós quase dormirmos com sua voz sonífera, que a competição começaria. Gritos e assobios de comemoração ressoam e os participantes assumem seus lugares.

Procuro por Fátima em meio àquele monte de skatistas e, quando a acho, percebo que ela também procurava por mim. Acenamos um para o outro e ela manda um beijo que pego no ar. Sorrio amplamente e faço um coração com as mãos. Ela ri e faz o mesmo.

— Que bizarro... – Ouço a voz debochada de Roberto que bebia sua água. Dou de ombros.

— É o amor, meu amigo. Ele faz nós fazermos coisas que nunca pensaríamos em fazer antes. – Ele faz careta.

— Deus me livre! Eu estou bem desse jeitinho aqui. – Aponta para si mesmo e reviro os olhos, rindo.

Ele ainda terá a sua vez...

🥋🛹

— Eu disse que você iria conseguir! – Giro-a no ar em meus braços e a risada feliz de Fátima é uma colírio para os meus ouvidos sensíveis.

A competição foi um sucesso completo!

Fátima ganhou em primeiro lugar por uma diferença de dois pontos e meio no placar dos juízes, vulgo alguns skatistas mais experientes que acharam aqui por perto, levando a torcida a loucura. Até mesmo a bruxa e meus pais apareceram pouco tempo depois para prestigiar a minha namorada que simplesmente deu um show na pista.

Posso até entender absolutamente nada do esporte, mas sei que as manobras que ela dava em cima daquele pedaço de madeira com rodinhas assassinas não era pouca coisa.

— Vamos comemorar! Almoço lá em casa hoje em homenagem a nossa campeã. – Mamãe fala animada com uma faixa escrito "Fátima" em letras grafadas de azul, parecendo uma daquelas adolescentes emocionadas pelo Justin Bieber com cabelo de boi lambeu.

Todos levantamos as mãos comemorando pelo aviso de comida grátis e à medida que eles iam indo, outras pessoas chegavam para comprimentar Fa. Eu me afasto alguns passos para que ela tenha mais liberdade de conversar com os "fãs", rindo como um idiota orgulhoso. Coloco as mãos no bolso e encosto no poste de luz mais antigo que meu avô.

— É, acho que escolhi a garota certa. – Murmuro com um sentimento bom no peito.

Fátima apertava a mão de tantas pessoas que até ficava sem jeito. Minha namorada nunca foi muito dos holofotes e era engraçado como suas bochechas ficam vermelhas pela atenção repentina.

— Ela é realmente uma pessoa incrível. – Não preciso virar o corpo para saber que é Heloísa que está ao meu lado. Apenas viro o rosto e sorrio concordando.

— Você também é uma pessoa incrível, Heloísa. Tenho certeza que um dia alguém irá notar isso e a honrará como deve ser amada. – Não sei de onde isso saiu, mas foi verdadeira cada sílaba falada. Ela sorri docilmente.

Helô pode nunca ter me chamado a atenção para segundas intenções, mas isso não significa que serei hipócrita em dizer que a garota não é uma boa pessoa.

— Algo me diz que esse alguém está mais próximo do que imagina. – Jogo para o vento e ela franze as sobrancelhas. Então, aponto para Correia que acabada de tropeçar no meio-fio quase caindo no meio da rua, fazendo a água interminável de sua garrafinha perder-se em meio a imensidão do asfalto quente como uma frigideira.

Ouço a risadinha contida de Heloísa e sorrio disfarçadamente com isso.

— Sabe, Roberto é meio tapado, mas não é ruim. – Ela concorda ainda sorrindo. — E é como dizem: carga positiva com negativa se atrae muito mais fortemente do que as iguais.

— Você acha mesmo que ele se interessaria por mim? – Coloca algumas mechas de cabelo atrás da orelha, meio tímida.

— Precisará tentar para saber. – Dou de ombros num impulso velado para juntar os dois pombinhos. — Vai lá. – Heloísa está receosa, mas depois de olhar para mim e eu confirmar, toma coragem e anda até o boneco de posto ambulante.

