Alice
Minhas emoções afloradas quase me traíram e me impediram de contemplar a visão dos céus, em meio ao inferno.
Laura, disfarçada de coletor de lixos, andou um pouco em direção ao muro altíssimo, como que procurando meios de adentrar à fortaleza, depois voltou para frente do portão e tentou abri-lo.-lo. Meu coração, mais acelerado que carro de corrida, me fazia suar frio. Queria sair e correr ao seu encontro, ao mesmo tempo que queria continuar a vê-la e aproveitar cada milésimo de segundo da imagem. Toquei a tela da televisão com a ponta dos dedos como se fosse possível sentir sua pele quente e aveludada. Ela afastou-se, tirou o celular do bolso e fotografou a fachada, em seguida, subiu de volta no caminhão e eu tentei impedir, gritando por seu nome ao tocar a tela da tv.
A medida que o motorista manobrava, sai correndo do escritório em direção a porta da sala que dá acesso ao estreito caminho que leva ao portão, aos prantos e gritos. Antes que pudesse acessar a parte externa, fui amparada e impedida pelas moças que me seguraram pelo braço, impedindo minha passagem.
- Enlouqueceu? Onde pensa que vai? - perguntavam atônitas e minha resposta, aos prantos e soluços , limitava-se a chamar pela Laura, meu amor.-
Tamanho escândalo despertou a atenção dos guardas que estavam na área externa e entraram na casa, falando em russo, querendo saber o que estava acontecendo. Mirela veio apressada da cozinha falar com eles e voltaram à vigia, dirigindo olhares desconfiados para minha pessoa, que chorava copiosamente nos braços de uma das moças.
- O que aconteceu Alice? - me perguntou Mirela, após despistar os seguranças.
- A Laura, meu amor, estava aqui! - respondi aos prantos - Estava no portão!
- Isso é loucura da sua cabeça! Ninguém vem aqui! - ela respondeu, colocando as mãos na minha testa - Você está ardendo em febre! Deve ser alucinação.
- Não é alucinação - falei ainda chorando - Era a Laura mesmo! Ela veio até o portão, tirou fotos e saiu.
- Alice - Mirela chegou perto e me fez olhar em seus olhos - Vamos cuidar de você pois está com muita febre - alisou meu cabelo - Mas ouça com atenção - segurou meu rosto - Não tem ninguém aqui além de nós, e nós - olhou ao redor apontando todas as demais - Precisamos de você, com a cabeça boa. Venha, vamos tomar um remédio.
Após direcionar outras para terminarem meu trabalho, me fez acompanhá-la até a cozinha onde procurou analgésicos em uma caixa cheia de remédios.
- Mirela - falei ao me sentar e tomar um copo de água - Agradeço sua atenção e cuidado, mas não duvide de mim. Sei muito bem o que estou falando.
- Alice, não estou duvidando, só acho impossível acontecer o que você diz que viu - sorriu.
- Não é impossível! Eu vi pelas câmeras. Ela veio até a entrada disfarçada de coletor de lixos e após ver que não tinha como entrar, foi embora. Se estamos mesmo em Paris, como você diz, ela está também, e isso me impulsiona a ter mais vontade sair daqui.
- Por qual motivo ela viria até aqui, Alice? Como saberia onde você está? Todas fomos praticamente sequestradas! Não faz sentido - interrompeu-me uma das mais velhas entre as moças - Eu acredito mais na versão da Mirela, que você está alucinando devido a febre.
- Minha Laura é influente nos negócios, tem parceria com pessoas do mundo todo. Tenho certeza que o que vi, foi real - falei, apoiando a cabeça nas mãos e fechando os olhos para conseguir visualizar em pensamentos a imagem dela mais uma vez - Vou tomar um banho e esperar esse febre baixar. Depois conversaremos sobre o que podemos fazer.
Agradeci o cuidado e subi para meu quarto. Com dificuldade tirei a roupa e me olhei no espelho. Minhas costelas, do lado esquerdo, estavam com coloração quase preta e muito inchado. Doía para se mexer, respirar, andar, no entanto, nenhuma dor se comparava à que sentia na alma, por estar tão perto e ao mesmo tempo tão distante da minha amora.
Entrei no banho e enquanto a água escorria pelo meu corpo, chorava toda a angústia e solidão de estar afastada da mulher que amo. Ao mesmo tempo que as lágrimas saíam como um alívio, nutriam a fúria e o desejo de sair e ir ao encontro dela.
Saber que não estou sozinha, me fortalece e vê-la, do outro lado do portão, foi como uma injeção de ânimo para enfrentar o que fosse preciso.
Terminei meu banho, me vesti e desci, dessa vez, com sede de vingança e justiça. Ansiava pelo momento em que Joseph chegaria para poder conversar com ele da forma que ele merece.
Pouco antes do sol se por, ele chegou, acompanhado de vários seguranças e uma mulher muito bonita, bem vestida, de beleza árabe, alta, cabelos negros e pele morena clara, olhos amendoados e cílios longos com olhar penetrante e um perfume adocicado que invadiu o ambiente, antes mesmo da sua entrada total.
