ARREBOL • JiKook

By K_M_R_Leda

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[HIATUS] >> Escrevendo em formato original Ano 2020, Jimin Park é fã irretratável de Arrebol, uma banda de r... More

◦ PRÓLOGO: Bilhete ◦
1 ◦ Sou um cara morto
2 ◦ A 5º Chama
4 ◦ Karaokês e Guitarras
5 ◦ Angela's Disco
6 ◦ Halloween de 84
7 ◦ Quebra-Cabeças

3 ◦ Eu, penetra

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By K_M_R_Leda

🦋OI, MARIPOSINHAS🦋

HOJE É 20 DE JULHO DE 2022, então faz 37 anos que a banda Arrebol acabou~~ Pensando nessa data, eu fiz o possível para finalizar este capítulo a tempo com a intenção de postá-lo hoje. Ele tem 13K palavras, é um pouquinho maior que cap anterior, já traz um pouco mais das personalidades de cada personagem e mostra como será a vibe inicial dos Jikook (uma vibe bem... conflituosa e até engraçada, haha). Se preparem para sarcasmo, surtos de raiva e pessoas correndo sem roupa.

[Aviso de gatilho: Homofobia e Menção a vícios. Leia as notas finais depois, por favor.]

Para imergir no clima dos anos 80, escutem a playlist da fic, cujo link pode ser encontrado no mural do meu perfil! Não se esqueçam de ⭐VOTAR⭐ e de COMENTAR, por favor, porque esses "pequenos" atos são o combustível para nós, escritores💜

#MariposaPunk

[ 3 ◦ Eu, penetra ]


Os riffs da guitarra de Hoseok cessaram, os meus dedos estancaram sobre as cordas do baixo e todo o salão da competição se afundou num silêncio impactado após as nossas vozes ㅡ a minha e a de Jungkook ㅡ terem finalizado o refrão da música com um high note em dueto.

O rapaz diante de mim, o vocalista mais imprevisível que poderia existir, seguiu me encarando por mais um longo instante, estreitando os olhos verdes como se tentasse verificar os meus pensamentos, e deixando seus lábios entreabertos, exalando uma respiração sutilmente ofegante que cheirava a cigarro e limão.

Eu respirei fundo e dei um passo para trás ㅡ talvez por estar me sentindo intimidado com tudo aquilo ㅡ, então rolei os olhos pelo espaço, passando por Jungkook e indo até os demais integrantes do Arrebol parados em cima do palco.

Foi como se a ficha só tivesse caído em mim naquele momento.

Eles estavam ali, em carne e osso, vivos, respirando e sendo os jovens que eram em 1984.

E aqueles sons eram os sons deles. A lendária técnica de guitarra de Hoseok e o vocal potente de Jungkook, restava-me ouvir apenas a bateria de Namjoon e o baixo de Taehyung, mas eu nem precisava passar pela experiência para saber que o sentimento seria igual ao que fervilhava em meu peito.

Fechei o punho direito para não revelar um tremor que correu pelo meu braço quando Jungkook devolveu o microfone a um staff e retornou para o lado dos seus colegas de banda, fechando o quebra-cabeça e completando o Arrebol.

Sob as luzes, os quatro pares de olhos passaram a me observar com uma atenção redobrada. Quatro lendas da música mundial bem diante de mim.

ㅡ Obrigada a todos os competidores! ㅡ disse Cassandra Moura. A voz da representante da Doors trouxe-me de volta ao chão firme. ㅡ Por favor, dirijam-se à sala ao lado. Nós iremos revelar o vencedor em instantes.

Eu devolvi o baixo e saí andando até o recinto adjacente, junto com os demais competidores, comportando-me roboticamente para não deixar transparecer o fato de que o meu coração praticamente saltava de minha boca.

"Porra, eu acabei de tocar com o Arrebol. E nós tocamos uma música feita por mim!", senti os meus neurônios queimando e soltando faíscas. Eu estava eletrizado e queria sorrir igual a um idiota.

Contive a minha vontade de pular e me movi até um assento vago na sala de espera para aguardar pelo resultado da competição. Passei as mãos nervosas pelo rosto e usei a língua para brincar com o piercing em meu lábio inferior, num tique de ansiedade incontrolável. Nestes entrementes, reparei que a minha figura havia se tornado o centro das atenções mais uma vez, com vários olhares pairando em cima de mim. Pela maneira como alguns pareciam acusativos, logo concluí que dessa vez a culpa não era das roupas estranhas que eu usava, mas sim da minha aparição repentina no último dia da competição.

É claro que aquela galera iria se sentir injustiçada com a minha presença ali. Eu conseguia entendê-los.

Para escapar do clima pesado, decidi me refugiar em outro canto.

Seguindo uma placa pendurada no teto, atravessei um corredor em busca do banheiro masculino mais próximo. Chegando lá, tranquei-me num box e respirei fundo.

ㅡ Ah... queria poder postar um tweet sobre o meu desespero ㅡ murmurei, sentando na privada e encolhendo-me.

Um grande ponto negativo dos anos oitenta definitivamente girava em torno da inexistência de celulares. Eu não era do tipo viciado em redes sociais, e geralmente só as usava para lidar com questões universitárias e divulgar os locais dos próximos bares em que eu iria tocar; porém, naquele momento, enfurnado num box fedido e me sentindo levemente culpado por estar tentando roubar o lugar de outra pessoa numa competição, e em completo júbilo por ter tocado com o Arrebol, um videozinho no YouTube seria muito bem-vindo para distrair.

Resignado, olhei na direção do teto e calculei quanto tempo a banda e a equipe da Doors levariam até a divulgação dos resultados.

"Eu gostaria de saber o que eles estão decidindo...", pensei, suspirando fundo.

ㅡ Espera aí! ㅡ Saltei da privada, bati na minha testa e dei uma risada. ㅡ Que idiota, Jimin! Acontece que eu posso saber o que eles estão decidindo! Aaah! ㅡ Esfreguei as mãos e umedeci os lábios com a língua. ㅡ É hora de morfar com a minha skin de mariposa.

Fechei os olhos e mentalizei tudo o que aprendi com o meu guia espiritual. Um instante depois, voltei ao mundo dos insetos, todo avermelhado e do tamanho de um dedo indicador.

Sentindo-me num filme, planei por cima do box e atravessei as passagens de ar. Voltei à sala de espera e, jorrando mentalmente uma gargalhada vitoriosa, passei pelos seguranças para retornar ao salão da competição, onde ocorria a discussão para decidir o vencedor da 5º Chama.

Lá, pousei desengonçadamente no alto da parede logo atrás do palco, bem próxima à mesa da reunião. Em minha quietude de inseto, observei o desenrolar da situação.

Namjoon e Hoseok estavam sentados perto do empresário, Yoongi Min, e discutiam com a representante da Doors. Taehyung tinha se levantado para encher um copo com água e agora retornava para o seu assento ao lado do líder da banda. Jungkook jazia semi-deitado numa poltrona à distância, cutucando o esmalte preto lascado das unhas sem dar atenção à conversa que acontecia.

ㅡ Félix Santana. Ele tem presença, é a cara da Doors! ㅡ disse Cassandra Moura, jogando sobre a mesa a ficha do último concorrente que performou antes de mim. ㅡ E ainda é asiático, como vocês. Combina!

ㅡ Asiático? ㅡ Hoseok contraiu o cenho e encarou a ficha com a foto do competidor.

Namjoon fez o mesmo. Em seguida, com uma careta de decepção, passou a mão pelo rosto e disse:

ㅡ Senhorita Moura, esse competidor é brasileiro, um puro latino. O que quer dizer com "asiático"?

ㅡ Ele tem olho puxado, dá na mesma. A gente pode arranjar um codinome coreano igual ao seu, Alison, e fingir que Félix veio refugiado do comunismo da Coreia do Norte. Isso daria uma ótima repercussão na mídia ㅡ sugeriu a loira, sem ligar para o fato de que havia dito uma sequência impressionante de coisas preconceituosas numa tacada só.

Os rapazes do Arrebol se entreolharam, enfadados. Jungkook, à distância, deu uma risadinha de escárnio e revirou os olhos como se dissesse "nada de novo sob o Sol".

Em meu silêncio obrigatório, comecei a me perguntar se mariposas eram capazes de depositar cocô nas pessoas, assim como pombos. Uma bolinha preta cairia bem na cabeleira amarela da representante da gravadora.

ㅡ Esqueça essa ideia, Cassandra. Ela é ridícula ㅡ cortou Yoongi, virando a ficha de Félix. Sua face naturalmente séria parecia ainda mais aguda por conta da irritação. ㅡ E "Namjoon" não é um simples codinome para o Alison. Foi o nome dele antes de ele ser adotado pelo casal Bass. A situação é completamente diferente.

ㅡ Eu quis apenas dar um exemplo ㅡ Cassandra balançou a mão, indiferente. ㅡ De qualquer maneira, Félix é a melhor opção. Ele só precisa ser encaixado no estilo da banda.

ㅡ No estilo "asiático" da banda? ㅡ questionou Taehyung com um sarcasmo sutil no tom de voz falsamente inocente.

A loira não captou a ironia da pergunta, então sorriu para ele, satisfeita.

ㅡ Exatamente! Que bom que me entende, Taehyung.

ㅡ Claro. ㅡ O baixista forçou um sorriso para ela e se concentrou em beber seu copo com água.

Yoongi conteve um suspiro e puxou outra ficha que estava sobre a mesa. Quando reparei na minha foto estampada nela, as minhas asas tremeram.

"Como foi que Jin arranjou uma foto minha e colocou ali?", pensei, borbulhando por dentro.

ㅡ Esse garoto... É o competidor que tocou por último ㅡ murmurou o empresário, dando uma longa olhada nas minhas informações pessoais.

"Espera aí, o que foi escrito sobre mim?"

Eu não me lembrava de ter preenchido algum formulário com informações sobre a minha vida e entregado para Jin usar. Poderia aquela mariposa brilhante ter enchido a minha ficha com coisas inventadas?

Curioso quanto a isso, tentei planar poucos metros acima da cabeça de Yoongi para ver o que ele lia. Acabei encontrando algo interessante.

O meu nome, a minha idade e a grande maioria das descrições sobre a minha vida pessoal estavam corretas: Jimin Park, 22 anos, estudante de música, baixista e guitarrista autônomo com histórico de frentista, nascido em Sant'Angela e desconectado da família adotiva desde os dezoito anos.

Exceto pela minha data de nascimento ㅡ a qual foi modificada de 31 de outubro de 1998 para 31 de outubro de 1962, provavelmente com o intuito de passar despercebido o fato de que eu era um viajante do tempo ㅡ, todo o resto se parecia com o conteúdo de um dos meus currículos normais.

Concluí então que Jin, ou Jinli, devia ter acesso ao meu histórico pessoal. Isso soava bem coerente, na verdade.

ㅡ Jimin Park. Esse cara definitivamente tem presença. ㅡ Escutei Hoseok dizer. Seus lábios finos se abriram num sorriso divertido. ㅡ Se ele entrasse na nossa banda, será que iria se vestir daquele jeito o tempo todo? Porque eu iria apoiar.

