A primeira coisa que senti foi o cheiro do mar, junto com o som de gaivotas. “Praia?”. A correnteza ter levado meu corpo até o oceano e aquilo me fazer parar em algum litoral, era uma explicação plausível para eu estar onde estava, afinal, comecei a sentir a areia em toda a parte de trás do meu corpo. O único questionamento seria o tanto de horas que fiquei desacordada, mas depois de não dormir por uma semana inteira, a questão diminuíra sua intensidade. Fui abrindo meus olhos lentamente, pela luz do Sol. Foi quando uma sombra surgiu em minha vista.
-Quer ajuda para levantar?
O susto que levei com aquela voz me fez estar em pé em um segundo, ainda que cambaleando. Assim que fixei meus pés ao chão e minha visão ficou nítida, Ethan estava há um metro e meio de distância.
-Se afaste de mim!
Eu olhava de relance para os lados, procurando algo ao meu favor para matar o vampiro a minha frente. No entanto, aquela parecia ser uma praia deserta. Não havia sinal algum de vida urbana. Tinha que admitir que a estratégia parecia infalível. Ele esperou o momento perfeito para me atacar. Ethan esperou o lobo morrer.
-É assim que me agradece?
-Não tenho nada para agradecer, vindo de você! -havia fúria em minhas palavras.
-Anne... -ele deu um passo em minha direção e eu me afastei em um, defensiva.
-Vai ter que se transformar no gatinho para tentar me matar, Ethan, pois eu não vou me render facilmente.
Enfim pude ver raiva nos olhos daquele vampiro.
-Eu saberia disso se quisesse te matar... Na verdade, se eu quisesse mesmo te matar, aproveitaria a oportunidade de você estar desacordada...
-Cínico!
Nada. Não havia nada além de estratégias de luta para me defender e eu não conhecia as de Ethan, como um tigre enorme.
-Você tem que rever as suas hipóteses, Anne. Sério mesmo que achou que eu ainda fizesse parte dos Volturi?!... E de nada, por salvar sua mágica Quileute. –protestou enquanto caminhava até a beira da praia, olhando para as ondas.
Não pude evitar a dúvida. Logo comecei a lembrar dos últimos instantes, depois de cair dentro do rio. “Eu afundava... O céu dançava pela água... O lobo ia embora... Mas então... Dois olhos azuis acinzentados... Desesperados... Ethan!”. Verifiquei se meu coração ainda batia e fiquei surpresa por ter uma resposta positiva.
Mas o fato daquele vampiro ter me salvado não cessaria minha desconfiança. Para saber da verdade, eu teria que, pelo menos, fingir ainda acreditar firmemente que ele era um aliado dos Volturi.
-Obrigada por avisar que ainda tenho minha mágica. Assim eu posso te matar... Quanto os Volturi irão te recompensar pela minha cabeça, Ethan? -fui cínica.
-Você poderia, por favor, parar de me colocar como uma arma daquele clã doentio?
-E você não é?
-Por Deus, Anne! Não! Eu deixei a soberania há muito tempo... Venho fugindo, como você, porque meu dom os obriga a me quererem apenas do lado deles... -a confissão me pegou de surpresa.
Comecei a pensar nas reais possibilidades daquilo ser verdade e compreendi que poderia ser possível. Mas mesmo que fosse, embora eu ainda desconfiasse, não explicava o fato de ele ter me observado na floresta.
-Se quiser mesmo ter certeza, então leia minha mente. -Ethan desvendou minha expressão facial de dúvida que eu sabia que devia estar fazendo.
Assim que li os pensamentos do vampiro, tive certeza que falava a verdade. Ele havia saído dos Volturi há muito tempo, fugindo dos mesmos desde então. Ethan odiava a forma como enganavam uma grande quantidade de turistas para se alimentarem de todo o sangue deles. Porém, ele era obrigado a aquilo, pois não conhecia outra forma de se alimentar.
Os Volturi pregavam sua natureza como algo magnífico. Quando Ethan contou sua decisão a Aro, de deixar o clã, o vampiro soberano não lhe negou sua saída. Contudo, quando ia deixar Volterra, Ethan foi abordado por Félix e Alec, a mando de Aro. Este último alegou ter visto na mente do vampiro de olhos azuis, o mesmo confessar que era um imortal a uma humana, por qual se apaixonara. Os dois integrantes da Guarda Volturi foram enviados para matar Ethan, mas ele conseguiu fugir.
