Tatiane Rebouças

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Tati

Pousar em São Paulo, depois de dois anos e oito meses, pra ser mais exata, dispara todos os gatilhos possíveis dentro de mim. Sair daqui, após ter agido de forma inconsequente, me fez mudar. Perder a Laura, foi necessário para meu crescimento pessoal e profissional.

Antes dela, eu vivia à sombra de aventuras e em constante busca por situações que me desafiassem. Saí da casa dos meus pais muito nova, tendo tudo do bom e melhor e fui me aventurar na Europa. Decidi cursar medicina na França, aproveitando da minha cidadania portuguesa e, não valorizei. Conheci um moço, na faculdade, que me virou a cabeça, literalmente. Joseph, era brasileiro, residente na França, forçado pelo pai adotivo. Descontava todos os problemas da vida, na rejeição que acreditava ter sofrido pelo pai biológico, que morreu em um acidente quando ele tinha dois aninhos. Cresceu alimentando essa ideia, e isso o amargou, desenvolvendo dificuldades psicossociais e dissociativas. Em pouquíssimo tempo, me transformou quase uma prisioneira dele, num relacionamento abusivo. No único dia que consegui fugir da aula e ir passear em um dos barcos pelo rio Sena, conheci Laura. Uma mulher lindíssima, independente, poderosa. Vi nela uma chance de conseguir fugir daquela vida monótona e doentia. Quando não se sabe onde quer chegar, qualquer destino serve, e assim, vim com ela para o Brasil. De volta à terra natal, conheci um pouco do amor que sonhava ter. No entanto, eu precisava crescer e valorizar o que tinha. Laura me proporcionou uma vida de princesa. Meu deu casa, carro, pagava minha faculdade e me mantinha com todos os luxos que eu desejava. Fui da escassez de carinho e atenção do Joseph, ao extremo de cuidado e luxo com a Laura. Dois opostos que me tiraram do eixo. Joseph se mostrava problemático desde sempre, já Laura, fui descobrindo aos poucos. No começo, uma paixão arrebatadora, daquelas que só vê nas telas do cinema. Com o tempo, seu vício no álcool, foi minando nossa relação. A atenção e o carinho, foram sendo substituídos por presentes de altíssimo valor, viagens inesperadas e uma ostentação incalculável, na tentativa de repor a ausência de presença. Eu tinha tudo que queria, mas não tinha ela na minha vida. Trabalhava muito, e quando saia do trabalho, bebia muito. Obviamente, eu, uma moça de vinte e seis anos, carente, encontrou a massagem no ego que precisava, com a secretária, cheia de amor pra dar. Todos os dias, Vivian estava disponível para conversar, almoçar, passear. Nos envolvemos e, nos amamos. Até o dia, que, por descuido e muito tesão, fomos pegas. Vivian perdeu o emprego e por causa disso, não quis mais nem saber se eu estava viva. Fui expulsa da vida da Laura, sem direito a conversa. Desde o ocorrido, nunca mais nos vimos. Tentei viver com as reservas que tinha, mas não consegui. Vendi o apartamento, com tudo dentro, desde roupas à móveis e, o carro que ela me deu. Escolhi um destino ainda não visitado e fui parar em Belo Horizonte, começar a vida do zero. Na bagagem, apenas as roupas do corpo e documentos. Aluguei uma kitnet, transferi o curso de medicina e arrumei emprego. A reserva que fiz, deixei para a faculdade, e meu emprego, me manteve com pouco luxo. Longe de amigos, familiares e relacionamentos, comecei a focar em mim. Concluí meu curso ano passado e agora, estou me especializando. Ser neurocirurgiã requer muito estudo e entrega. Meu foco é esse. Atualmente, trabalho em dois hospitais como plantonista e estou atendendo em três consultórios. Ainda não estou ganhando o suficiente para regalias, mas está dando para se manter e pagar os cursos. Relacionamentos, só comigo e os livros. De vez em quando saio e fico com quem me dá vontade. Pego, sem me apegar.

Vou ficar em São Paulo de segunda à quarta, para participar de um Congresso de Neurologia, em seguida vou pra Porto Alegre, participar de outro congresso, sobre práticas inovadoras e pouco invasivas de cirurgia cerebral e retorno à BH. Pretendo passar na empresa da Laura, antes de ir ao congresso. Apesar dos pesares, sou muito grata a ela, até mesmo por ter me mostrado um lado de sua pessoa, na qual eu não quero ser. Tem pessoas que nos inspiram a ser melhor, mostrando o pior delas. Laura é uma dessas pessoas.

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