Taehyung e Namjoon sorriram, aprovando.

Eu me contorci no ar acima deles, morrendo de vergonha.

ㅡ A técnica desse Park deu muito certo com as notas da guitarra do Hoseok, e a voz dele harmonizou com a do Jungkook numa tomada só... ㅡ comentou o baixista, amassando o copo de plástico na mão depois de ter bebido todo o conteúdo.

ㅡ Você viu que ele abriu os tones do baixo? O grave ficou sinistro... ㅡ Hoseok se dirigiu ao amigo.

ㅡ Vi. ㅡ Taehyung passou os dedos pela mandíbula, num semblante pensativo e sorridente. ㅡ Aqueles ataques de corda durante as sequências ficariam maneiros num show.

Namjoon balançou a cabeça, gostando da ideia.

ㅡ Confesso que quero testá-lo numa apresentação real. ㅡ O líder coçou o queixo e encarou a minha foto. ㅡ Ele pareceu meio retraído no início, mas o jeito que toca é de quem sabe como trabalhar em equipe. E na ficha diz que tem experiência com performances ao vivo, então não vai ser difícil adaptá-lo aos nossos palcos.

Senti mariposas girando dentro do meu cérebro de mariposa. Eu estava sendo elogiado pelos FUCKING integrantes do Arrebol?!

Ai. Meu. Caralho.

ㅡ A melodia dele também é interessante. Com uns ajustes, poderíamos usá-la na banda. Será que ele a venderia para nós? ㅡ questionou Yoongi, anotando alguma coisa num bloco de notas.

Se alguém comentou mais alguma coisa depois disso, eu não ouvi, porque as minhas asas perderam a força e eu apenas caí duro como uma folha sobre a mesa. A minha alma já estava em outro plano, tomada pela emoção do fanboy que existia em mim.

ㅡ Ah, credo! ㅡ gritou Cassandra, assustando-se comigo. ㅡ Que nojo! Isso está morto?!

Senti-me ofendido. "Nojo é você, sua oxigenada xenofóbica".

ㅡ Acho que sim ㅡ respondeu Namjoon, cutucando-me com a ponta de uma ficha.

Reparando que havia me colocado numa situação de risco, saltei para mostrar que ainda vivia e me preparei para planar de volta ao topo da parede.

Porém, antes de conseguir alcançar trinta centímetros de voo, senti uma lufada vinda por trás que me arremessou para longe com violência.

ㅡ Ai, caralho! ㅡ berrou Hoseok, erguendo um rolo de papel na mão. Ele tinha me acertado com aquilo e agora eu me encontrava esparramado no chão, abatido e vendo estrelas com asinhas vermelhas.

ㅡ É só uma borboleta. Agora ela deve estar morta mesmo. ㅡ disse Taehyung, pegando o rolo de papel da mão de Hoseok.

"Borboleta não, mariposa", pensei, choramingando.

Do outro lado, Yoongi deu tapinhas carinhosas no ombro do guitarrista para acalmá-lo.

ㅡ Hm, certo. ㅡ Cassandra arrumou o colarinho da camisa elegante que vestia enquanto se voltava para os rapazes. ㅡ Enfim. Sobre esse... Jimin Park... Ele realmente se destacou de certa forma, e a mistura de vocês me pareceu atraente e interessante, mas viram a ficha do rapaz? "Desconectado da família adotiva", é um órfão desgarrado, um menino andando sozinho no mundo. A Doors não vai querer patrocinar outro... Um problemático. ㅡ Ela se corrigiu no último segundo, mas deu pra sacar que sua intenção inicial era falar: "A Doors não vai querer patrocinar outro cara igual ao nosso vocalista sem freios".

Todo mundo sentiu essa, e criou-se um clima meio estranho na mesa.

De repente, Jungkook se levantou da poltrona e começou a atravessar o espaço da reunião, com mãos nos bolsos da calça, cabelos soltos e olhar relaxado, distante. Para a minha completa incompreensão, o vocalista passou reto da mesa e se aproximou de mim. Sem conseguir sair do meu estado catatônico por conta do mal posicionamento das minhas asas, eu entrei em desespero.

"Ele vai pisar em mim. Ele vai me esmagar com aquele sapato. Ele vai acabar de vez comigo. JINLI, SOCORRO!", berrei no meu silêncio de inseto.

No entanto, no lugar de ter um segundo encontro com a morte, eu o vi se agachar à minha frente e me erguer cuidadosamente com dois dedos tatuados e sutilmente trêmulos. Nestes entrementes, percebi que seus olhos eram duas esferas verdes recheadas por um ódio contido.

ㅡ Coloquem ele na banda ㅡ disse, contraindo a boca.

ㅡ Ainda estamos decidindo isso, Jungkook. ㅡ Cassandra o encarou com uma pitada de desprezo.

ㅡ Se está preocupada com a ideia de ele ser outro problema, relaxa... O cara é só um idiota com talento. Perfeito para a Doors manipular.

O tom venenoso do vocalista cobriu as faces dos demais integrantes do Arrebol com um véu de decepção.

ㅡ Puta merda, Jungkook, é sério isso? ㅡ Hoseok bateu a mão na mesa.

ㅡ Começou... ㅡ Taehyung se encolheu.

ㅡ Jungkook, volta para a poltrona e fica calado por mais trinta minutos, por favor ㅡ pediu Namjoon, respirando fundo.

ㅡ O cara mandou super bem no dueto com você e é isso o que fala dele? ㅡ O guitarrista saiu em minha defesa, cheio de raiva.

Conseguindo me mover agora, eu voei para longe enquanto assistia atordoado ao embate que se iniciava.

ㅡ Ora, você pensou o mesmo que eu no início. Até riu dele. ㅡ Jungkook chacoalhou os ombros. ㅡ Só estou dizendo que esse Jimin Park é meio... bobo. Reparou que praticamente abanou o rabo quando chegou perto da gente? Aposto que é um daqueles fãs malucos da banda, então vai fazer de tudo pra nada dar errado. É o que a Doors quer, não é? ㅡ dirigiu-se à Cassandra, num tom de voz afiado. ㅡ Vocês querem um bobo suscetível à manipulação, e que também tenha uma imagem que combine com a banda. Jimin Park é obviamente um asiático, então vai se encaixar no estilo "oriental" do Arrebol.

A mulher estreitou os olhos e analisou as palavras dele.

ㅡ E tem mais ㅡ Jungkook prosseguiu, dando um passo à frente ㅡ, fizeram eu participar dessa merda de competição com a promessa de que também iriam levar em conta as minhas opiniões. Até agora não me posicionei em nada durante as suas decisões anteriores. Fiquei calado, assim como os outros, enquanto a Doors ia avaliando os competidores por conta própria. Então é bom que a gravadora me escute neste momento.

Seu semblante carregava a promessa de que, se não fosse escutado, nem mesmo a tornozeleira eletrônica em sua perna iria impedi-lo de fazer algo louco naquele dia.

Cassandra apertou a mandíbula e forçou um sorriso diplomático. Ela pegou a minha ficha e deu uma última olhada na minha foto.

ㅡ Bem, hm ㅡ Pigarreou. ㅡ Já que toda a banda concorda que este rapaz é o ideal para carregar o título de 5º Chama, então creio que chegamos a um resultado.

Ela se levantou com a minha ficha em mãos e arrumou sua saia.

ㅡ Farei uma ligação à sede da Doors. Quando eu retornar, poderemos chamar os competidores para expor o resultado.

A representante deu as costas para a mesa e saiu andando, deixando os rapazes do Arrebol a sós.

Levou dois minutos para a discussão de antes retornar.

ㅡ Qual é a sua? ㅡ Hoseok se levantou e andou até parar de frente para Jungkook.

O vocalista o encarou com uma sobrancelha arqueada, zombeteira.

ㅡ Qual é a minha o quê?

ㅡ Fala sério, Jungkook, o que você pretende fazer com aquele cara, o Jimin? ㅡ Com os braços cruzados, o guitarrista se inclinou e encarou o outro rapaz.

ㅡ Ei, Hoseok, deixa para lá... ㅡ Namjoon pôs a mão sobre o ombro dele, tentando apartar a futura briga.

ㅡ Não, Namjoon. Estou de saco cheio disso. ㅡ Hoseok afastou a mão do líder e voltou a interrogar o membro mais novo da banda: ㅡ Quando disse que a Doors poderia manipulá-lo, na verdade quis dizer que você poderia manipulá-lo, não é?

Jungkook revirou os olhos e o encarou como se ele estivesse falando besteira, mas a sombra de um sorriso brincou no canto de seus lábios, confirmando tudo.

Diante disso, o guitarrista mostrou os dentes. Seus olhos monólidos, cheios de lápis preto, saltaram.

ㅡ Olha aqui, Jungkook, se está pensando em infernizar a vida desse cara...

ㅡ E no quê isso te prejudicaria? ㅡ O vocalista ergueu o queixo em desafio e deu um passo à frente. ㅡ Esse Jimin Park ou qualquer outro que entrar na banda agora vai ser um penetra. Um forasteiro. Ele não faz parte de nós, ele não é o nosso Arrebol. É só um produto da gravadora pra tentar me foder.

Os semblantes de todos escureceram, e eu vi nos rostos deles que parte de suas consciências concordava com aquelas palavras.

Por mais que eu estivesse me sentindo murcho, não levei o ponto de Jungkook para o pessoal. Como um fã da banda, eu entendia aquela lógica, e como alguém que estava ciente das intenções da Doors com aquela competição, eu concordava totalmente com ela.

"Não estou aqui para fazer parte do Arrebol. Só quero salvá-los e voltar a viver", relembrei, determinado a não me abalar.

ㅡ Ainda assim, essa situação de merda não é culpa dele ㅡ Namjoon tomou a palavra e se colocou entre o guitarrista e o vocalista. ㅡ Hoseok está certo. Nem pense em infernizar a vida dele.

ㅡ A gente precisa tomar mais cuidado agora, Jungkook... ㅡ A voz de Yoongi soou da mesa. O empresário reunia os papéis num bloco organizado. ㅡ Depois das coisas que aconteceram, a mídia e a polícia estão em cima de nós. Há estados americanos se recusando a receber um show do Arrebol. Isso é ruim não só para a imagem e a carreira de vocês, como também para o nosso bolso. A qualquer momento a Doors vai lavar as mãos desta banda.

ㅡ A Doors é o que é hoje por causa das nossas músicas. ㅡ Jungkook trincou os dentes.

ㅡ Não é como se eles fizessem questão de se lembrar disso... ㅡ murmurou Taehyung.

ㅡ De qualquer forma, se você fizer algo que provoque a saída do novo integrante, eu realmente não sei o que pode acontecer conosco ㅡ disse Yoongi, sincero e apreensivo.

Todos se viraram para encarar Jungkook.

O garoto os encarou de volta com um semblante frustrado e, por um reles segundo, adquiriu a feição de alguém culpado que pretendia pedir desculpas.

Isso passou tão rápido quanto um sopro. No instante seguinte, seus olhos se estreitaram, cheios de escárnio.