O que Aro alegara era falso, pois Ethan nunca havia sequer cumprimentado uma mortal. E foi isso que pude ver, antes que o vampiro me bloqueasse de sua mente, de novo.
Sim, ele era inocente em parte. “Mas por que me vigiava?” e além do mais...
-Por que?... Por que não me deixou acabar com o perigo?! -mesmo que ele tivesse me salvado, mesmo que ele realmente havia deixado os Volturi, não tinha o direito de interferir na minha decisão.
-Porque você gosta do lobo que existe em você. -Ethan ainda olhava para as ondas. Seus punhos cerrados denunciavam que ele estava tentando controlar suas emoções.
-Isso é insuficiente. -não tinha dúvidas que era.
-Mesmo que você possa acabar com o perigo que oferece, o que é diferente de mim, você não pode desistir do que faz você feliz, Anne, por medo.
Ele tinha razão. Eu sabia que tinha. No entanto, o medo era forte demais.
Ethan podia ser inocente, mas minha saída da casa dos Cullen não se tornou em algo desmotivado. Sempre sentiria o perigo que carregava e apresentava as pessoas que tentavam se aproximar de mim. Os Cullen, Quileutes, Ethan... Todos expostos a grande ameaça que era conviver com uma bomba. Não era só pelos Volturi. Edward, Beethoven... Phillip... Todos sofreram severamente antes de morrer... E eu não pude protegê-los.
Olhei para as ondas, assim como Ethan, e vi a paisagem como vira a vista do penhasco: morta. A areia em meus pés, o vento em meu rosto, o barulho das ondas, a maresia em minha pele... Nada surtia efeito... Não havia vida... Não havia nada... Em mim.
-Foi o que escolhi... Eu não... São tantas coisas que doem, que eu só quero que pelo menos uma vá embora.
-Não assim.
-Então como? -perguntei, rendida.
Enquanto Ethan pensava em sua resposta, eu continuava a olhar para a paisagem, mergulhada em pensamentos sombrios.
-Me conte a sua história, Anne Wheeler... A história que você guarda aí dentro, todo santo dia... A que machuca.
Balancei minha cabeça de forma negativa, dando um sorriso sarcástico. Quase não acreditei naquele pedido. Ethan queria que eu fosse ao fundo da minha dor e eu não sabia se poderia suportar aquilo.
“Ele não entende... Ele quer que eu me mate, afinal?!”
-Me conte, Anne... Você precisa colocar isso para fora.
“Não posso... Não consigo!”
-Não pedi sua ajuda e nunca faria isso... Minha mente é algo complicado... Ele sabia como era viver assim... Você tem que ficar longe de mim. Todos têm... Vai ser melhor desse jeito.
“Eu sei que vai.”
-Eu não vou a lugar algum e até você sabe que não vai ser melhor, mesmo que tente acreditar do contrário.
“Pare de se aproximar!”
-Não pode mudar o que construí há anos. O final é sempre o mesmo e tudo o que você disser, vai ser usado contra mim... Apenas me deixe seguir sozinha e ficará bem. -virei para minha esquerda, dando as costas para Ethan e logo andando pela areia da praia, para qualquer lugar longe dali.
-Eu não me importo... Não mesmo... O que aconteceu com você, o que acontecerá comigo e depois com você, eu não me importo.
Foi uma resposta sincera e talvez me causaria impacto, se eu não estivesse em profundo silêncio, no momento.
-Bom para você. -respondi, sem parar de caminhar.
-É mesmo... E não é porque eu não goste de você, porque você sabe que isso seria mentira...
Fechei meus olhos. “Tarde demais.”
-Mas o motivo é que eu só vivo o hoje... É isso o que importa.
-Isso é um sonho distante.
-Me deixa te ensinar... Não é tão distante assim, eu prometo... -parei de caminhar, mas não me virei para ele. Eu queria viver um dia de cada vez. Queria poder me sentir viva de novo. E como eu queria! Porém via estes sonhos a quilômetros de distância. Inalcançáveis como o céu. E de repente, Ethan me fez uma promessa que duvidava se seria cumprida. -Mas você precisa confiar em mim.
-Sabe que é difícil.
-Nunca é... Comece me falando o fato que provocou tudo isso... Me fale sua história com Phillip... Por favor.
Virei-me novamente para ver as ondas da praia, em seguida dei alguns passos para trás, o suficiente para a água não me tocar, e sentei-me na areia branca.
“Amor pode machucar.”
Então me preparei o máximo que pude para começar a relatar minha perda.