Todas a observavam com os olhos atentos,quase boquiabertas em presenciar uma mulher de tamanha beleza, acompanhada do podre Joseph. Ele, como sempre, com um sorriso irônico e sarcástico no rosto, cumprimentou a todas e apresentou sua colega:
- Oi minhas queridas! Essa é Marrie Mozhan uma grande e velha amiga. Temos assuntos a tratar e logo mais, teremos novidades a contar.
A mulher, de nome Marrie, apenas sorriu a todas nós e o acompanhou para o escritório. Com o olhar carregado de fúria, os acompanhei, sentindo minhas entranhas estremeceram de ódio e sede em acabar com cada célula que os compõe.
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Laura
Assim que recebi a mensagem da Bia com as coordenadas geográficas, meu ímpeto foi querer ir ao local e averiguar se era real, no entanto, ao entrar no carro, recebi a ligação da Didi e atendi com pressa, porém, carinhosamente:
- Oi Didi! Axé!
- Axé minha menina! Como você está? - me perguntou com gentileza.
- Nem sei Didi. Acabei de ter um encontro um tanto quanto estranho com um cara pior que o Joseph que me prometeu encontrá-la se eu der uma empresa pra ele e..
- E você não caiu nesse papo, não é?! - me interrompeu.
- Eu falei que se ele a encontrar, podemos fazer negócios. Estou sem opções Didi - senti um nó formar-se na garganta - E agora a Bia me enviou o endereço da casa onde a Alice pode estar, estou querendo ir pra lá
- Sozinha? De cara limpa? - perguntou com alta voz.
- Se não tivesse me ligado, já estaria a caminho.
- Laurinha - ela suspirou e continuou - Eu entendo que você está desesperada para encontrar a Alice, mas sem você, fica um pouco mais difícil, não acha?
- Como sem mim, Didi? Eu estou aqui para isso!
- Sim, mas não vai ir no lugar do modo que qualquer pessoa desse mundo te conhece né?! Não se mostre, querida. Esse homenzinho é perigoso.
- Tem razão Didi - revirei os olhos ao concordar com ela - Estou afoita e quase inconsequente. Vou pensar melhor antes de ir.
- Me mantenha informada. Estamos todos preocupados com vocês.
- Te amo Didi. Axé! - pedi a ela sua benção.
- Axé Laurinha. Também te amo.
Desliguei a ligação e o sr Tony me observava pelo retrovisor, aguardando minha ordem do que fazer.
- O senhor ouviu tudo - sorri sem vontade - Tem alguma sugestão?
- Já que perguntou - sorriu de volta - Tenho uma ideia, que dificilmente falha, no entanto, preciso da sua aprovação.
- Vamos em frente! Me diga - pedi sem paciência.
- Caminhão de lixo!
- Caminhão de lixo? - franzi o cenho ao perguntar - Ir até o local com um caminhão de lixo?
- Sim, senhorita! Temos um na nossa divisão da polícia, e está em um depósito bem próximo daqui.
- Então vamos! Não posso mais perder tempo - falei com entusiasmo.
O depósito, estava quatro quarteirões pra frente de onde estávamos e rapidamente chegamos ao local. Além de um uniforme de coletor de lixo, o sr Tony me fez colocar um colete à prova de balas por baixo e fomos munidos de um armamento básico.
O lugar, um pouco afastado da área habitacional da grande Paris, não longe o bastante para ficar distante da cidade, mas também não perto o suficiente para ser encontrado com facilidade, foi acessado através de uma bifurcação que saia da rodovia e chegava em uma rua estreita que acabava num portão todo fechado, de ferro pintado de preto, muito alto, muros ao redor que perdia-se de vista onde se acabava, pintado de branco, com cerca elétrica na extremidade.
Enquanto o sr Tony manobrava de ré para disfarçar e pegar o lixo disposto em contêineres, desci do caminhão e tentei analisar se o portão tinha fecho que pudesse ser aberto, mas não encontrei. Os muros, de difícil acesso também, impossíveis de adentrar.
Mandei uma foto da fachada para a Bia e avisei que estava no lugar, mas sem chances de conseguir entrar. Sem ter muito o que fazer, voltamos para a cidade. Algo me dizia que deveria tentar mais uma vez, mas a razão me mostrava ser impossível entrar, sem ajuda de uma grande equipe. Após deixar o caminhão no depósito e estar a caminho do hotel, enviei uma mensagem para a Marrie:
Laura: Marrie, meu contato no Brasil, conseguiu as coordenadas da localização do Joseph. Preciso de ajuda da sua equipe para entrar no local. Favor passar ao Iván. Segue: 48 51 '23' 'N, Longitude: 21 2 a'7" E.
Já no hotel, procurei me acalmar ligando para a Didi para contar como foi a ideia de ir até o local e saber notícias de como estão as coisas no Brasil, passamos horas conversando, ao mesmo tempo que me alimentei e aguardei algum sinal de que a investigação do caso, estaria em andamento. Essa espera me custou muito esforço mental para não descontar no álcool ou na impulsividade de voltar ao local e invadir. Já tarde da noite, recebi uma mensagem intrigante da Marrie:
Marrie: Querida Laura, fui com o Iván ao local que me passaste, e não encontramos nada além de um descampado cheio de matos e brejo. Ao amanhecer, vamos procurar por um abrigo que recebemos denúncia. Fique no hotel em segurança. Te mando notícias. Estamos fazendo nosso melhor trabalho.