ㅡ Provocar a saída dele? Claro que não. Eu não tenho esse poder.

O pavio foi aceso.

Hoseok revirou os olhos, seco de paciência, e ralhou:

ㅡ Ah, tem sim. Você tem o poder de ser insuportável pra caralho.

ㅡ Não sou o único aqui com essa capacidade.

ㅡ Olha aqui, nem sonhe em prejudicar o cara novo, já chega de provocar a gravadora!

ㅡ Talvez ela mereça ser provocada.

ㅡ É? Assim como da última vez, quando conseguiu essa merda no seu tornozelo? Acha que agir feito bandido vai te ajudar em alguma coisa?

ㅡ Pensei que eu já fosse oficialmente um bandido ㅡ Jungkook ergueu um pouco a perna para exibir outra vez a tornozeleira eletrônica.

Namjoon interveio novamente, agora colocando a mão grande no ombro de Jungkook.

ㅡ Acontece que você não é. ㅡ O líder olhou no fundo dos olhos do garoto. ㅡ Você não furtou as lojas com aqueles caras, só foi pego na hora errada, com a companhia errada. Os nossos advogados vão te livrar em breve, mas você precisa PARAR.

ㅡ Não, eles não vão. ㅡ Jungkook empurrou a mão dele. ㅡ Saiu nos jornais do país inteiro que eu sou um criminoso. É só isso o que importa. Ninguém vai ligar ou acreditar se alguém falar que fui absolvido da acusação. E, de qualquer forma, dane-se. Quebrar coisas e furtar é algo que a nossa galera faz mesmo, e daí?

ㅡ Parece que você realmente merece essa coisa no seu tornozelo ㅡ Hoseok provocou.

ㅡ Hoseok... ㅡ Taehyung chamou a atenção dele. Havia profunda tristeza nas feições do baixista. Isso controlou o outro rapaz momentaneamente, mas não limitou as palavras seguintes de Jungkook:

ㅡ Não é você quem vai ser substituído! Não é você quem está fazendo papel de palhaço nessa porra toda, Hoseok!

ㅡ E também não seria você se não tivesse começado a agir feito um imbecil! Se a sua carreira não importa, ao menos não tente sujar o futuro da banda!

Isso inflamou algo dentro do vocalista com tanta força que o fez jorrar as seguintes palavras com um tom de voz totalmente cruel:

ㅡ Vai se foder, sua bicha.

Silêncio. E então uma explosão de ira.

Hoseok saltou para cima de Jungkook, deferindo neste último um empurrão violento que o jogou contra a parede mais próxima. Com um punho erguido, se preparou para socar a face do vocalista, mas Namjoon foi mais rápido e o impediu, segurando-o e afastando-o. Taehyung se levantou com o susto dos acontecimentos, e ficou parado, em choque, assistindo a briga sendo apartada. Yoongi tentou se aproximar de Hoseok, mas este último ainda estava agitado pela raiva, com sangue nos olhos.

ㅡ Eu vou matar esse cara, Namjoon ㅡ o guitarrista ameaçou, trincando os dentes.

Jungkook, que ainda estava encostado à parede, olhou para ele e depois para os demais rapazes. Ignorando totalmente a situação que havia criado, puxou um maço de cigarros do bolso, acendeu um entre os lábios e exalou uma torrente de fumaça. Em seguida, com um semblante de desprezo, fingiu cuspir no chão e saiu em disparada para fora do salão, indo embora sem mais nem menos.

Os que permaneceram no recinto tiveram diferentes reações depois da saída dele.

Taehyung voltou para o seu assento e se concentrou na bolinha que havia feito com o copo de plástico, tentando disfarçar o olhar melancólico.

Namjoon soltou Hoseok e se afundou na poltrona que Jungkook havia deixado livre, apoiando o rosto com uma das mãos.

ㅡ Alguém deveria seguir esse garoto o tempo todo para impedi-lo de fazer alguma merda de novo ㅡ sugeriu o guitarrista, ainda ardendo de raiva.

ㅡ Relaxa. Ele não pode ir a outro lugar que não seja a própria casa por conta da tornozeleira ㅡ murmurou o líder do Arrebol, num tom de voz que não expressava nada além de cansaço.

Yoongi se aproximou de Hoseok, envolveu-o com um braço e murmurou:

ㅡ Esqueça isso. Depois daqui, vá descansar em casa.

O guitarrista concordou com um movimento de cabeça e o seguiu de volta às cadeiras ao redor da mesa.

Passou-se um momento de silêncio. Ninguém estava com humor para iniciar uma conversa leve que pudesse distraí-los até o retorno de Cassandra Moura, então todos permaneceram calados, olhando para o nada, mergulhados numa atmosfera de decepção e frustração.

Até que Taehyung saiu de seu assento e foi se sentar perto de Namjoon. Brincando com a bolinha de plástico nas mãos, murmurou ao outro jovem:

ㅡ Você viu o maço de cigarro dele? Estava quase pela metade... Tenho certeza de que Jungkook o comprou hoje cedo.

ㅡ Ele já fumou tudo aquilo só hoje? ㅡ Namjoon arregalou os olhos para o baixista. A preocupação atravessou o rosto dos dois, mas fez uma mancha profunda no olhar do líder. ㅡ Tragar uns de vez em quando tudo bem, mas isso...

Taehyung suspirou profundamente ao seu lado e encostou a cabeça no acolchoado da poltrona.

Após um momento, arremessou com sucesso a bolinha de plástico num saco de lixo à distância. O movimento fez Namjoon dar um soquinho amigável em seu ombro e dizer:

ㅡ Cesta de 3 pontos, olha só.

Os dois abriram pequenos sorrisos divertidos. Ali perto, vendo e ouvindo tudo, Hoseok e Yoongi também sorriram. O clima de repente ficou mais leve, mas só um pouquinho.

Logo o som dos saltos de Cassandra cortou o ar.

ㅡ Já podemos anunciar o vencedor! ... Onde está o Jungkook? ㅡ Ela encarou o recinto com o cenho franzido, buscando o vocalista que havia ido embora.

Namjoon se aproximou dela, segurou seus ombros e a girou para empurrá-la na direção do palco.

ㅡ Não precisamos dele para revelar o resultado da competição, senhorita Moura. Vamos ㅡ disse, chamando os demais rapazes com um movimento de mão.

Foi a minha deixa para retornar ao meu lugar.

Desgrudei-me da parede e voei rapidamente de volta ao banheiro do local de espera dos competidores. Lá, transformei-me no humano que eu era e, antes de sair do box, encostei-me na porta, pensativo, sentindo um gosto amargo na garganta por causa da briga que testemunhei e das palavras ruins que escutei saindo da boca de Jungkook.

Dentre todas as coisas, "Sua bicha" foi especialmente doloroso, mesmo que o xingamento não tivesse sido para mim. Mas o que exatamente eu deveria esperar em plenos anos 80? Ter Hoseok na banda, um gay declarado, já era exceção o bastante. Isso não significava necessariamente que todos ao seu redor aceitavam pessoas como ele...

"Está repensando se vai salvar a vida de Jungkook, garotão?", a voz de Jin, ou Jinli, soou em minhas costas. Pela primeira vez, reparei na mariposa verde pousada na parede do banheiro.

ㅡ Ah, você apareceu, finalmente... ㅡ murmurei. ㅡ E não. Não estou repensando.

"Ah, não?", o meu guia espiritual soou verdadeiramente surpreso. Suas asas grandes e bonitas vibraram.

ㅡ A minha vida também está em jogo nesta missão, não é? E ainda tem o Namjoon, o Hoseok e o Taehyung. Eu quero ajudá-los de verdade.

Pensei na maneira como me defenderam durante a discussão, sem nem terem trocado mais que duas palavras comigo anteriormente. Pensei também naquele rápido momento engraçado quando todos riram após Taehyung ter acertado o lixo com a bolinha de plástico. Eram pessoas legais, talentosas e que não mereciam o fim trágico da banda.

Foda-se as atitudes do vocalista, eu estava ali por todo o Arrebol e pelo que suas músicas signicavam para mim. E, sinceramente, não me sentia nenhum pouco surpreso com o nível de canalhice de Jungkook Jeon. Anos lendo matérias e biografias sobre o rapaz já haviam me preparado para o pior. Eu só precisava respirar fundo e me concentrar nos meus objetivos.

ㅡ Estou indo ㅡ falei ao meu guia, depois de abrir o box e atravessar o banheiro vazio.

"Acha que conseguiu vencer A 5º Chama?", a pergunta da mariposa soou em minha mente.

ㅡ Claro. ㅡ Dei uma piscadela na direção dela. ㅡ A minha missão começa oficialmente agora.

🎤🦋🎤

ㅡ Seja bem-vindo ao Arrebol, Jimin Park! ㅡ anunciou Namjoon ao microfone. Depois disso, tudo se tornou caótico diante dos meus olhos.

No primeiro instante, eu estava no palco recebendo apertos de mão amigáveis dos meus ídolos supremos, e, no segundo, eu me encontrava diante de uma equipe de produtores, representantes da Doors e advogados para assinar um contrato que iria me oficializar como membro teste do Arrebol. Enquanto preenchia os documentos com minha rubrica, fui cegado por flashes intermináveis de câmeras grandonas do pessoal do marketing da gravadora.

ㅡ Sua identidade será mantida em segredo até o programa ir ao ar na televisão, daqui a alguns dias ㅡ explicou Cassandra enquanto me empurrava para tirar fotos com ela. ㅡ Depois da transmissão do último episódio da competição, a banda o introduzirá ao público durante o Angela's Disco, com um show ao vivo.

ㅡ E-espera aí, moça. O que disse? ㅡ Engoli em seco, piscando diante de mais um flash pálido. ㅡ Angela's Disco, a maior premiação local de música? ㅡ Nessa hora, tive a certeza de que três câmeras me fotografaram com a maior cara de paisagem. Não deve ter me ajudado muito o fato de que eu ainda vestia as roupas do John Travolta em Grease.

Cassandra ignorou a minha pergunta e me passou para um grupo de engravatados que queriam posar comigo para uma foto. Sem saber o que fazer, abri um sorriso amarelo e fiz joinha com as duas mãos.

Foi Yoongi Min quem me salvou do turbilhão fotográfico. Ele me tirou do meio dos engravatados e me guiou para longe dos flashes.

ㅡ Não se preocupe com esse show. Você vai participar dos ensaios com os rapazes. Será preparado por nós e receberá instruções. ㅡ O empresário do Arrebol era um centímetro menor que eu, mas, ao dizer coisas tão reconfortantes para mim e dar tapinhas amigáveis em minhas costas, senti-me um garotinho ao seu lado.

ㅡ Ah, obrigado... Quando vou começar a ensaiar? ㅡ Um pico de ansiedade encheu o meu peito. De repente, precisei controlar um sorriso bobo e um balançar agitado.

ㅡ Já na próxima segunda-feira. Terá este final de semana livre para se acomodar na residência pessoal que a Doors vai oferecer a você e aproveitar os seus últimos dias como um cidadão desconhecido da América. ㅡ Ele me entregou um maço de chaves novinhas em folha.