— Se isso der certo, vou querer eles como padrinhos do nosso casamento. – Sinto braços rondando minha cintura por trás e sorrio, enlançando nossas mãos.

— Casamento, é? – Olho-a de esguelha. — E quando seria isso? – Fátima dá de ombros e encosta o queixo nas minhas costas.

— No dia em que você me pedir, eu estou aceitando. – Sorri arteira e pisca os olhinhos de boneca.

Meu coração bate um pouco mais forte que o normal ao imaginar meu pai me arrumando e dando conselhos sobre como devo agir com minha futura esposa, eu entrando na Igreja acompanhado da minha mãe e Fátima entrando logo após como um anjo de tão linda, carregando um buquê de tulipas azuis de diversos tons...

Ei, casalzinho de Wakanda, vamos logo! Eu tô com fome. – Eduardo grita de longe e começamos a rir por seu desespero.

Era engraçado que a pouco tempo atrás ficava inseguro com a presença do surfista prateado e hoje temos uma convivência até amigável. Claro que não é a aquela coisa toda que os livros falam — afinal, eu meio que "roubei" a melhor amiga que ele tinha uma paixonite —, mas é algo saudável. Edu nunca foi contra nosso relacionamento e, mesmo que sentisse algo por Fátima, ele sabia disfarçar muito bem.

Porém, recentemente tivemos uma oportunidade de conversar homem para homem e as cartas foram postas à mesa. Eduardo confessou que realmente havia gostado dela depois do beijo que deram a quase um ano trás e, muito provavelmente, esse foi o motivo de sua quedinha pela amiga. Confesso que isso me deixou desconfortável, mas ele me garantiu que já havia passado e que hoje estava com os quatro pneus arriados somente para seu sonho de carreira profissional: medicina.

É, pelo visto, teremos um futuro médico na família.

— Acho melhor irmos, antes que Edu arranque nossos cérebros e frite eles nesse asfalto quente para fazer cérebro frito ala ferrugem de moto. – Brinco e Fátima ri alto concordando. Então, rapidamente vamos até aonde os outros estão com a finalidade inocente de pegar carona para ir a minha casa.

🥋🛹

Mamãe havia preparado quantidades tão grandes de farofa, vinagrente, batata e arroz que parecia que o terceiro batalhão do exército viria a nossa casa. Enquanto isso, papai tinha ficado na churrasqueira da área dos fundos assando as carnes e comentando suas mais diversas teorias sobre como o Batman na verdade não matou o Super-homem no filme estrelado por Ben Affleck e Henry Cavill, e que tudo não havia passado de uma forma de iludir a nós, meros mortais.

Ei, João, pega aí! – Enzo grita e joga um pedaço de carne. Eu abro a boca e o pego no ar, fazendo-nos gritar entusiasmados. — Eu falei que tenho mira boa. – Gaba-se alinhando a confusão de madeixas ruivas como uma vassoura. Acho que o cabelo de Enzo estava sem lavar a no mínimo umas três semanas.

— Jujuba, chama a Fa e senhora Berenice, por favor. – Mamãe pede, enquanto carrega uma garrafa de Coca-Cola até a mesa principal. Aceno e vou a procura da minha namorada e sua tia carinhosa como um hipopótamo do filme Madagascar.

Vou até a cozinha, mas há ninguém.

Sala, ninguém.

Banheiros, ninguém.

Vasculho o segundo andar e, ainda sim, ninguém.

Franzo as sobrancelhas, estranhando. A casa não era grande para elas se perderem e Fátima já veio tantas vezes aqui nos últimos quatro meses que seria cientificamente impossível isso acontecer, ou seja, algo aconteceu. Começo a andar mais um pouco até chegar ao jardim da frente, mas meus pés travam no lugar quando vejo ambas recanteadas numa conversa nem um pouco amigável ao meu ver, já que Berenice estava mais séria do que quando me colocava para fora de sala.

Elas estavam tão envolvidas em seu mundo particular que nem notam a minha presença. Então, aproveitando a vantagem, permaneço no mesmo lugar ouvindo a conversa. Sei que isso não é o certo, mas se há algo de errado não posso simplesmente deixar isso para trás.

