▕ B l a i r▕
Abro a porta do meu quarto e entro disparada no mesmo atirando-me livremente para a minha pequena, mas confortável, cama. O meu coração havia rebentado de tanto bater visto que uma professora quase me apanhara à saída do quarto de Zayn, ainda há poucos minutos atrás. As minhas pernas tremiam devido ao nervosismo a adrenalina percorria pelas minhas veias à velocidade da luz. A minha sorte é que a maior parte dos docentes desta universidade, contratados pela minha mãe, são tudo menos jovens. Concluindo, as péssimas articulações e a falta de visão da senhora de cabelos mais brancos que o meu tapete foram o que me valeram ou, caso contrário, a esta hora estava eu e o monstro às portas do inferno.
Um grande ruido, provindo da cama a meu lado, faz-se soar pela divisão, assemelhando-se a algo pesado a colidir com o chão. Rapidamente, levanto a minha cabeça da pálida e volumosa almofada, obviamente sobressaltada com o barulho inesperado. Samantha, unicamente de roupa interior, arregala os seus olhos para mim aparentando-me estupefacta por me ver. Sorrio ao, após um segundos provocados pela minha lentidão cerebral, compreender o momento que acabara de interromper. Como boa amiga que sou, tento emendar a circunstância com algumas das minhas infindas palavras sábias,
"Oh, entendi. Vocês estavam... Oh, entendi. Olá, Louis!" Eu digo, desajeitadamente, querendo levar a palma da mão contra a minha cara. Se eu estivesse quieta no meu sítio, ou se eu fosse uma rapariga calada, não estava sujeita a momentos incómodos como estes.
"Olá, Blair." Louis cumprimenta-me ainda escondido atrás da cama. Mordo o lábio para não mudar a minha postura séria e fico surpreendida ao ver a loira, habitualmente extrovertida, revelar-se tão inibida.
"Estejam à vontade..." Eu comento para Samantha, meio na brincadeira, após ver a sua faceta tímida ser, pela primeira vez, revelada.
"Blair, nós não estávamos a fazer nada..."
"Não, claro que não." Eu digo, na tentativa de não ser muito malévola nas minhas palavras. Esforçava-me ao máximo para não dar uso ao meu sarcasmo fluente mas a comédia da circunstância não permitia que isso acontecesse. Forço um pequeno sorriso para que não me desfizesse em gargalhadas e volto a colocar a minha mala negra e de couro ao ombro. "Qualquer coisa que precisem, tenho na minha bolsinha da higiene."
"Blair!" Samantha reclama o meu abuso e à-vontade demonstrando, novamente, a sua vergonha.
A rapariga de fios de ouro leva as palmas das mãos até às suas bochechas para tentar disfarçar a cor de havia ganho com a sua situação. Sei que ela não gosta muito de admitir, ou de demonstrar, os seus sentimentos publicamente e compreendi que o que estava a fazer era errado. Contudo nada podia eu fazer para que pudesse alterar o meu lapso. Talvez tenha acabado de estragar um dos momentos mais marcantes da vida de Samantha e, tudo isto, devido ao facto de eu não ter dois palmos de testa e não ter respeitado a sua privacidade.
Após ajeitar o meu cabelo negro, que já me implorava a passagem de uma escova, preparo-me para sair do meu dormitório.
"Desculpem, agora a sério. Eu não queria mesmo interromper, nem sabia que estavam aqui." Eu digo num tom sério e mordo o lábio recordando a situação anterior.
"Não tem mal, Blair." Samantha murmura desta vez com alguma preocupação na vez. "Está tudo bem?"
"Eu depois explico-te, Sam. Até logo e desculpem, uma vez mais, ter-vos interrompido."
Fecho a porta que dava acesso à divisão antes que alguma resposta, da parte deles, pudesse soar. Demoro algum tempo a ver as horas no meu relógio de pulso mas, após a concretização da ação, penso para onde é que posso ir a estas horas.
A matéria de Biologia está toda baralhada na minha cabeça, ainda que tenha negado o mesmo ao moreno. Já farta de tantos nomes técnicos, impossíveis de pronunciar e de escrever, acabei por admitir estar a compreender tudo e ainda comprometera a tirar boa nota. Claro que ele, tão experiente destas falsas promessas de aluno, fingira-se de iludido e beijara-me. Do beijo eu lembro mas, infelizmente, na minha frequência não vai sair nada relacionado com isso.
Quem me dera que saísse. Eu brilhava nessa matéria.