Encarei o presente em minhas mãos com um olhar atônito.

ㅡ O apartamento fica na zona leste da cidade, bem perto da mansão do Namjoon, que é onde os meninos ensaiam. Boa sorte e até mais, Jimin Park. ㅡ Yoongi acenou numa despedida rápida e foi embora, e eu fiquei à mercê das fotos e da falação de Cassandra Moura sobre horários, regras e sigilo contratual.

Mais tarde, naquele mesmo dia, depois de finalmente ter sido liberado da burocracia da Doors, saí do prédio da gravadora e planei até o hotel onde eu estava instalado. Chegando lá, reuni os meus poucos bens pessoais numa mochila ㅡ praticamente todos comprados numa lojinha das proximidades ㅡ, troquei as minhas roupas para algo mais comum, verifiquei que ainda me restavam belas sete horas na forma humana e decidi atravessar a cidade até o meu novo apartamento assim como faria uma pessoa normal: Usando um meio de transporte.

Eu estava nas nuvens, então queria aproveitar a cidade, ver pessoas, sentir o ano de 1984 na pele e me acostumar com aquilo. Jin não havia me dado novas restrições, sendo assim, concluí que, dali por diante, tudo seria por minha própria conta. Portanto, para começar a minha pequena aventura, peguei um bonde. Bondes não funcionavam mais em Sant'Angela no ano de 2020, por isso, subi em um para ir ao meu destino. Foi a coisa mais nostálgica que fiz em muito tempo. O som do sinaleiro, o balançar dos trilhos, os assentos expostos à brisa da viagem... Nestes entrementes, me deparei com uma cidade completamente diferente daquilo que eu estava acostumado.

Os prédios pareciam mais aconchegantes, as luzes piscavam num neon meio brega que fazia sentido com todo o resto do cenário, havia academias de ginástica com janelas enormes revelando pessoas se exercitando em sincronia lá dentro, e sorveterias tomando esquinas, anexadas a rinques de patinação lotados. Avistei lojas de discos e de jogos, karaokês e locadoras imensas. Tudo era extremamente colorido e brilhava sob a noite, até os carros andavam em sintonia com aquela paleta recheada de tonalidades saturadas.

Sant'Angela sempre foi uma cidade bonita e agitada, mas ali ela parecia um pouco mais divertida e singular, e contava com uma trilha sonora mergulhada em euro ritmo, new wave e alguns metais frenéticos que saíam das caixas de sons dos estabelecimentos.

ㅡ Bonito, não é? ㅡ De súbito, escutei a voz do meu guia espiritual ao meu redor. Quando voltei o rosto para dentro do bonde, vi sua figura em pé, diante de mim e encostado a um ferro de segurança do transporte.

Estava em sua forma masculina. Jin vestia uma roupa bem simples comparada a todas as anteriores, mas com o mesmo tom verde de sempre. Seu semblante bonito, de olhar naturalmente afiado, soava sereno enquanto observava o cenário pelo qual nós passávamos.

ㅡ É bem bonito, sim ㅡ falei em resposta, aproveitando que o bonde estava praticamente vazio, então ninguém iria me achar maluco por supostamente estar falando sozinho.

ㅡ Não era tão bonito assim. E nem tão movimentado ㅡ murmurou ele com a voz distante, quase nostálgica.

Algo se acendeu em meu cérebro.

ㅡ Você vivia em Sant'Angela antes de... antes disso? ㅡ perguntei, ajeitando-me no assento.

Jin me encarou de soslaio.

ㅡ Antes "disso" o quê?

ㅡ Antes das mariposas, do RH celestial e etc. ㅡ expliquei. ㅡ Você tinha me dito que é como um fantasma, significa que já foi um humano comum, não?

Jin voltou os olhos para o cenário e se remexeu.

ㅡ Quem disse que eu vivia aqui? ㅡ falou, com leve tom de deboche. ㅡ Eu só comentei que no passado este lugar era pacato. Os meus trabalhos não se resumem a coordenar apenas pessoas do futuro como você, garotão. Já viajei para vários períodos diferentes e já vi Sant'Angela de outros tempos. ㅡ Ele deu de ombros. ㅡ Só fiz um comentário.

ㅡ Ah... ㅡ Afundei no assento. Com isso, percebi que tinha mais curiosidade sobre as peculiaridades envolvendo o meu guia do que sabia. ㅡ Mas e aí? Quando era humano, viveu onde?

ㅡ E eu lá sei? Já faz muito tempo que estou nessa vida de lidar com almas feito a sua... ㅡ Jin se desgrudou do ferro de segurança e flutuou até se sentar ao meu lado. Depois disso, puxou uma mecha do meu cabelo com força. ㅡ Pare de fazer perguntas sobre mim, eu não te dei essa liberdade, garotão.

ㅡ Ai... só estou curioso.

ㅡ E vai morrer curioso. ㅡ Ele riu. ㅡ Se bem que já está morto.

Eu fiz uma careta e resmunguei:

ㅡ Seu filho da mãe...

Jin me ignorou com outro sorriso.

ㅡ E então? Está ansioso para chegar ao apartamento novo? Vou te dar um spoiler: Ele é uma gracinha e a varanda tem vista para o centro da cidade.

ㅡ Sério? ㅡ Meu brilho voltou com tudo, junto com as borboletas, ou melhor, as mariposas no estômago. ㅡ Eu sempre quis morar num lugar assim... Ah, olha. ㅡ Puxei de dentro da minha mochila um cheque assinado por Yoongi Min. ㅡ Ganhei um adiantamento por ter entrado na banda. Nunca recebi tanta grana na minha vida!

ㅡ Vai fazer o quê com esse dinheiro? Já que o seu tempo aqui é curto, tem que aproveitar.

ㅡ É mesmo... ㅡ Abaixei o cheque e encarei o chão do bonde. ㅡ Eu só vou ficar aqui até 20 de julho de 1985, ainda não tinha me dado conta disso direito.

20 de Julho de 1985, a data em que tudo acabou e tudo começou.

Jin reparou na minha quietude repentina e me observou por um tempo, antes de voltar a falar:

ㅡ Não estou muito a par do que aconteceu com os seus ídolos de ouro. Quer me contar o que houve com eles em 20 de julho?

ㅡ Pensei que não fosse me dar corda ㅡ murmurei com uma risadinha.

ㅡ Estou dando desta vez. Só desta vez. Aproveite, garotão.

Guardei o cheque cuidadosamente e voltei a admirar o cenário da cidade. Após um suspiro, comecei a explicar:

ㅡ O fim do Arrebol não aconteceu do dia pra noite, na verdade. O que houve em 20 de Julho foi só o começo. O pavio sendo aceso, digamos assim, como num efeito borboleta. Naquele dia, Jungkook Jeon faleceu depois de dirigir em alta velocidade e ser atingido por um trem. Com a morte dele, tudo se fragmentou. O Arrebol começou a se desfazer...

"Os shows acabaram imediatamente. A banda parou de aparecer em público, nenhum dos integrantes restantes deu sinal de que as coisas iriam continuar, pois todos pareciam arrasados. Depois de uns meses, Hoseok foi encontrado morto num beco. Tinha se envolvido numa briga depois de virar a noite numa pub. Em seguida foi Taehyung, que havia retornado para a casa da família no interior do estado. O que se sabe é que a vida dele lá era conturbada, então um dia aconteceu um tiroteio e ele foi pego por uma bala. O único que restou foi Namjoon, e ele permaneceu vivo até o dia em que eu caí daquela ponte, em 2020. Namjoon parou de se chamar assim e se tornou apenas Alison Bass, um homem que não queria mais saber de música."

ㅡ Então tudo se desencadeou com a morte de Jungkook ㅡ concluiu Jin, pensativo.

ㅡ Isso. Mas tem uma coisa que não entendo, Jin.

ㅡ O quê?

ㅡ Por que recebi essa missão de salvamento sendo que a banda já estava repleta de problemas? Pelo andar das coisas, uma hora ela iria acabar de um jeito bem dramático. ㅡ Senti um gosto amargo na boca ao dizer isso, mas era a verdade. ㅡ Dessa forma, mesmo que eu impeça o acidente do vocalista com essa missão, as chances de o Arrebol se fragmentar continuarão grandes, e tudo o que aconteceria de ruim com aqueles caras ainda pode se concretizar. Então, pensando pelos moldes racionais, qual exatamente é o sentido de eu salvar Jungkook em 20 de Julho de 1985? E, afinal, porque só não voltei exatamente para o dia do acidente, para impedi-lo de acontecer, já que é só isso o que eu preciso fazer?

Olhei para o meu guia espiritual em busca de respostas.

Jin me encarou pelo canto do olho e me lançou um sorriso enigmático. Depois, voltou a puxar uma mecha do meu cabelo, como numa bronca silenciosa.

ㅡ Pense um pouco, garotão. Descobrir a resposta para essas questões também faz parte da sua missão.

ㅡ Ah, Jin...

Eu queria insistir um pouco para conseguir arrancar ao menos uma dica daquela mariposa brilhante, porém, nesse momento, uma pessoa vestindo calças pretas e escondida debaixo do capuz de um moletom escuro passou na frente do bonde, quase sendo pega pela dianteira dele. Uma sensação de déjà vu me atravessou, e cessou rapidamente quando avistei o motorista gritando um xingamento, e a pessoa revidando ao mostrar os dedos do meio das duas mãos.

Com o movimento, o capuz caiu para trás e eu vi dois olhos verdes bastante familiares.

Depois disso, o encapuzado voltou a se esconder e saiu correndo em direção a um beco naquela rua.

Quando me recuperei do choque e da perplexidade, fiquei em pé num pulo.

ㅡ Esse moleque... ㅡ ralhei. ㅡ Jin, eu tenho que ir.

Mas ao me virar para uma despedida, vi que o meu guia já tinha sumido.

"Certo. Por minha própria conta", pensei, e, após dar umas gorjetas ao motorista, eu saltei do bonde.

Num movimento discreto, passei a seguir o encapuzado à distância, fingindo ser um pedestre qualquer que passava por ali. Havia alguns grupos de pessoas andando pelo beco, e a iluminação não era tão boa, então foi fácil me misturar.

O encapuzado adentrou outro beco, e mais outro e mais outro, até chegar a um local deserto demais para o meu gosto. Precisei me transformar num inseto para conseguir seguir adiante sem ser percebido, e descobri, com muita felicidade, que até mesmo a mochila que eu carregava continuava comigo ㅡ em algum plano metafísico ㅡ durante a minha forma de mariposa.

ㅡ Eu quero falar com o Flinn. ㅡ A voz de Jungkook, tão reconhecível quanto os seus olhos verdes, ecoou pelo beco.

Que diabos aquele garoto estava fazendo ali? Ele sequer podia estar andando por Sant'Angela sem supervisão, já que ainda carregava uma tornozeleira eletrônica?

Obtive uma resposta logo em seguida.

Da escuridão, surgiu um grupo de pessoas com aparência nada amigável. A maior delas, um homem preto de quase dois metros, repleto de músculos e com uma careca tatuada, parou diante do vocalista do Arrebol e o encarou de cima.