— Francisca de Fátima, você não tem que querer! – A bruxa era impassível em sua fala, não deixando se quer uma brecha para intromissão e, apesar de não entender bem o contexto da conversa, eu também senti medo nesse momento. Ela parecia um general prestes a ordenar que seus subordinados entrassem em campo de guerra sem se importar com quem viveria ou morreria, contanto que tivessem feito o necessário.

— Tia, por favor, eu não quero... Não posso... Não agora que as coisas estão indo bem. Não agora que tenho o João na minha vida! – A voz de Fátima estava... Chorosa?

Meu peito se aperta num ato inconsciente e minhas mãos se fecham em punhos no automático. Não gostei nem um pouco de ouvi-la daquela forma.

— A senhora não tem esse direito. É a minha vida! Eu tenho poder sobre ela, não você. – Dessa vez, ela praticamente grita e agora tenho certeza que estava chorando desesperadamente.

Aquilo parecia doloroso de uma forma dilacerante e algo me diz que para mim também será...

Ouço alguns passos vindos de dentro da casa. Acho que o desespero de Fátima foi mais audível do que pensei.

— Enquanto você for menor de idade, eu tenho sim. Segunda-feira partiremos e sem discussões. Você tem que correr atrás do seu futuro, Fátima! Aqui não há oportunidades suficientes para que você seja alguém na vida. – As peças começam a se encaixar e o órgão que bombeia sangue no meu corpo parece entender também.

— Mas e os meus amigos? Seu emprego? Tudo que construiu aqui não valeu de nada? Como iremos viver em São Paulo sem dinhero? – Ergue os braços, exasperada, e Berenice massageia as têmporas.

— Assim que seus pais morreram,
deixaram uma herança grande o suficiente para investir na sua educação, querida. Eu prometi a eles que cuidaria de você e garantiria que seu futuro seria grande, se algo acontecesse com eles... Eu devo isso a eles. É para o seu próprio bem, Fátima. – Então, acontece algo que nunca pensei que aconteceria: a bruxa chora.

Chora como se sentisse novamente a dor dilacerante da perda da sobrinha e de seu esposo... Como se relembrasse a sensação de receber a notícia do acidente de carro e que seria a guarda legal de um bebê de cinco meses a partir daquele dia — uma criança inocente que perdeu os pais de maneira tão precoce.

Fátima havia me contado tudo sobre o assunto, inclusive como foi difícil para sua tia com uma idade avançada cuidar de uma criança que nem mesmo sua era.

— Você prometeu a eles. Não eu. – Fâtima chora copiosamente e suas mãos enxugavam com rapidez as lágrimas teimosas.

Todas as outras pessoas que estavam na parte de dentro da casa já estavam ao meu lado, vendo a situação complicada das duas representantes da família Galvão ali. Eu engulo em seco, sabendo onde muito provavelmente isso irá parar.

— Eu nem cheguei a conhecê-los, tia... Não é justo que depois da morte eles queiram virar a minha vida do avesso.

— Sinto muito, querida, mas já comprei as passagens e embarcamos no ônibus na segunda de manhã. Suas notas já são suficientes para passar no ano escolar e toda a burocracia já foi revisada. – Ela olha para cima numa tentativa de segurar a água salgada que saia dos seus glóbulos oculares. — Eu não tenho escolha. Seu futuro é mais importante que qualquer coisa agora.

— Eu não quero ir. – Funga e Berenice toca seus ombros de maneira terna.

— Divirta-se enquanto pode e... Despeda-se de todos no final, hum. Será bom. – Aperta os ombros da sobrinha, tentando confortá-la. — Sabe onde você irá estudar? Na mesma escola que sua mãe na adolescência e uma das melhores do estado, veja que incrível! Aposto que conhecerá novas pessoas em São Paulo e andará de skate como sempre gostou. Além de que irá aprender muita coisa e ainda poderá descobrir mais sobre seus pais. – Explica.

— E o João?

Agora tudo parece parar no tempo e a ficha cai na minha cabeça muito mais forte que antes.

Ela vai embora.

Ela vai embora.

Ela vai me deixar.