Caminho pelo corredor com o meu olhar colocado no chão, na tentativa de não tropeçar nos meus próprios pés.
Questiono-me como é possível ser tão distraída e trapalhona. Honestamente, são poucas as qualidades que consigo atribuir a mim própria. Os defeitos, esses sim, parecem infinitos. Desde a minha inconveniência até à minha hiperatividade, passando pela minha falta de classe a comer e ainda pela minha personalidade inconstante, não é possível que algum homem no mundo me queira. Contudo, não é isso que as palavras de Zayn me dão a entender.
Após abandonar o corredor que dava acesso aos dormitórios das raparigas e após percorrer todo o espaço ao ar livre, necessitante de iluminação visto que a tarde já quase estava toda ela passada, entro pela porta principal e dirijo-me ao bar. A minha fome é muita visto que mal me alimentei no decorre do dia de hoje. Zayn ainda fora buscar, por diversas vezes, alguma coisa para nós comermos enquanto me deixava a fazer alguns exercícios mas a minha fome era mesmo reduzida nessa altura.
Talvez por causa da ansiedade que adquiro sempre que estou à sua beira.
Fico admirada ao ver que a zona se encontrava vazia mas, visto que estava a ter o meu jantar quase uma hora mais cedo, é compreensível. Solicito a minha refeição à dócil empregada de cabelo castanho atado num pucho perfeito e fico algum tempo a aguardar que a mesma seja preparada. Mexo no telemóvel no âmbito de me entreter, ainda que não estivesse a fazer nada de especial.
Pego cuidadosamente nas beiras do meu tabuleiro, para não deixar cair nada, e dirijo-me até à mesa mais próxima. Após o pousar numa das mesa redonda de pedra, semelhante às que se veem nos cafés, abro o plástico transparente que envolvia a minha palhinha colorida e mergulho a mesma no meu sumo de laranja natural. Dou um pequeno gole para adocicar a minha boca e pego na minha sandes ficando algum tempo a fixar a mesma.
Uma voz familiar soa a meu lado e o meu olhar revira-se, involuntariamente, ao ver a rapariga de cabelos castanhos a requerer um chocolate. Catherine, após notar a minha presença, acena-me com um grande sorriso a romper-lhe os lábios e paga o seu pedido apressadamente. Sorrio-lhe falsamente, esperançosa que ela abandonasse o local mas, para mal dos meus pecados, acabo por franzir a sobrancelha ao ver que ela caminhava na minha direção. O seu corpo, muito mais elegante que o meu, coloca-se à minha frente, segurando a cadeira disponível, e pertencente à minha mesa, com a mão livre.
"Olá, Blair. Estás aqui sozinha?" Ela pergunta com um sorriso doce enquanto abria lentamente o papel que envolvia o chocolate. A sua voz melosa metia-me confusão e chegava-me a questionar se ela era realmente assim ou se apenas o fingia para se destacar.
"Sim, aparentemente." Eu respondo com alguma indiferença enquanto dava uma trinca na minha sandes de frango. Deliciosa, como habitual.
"Queres companhia?"
"Decerto que deves ter algo mais interessante para fazeres do que ficares aqui comigo." Eu digo, na esperança que ela realmente tivesse e se fosse embora. Infelizmente, e volto a sublinhar, como a sorte nunca está do meu lado, ela nega com a cabeça e arrasta as patas da cadeira pelo piso de azulejo claro, fazendo um pequeno e incómodo ruído.
"Posso?" Catherine inquere, pedindo-me permissão para ocupar a cadeira solitária que existia à minha frente.
"Está à vontade." Eu comento ainda que não fosse bem essa a minha verdadeira resposta.
Palavra puxa palavra e quando me apercebi ela estava a falar comigo sobre tudo e mais alguma coisa. A universidade e o futuro pareciam ser os seus temas preferido de conversa. A sua eloquência e política a falar era de admirar, admito, ainda que o nosso diálogo me estivesse a entediar bastante devido ao assunto.
A sua voz, como sempre melodiosa e irritante, fazia-me questionar se era esta a postura que ela tinha quando estava sozinha com o Zayn. Os ciúmes congelavam e congestionavam as minhas atitudes, assim como as minhas respostas. Não conseguia acreditar que a rapariga, à primeira vista inocente, se havia enrolado com um homem adulto e, além do mais, seu professor.