ㅡ O principezinho do punk deu as caras de novo ㅡ disse, e mostrou os dentes num sorriso que me fez engolir em seco.

ㅡ O cara de pau do punk, isso sim ㅡ falou outro homem, este mais baixo, mais magro e branco, portando um canivete na mão. ㅡ Por sua causa, os tiras descobriram onde a gente 'tava se escondendo. Mas, no final, só você se livrou de verdade.

ㅡ Muito injusto ㅡ disse mais alguém do grupo, num tom de voz manhoso. Era uma garota bonita trajando um vestido que mal cobria seus seios e sua bunda arrebitada. O olhar dela sobre o vocalista do Arrebol não parecia acusativo. Na verdade, soava bastante desejoso.

ㅡ Eu tentei vir antes, mas só hoje consegui burlar o sistema da tornozeleira. ㅡ explicou Jungkook, mostrando o objeto preso em sua perna. Em seguida, a sua mão tirou algo do bolso e entregou para o homem mais alto. Era um bloquinho gordo de dinheiro. ㅡ Queria te entregar isso, Flinn, para pagar a fiança da Emily. Foi mal...

ㅡ "Foi mal"? ㅡ Flinn o empurrou com uma mão. Jungkook parecia uma criança franzina diante dele ㅡ Não é só a Emily quem tá na berlinda. Pegaram uns sete comparsas nossos porque você não se aguenta e vive aparecendo por aqui.

ㅡ Falei da Emily porque só ela importa. Sei que está feliz pelo resto ter sido preso. Foi livramento para os seus negócios. ㅡ Jungkook chacoalhou os ombros, indiferente.

"Esse guri é maluco?!", pensei, batendo as asas.

Porém, para o meu alívio, Flinn pareceu ter concordado com o argumento do garoto. Ele analisou as notas de dinheiro em sua mão e arqueou uma sobrancelha.

ㅡ Certo, isso aqui te dá algum perdão... ㅡ Balançou a grana antes de guardá-la no bolso. ㅡ Mas não paga a humilhação que nós passamos por sua causa.

Flinn abriu um sorriso sádico e foi acompanhado pelos seus colegas de grupo, que também sorriram, entretidos. O homem com o canivete começou a girar a pequena arma em sua mão direita, numa ameaça implícita.

Pela primeira vez, Jungkook se encolheu e deu um passo para trás.

ㅡ O que você quer? ㅡ perguntou o garoto, adquirindo um semblante tenso.

ㅡ Olho por olho, Jungkook. Os tiras não trataram a nossa galera com o mesmo cavalheirismo que trataram você. Está na hora de equilibrar as coisas. ㅡ Flinn começou a empurrá-lo na direção de um muro. ㅡ Começa tirando as roupas.

ㅡ O quê?!

ㅡ Tira as roupas e passa pra cá, elas devem valer uma nota preta. E tira os piercings também, vou vender tudo.

ㅡ Eu tenho que ficar pelado no meio da rua? ㅡ Um suor frio escorreu pela testa do vocalista.

ㅡ Pelado não. Mantenha a cueca, não vou obrigar ninguém aqui a ver as suas misérias.

ㅡ Ah, que droga, Flinn! Eu queria ver ㅡ resmungou a garota de vestido curto.

Após um instante de hesitação, Jungkook passou a se desfazer de suas roupas. Tirou o moletom, a regata que havia por baixo, as botas, as meias pretas, e, por fim, a calça, revelando um atraente e pálido corpo magro repleto de tatuagens de cima a baixo, que estremeceu ao entrar em contato com a brisa noturna.

Depois de jogar o bolo de roupas para Flinn, o garoto arrancou os piercings do rosto e das orelhas, e entregou tudo ao homem com o canivete.

Trajando agora apenas uma cueca branca da Calvin Klein e uma tornozeleira na perna, Jungkook ergueu as mãos, rendido e vulnerável.

ㅡ Satisfeitos? ㅡ Exibiu um sorriso amarelo.

ㅡ Muito satisfeita ㅡ disse a garota, oferecendo-lhe uma piscadela. Ele devolveu outra para ela.

ㅡ Posso ir para casa agora? ㅡ Jungkook voltou a atenção para Flinn.

ㅡ Nada disso, nós só estamos começando. ㅡ Flinn abriu espaço para o seu colega com o canivete. ㅡ O meu amigo aqui vai deixar umas boas lembranças nas suas costas, moleque.

ㅡ Vão me torturar?! ㅡ O garoto engoliu em seco.

ㅡ O bastante para você aprender uma lição.

ㅡ Ah, Flinn, vamos lá... ㅡ Mais fios de suor escorreram pelo rosto de Jungkook. ㅡ Eu sou um cliente de vocês há anos, sempre paguei tudo em dia. Dou muita grana para o seu negócio...

ㅡ E agora me prejudicou para um caralho.

ㅡ Eu posso te pagar mais dinheiro.

ㅡ O que eu quero dinheiro não paga. ㅡ Flinn abriu mais um sorriso sádico. ㅡ E, acredite, Jungkook, foi o nosso belo histórico de compra e venda que me impediu de te matar no momento em que te vi se aproximando deste lugar.

ㅡ Está bem. Entendi. Entendi. ㅡ Jungkook balançou as mãos e controlou um tremor. Quando pensei que ele fosse começar a chorar e implorar para ser liberado, o garoto exalou um suspiro, adquiriu um semblante de resignação e abaixou os braços. ㅡ Tudo bem, você tem todo o direito de fazer isso comigo. Eu mereço a humilhação e a dor...

ㅡ Merece. Merece. ㅡ Flinn cruzou os braços.

ㅡ Mas, antes de sofrer tudo o que vocês prepararam para mim, será que eu posso ganhar uns minutinhos de paz e de prazer? É pelo tempo em que eu fui um ótimo cliente...

Flinn e seu grupo se entreolharam, confusos.

ㅡ Como assim? ㅡ O careca questionou.

O olhar verde de Jungkook rolou até parar em cima da garota de vestido curto.

ㅡ Se a Viola quiser, eu gostaria de uns instantes com ela. E deixo ela me bater, para compensar.

ㅡ Ah, eu bato bem forte. ㅡ A garota umedeceu os lábios, adorando aquilo. ㅡ Aceitamos.

ㅡ Eu não concordei com nada ㅡ interveio Flinn.

Aceitamos ㅡ Viola insistiu, cerrando os dentes e chutando as canelas do careca ao dizer para ele: ㅡ Se não quiser ficar sem boquete gratuito pelo resto do mês, então me deixa chupar o cantor do Arrebol imediatamente.

Flinn pigarreou, ruborizando de irritação e de vergonha.

ㅡ Cinco minutos ㅡ ditou.

Viola revirou os olhos e se aproximou de Jungkook com um sorriso sedutor. Era uma ruiva verdadeiramente bonita, com curvas muito interessantes que dançavam à medida em que ela caminhava. O garoto não iria terminar aquela noite numa situação tão ruim assim, eu concluí, e quase senti inveja dele.

ㅡ Hm, sempre quis fazer isso, docinho ㅡ Viola murmurou para o vocalista. ㅡ Adoro os seus shows.

ㅡ Ah, é? ㅡ Jungkook acariciou o rosto dela com um polegar. ㅡ No próximo show, vou te apresentar os bastidores.

Os olhos dela brilharam e suas mãos começaram a brincar com a base do ventre do rapaz, descendo até a protuberância guardada ali.

ㅡ Vou adorar... ㅡ disse, já se ajoelhando para começar.

Mas antes de Viola abaixar a cueca de Jungkook, ele a parou e se virou na direção do grupo que os assistia.

ㅡ Será que vocês poderiam nos dar um pouquinho de privacidade? Gozar na frente de um bando de homens é esquisito...

Flinn fechou o rosto numa careta, mas aceitou o pedido dele e se virou de costas depois de dar alguns passos para longe. Os demais o imitaram.

Agora, com a privacidade respeitada, Jungkook liberou o caminho para Viola, que parecia bastante ansiosa para arrancar fora aquela cueca.

No entanto, quando ela já ia enfiar a mão dentro da peça do rapaz, ele agarrou seus pulsos, aproximou o rosto ao dela e murmurou:

ㅡ Você é uma maravilha, Viola, mas eu preciso ir. Por favor, não grite.

E, num piscar de olhos, saiu em disparada pelo beco, atravessando-o como se sua vida dependesse disso ㅡ e, de certa forma, dependia sim. Quando já estava no final do caminho, já virando a esquina, Flinn e seus comparsas repararam em sua fuga e saíram atrás dele. Viola não o tinha denunciado, ela sorria e parecia ter sido seduzida pela voz mansa do vocalista.

Eu passei a seguir Jungkook pelas vielas estreitas e escuras, voando logo acima da sua cabeça para não perdê-lo de vista, enquanto refletia se deveria intervir para ajudá-lo a se livrar daquela situação.

O garoto estava descalço e quase pelado, então o frio noturno o agredia junto com o chão imundo e irregular. No entanto, o ritmo de sua correria não deixou de ser surpreendente em momento algum. Do alto, eu via apenas um ponto roxo se deslocando rapidamente por entre os prédios, pulando muretas, baús de lixo e outros obstáculos. Era quase engraçado de se assistir.

ㅡ Volta aqui, seu filha da puta! ㅡ gritou Flinn, não muito longe de seu encalço.

ㅡ Merda ㅡ escutei Jungkook resmungar, ofegante. Tantos empecilhos pelo caminho o tinham feito perder alguns metros de vantagem.

Em determinado momento, eu previ que ele iria ser pego na esquina de uma encruzilhada que havia mais adiante, pois, do outro lado, aproximava-se um colega de Flinn que havia se dividido do grupo para cercar o vocalista do Arrebol.

Após ter uma ideia, flutuei até o portal de uma escada de emergência de um prédio, voltei à minha forma humana e forcei a fechadura da porta para abri-la. Em seguida, escondi-me atrás de um baú de lixo. Quando Jungkook passou por mim, eu o agarrei pelos cabelos.

ㅡ Ai, cacet... ohghtffz?! ㅡ Abafei suas exclamações com uma mão em sua boca, e o arrastei para a escadaria, fechando a porta atrás de nós rapidamente.

Lá dentro, eu o coloquei contra a parede e mantive a sua boca fechada enquanto me concentrava em ouvir o que acontecia do lado de fora. Um minuto depois, o grupo de Flinn passou reto pela saída de emergência e se afastou, deixando o beco silencioso novamente e o espaço seguro.

Respirei fundo, aliviado, e me virei para Jungkook.

O garoto estava entre os meus braços, encarando-me com os olhos arregalados, nervosos, e ofegava sob a minha mão que ainda tapava a sua boca.

ㅡ Não grita. Eles ainda estão por aí e podem te ouvir ㅡ murmurei, e, após um momento, afastei-me dele.

Jungkook piscou, um pouco atordoado. O seu olhar verde começou a me analisar, estreitando-se enquanto acostumava a visão à luz de emergência da escadaria. De repente, um brilho de reconhecimento o atravessou.