O silêncio no ambiente era tão denso que sentia meu pescoço sendo comprimido com ele. Eu queria me encostar num lugar para me apoiar. Sentia que minhas pernas iriam me deixar na mão a qualquer momento.

Uma mão pesada e fria toca meu ombro e olho para o lado: meu pai. Ele sibila um "sinto muito" e eu anuo. Por mais que queira gritar e pedir que ela não vá, sei que seria egoísta. No fundo do meu inconsciente, eu sei que isso será melhor para ela e que a tia tem a melhor das intenções.

O problema é que para isso acontecer, o nós ficará para trás.

Não haverão mais conversas fiadas embaixo do pé de laranjeira, cinemas caseiros, mãos dadas ao entardecer, ela me ensinando a andar de skate, planos de futuro ou casamento... Tudo foi simplesmente arrancado de nós como um galho doente que precisa ser podado para que a árvore cresça e se torne frutífera para o pomar.

Então, para aumentar ainda mais minha solidão precoce, ambas olham em nossa direção. Elas nem mesmo se assustam, pois estão tão impactadas quanto nós pela mudança.

Olho fixamente nos olhos de Fátima. Eles estão tristes e vazios. Acabados. O brilho costumeiro parecia ter sido arrancado a força.

— Sinto muito, querida. Terá que deixá-lo. – Berenice retira-se, mas não antes de me lançar um olhar que significava muito mais que qualquer discurso.

Era um pedido de desculpas.

Engulo em seco, porém, somente o ar descia pela minha cavidade bocal. Eu estava entalado. Totalmente entalado.

— Vamos deixá-los sozinhos. – Meu pai fala e nem uma alma penada fica para ver o desfecho daquela história de amor a qual o destino quis interferir.

Nós não tivemos tempo.

Fomos literalmente um amor adolescente que só daria certo em livros, o que não é o nosso caso. Somos somente a história criada por outra adolescente que acredita no amor, mas que ainda não o viveu. Que queria brincar com o coração de seus leitores e esperar o momento certo para dar o golpe final. Nós somos literalmente a história que tinha tudo para dar certo se não fosse pelas circunstâncias do coração jovem e apaixonado.


— Até o infinito e o além, meu amor. – Fátima sopra quase que inaudível as palavras de Buzz Lightyaer, mas consigo entender perfeitamente. Sorrio com lágrimas nos olhos e vou em sua direção para ter um último abraço seu e guardá-lo numa gaveta altamente protegida da minha mente bagunçada, que irá proteger essa memória até o fim dos meus dias.

— Eu te amo, Fátima. – Aperto-a mais em meus braços e ela cai. Cai ao ponto de seus soluços se tornarem altos e dolorosos. Já eu, tento me manter firme.

Firme para que ela possa chorar.

Firme para que ela possa saber que sempre que precisar eu estarei por ela e para ela.

Firme porque sei que, se eu cair, será ainda mais doloroso do que já está sendo.

— Eu também te amo, João. – Diz e lágrimas silenciosas saem de meus olhos, mas um sorriso feliz permeia meus lábios com a minha permissão.

É a primeira vez que ela diz isso.

Beijo sua testa e continuamos abraçados, envoltos numa névoa de desesperança.

Porém, apesar dos pesares, não me arrependo de nada que vivi nos últimos meses, porque um adeus tem cinco letras e duas sílabas. Mas o amor que sentirei por Fátima será maior do que tudo isso.

Nada se comparará a imensidão do sentimento que senti pela garota do all star azul.

🥋🛹

Eu sei, eu sei... Doeu.

Em minha autodefesa, eu fiz chorando*, ?
*Aos prantos

Bom, pessoal, esse foi o desfecho de "A Garota do All Star azul" e, por mais inusitado que seja, esse sempre foi o final que quis para a história.

Desde o princípio, minha ideia original foi separá-los... Sei que dói, mas há males que vem para o bem e tudo acontece como Deus gostaria que acontecesse.

Mas, bom, não irei me prolongar mais, pois se não parecerá uma despedida kkk 🥲

Semana que vem será o epílogo e, aí sim, nossa despedida oficial.

Até semana que vem e não se esqueçam de votar!

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