Eu até era capaz de fazer juízos de valor a mim própria mas, conhecendo-me tão bem como me conheço, a situação que estou/estava a viver não me espanta em nenhum parâmetro. Eu não aparento ser inocente e muito menos gosto de passar essa informação para as pessoas. Simplesmente sou como sou e, contrariamente a Catherine que se refugia em alguém que na realidade não é, eu espero que as pessoas gostem de mim pelo que sou. Claro que fora Zayn quem me surpreendera com as suas palavras gélidas e frias daquele maldito dia mas eu quisera mais e procurara-o em troca de mais.
Catherine irritava-me um pouco e, o facto de Zayn se ter distanciado de todas as outras alunas menos de Catherine, abria uma possibilidade para uma nova desilusão. A minha baixa-autoestima deixava-me uma lástima quando as lágrimas se apoderavam do meu rosto. As comparações às outras raparigas eram inevitáveis e o facto de Zayn não me assegurar uma relação partia-me em mil pedaços. Eu não sei o que somos agora mas o medo de dar um passo é muito elevado pois tenho sempre o receio de voltar a cair.
O meu telemóvel vibra, inesperadamente, ao receber uma mensagem, interrompendo o discurso de Catherine. Esta apenas me sorri, como se me desse privacidade para ler o que me haviam enviado.
"Tem uma boa noite, meu amor."
Zayn - Saturday. 19:16
"Já vais dormir, seu velho?"
Saturday. 19:16
"Desculpa, Catherine. Sim, continua." Eu desculpo-me, com um pequeno sorriso, voltando a ouvir as suas palavras relacionadas sobre um colega seu. Assinto com a cabeça, quando necessário, e desbloqueio o meu telemóvel algumas vezes, desesperada por receber uma nova mensagem.
Quando finalmente recebo, sorrio e apresso-me a lê-la.
"Vou corrigir uns relatórios e talvez já ouvir um pouco de música para adormecer."
Zayn - Saturday. 19:20
"Queria-te aqui, comigo."
Zayn - Saturday. 19:20
"Não sejas lamechas, seu urso."
Saturday. 19:21
"Namorado?" Catherine questiona intrigada e com um grande e amável sorriso no rosto. Encolho os ombros, meia dramática, e procuro uma resposta de forma a conseguir uma análise melhor do seu verdadeiro eu. Há que usar a minha inteligência para coisas a meu proveito.
"Quase, mas não. É apenas um amigo com benefícios. Sabes o que isso é?"
"Sei, quer dizer, sei o significado. Nunca tive um..." Ela ri-se meia envergonhada, deixando as suas bochechas com alguma cor. Desde que sai da minha explicação privada, tenho estado a ser muito incómoda para as pessoas. Vou, por isso, colocar as culpas no homem das tatuagens e de aroma hipnotizante.
"És vigem?"
Catherine olha-me chocada, engasgando-se a comer o bocadinho de chocolate que havia acabado de meter à boca. As minhas palavras diretas e frontais foram quase como uma faca a trespassarem-lhe a pele branca como o cal. Aguado uma resposta honesta por parte da mulher angelical e certinha.
"Sim, eu sou." Ela diz com o seu olhar no meu, muito enrubescida. O seu olhar aparenta-se aguar, talvez com a memória de algo não muito agradável, mas decido não a pressionar pois não queria que ela de desatasse em lágrimas, agora.
Assinto com a cabeça, respeitando a sua privacidade, e decido responder a Zayn que já me havia mandado mensagem à algum tempo atrás.
"Olha o respeito!"
Zayn - Saturday. 19:22
"Urso!"
Saturday. 19:26
Acabo por não ver mais a responde de Zayn pois as palavras cheias de coragem de Catherine acabam por despertar mais a minha atenção. Pouso o telemóvel na mesa de pedra, ao lado o meu tabuleiro, e ajeito o meu cabelo começando a ouvir o seu excerto da história.
"Eu gostava de alguém e, por diversas vezes, tentei ter algo com ele mas soube, recentemente, que ele gosta de outra rapariga." Catherine baixa o seu olhar fazendo alguns fios de cabelos taparem um pouco da sua face pálida e magra. "Pela forma como falou dela, ele parece amá-la verdadeiramente."
"Ele falou isso contigo?"
"Sim, apesar de tudo mantemos uma boa relação, agora sem proximidades."
"Oh, a sério?"
"Sim, a sério... " Catherine faz uma pausa para amarrotar o papel que envolvia o seu chocolate e logo retoma a sua fala. "Talvez nós não estejamos destinados a ficar juntos."
"É, talvez vocês não estejam..."