ㅡ Você é aquele cara da competição, o fantasiado de Grease! ㅡ exclamou baixinho.

ㅡ Jimin Park. Meu nome é Jimin Park ㅡ enfatizei, fazendo uma careta. Eu não queria ser lembrado por usar as roupas do John Travolta pelo resto da minha quase-vida.

Jungkook inclinou a cabeça e seguiu me analisando.

ㅡ Estava me seguindo? Porque, se sim, isso é esquisito pra cacete, ainda mais agora que você conseguiu a sua vaga no Arrebol.

Eu soltei um riso de escárnio. Definitivamente todo o brilho que eu tinha antes por estar diante do vocalista da minha banda preferida havia sumido. Aquele garotinho já estava me dando nos nervos.

ㅡ Para o seu governo, o bonde pelo qual você quase foi atropelado nesta noite era o meu meio de transporte. Eu coincidentemente te achei.

ㅡ E aí decidiu me seguir?

ㅡ Exato. ㅡ Dei um passo à frente, cruzando os braços. ㅡ Fiquei curioso para saber o que diabos um cara que está em condicional, usando uma tornozeleira eletrônica, pretendia fazer num beco escuro de Sant'Angela. Você não deveria estar aqui.

ㅡ Eu tinha negócios importantes para fazer. Não é nada da sua conta.

ㅡ Negócios importantes, é? ㅡ Rolei os olhos pelo seu corpo despido e dei uma risada zombeteira. Ele se encolheu, e eu adorei isso. Era a minha vingança depois de tê-lo escutado dizer que eu era um "idiota manipulável".

ㅡ Olha só, vai se foder ㅡ Jungkook ralhou, e se virou para sair. Porém, ao abrir a porta e receber uma lufada de ar frio da noite, deu um passo para trás e estremeceu.

Ficou parado por uns segundos, matutando alguma coisa na mente, até que me encarou de soslaio, mordeu o interior da bochecha e voltou a se dirigir a mim:

ㅡ Me empresta o seu casaco ㅡ disse, num pedido que não parecia pedido, mas sim uma requisição autoritária.

"Ah..., de repente estou me sentindo uma babá lidando com um pivete mal educado", pensei, arqueando as sobrancelhas.

ㅡ Qual a palavra mágica? ㅡ falei.

Jungkook franziu o cenho.

ㅡ Como assim? Tipo "Bibbidi-Bobbidi-Boo"?

ㅡ Não as palavras mágicas da fada madrinha da Cinderela. ㅡ Abri um sorriso amarelo, enfadado. ㅡ Quando se pede algo a alguém, o que se deve dizer para a pessoa?

ㅡ ... Por favor?

ㅡ Isso. Muito bem. Agora peça direito. ㅡ Eu coloquei as mãos na cintura, numa pose relaxada, e esperei.

Jungkook bufou, deu-me as costas e encarou outra vez o cenário além da porta, provavelmente reconsiderando a ideia de atravessar Sant'Angela só de cueca, correndo o risco de ser reconhecido por fãs e paparazzis, e de pegar uma hipotermia.

Acho que a sua consciência funcionou nesse momento, porque o garoto exalou um suspiro, cerrou os dentes e cedeu.

Por favor ㅡ ele começou, bem enfático ㅡ, poderia me emprestar o seu casaco, Jimin Park?

Eu sorri, satisfeito.

ㅡ Claro. Mas tenho algo melhor. ㅡ Puxei a minha mochila e fucei o conteúdo dela até encontrar um determinado conjunto de roupas para dá-lo a Jungkook. ㅡ Pegue, é bem quente.

Jungkook recebeu e começou a vesti-lo. Só após ter colocado as calças, a camisa e a jaqueta que reparou na minha armadilha.

ㅡ Espera aí, essa roupa...

ㅡ Fantasia de Grease. Você pareceu ter gostado bastante dela, já que riu tanto hoje, quando me viu vestido.

O olhar verde ferveu de raiva.

ㅡ Está de brincadeira com a minha cara?!

ㅡ E você não está de brincadeira com a cara de todo mundo? Vindo até aqui, colocando-se em risco, arriscando ganhar outra manchete capaz de sujar a imagem do Arrebol? Te fazer vestir uma roupa engraçada nem chega a ser uma punição.

Jungkook mostrou os dentes para mim.

ㅡ Então é assim? Não faz nem vinte e quatro horas que começou a fazer parte do Arrebol, e já está querendo agir como alguém que pode dar pitaco em alguma coisa? Cara, se manca. Você não é um de nós só porque ganhou aquela bosta de competição.

Soltei um riso anasalado, num ato de indiferença. Eu tinha escutado aquele mesmo discurso mais cedo, já estava vacinado. Além disso, quando Jungkook falou em "vinte e quatro horas", lembrei-me do temporizador em meu pulso e concluí que não teria a noite inteira para ficar discutindo com aquele moleque-problema de dezenove anos. Ainda precisava encontrar o meu apartamento novinho em folha e descobrir como se usava o cheque que recebi do empresário Yoongi.

ㅡ Certo, hora de ir para casa, pivete. ㅡ Inclinei-me para fora da saída de emergência com o intuito de verificar o beco. Percebi, com alívio, que ele estava totalmente vazio, sem nenhum sinal da gangue de Flinn, e puxei Jungkook pelas costas do casaco para sairmos dali.

Caminhamos apressadamente pelas vielas entre os prédios, em busca de uma rua grande, movimentada e segura. Nestes entrementes, Jungkook me encarou de soslaio durante longos e enigmáticos segundos, até que perguntou:

ㅡ Tem cigarro aí?

Eu suspirei fundo, sentindo-se um pouco desconfortável com aquele pedido depois de ter presenciado a conversa entre Taehyung e Namjoon sobre a quantidade de cigarros que o garoto havia fumado só naquele dia.

ㅡ Você é viciado? ㅡ questionei.

ㅡ ... Esquece. ㅡ Ele enfiou as mãos nos bolsos do casaco e estalou a língua.

ㅡ Só estou perguntando. ㅡ Dei de ombros, tentando agir como se aquilo não me afetasse. Porém, após uns instantes, murmurei algo que não diria tão casualmente: ㅡ Eu já fui viciado. É uma merda e definitivamente não ajuda quem precisa de fôlego para cantar.

Jungkook permaneceu em silêncio e virado para o outro lado, dando a entender que estava me ignorando completamente.

No entanto, sua fala seguinte revelou o contrário:

ㅡ Como conseguiu parar? ㅡ Sua pergunta saiu num sussurro fingidamente indiferente.

ㅡ Eu não parei. Quer dizer, não estou mais dentro da estatística. Passei a me controlar e me ocupo com outras coisas, com comida, música, exercício... Mas ainda acendo um de vez em quando. O problema não é fumar, e sim virar maria fumaça.

Jungkook mostrou um sorriso torto.

ㅡ Maria fumaça, o trem?

ㅡ Isso aí. Ótima metáfora, não?

Ele me avaliou de cima a baixo e disse:

ㅡ Você é um pouco estranho.

Revirei os olhos e segui caminhando sem falar mais nada, determinado a apenas entregar Jungkook para o primeiro táxi que me aparecesse.

Acontece que o canto do meu olho captou um movimento peculiar do garoto. Os lábios dele não paravam de se abrir e de se comprimir, e, num gesto repetitivo, ele levou o polegar aos dentes para roer a unha.

Hm...

ㅡ Espera um segundo ㅡ falei e me dirigi a uma lojinha do beco.

Com apenas cinco centavos, comprei três pirulitos de limão. Benditos sejam os preços das coisas nos anos oitenta.

ㅡ Toma. ㅡ Entreguei os doces a Jungkook, e ele me encarou como se eu fosse maluco. ㅡ Só toma. Sei o que estou fazendo.

O garoto guardou dois pirulitos e colocou um na boca, então seguimos viagem. Com um pouco de satisfação, logo reparei que ele relaxou e sumiu com os gestos de antes.

Interessante...

ㅡ Essa tatuagem na sua mão é igual à minha... ㅡ murmurou ele após andarmos uns metros, apontando para os ossos tatuados nas costas de minha mão direita. Em seguida, mostrou o desenho idêntico que carregava no mesmo local em seu corpo.

Jungkook encarou-me arqueando uma sobrancelha, e eu imediatamente tentei me desviar da pergunta implícita em seus olhos.

"Ah, ótimo. Que constrangedor...", pensei, respirando fundo.

Ele continuou olhando para mim com aquelas órbitas verdes incisivas até eu finalmente desistir de me desviar.

ㅡ Sim, eu achei a sua tattoo foda e resolvi fazer uma igual. E daí? ㅡ assumi, dando de ombros. ㅡ Ela fica maneira na minha mão quando eu toco o baixo.

Jungkook piscou, como se tivesse sido surpreendido pela minha confissão, e então começou a rir alto, deixando-me ainda mais envergonhado.

Foi nessa hora que um grito soou atrás de nós, no final daquela viela:

ㅡ Ei!

Senti um frio na espinha ao reconhecer aquela voz. Pela forma como os olhos verdes de Jungkook quase saíram de suas órbitas, ele também a identificou.

Era Flinn, e o careca já disparava em nossa direção com seus comparsas.

ㅡ Corre! ㅡ exclamei, puxando Jungkook pelo braço.

Atravessamos o beco e entramos em outro, tentando despistá-los. Precisávamos encontrar uma avenida principal imediatamente para obtermos sucesso na fuga, já que nela poderíamos recorrer a um ônibus, a um bonde ou a um táxi. Sendo assim, guiei-me pelos sons do trânsito e parti para onde o grito de buzinas soava mais alto, até dobrar no que pensei que fosse o caminho ideal.

Eu estaria certo, se no final daquela rua estreita não houvesse um muro com um portão fechado que nos separava de uma avenida, resultando num beco sem saída.

ㅡ Ah, merda! ㅡ Chutei a base do portão e o chacoalhei.

Seria impossível abrir aquilo só usando a força, então pensei rápido e me virei para Jungkook.

ㅡ Seu corpo é menor que o meu, e um pouco mais franzino, então acho que dá. ㅡ Comecei a me agachar para improvisar uma escada humana. ㅡ Anda, sobe nas minhas costas e, quando chegar lá em cima, você me ajuda a subir.

Jungkook não hesitou e imediatamente subiu em cima de mim, esmagando-me com os meus próprios sapatos em seus pés. No meio disso, resmungou:

ㅡ Saiba que ainda estou em fase de crescimento.

ㅡ Vai logo! ㅡ ralhei.

Ele então se impulsionou para cima, colocou uma perna sobre o muro, para escalá-lo, e subiu totalmente.

Nessa hora, sons de correria ecoaram pelo beco.

ㅡ Pega ele! ㅡ O grupo de Flinn já se aproximava. ㅡ E pega esse maldito que está ajudando ele!

Ergui-me do chão num pulo e lancei as minhas mãos para o alto, esperando Jungkook segurá-las.

ㅡ Agora me puxa, Jungkook, rápido! ㅡ gritei, desesperado, mas não obtive nenhuma resposta, nenhum relance do vocalista do Arrebol.

Olhei para cima, buscando-o, e encontrei o topo do muro vazio.

ㅡ Jungkook?! ㅡ gritei de novo, não acreditando no que estava acontecendo. ㅡ JUNGKOOK?! ㅡ Fui totalmente ignorado. Ele tinha me deixado para trás. ㅡ SEU DESGRAÇADO DE UMA FIGA! MALDITO!

Escutei um pigarreio atrás de mim.

Virei-me mecanicamente e avistei Flinn parado a pouco menos de um metro de distância, encarando-me com ódio insuflado.

ㅡ Você deixou o meu alvo escapar ㅡ disse o enorme homem careca, mostrando os dentes.

ㅡ Haha, pois é... Se eu soubesse que Jungkook iria fazer isso comigo, teria te entregado ele de bandeja. Acho que até te ajudaria aí, com os seus negócios...

Visualizei o cara com um canivete. Ele girava a arma branca na palma de sua mão e sorria para mim de um jeito nada amigável.

Engolindo em seco, puxei os fios de cabelo para trás e rolei os olhos pelo meu entorno, buscando uma maneira de escapar. Logo concluí que não havia nenhuma forma humanamente possível de sair dali sem levar umas surras daqueles caras.

Mas eu não era um humano normal.

ㅡ Jungkook, não volta! ㅡ gritei de repente, olhando para além do grupo de Flinn. Ele e seus colegas foram pegos em minha mentira e se viraram para trás, em busca do vocalista.

Nesse curto instante, transformei-me no inseto voador e flutuei para longe, deixando a gangue assustada e confusa com o meu sumiço repentino.

Não vi Jungkook pelo resto daquela noite, para a sorte dele, e nem procurei encontrá-lo. Apenas voei até o meu novo lar doce lar ㅡ um apartamento mobiliado realmente adorável na zona leste de Sant'Angela, com uma suíte, uma sala com varanda e uma cozinha anexada a uma pequena lavanderia ㅡ, e adormeci feito um bebê até o dia raiar outra vez.

🎤🦋🎤

A última vez que vi alguém usando cheque foi em 2013, quando o homem que eu chamava de pai recebeu o salário do mês e foi a um banco comigo para sacar o dinheiro. Agora, em 84, deveria ser o meu momento de experimentar esse lance antigo, do tempo dos Maias, usando o cheque que ganhei do empresário Yoongi para tocar na grana que conquistei após vencer a competição.

Depois de sacada, eu usaria parte da quantia para comprar umas roupas menos estranhas e pagar as despesas que iriam surgir dali por diante, já que a partir de agora tudo iria sair do meu bolso. Também estava pensando em dar entrada num carro legal, talvez um Ford Del Rey ou um Impala, modelos que eu poderia comprar naquela década com mais facilidade, e que iriam realizar o meu sonho infantil de ter uma máquina maneira.

No entanto, para o meu completo azar, os bancos não abriam aos finais de semana, e descobri um pouco tarde que não havia alternativas para mim, já que aplicativos não existiam e caixas eletrônicos com 24 horas de funcionamento ainda eram lenda urbana. Apenas um atendente poderia resolver a minha situação, mas todos eles estavam de folga.

Então, com o pouco dinheiro que me restava daquele que ganhei do meu guia espiritual, comprei algumas besteiras alimentícias para passar o sábado e o domingo no meu apartamento novo, uma pequena muda de roupas comuns numa lojinha barata ㅡ apenas para vestir algo decente na segunda-feira, quando eu fosse participar do meu primeiro dia de ensaio com o Arrebol ㅡ, e, num surto de frustração, torrei os meus últimos centavos num descolorante e num tonalizante vermelho para cabelos, da mesma cor que minhas asas de mariposa.

Se ainda me sobrasse alguma grana, eu provavelmente teria ido atrás de um tatuador para desenhar algo como "Odeio os bancos dos anos 80" no meu braço.

Enfurnado em casa, passei dois dias sozinho, sem dinheiro e sem companhia ㅡ a mariposa verde do caralho a quatro celestial simplesmente tinha me deixado ao léu.

Entretanto, havia algo amenizando toda essa situação: Um contrabaixo deixado dentro da despensa da cozinha, e, anexado a ele, um bilhete cheio de palavras gentis.

"Bem-vindo ao grupo! Gostamos muito da sua técnica, espero que possa usá-la nessa criança que escolhemos para você. Quer dizer, fui eu que escolhi, mas o presente é da banda inteira. Tente afiná-la até o início dos ensaios. Até lá, Jimin Park! Ass. Taehyung."

Eu só descobri o instrumento novo na tarde de sábado, depois de retornar das minhas pequenas compras. Quando terminei de ler a mensagem amigável, um sorriso abobalhado se fixou no meu rosto pelo resto do final de semana, substituindo toda e qualquer frustração por energia e determinação para praticar no contrabaixo.

Pratiquei todas as últimas músicas lançadas pelo Arrebol em 84 até ficar perfeitamente afiado, e, na noite de domingo, ansioso pelo que viria no dia seguinte, colori o meu cabelo com o tonalizante rubro. Eu estava inteiramente determinado a dar uma segunda "primeira impressão" de mim para o Arrebol.

🎤🦋🎤

A mansão de Namjoon era imensa, decorada num estilo bem old money cheio de plantas, e ficava no alto duma colina em Sant'Angela, num bairro planejado da zona leste exclusivo para a elite midiática da cidade e do país, cujo acesso eu só obtive depois de passar pela revista dos seguranças que rondam o local.

Controlando os meus nervos, toquei a campainha e aguardei ser atendido por algum funcionário da casa. Acabei me deparando com a face bonita e naturalmente afiada do próprio líder do Arrebol.

ㅡ Jimin Park, você pintou o cabelo! Ficou maneiro ㅡ ele disse, ao me reconhecer, e abriu a porta inteiramente, revelando o interior da propriedade e algo que me deixou meio atônito: Seu corpo grande e musculoso vestido apenas por calças folgadas e um par de chinelos.

De músculos e peitoral bronzeado à mostra, ele abriu os braços tatuados e me puxou para um abraço de urso repentino. Quase sufoquei no meio dos peitos malhados daquele baterista enorme, mas foi incrível.

ㅡ A-ah, oi! ㅡ falei, tentando me recompor depois de ele ter me soltado.

"Não aja como um fanboy maluco. Não aja como um fanboy maluco. Não aja como um fanboy maluco."

ㅡ Você foi o primeiro a aparecer! ㅡ Namjoon abriu um grande sorriso amigável para mim, o que quebrou bastante a imagem intimidadora que eu ainda tinha dele.

ㅡ Eu não cheguei no horário certo? O empresário Min ligou para o telefone do apartamento me avisando... ㅡ expliquei, soando o mais relaxado possível.

ㅡ Chegou sim, é que os outros vão aparecer daqui a pouco. Entra aí, cara. ㅡ Namjoon me puxou para dentro de sua casa, dando tapas inconscientemente fortes em minhas costas.

Respirando fundo, adentrei a mansão e o segui através dos cômodos.

Senti o meu queixo cair no momento em que passei pelo portal de entrada.

O lar de Alison Bass misturava rusticidade e luxo. Havia plantas por toda parte, quase como numa estufa, enfeitando as paredes revestidas em madeira escura e os móveis espalhados pelos recintos. A decoração misturava arte pop com quadros que retratavam fotos de shows e o meio hardcore, dando à rica atmosfera um toque mais descontraído.

ㅡ Quer uma cerveja? ㅡ ofereceu o baterista ao aproximar-se de um frigobar e tirar lá de dentro duas garrafas de bebida.

ㅡ Valeu ㅡ falei, aceitando. Um pouco de álcool poderia me ajudar a relaxar os nervos.

Enquanto eu dava um gole, Namjoon apontou para o contrabaixo preso em minhas costas. O instrumento estava dentro da capa de proteção, como numa mochila.

ㅡ E aí, curtiu o presente? ㅡ perguntou ele, puxando assunto.

ㅡ Curti bastante. Esse modelo é muito confortável e as cordas são boas. ㅡ Sorri com sinceridade. Aquele contrabaixo era o melhor que eu já tinha tocado.

ㅡ Legal. Eu não entendo tanto de cordas, prefiro baquetas, mesmo quebrando elas na maioria dos shows... ㅡ Namjoon riu de si mesmo com um semblante levemente constrangido.

Eu ri também. Quebrar as baquetas sem querer era praticamente uma marca daquele baterista. Namjoon sempre cometia essa gafe quando se empolgava demais numa performance.

ㅡ É uma coisa boa quando você as quebra. Significa que o show valeu a pena ㅡ falei, dando de ombros.

O sorriso dele cresceu e soou grato.

ㅡ Vou usar esse argumento na próxima vez em que a representante da gravadora reclamar comigo sobre os gastos com baquetas novas ㅡ disse, num tom meio sarcástico.

ㅡ Cassandra Moura?

ㅡ A própria.

ㅡ Ela parece meio...

ㅡ Chata? Melhor não pensar nisso, vai ter que lidar com a figura daqui por diante.

Nós dois rimos e seguimos a caminhada pela mansão.

O líder do Arrebol me guiou até um corredor nos fundos, cheio de janelas grandes que tomavam as paredes do chão ao teto e ofereciam uma bela vista do jardim e da piscina olímpica que existia atrás da propriedade.

Chegamos então a um enorme recinto com uma caixa de vidro imensa bem na entrada.

ㅡ Aqui testamos algumas gravações e sons ㅡ explicou ele ao apontar para a caixa. Sua mão deu tapinhas leves na superfície transparente. ㅡ É como num estúdio. O vidro abafa os sons externos, e tudo que é tocado dentro é levado para os equipamentos pelos fios.

Rolei os olhos pelo interior da caixa, passando-os pelo microfone e pelos fones de ouvido presos a um pedestal que havia lá, depois segui os cabos e analisei o pequeno e privado estúdio logo à frente, também revestido por paredes de vidro. Nele encontrei uma grande superfície de controle e vários outros materiais para gravação de música.

Ainda que todos aqueles eletrônicos fossem bem ultrapassados para mim, que estava acostumado a lidar com tecnologia do século 21, eu reconheci o quão foda era toda aquela estrutura. Devia ser muito bom tocar ali dentro.

ㅡ Uau... ㅡ Coloquei as minhas mãos sobre o vidro, admirado. Era ali dentro que o Arrebol criava seus álbuns. Foi naquele lugar que músicas como CRUEL nasceram.

ㅡ Você vai entrar aí em breve. ㅡ Namjoon me deu um empurrãozinho amigável, chacoalhando a minha alma de fã que já tinha sido suficientemente atingida pelas suas palavras.

ㅡ Legal... ㅡ murmurei, mantendo a postura natural, mas acho que ele percebeu o brilho de emoção que provavelmente reluzia em meus olhos.

ㅡ Beleza. ㅡ O baterista pigarreou e me convidou para caminhar além da caixa de vidro.

Pisquei, atônito, quando reparei melhor no local em que nós estávamos. As paredes de madeira eram totalmente cobertas por discos e pôsteres dos álbuns do Arrebol, e havia uma enorme estante suspensa lotada de estatuetas, discos de platina e diamante, entre outros prêmios que a banda havia conquistado em sua carreira. No centro do recinto, em meio a tanta coisa, avistei sofás, um pequeno bar e um conjunto bagunçado de instrumentos e equipamentos musicais. Parecia um tipo de paraíso, e carregava o perfume cítrico de Namjoon.

ㅡ Esse espaço todo é usado pela banda, então fique à vontade pra, sei lá, pegar outra cerveja no bar e achar um canto para o seu contrabaixo. Os amplificadores e os pedais também podem ser usados, se quiser. E... hm. ㅡ Namjoon olhou ao redor. ㅡ Acho que é só isso.

ㅡ Certo, Namjoon... ou Alison. Como devo te chamar?

ㅡ Eu prefiro que me chame de Namjoon. Alison foi um presente dos meus pais para mim, mas é Namjoon quem faz parte disso aqui. ㅡ Ele apontou o queixo para o símbolo do Arrebol plastificado e colado à parede. A caveira em chamas violetas nos encarava com seus olhos vazios.

"É Namjoon quem faz parte disso aqui", e pensar que essas palavras saíram da boca do mesmo homem que em 2020 iria se recusar a usar esse codinome e a fazer parte de qualquer evento de música. O quão quebrado ele deve ter ficado depois do fim da banda para chegar àquele ponto?

Um peso desconfortável encheu o meu peito.

ㅡ Então... Obrigado, Namjoon ㅡ falei, e abri um sorriso.

"As coisas vão ser diferentes dessa vez", o pensamento me atravessou.

ㅡ Enquanto os outros caras não chegam, eu vou pedir umas pizzas. Tem algum sabor que você prefira? Mussarela, calabresa...

ㅡ Qualquer uma. O que vier eu como.

ㅡ Ah, você é um dos meus! ㅡ Namjoon riu. ㅡ Se precisar de alguma coisa, eu vou estar na sala, usando o telefone de lá.

Depois de dizer isso, saiu andando e me deixou sozinho naquele paraíso musical.

Sem olhos sobre mim, eu finalmente respirei fundo e liberei um pouco do meu lado fanboy que estava encarcerado até o momento.

ㅡ Ai, caramba! ㅡ Com um punho sobre a boca e quase tendo um piripaque, aproximei-me da estante que exibia os prêmios da banda. Os meus olhos saltaram das órbitas. ㅡ O primeiro disco de platina da banda, duas estatuetas do Grammy, o certificado de diamante de CRUEL. Eu nunca pensei que fosse ver isso com os meus próprios olhos, ah...

Fiquei diante da parede ao lado, repleta de pôsteres dos primeiros álbuns e singles, e das turnês que o Arrebol fez, e soltei o gritinho mais afeminado que eu me permitiria soltar.

ㅡ Poxa, a turnê de 83. Eu queria ter estado nela. ㅡ Coloquei as minhas duas mãos sobre o enorme poster diante de mim que anunciava as datas da turnê de 1983, como se fosse uma imagem santa e eu, um devoto em lamúria. Até choraminguei, um tanto dramático, antes de me voltar para os outros posters, todo animado e ingenuamente acreditando que não estava sendo observado por ninguém.

ㅡ Dá para notar que queria. ㅡ A voz sarcástica de Jungkook me fez paralisar. Ela soou atrás de mim, a poucos metros de distância.

Ainda de frente para a parede decorada, fechei os olhos, contraí as pálpebras e cerrei os dentes.

"Ah, droga", pensei.

ㅡ Desde quando você está aí? ㅡ perguntei, agora encarando-o de soslaio.

Jungkook vestia um conjunto despojado de calça jeans preta, um camisão xadrez e sapatos escuros. Os cabelos arroxeados estavam soltos e bagunçados, como se ele tivesse acabado de acordar. Não carregava tantos piercings como na sexta-feira passada, apenas uns poucos nas orelhas e no alto da sobrancelha ㅡ imaginei que isso se devia ao fato de que Flinn havia lhe roubado boa parte de seu conjunto.

O garoto soltou uma risadinha e deu um passo na minha direção.

ㅡ Eu estava deitado naquele sofá, tirando um cochilo, desde antes de você e Namjoon entrarem aqui. ㅡ Apontou para um sofá largado nos fundos e virado para um canto do recinto, longe das vistas de todos.

"Ótimo... Ele me viu em meu momento de fanboy. A minha dignidade morreu"

ㅡ Namjoon não sabe que você está aqui.

ㅡ É... às vezes eu entro aqui sem ele perceber. ㅡ Deu de ombros e caminhou até parar ao meu lado. Jungkook analisou um pouco o pôster da turnê e depois se virou na minha direção. Em seus olhos verdes havia uma mescla de diversão e escárnio. ㅡ Quer um autógrafo no rosto?

Eu ri. Inacreditável...

ㅡ Sabe o que eu quero? Uma retratação adequada vinda de você ㅡ ralhei, virando o corpo para o vocalista e cruzando os braços. Meus olhos o fuzilaram. ㅡ Deve ter sido divertido deixar para trás alguém que te ajudou a fugir de uma situação crítica.

ㅡ ... Eu estava um pouco atrasado para voltar para casa. ㅡ Os olhos verdes se desviaram. Não havia qualquer vergonha neles, mas agora soavam um pouco menos arrogantes. ㅡ Você não parece que foi machucado.

ㅡ Não graças a você. Eu me virei para fugir. Na próxima, vou esperar eles te darem umas surras antes de pensar em intervir.

Jungkook estalou a língua e soltou uma risada.

ㅡ Intervir? O que você acha que é? O meu anjo da guarda? Um justiceiro? Aliás, ainda acho estranho você ter me seguido até lá. Não quero saber de um esquisito que veio do nada andando atrás de mim.

Contraí a mandíbula e respirei fundo.

Em meu breve silêncio, eu concluí que uma conversa diplomática com Jungkook não iria ajudar em nada. A minha tática precisava mudar e ser mais incisiva se eu quisesse evitar que ele continuasse a sair por aí para se envolver em problemas.

Jungkook acreditava que eu estava ali para ameaçá-lo, ameaçar a sua posição na banda e tirá-lo do jogo. Pois bem, eu iria usar essa máscara de vilão naquele momento.

ㅡ Não... Quem vai intervir da próxima vez será a Doors e, se eu quiser, a polícia ㅡ anunciei.

ㅡ O quê? ㅡ Ele estreitou os olhos.

ㅡ É isso aí. Se ninguém te pegou ainda depois da sua fuga na sexta passada, significa que você fez algo com essa tornozeleira. ㅡ Eu sabia que Jungkook de alguma forma havia burlado o sistema do restreador, porque o escutei falando isso para Flinn, mas ele não tinha noção disso, então eu precisava inventar uma dedução para que as minhas próximas palavras fizessem sentido: ㅡ Sendo assim, nem a gravadora e nem as autoridades sabem que você fugiu. Mas eu sei, e eu posso te denunciar.

Jungkook permaneceu com o semblante cínico, mas eu vi uma sombra de receio atravessando o seu olhar.

Prossegui blefando:

ㅡ Primeiro, eu vou até Doors e digo o que vi... ㅡ Aproximei-me do vocalista com um passo. ㅡ Vamos ver o que eles farão depois... Provavelmente colocarão alguém na sua cola e consertarão a sua tornozeleira para evitar outro acontecimento assim. Mas a gente sabe que isso não é tudo. ㅡ Mostrei os dentes num sorriso afiado. ㅡ Os seus pontos com a gravadora vão diminuir pra cacete.

ㅡ Então é assim, Jimin Park? ㅡ Ele sorriu como se estivesse obtendo a prova de que precisava para me ver como um obstáculo em sua vida.

ㅡ É bem assim. Por isso, sem piadinhas, sem fugas e sem canalhice a partir de agora. O que acha?

Jungkook piscou e suas feições se tornaram sérias, misturando no olhar verde ondas de cinismo e despeito. Em seguida, ele cutucou o centro do meu peito com um indicador tatuado e ralhou:

ㅡ Olha aqui, põe uma coisa na sua cabeça. Você não faz parte desta banda. Você não faz parte disso aqui pra querer impor alguma coisa. É um penetra que foi colocado contra a nossa vontade. Pode soltar ameaças, mas vamos ver como vai ficar a sua situação quando o público começar a te odiar por ter invadido o Arrebol.

O veneno em seu tom de voz fez o meu cérebro latejar. A decepção completa me atravessou.

"Então essa realmente é a verdadeira face do vocalista que tanto admirei um dia", pensei, e não reprimi o semblante de desapontamento que me cobriu.

O garoto continuou me encarando, e seu olhar fraquejou por um reles segundo, tão rápido que pensei que tivesse sido uma ilusão minha.

Nestes entrementes, reparei na mão solta ao lado de seu corpo. Ela estremeceu a ponto de Jungkook precisar fechá-la com um punho cerrado. Mas o tremor continuou pelo resto do braço, então, num ato quase automático, o vocalista buscou um cigarro do bolso e o acendeu entre os lábios.

Após uma tragada profunda, ele relaxou e deu as costas para mim, indo em direção à saída daquele recinto.

Lembrei que em meu bolso havia um pirulito que comprei enquanto me deslocava até a mansão de Namjoon. Eu poderia ter oferecido o doce para aquele guri de cabelos roxos substituir o cigarro, mesmo correndo o risco de receber um rechaço dele. Porém, só fiquei parado, olhando-o se afogar em nicotina.

"Eu não tenho nada a ver com isso", pensei, amargo.

Mas, de certa forma, eu tinha sim.

🎤🎤🦋🎤🎤

Use #MariposaPunk para comentar sobre a fic por aí💜

E, antes de ir embora, deixe o seu ⭐VOTO⭐, ele é um grande incentivador!

Obrigada pela leitura, pessoal! Vocês curtiram o capítulo??? Já começaram a sentir raiva do Jungkook? Hehehe. Só quero que saibam que os personagens desta fic não são perfeitos, e que meu objetivo é torná-los profundos, com camadas, então não se influenciem tão fácil por atitudes e palavras impulsivas de alguns deles. 

Quanto ao romance dos Jikook: Será slowburn, ou seja, vai demorar, vai vir aos poucos, será construído em etapas, e eu vou me esforçar para que cada etapa seja divertida, engraçada e emocionante. 

Quanto à menção ao vício em cigarro, ATENÇÃO: Não quero que confundam nada aqui, eu não estou demonizando o fumo (gente, eu também fumo às vezes, aliás sksksks), mas sim o vício desenfreado, a dependência, e com o intuito de trazer algo ocultado por Jungkook.

Enfim, é isso~~ Espero revê-los em breve no próximo capítulo. Estou escrevendo aos pouquinhos sempre que dá, juro que estou! Não vejo a hora de mostrar a vocês alguns acontecimentos que roteirizei, queria ser capaz de atualizar toda semana para mostrá-los mais rápido aos leitores... Mas vai dar certo. Obrigada pela paciência e compreensão de vocês, e pela divulgação que alguns estão fazendo por mim (eu fiquei tão grata, aaaaaah). Até depois💜



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